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1596 - 1650
Distinção alma-corpo: verdade obtida a partir do Cogito
A certeza do cogito não garante a certeza da existência corpórea nem do mundo.
Poderia continuar a supor que tudo o que é material não existe sem que isso
abalasse a certeza da sua natureza pensante.
Logo, teria de concluir que existe como Alma e não como Corpo.
«Depois disto, tendo refletido que duvidava e que, por consequência, o meu ser
não era inteiramente perfeito, pois via claramente que conhecer é maior
perfeição do que duvidar, lembrei-me de procurar de onde me teria vindo o
pensamento de alguma coisa mais perfeita do que eu.
(…) Tê-la formado do nada era uma coisa manifestamente impossível; e porque
não repugna menos admitir que o mais perfeito seja uma consequência (…) do
menos perfeito do que admitir que do nada procede alguma coisa, não a podia
receber de mim próprio. De maneira que restava apenas que ela tivesse sido
posta em mim por uma natureza que fosse verdadeiramente mais perfeita do
que eu (…) Deus.»
Descartes, Discurso do Método
o Descartes constata que é um ser imperfeito (se duvido, não sou perfeito)
Não pode ter origem no nada (tudo o que existe tem uma causa – Princípio
da Causalidade)
Não pode ser ele próprio o criador dessa ideia uma vez que é imperfeito
(uma causa deve ter pelo menos tanta realidade quanto os seus efeitos – o
menos perfeito não pode ser causa do mais perfeito)
Argumento da marca
“Olhando para o seu próprio ‘eu’, que é tudo o que lhe resta neste
momento, Descartes descobre que tem uma ideia de perfeição.
Argumenta, então, que uma tal ideia implica uma causa. No entanto, a coisa
que originou essa ideia deve possuir tanta ‘realidade’ como ela, e isso inclui
a perfeição. Isto implica que só uma causa perfeita, isto é, Deus, pode servir.
Por isso, Deus existe e legou-nos a ideia de perfeição como um sinal inato
da sua ação nas nossas mentes, assim como um artesão deixa a sua marca
gravada no seu trabalho.”
Simon Blackburn, Pense – Uma Introdução à Filosofia, Gradiva, 2001, pág. 42.
«Depois disso, quis ainda pensar outras verdades, e tomando por tema a
matéria dos geómetras [ideias matemáticas] (…) eu compreendia bem que,
sendo dado um triângulo, é necessário que os seus três ângulos sejam iguais a
dois retos; mas apesar disso, nada via que me garantisse que no mundo existe
qualquer triângulo. (…)
Ambas são ideias claras e distintas, evidentes, mas há algo que as distingue, o quê?
A existência
Não há nada na ideia de triângulo que garanta que existem triângulos no mundo.
Trata-se de uma verdade lógica, mas não ontológica.
De acordo com o argumento ontológico, Deus define-se como o ser mais perfeito
que é possível imaginar; ou, na mais famosa formulação do argumento, a de
Santo Anselmo (1033-1109), Deus é “aquele ser maior do que o qual nada pode ser
concebido”. A existência seria um dos aspetos desta perfeição ou grandiosidade.
Construir um dicionário:
P = A existência é uma perfeição
Q = Deus, por definição, tem todas as perfeições
R = Deus, por definição tem de existir
Formalizar o argumento:
(P ᴧ Q) → R, P, Q ∴ R
P Q R (P ᴧ Q) → R P Q ∴R
V V V V V V V V
V V F V F V V F
V F V F V V F V
V F F F V V F F
F V V F V F V V
F V F F V F V F
F F V F V F F V
F F F F V F F F
Mas se Deus nos deu tal possibilidade (descobrir a verdade), por que razão
duvidamos e erramos?
Descartes conclui que o erro não vem de Deus (perfeito), mas de nós (imperfeitos)
quando fazemos um mau uso da nossa liberdade, aceitando como verdadeiras
coisas que não concebemos clara e distintamente.
Função de Deus na filosofia cartesiana
Deus é o fundamento de todo o conhecimento
Para saber que existe como um ser pensante, não precisa de Deus - a primeira
verdade indubitável é o Cogito, conhecido antes de Deus - mas para saber que o
que é indubitável/evidente é absolutamente certo (critério de verdade), precisa
de Deus:
A nossa razão concebe ideias claras e distintas, evidentes, logo verdadeiras (a Perfeição /
Deus é uma ideia clara e distinta, tal como o cogito ), ora, podemos confiar nelas, porque
a causa destas ideias é Deus que, sendo perfeito, não me iria enganar.
Deus = Perfeito – não engana e é omnipotente, logo nem Ele pode ser um génio
maligno, nem nenhum génio maligno o pode incomodar.
Deus garante que aquilo que é claro e distinto para mim num certo
momento é uma verdade objetiva (vale independentemente de mim e para
sempre), ou seja, o que concebo como verdadeiro é verdadeiro (Deus não
me iria enganar , fazendo-me conceber algo claro e distinto, não o sendo)
A metafísica é o fundamento da ciência/conhecimento
De Deus ao Mundo / Existência Corpórea
Descartes pode dizer que tem certezas na primeira pessoa acerca de si próprio como
eu pensante, mas a existência do mundo ainda permanece em dúvida. Daí que
Descartes precise de uma ligação , “ponte” que lhe permita vencer a distância entre
o eu pensante e o mundo.
Temos um pedaço de cera com uma certa forma, tamanho, cor, perfume,
através dos sentidos, temos experiência destas propriedades.
Mas se o aproximarmos do fogo, estas propriedades alteram-se, embora o pedaço
de cera seja o mesmo.
Não faz sentido que Deus nos tivesse criado de modo a que
conhecêssemos coisas que não passam de fantasias.
1ª Certeza – eu existo, sou uma res cogitans
2º Certeza – Deus existe, res infinita
3ª Certeza – o Mundo existe, res extensa