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RENÉ DESCARTES

Filósofo francês fundador do Racionalismo Moderno (séc. XVII)

1596 - 1650
Distinção alma-corpo: verdade obtida a partir do Cogito


A certeza do cogito não garante a certeza da existência corpórea nem do mundo.
Poderia continuar a supor que tudo o que é material não existe sem que isso
abalasse a certeza da sua natureza pensante.
Logo, teria de concluir que existe como Alma e não como Corpo.

Alma – res cogitans Corpo - res extensa


Não tem forma Tem forma
Não tem extensão Tem dimensões
Não ocupa espaço Ocupa espaço
Imaterial Material
Critério de verdade
São verdadeiras todas as proposições evidentes: Clareza e a Distinção = critério
de Verdade

«Depois disso, considerei o que é


 Se não puder estar certo
indispensável a uma proposição para ser daquilo que concebo clara e
verdadeira e certa. (…) E, tendo notado distintamente, então não posso
que não há nada no “eu penso, logo estar certo do cogito.
existo”, que me garanta que digo a
verdade, a não ser que vejo claramente que Posso estar certo do cogito.
para pensar é preciso existir, julguei que
podia admitir como regra geral que é Logo, posso estar certo daquilo
verdadeiro tudo aquilo que concebemos que concebo clara e
muito clara e distintamente.» distintamente.

Só as ideias claras e distintas (é impossível serem falsas) são verdadeiras, porque


não têm justificação fora de si, são a priori, são INATAS.

O cogito é uma ideia inata.


Caraterísticas da ideia de cogito + tipos de ideias – pág. 160
Verdade obtida a partir do Cogito: A existência de Deus


«Depois disto, tendo refletido que duvidava e que, por consequência, o meu ser
não era inteiramente perfeito, pois via claramente que conhecer é maior
perfeição do que duvidar, lembrei-me de procurar de onde me teria vindo o
pensamento de alguma coisa mais perfeita do que eu.

(…) Tê-la formado do nada era uma coisa manifestamente impossível; e porque
não repugna menos admitir que o mais perfeito seja uma consequência (…) do
menos perfeito do que admitir que do nada procede alguma coisa, não a podia
receber de mim próprio. De maneira que restava apenas que ela tivesse sido
posta em mim por uma natureza que fosse verdadeiramente mais perfeita do
que eu (…) Deus.»
Descartes, Discurso do Método

A ideia de perfeição existe no seu pensamento:

«via claramente que conhecer é maior perfeição do que duvidar»


«de onde me teria vindo o pensamento de alguma coisa mais perfeita do que eu.»
«o meu ser não era inteiramente perfeito»

Qual a origem/causa dessa ideia?


Causa da ideia de perfeição = ser perfeito = Deus (res divina)


o Descartes constata que é um ser imperfeito (se duvido, não sou perfeito)

Encontra em si a ideia de perfeição (para se saber imperfeito tem de ter a ideia


de perfeição)

 Não pode ter origem no nada (tudo o que existe tem uma causa – Princípio
da Causalidade)

 Não pode ser ele próprio o criador dessa ideia uma vez que é imperfeito
(uma causa deve ter pelo menos tanta realidade quanto os seus efeitos – o
menos perfeito não pode ser causa do mais perfeito)
Argumento da marca

A ideia de perfeição tem como causa um ser perfeito

“Olhando para o seu próprio ‘eu’, que é tudo o que lhe resta neste
momento, Descartes descobre que tem uma ideia de perfeição.
Argumenta, então, que uma tal ideia implica uma causa. No entanto, a coisa
que originou essa ideia deve possuir tanta ‘realidade’ como ela, e isso inclui
a perfeição. Isto implica que só uma causa perfeita, isto é, Deus, pode servir.
Por isso, Deus existe e legou-nos a ideia de perfeição como um sinal inato
da sua ação nas nossas mentes, assim como um artesão deixa a sua marca
gravada no seu trabalho.”

Simon Blackburn, Pense – Uma Introdução à Filosofia, Gradiva, 2001, pág. 42.
«Depois disso, quis ainda pensar outras verdades, e tomando por tema a
matéria dos geómetras [ideias matemáticas] (…) eu compreendia bem que,
sendo dado um triângulo, é necessário que os seus três ângulos sejam iguais a
dois retos; mas apesar disso, nada via que me garantisse que no mundo existe
qualquer triângulo. (…)

Ao passo que, voltando a examinar a ideia de um ser perfeito, notava que a


existência está contida nessa ideia (…) e que, por conseguinte, é pelo menos
tão certo como qualquer demonstração da geometria, que Deus, esse ser
perfeito, é ou existe.»

Ideias matemáticas Ideia de perfeição

Ambas são ideias claras e distintas, evidentes, mas há algo que as distingue, o quê?

A existência

Não há nada na ideia de triângulo que garanta que existem triângulos no mundo.
Trata-se de uma verdade lógica, mas não ontológica.

