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Filosofia – UFFS

Filosofia Moderna
Prof. Flávio Zimmermann
Bernardo Padilha

Recuperação do Primeiro Ensaio

Apresentação da prova cartesiana acerca da existência de Deus

Na terceira meditação do livro “Meditações de Filosofia Primeira”, Descartes


discorre e defende a tese da existência de Deus. Partindo do cogito ergo sum, se
pergunta o que tem ele além da noção da própria existência, então, considera a ideia
de Deus.
Aponta que precisamos considerar se há algo que possa não ter provindo de
mim mesmo, no sentido de que conhecemos a partir de nós mesmos, de acordo com
nossas percepções. Sabemos que aquilo é uma porta, e que é verde, embora ela
possa não ser propriamente uma porta, e nem propriamente um verde (tome como
exemplo uma pessoa daltônica, que enxerga no lugar do verde um laranja). Digo isso
levando em conta o aspecto do gênio maligno, que nos impediria de alcançar a
verdade.
Para Descartes, ideias como perfeição e infinito jamais poderiam estar
presentes em nós, como seres finitos e complexos, se não antes colocadas por Deus,
uma substância verdadeiramente infinita e perfeita. Mas aqui encontro-me em
dúvida: É fato que sabemos como é bom comer quando nos lembramos da fome uma
vez sentida, então não teria esta ideia surgido da carência do infinito, sendo nós e
todas as outras coisas existentes finitas?
Para Descartes, não.
“E não devo imaginar que não concebo o infinito por uma verdadeira ideia,
mas somente pela negação do que é finito, do mesmo modo que compreendo o
repouso e as trevas pela negação do movimento e da luz; pois, ao contrário, vejo
manifestamente que há mais realidade na substancia infinita do que na finita e,
portanto, que de alguma maneira, tenho em mim a noção do infinito anteriormente à
do finito, isto é, de Deus antes de mim mesmo”. Parágrafo 23, pág. 116.
DESCARTES, René. Meditações da Filosofia Primeira.
Complementará dizendo que, se não tivéssemos em si a ideia de um ser mais
perfeito que nós mesmos, não poderíamos saber que duvidamos e desejamos, no
caso, que falta algo em nós, que não somos inteiramente perfeitos. Sem a ideia de
algo perfeito para nos compararmos, não haveriam necessidades adicionais em
nosso ser.
Certo que, levando em conta como verdadeiro o antes mencionado, Deus nos
colocou a ideia de si mesmo (ou pelo menos de algo semelhante) na mente.
Para Descartes, a ideia de Deus é clara e distinta, contém em si mais
realidade objetiva de que qualquer outra ideia previamente ou posteriormente
existente, não havendo outra que seja por si mais verdadeira e nem que possa ser
menos suspeita de erro ou falsidade, principalmente pelo fato de tudo ser inferior à
Deus. Também não poderia ser derivada de outras ideias que tínhamos
anteriormente, pois é impossível que a perfeição derive da imperfeição, impossível
que algo maior saia de algo menor.
Como uma prova de que Deus é a razão e o motivo da existência de todas as
coisas, Descartes analisa de que outras maneiras nossa existência poderia ser
concebida, caso Deus não existisse.
Em primeiro caso, analisará a possibilidade de que eu mesmo tenha me
criado, quanto substância, e esta por si é a mais falha e fácil de se resolver.
Dizer que eu mesmo me criei, sendo assim atualmente imperfeito é
incoerente, visto que, se eu fosse meu próprio criador, sem sombra de dúvidas me
criaria sem nenhuma carência, muito pelo contrário, me banharia em perfeição.
Além do mais, se fosse independente de outro ser, nunca haveria dúvida nem desejo
em mim, logo, seria Deus. Também fala de tempo, onde a questão do “eu” se faz
presente:
“[...] é necessário que Deus seja o autor de minha existência. Pois todo o
tempo de minha vida pode ser dividido em uma infinidade de partes, cada uma das
quais não depende de maneira alguma de outras; e assim do fato de ter sido um
pouco antes não se segue que eu deva ser atualmente, a não ser que nesse momento
alguma coisa me produza e me crie, por assim dizer, novamente, isto é, me
conserve.” Pagina 118, parágrafo 33.
Posteriormente, entrará no mérito dos pais.
É certo que me criaram e me fizeram, enquanto matéria, porém não é
aceitável que sejam eles quem me criaram enquanto substância pensante, que
impuseram em mim tais ideias de perfeição e infinito, e nem que me conservem,
pois assim, também seriam Deus.
É importante destacar que para Descartes (e também para a lógica), a
realidade na causa deve ser superior em relação ao seu efeito, como citado mais
acima, é impossível que algo maior tenha saído de algo menor, ou que esse algo
menor seja capaz de comportar em sua totalidade o maior (exemplo das Caixas de
Flávio: é impossível que coloquemos uma caixa de 5m² dentro de uma caixa de
2m²).
Por último, considerará que eu existo por qualquer outra causa, menos Deus.
Novamente, se aqui várias coisas me criam, certamente nenhuma delas é
perfeita, já que precisaram de várias para me criar, nenhuma tem em si todas as
qualidades existentes, que consigo encontrar em Deus.
“Não se pode fingir também que talvez muitas causas juntas tenham
concorrido em parte para me produzir, e que recebi de uma a ideia de uma das
perfeições que atribuo a Deus, e de outra a ideia de alguma outra, de sorte que todas
essas perfeições se encontram na verdade em alguma parte do universo, mas não se
acham todas juntas e reunidas em uma só que seja Deus.” Pagina 119, parágrafo 36.
Logo, em mim não haveria um conceito de unidade, nem de simplicidade,
nem de inseparabilidade, sendo que qualquer outra causa que não seja Deus é
complexa, separável, imperfeita...
Vendo que as propostas anteriores são logicamente impossíveis para
Descartes, resta apenas a ele descobrir de que maneira concebeu a ideia de Deus,
pois não a concebeu de maneira empírica, nem de maneira racional.
Resta então dizer que a ideia de Deus nasceu e foi produzida comigo e em
mim desde o momento em que nasci.

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