Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
EPISTEMOLOGIA HISTÓRICA
Gastón Bachelard
64
6.1 CIÊNCIA É ANTERIOR À RAZÃO
“A aritmética não está baseada na razão. É a doutrina da razão que está baseada na
aritmética elementar. Antes de saber contar, eu não sabia de modo algum o que era a
razão”. (p. 245)
65
são imediatos e primários, e sim sempre relativos a sistemas teóricos: o cientista nunca parte
da experiência pura. Esse é o sentido da famosa afirmação de Bachelard de que “O vetor
epistemológico vai do Racional ao Real, nunca ao contrário”.
Como afirmam Reale & Antisieri (1991), para Bachelard a forma do pensamento
científico é “uma verdade sobre o fundo de um erro”. A dúvida para Bachelard vai à frente
do método para derrubá-lo, e não antes dele, como queria Descartes, para fundamentá-lo de
forma definitiva. Ele afirma intuitivamente, em posição bastante semelhante a Popper, que
66
“parece que o espírito científico vive na estranha esperança que o próprio método se
choque com xeque-mate vital. E isso porque o xeque-mate tem por conseqüência o fato
novo e a idéia nova”. (p.335)
67
6.5 A TRADIÇÃO HISTORICISTA ALÉM DE BACHELARD: CANGUILHEM
68
da medicina, Claude Bernard acrescenta a esse postulado um conteúdo normativo, isto é, um
julgamento de valor que não estava, de início, nele contido. Pois quando falamos de doença
ou saúde, estamos implicitamente aceitando um julgamento de valor em função do grau de
perfeição com relação a um fim estabelecido, aquilo que estabelecemos como saúde.
Assim, contra Bernard, Canguilhem afirma que a medicina não é uma ciência, mas
uma técnica, que aplica conhecimentos para a consecução de um fim estabelecido. Ele
reconhece a medicina (assim como a Psiquiatria) como uma habilidade que a vida
desenvolveu para retomar seu fim essencial, já que o processo teleológico da vida não é
absolutamente eficaz e infalível. Em suma, a medicina é técnica porque ela existe,
fundamentalmente, para fazer com que a vida retome seu processo natural, e não para
definir o que é normal ou patológico, o que é saúde ou doença.
69
Mais conhecido é o seu ataque às ciências humanas e sua propalada declaração da
“morte do homem”. Foucault, profundamente ligado ao pensamento estruturalista, é inimigo
ferrenho da concepção de ser humano como pessoa, ou seja, como sujeito livre, consciente,
criativo, responsável e auto-determinado. Para ele, pensadores como Marx e Althusser
teriam provado que o ser humano é somente produto das estruturas econômicas, e suas
idéias determinadas por sua condição de classe. Por outro lado, pensadores como Freud e
Lacan teriam provado que o homem não se move, mas é movido por um inconsciente que
ele não compreende ou controla. Saussure teria comprovado que o homem não é o autor da
estrutura de sua própria linguagem, que há milênios formar-se-ia sem ele e que ele não
compreende plenamente, apesar de ter que usar esta estrutura para pensar. Ainda, a biologia
teria provado que nossa herança genética também está presa em estruturas que o sujeito não
conhece e não pode mudar. Assim, estaríamos imersos em estruturas que nos constroem e
determinam, e que não construímos ou determinamos. O homem para Foucault se reduz às
estruturas que o circundam.
Foucault (2002) portanto conclui o raciocínio como sua célebre tese de que o
“homem” como o concebemos, o ser humano da tradição humanista, é uma “invenção”
histórica recente, de cerca de duzentos anos, e que sua morte se deu em nossa época. Assim,
mais do que a morte de Deus, escreve Foucault em “As Palavras e as Coisas”, devemos
proclamar a morte do Homem.
6.7 CONCLUSÃO
70
Científicas”. Portanto, alguns temas levantados aqui serão provavelmente reconhecidos (e
talvez até melhor entendidos) nos capítulos que se seguem.
Bachelard afirma reiteradas vezes que a Filosofia deve renunciar à forma sistemática e
“arriscar-se”, ao lado da Ciência, nos novos campos do pensamento. Para ele o objeto da
Filosofia das Ciências deve ser portanto um objeto histórico: cada ciência deve produzir, a
cada momento de sua história, suas próprias normas de verdade e os critérios de sua
existência. Para ele isso não resulta em relativismo, porque a ciência se constrói através de
verdades constantemente retificadas e aproximadas. No entanto isto pouco responde.
Aproximadas de quê? Retificadas em relação a quê? Em relação a uma verdade eterna e a-
histórica, inalcançável mas aproximável? E como se sabe que se está mais próxima dela?
Qual é o critério objetivo de avaliação, qual é o critério de justificação de uma teoria
científica? Como posso fazer História da Ciência identificando atividades científicas em
outros momentos históricos, se a cada momento histórico a ciência é uma coisa
completamente diferente? Estas questões, que constituem a essência de uma posição
propositiva em matéria de Epistemologia, permaneceram obscuras em seu pensamento, e em
toda a tradição francesa.
71