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Descartes

Ao examinar a mente (o cogito ou pensamento), Descartes distingue 3 tipos de


ideias:

1. Ideias inatas, que nasceram consigo e que fizeram desde sempre parte
da sua natureza, como as ideias do pensamento ou da verdade;
2. Ideias adventícias, que estão fora da sua mente e parecem ter sido
adquiridas pelos sentidos, como as ideias de sol ou de calor;
3. Ideias factícias, que são invenções da imaginação, como as sereias, o
lobisomem, etc.

- Porém, estas ideias podem consistir em erros, ou seja, todas elas podem ser
factícias;

- desconhece a causa e a origem das suas ideias e nada lhe permite estar
seguro de que as ideias de sol ou calor tenham origem em objetos fora de si e
que sejam semelhante sou iguais ao que representam.

- Apesar de perceber que tem um corpo e que o mundo físico é real, que há um
sol e que este é fonte de calor, que garantias tem de que o que concebe como
sendo claro e distinto é de facto absolutamente verdadeiro. Por isso, a hipótese
da existência de um génio maligno não está posta de parte e leva-o a duvidar
de quase tudo.

Por isso, Descartes terá de afastar a hipótese de existência de um deus


enganador e provar que aquilo que conhece com clareza e distinção é
absolutamente verdadeiro. Se não houver esta garantia, ele cairá no

Solipsismo: perspetiva segundo a qual nada pode ser conhecido, à exceção


do próprio eu e dos conteúdos da sua consciência.

A existência de Deus
Descartes tenta comprovar a existência de um Deus omnipotente, omnisciente
e inteiramente bom. Trata-se de alguém exterior à sua mente que possa
cumprir o papel de garante da possibilidade de verdades indubitáveis.

Para Descartes, Deus existe com toda a clareza e distinção. Para o provar,
apresenta vários argumentos à priori, baseados exclusivamente na razão,
apresentados na obra “Meditações sobre a Filosofia Primeira”. Ambos têm
como ponto de partida uma mesma premissa: ter em si uma ideia de perfeição
ou a ideia de um ser perfeito.

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1. Argumento da marca impressa

- apoia-se nas ideias da causalidade e da perfeição.

- enquanto ser pensante, Descartes sabe que duvida e, como duvida, não pode
ser perfeito, uma vez que conhecer é uma perfeição maior do que duvidar.
Assim, segundo Descartes “o menos perfeito não pode ser a causa do mais
perfeito”. Apesar daquele que duvida não conhecer, sabe que a perfeição
existe.

- Esta ideia de perfeição implica uma causa e não pode ser o sujeito pensante,
uma vez que é imperfeito.

- Logo, a ideia da perfeição só pode ter sido colocado no Homem por um ser
perfeito e infinito, Deus;

- Só Deus tem tanta realidade, como a própria ideia de Deus.

- Deus é ou existe e imprimiu na mente dos homens a ideia de perfeição como


uma marca inata da ação da sua obra.

A ideia de um ser mais perfeito do que nós tem a sua origem em Deus. Como
duvido, sei que sou imperfeito. Mas como duvido da minha perfeição, sei que
ela existe e que há um ser mais perfeito do que eu. Essa ideia de um ser mais
perfeito do que eu, não pode ter sido criada por mim, mas sim deve ter sido
colocada em mim por um ser mais perfeito do que eu. Esse ser tem de ter
todas as perfeições possíveis, logo só pode ser Deus.

2.º argumento ontológico – a existência é essencial à perfeição.

Deus é o ser mais perfeito que é possível imaginar, um ser que possui todas as
perfeições. Como é perfeito, tem obrigatoriamente que existir.

- Um ser perfeito, não seria perfeito caso não existisse, pois faltar-lhe-ia uma
das condições necessárias da perfeição.

- Logo Deus é perfeito, Deus tem de existir na realidade. Deus é ou existe

Ex. Quando examino um triângulo, percebo que tem de ter três lados e três
ângulos. Do mesmo modo, quando examino a ideia de um ser perfeito (Deus),
percebo que este tem obrigatoriamente de existir, porque a propriedade de
existir é algo que um ser perfeito não pode deixar de ter. Se não existir, não
será perfeito, pois faltar-lhe-á a perfeição.

3.º Como Deus existe, a hipótese da existência de um génio maligno deve ser
afastada. Como Deus não é mau, certamente não nos enganará. Como as
nossas ideias têm origem em Deus, têm de ser obrigatoriamente verdadeiras
se forem claras e distintas.

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A existência de Deus justifica, segundo Descartes, o critério das ideias claras e
distintas. Sabemos que é verdeiro tudo aquelo que concebemos clara e
distintamente, porque as nossas capacidades de conhecimento foram
criadas por Deus, que não é um ser enganador.

Assim, se usarmos bem as nossas faculdades, confiando apenas no que


compreendemos clara e distintamente, chegaremos à verdade e
evitaremos o erro. Chegaremos, então, à conclusão de que aquilo que nos
rodeia não é uma ilusão: o mundo exterior é real e nós podemos conhecê-lo.
Desta forma, com a validação do nosso conhecimento por parte de Deus, nós
conseguiremos atingir o conhecimento e afastamo-nos do ceticismo. Como
Deus existe, podemos ter realmente conhecimento, sem estarmos enganados
sobre aquilo que realmente julgamos saber.

Deus como garante epistemológico

- Deus é ou existe.

- Mas será que não é um Deus enganador? Não, devido à sua infinita bondade.
Se ele possui a perfeição, terá obrigatoriamente de incluir todas as perfeições.
Logo, sendo a bondade também uma perfeição, será incompatível com a
intenção maldosa de enganar. Logo, Deus nunca nos poderá enganar.

- Deus é então uma ideia inata impressa no cogito, isto é, uma marca do
criador na criatura;

- é também uma entidade exterior à sua mente, cuja justificação se encontra na


clareza e distinção com que é descoberto, porque garante que aquilo que é
como evidente é necessariamente verdadeiro. Assim, as coisas corpóreas fora
da nossa mente são verdadeiras, como o conhecimento empírico do mundo e
as proporções a priori da matemática e da geometria.

- Somos uma mente e um corpo e não apenas uma coisa pensante – Deus é
uma garantia epistemológica.

Sendo Deus garante epistemológico, Descartes pode concluir por dedução


outras verdades não básicas e reconstruir um edifício de crenças
verdadeiras e justificadas.

- Fá-lo-á avançando de forma metódica e cautelosamente de uma ideia clara e


distinta para outra, a partir de alicerces ou fundações sólidas. Para tal, iremos
recorrer aos nossos poderes e sentidos racionais, com os quais o Deus perfeito
nos dotou e que nos permite chegar à verdade. Desde que façamos um uso
correto das nossas faculdades, o conhecimento do mundo está ao nosso
alcance.

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- Apesar de Deus ter sido a segunda certeza descoberta por Descartes, é a
primeira em grau de importância, porque é ela que suporta todo o sistema
cartesiano e que garante a possibilidade de aquisição e justificação do
conhecimento (verdades universalmente válidas e logicamente necessárias).

- O ceticismo foi negado para sempre!

Objeções ao racionalismo Cartesiano

- A descoberta do cogito foi essencial foram fundamentais para estabelecer a


superioridade da razão e derrotar o ceticismo.

- Para concluir que a coisa pensante era a base da construção do edifício do


conhecimento absolutamente certo e infalível, foi necessário encontrar um
garante externo da certeza e distinção de ideias – Deus.

- porém o seu método e o conteúdo do seu pensamento foram alvo de muitas


objeções.

1. A dúvida cartesiana é impraticável e incurável

- Principal crítico – David Hume

- De acordo com Hume, a dúvida cartesiana é universal e diz respeito a todas


as nossas crenças e princípios e põe também em causa as nossas faculdades
mentais e as operações de raciocínio.

- por isso, a dúvida metódica de Descartes é impraticável e incurável.

- Descartes estaria apenas em condições de concluir que existe enquanto


sujeito pensante ou, se formos mais rigorosos, de concluir que existem
estados de dúvida ou de pensamento, não sendo possível progredir na
cadeia de pensamento ou ir mais além.

2. Petição de Princípio

- Descartes, a propósito dos seus argumentos sobre a existência de Deus,


incorre na falácia d apetição de princípio ou círculo cartesiano.

Estou certo de que Deus é ou existe e não é enganador, pois concebo-o como
uma ideia clara e distinta.

Estou certo de que as ideias claras e distintas são verdadeiras, pois Deus é
ou existe e não é enganador.

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Conclusão: Para os críticos, o fundacionalismo cartesiano não responde,
satisfatoriamente, ao desafio cético.

David Hume
- filósofo empirista

Empirismo: teorias epistemológicas que identificam como fonte de aquisição e


justificação do conhecimento a experiência sensível.

- A principal fonte de aquisição e justificação do conhecimento é a experiência


(ao contrário da razão).

Racionalismo Empirismo
- A principal fonte de aquisição e - A principal fonte de aquisição e
justificação do conhecimento é a justificação do conhecimento é a
razão. experiência.
- Deus, como ser perfeito que é, - Não possuímos qualquer
dotou o ser humano de razão e conhecimento à nascença/inato.
capacidade de pensar (cogito), que - Quando nascemos, a mente é
lhe permite atingir o conhecimento. vazia, como uma tábua rasa ou uma
- As ideias de Deus e pensamento folha de papel em branco.
são crenças verdadeiras justificadas - Depois, a experiência vai
e inatas que descobrimos com o inscrevendo a informação, à medida
recurso à razão ao fazermos o uso que vai sendo adquirida através da
metódico e correto das nossas experiência e dos 5 sentidos
faculdades.

- De acordo com o empirismo:

 Não existe, antes do nascimento qualquer conhecimento;


 A mente é uma tábua rasa ou uma folha de papel;
 Não existem ideias inatas
 Defende, tal como o racionalismo, o fundacionalismo (o conhecimento
deve assentar sobre crenças básicas infalíveis), mas os alicerces do
edifício só podem ser fornecidos pela experiência sensível e não pela
razão ou por quaisquer crenças sensíveis possuídas à nascença.

DAVID Hume (1711-1776) tem como objetivo, através da aplicação de


métodos usados nas ciências da natureza, construir uma ciência da natureza
humana, isto é, pretende fazer a geografia ou anatomia da estrutura interna
da nossa mente.

- Hume pretende, assim, investigar os princípios que dão origem às nossas


crenças (como adquirimos o conhecimento? Qual a origem, a natureza e o
alcance do conhecimento?)

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- Compreender a origem, a natureza e o alcance do conhecimento implica
investigar rigorosamente como funciona a nossa mente e quais são as suas
operações e capacidades.

- implica apoiar-se exclusivamente naquilo de que temos experiência, nos


conteúdos da mente ou nos factos psíquicos.

- O mundo exterior à mente é uma incógnita. Por isso, a investigação de


Hume começa pela consciência e pelos seus conteúdos.

Conclui que tudo o que encontramos na mente são perceções, que se


organizam em 2 grupos distintos, de acordo com os seus graus de força e
vivacidade:

Perceções
Impressões Ideias
- representações ou imagens menos
- são os objetos das nossas vividas ou menos intensas que as
experiências presentes e atuais. impressões;
- são mais vividas e intensas. - correspondem a recordações de
- sensações externas (relativas aos 5 sensações externas ou sentimentos
sentidos, como ver ou ouvir); internos ou ao que imaginamos a
- sentimentos internos (relacionados partir deles.
com as emoções, sentimentos e - representações ou imagens de
desejos, quando amamos ou impressões
odiamos) - dizem respeito ao pensar
- São os objetos da experiência - São menos vividas e intensas
presente ou atual - São cópias das impressões
- dizem respeito ao sentir;
- Procedem sempre as ideias. Ex.: Penso na dor que senti ao
Ex.: sinto a dor intensa de entalar um entalar um dedo.
dedo.

Conclusão:

Sentir: sentimentos ou impressões adquiridas no imediato através dos 5


sentidos ou das emoções; Assim, impressões são objetos da nossa
experiência atual (sentir). São perceções mais fortes e mais vividas ou nítidas,
que incluem sensações externas (5 sentidos) e sentimentos internos
(emoções).

Pensar: recordações ou representações menos vividas e intensas e não


imediatas que surgem, posteriormente, no nosso pensamento. Por isso, ideias
são objetos da memória e da imaginação (pensar). São perceções menos
vividas e intensas, porque são copiadas das impressões.

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As impressões, tal como as ideias, podem ser simples ou complexas.

Impressões e ideias simples: não admitem qualquer separação ou divisão


(ideia de verde)

Impressões e ideias complexas: podem ser decompostas e divididas em


partes.

Ex.: ideia da maçã. Numa maçã, estão reunidas diversas qualidades, que
embora formando um conjunto não se misturam umas com as outras: a cor, o
sabor ou um odor específico (impressões ou ideias simples).

O princípio da cópia
- Todo o conhecimento tem como ponto de partida as impressões, ou seja, a
experiência.

- Não existem ideias inatas.

- As ideias simples são sempre cópias de impressões simples.

- As ideias complexas podem ser construídas a partir de várias impressões


simples ou complexas ou através da imaginação, combinando diferentes ideias
simples ou complexas (sereias e unicórnios).

Conclusão: todas as ideias, sem exceção, são cópias de impressões que


obrigatoriamente aconteceram antes.

- Se todas as ideias copiam impressões, não podemos formar uma ideia do que
quer que seja sem que tenhamos antes as impressões externas ou internas
correspondentes.

- As impressões são a matéria-prima das ideias.

Quem nunca observou um axolote, não está habituado a conceber noções


correspondentes.

- Para Hume, todos os materiais do pensamento, derivam direta ou


indiretamente das impressões, daí a existência do princípio da cópia, que
explica a semelhança entre as nossas ideias e impressões.

Argumento a favor do princípio da cópia e da precedência das impressões:

 Argumento do cego e do surdo

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- Se as ideias não derivassem das impressões, as pessoas surdas e cegas
desde a nascença poderiam ter as ideias correspondentes. Contudo, está
provado que cegos e surdos que estão privadas desde a nascença das
capacidades de ver e ouvir, são incapazes de formar, por exemplo, ideias das
cores e dos sons, respetivamente.

 Por isso, todas as ideias, sem exceção, são cópias de impressões

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