Já a ideia de perfeição implica a sua existência. Um ser perfeito tem de existir,


porque a inexistência é falta de perfeição. Trata-se de uma verdade lógica e
ontológica.
Argumento ontológico

A existência está contida na ideia de Deus/Perfeição

De acordo com o argumento ontológico, Deus define-se como o ser mais perfeito
que é possível imaginar; ou, na mais famosa formulação do argumento, a de
Santo Anselmo (1033-1109), Deus é “aquele ser maior do que o qual nada pode ser
concebido”. A existência seria um dos aspetos desta perfeição ou grandiosidade.

Um ser perfeito não seria perfeito se não existisse. Consequentemente, da


definição de Deus seguir-se-ia que Deus existe necessariamente, tal como se segue
da definição de um triângulo que a soma dos seus ângulos internos será de 180
graus.

A existência de Deus é uma verdade necessária, porquê?

Deus é Perfeição. Ora a existência está contida na ideia de perfeição.


Se Deus não existisse não era perfeito.

Este argumento caracteriza-se por tentar deduzir a existência de Deus a


partir do facto de termos a ideia de perfeição (ideia de Deus).
Avaliar o argumento

Se a existência é uma perfeição e Deus, por definição, tem todas as perfeições, então Deus, por
definição, tem de existir. Ora, a existência é uma perfeição. Além disso, é verdade que Deus tem,
por definição, todas as perfeições. Portanto, Deus, por definição, tem de existir.

Representar canonicamente o argumento:


- Se a existência é uma perfeição e Deus, por definição, tem todas as perfeições, então Deus, por
definição, tem de existir
-- A existência é uma perfeição
-- Deus tem, por definição, todas as perfeições
-- Logo, Deus, por definição, tem de existir

Construir um dicionário:
P = A existência é uma perfeição
Q = Deus, por definição, tem todas as perfeições
R = Deus, por definição tem de existir

Formalizar o argumento:
(P ᴧ Q) → R, P, Q ∴ R
P Q R (P ᴧ Q) → R P Q ∴R

V V V V V V V V

V V F V F V V F

V F V F V V F V

V F F F V V F F

F V V F V F V V

F V F F V F V F

F F V F V F F V

F F F F V F F F

O argumento é válido. Não existe qualquer circunstância em que as


premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.
Se Deus é perfeito, não engana (enganar seria uma imperfeição)

Deus deu-nos as ferramentas necessárias para a descoberta da verdade, assim o


que concebo clara e distintamente é objetivamente verdadeiro.
Deus garante a adequação entre o que é evidente ao pensamento e a realidade.
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Mas se Deus nos deu tal possibilidade (descobrir a verdade), por que razão
duvidamos e erramos?

Segundo Descartes, Deus, ao ser perfeito é sumamente bom, concedeu-nos o livre-


arbítrio, mas, embora uma vontade livre seja própria da perfeição, ela transporta
também a possibilidade de fazer (más) escolhas.

Descartes conclui que o erro não vem de Deus (perfeito), mas de nós (imperfeitos)
quando fazemos um mau uso da nossa liberdade, aceitando como verdadeiras
coisas que não concebemos clara e distintamente.
Função de Deus na filosofia cartesiana


 Deus é o fundamento de todo o conhecimento

Para saber que existe como um ser pensante, não precisa de Deus - a primeira
verdade indubitável é o Cogito, conhecido antes de Deus - mas para saber que o
que é indubitável/evidente é absolutamente certo (critério de verdade), precisa
de Deus:
A nossa razão concebe ideias claras e distintas, evidentes, logo verdadeiras (a Perfeição /
Deus é uma ideia clara e distinta, tal como o cogito ), ora, podemos confiar nelas, porque
a causa destas ideias é Deus que, sendo perfeito, não me iria enganar.

Deus garante a verdade das nossas ideias claras e distintas


Função de Deus na filosofia cartesiana
 A existência de Deus destrói a hipótese de um génio maligno


Deus = Perfeito – não engana e é omnipotente, logo nem Ele pode ser um génio
maligno, nem nenhum génio maligno o pode incomodar.

 Deus garante a adequação entre o pensamento evidente e a realidade;


Deus é a garantia da verdade objetiva

 Deus garante que aquilo que é claro e distinto para mim num certo
momento é uma verdade objetiva (vale independentemente de mim e para
sempre), ou seja, o que concebo como verdadeiro é verdadeiro (Deus não
me iria enganar , fazendo-me conceber algo claro e distinto, não o sendo)
 A metafísica é o fundamento da ciência/conhecimento
De Deus ao Mundo / Existência Corpórea


Descartes pode dizer que tem certezas na primeira pessoa acerca de si próprio como
eu pensante, mas a existência do mundo ainda permanece em dúvida. Daí que
Descartes precise de uma ligação , “ponte” que lhe permita vencer a distância entre
o eu pensante e o mundo.

A premissa “Deus existe e não é enganador” irá desempenhar esse papel.

Destruindo a hipótese do génio maligno ao estabelecer a existência de um Deus


sumamente bom e sábio, Descartes obtém a garantia absoluta de que o mundo é
como pensamos que é, na condição de usarmos corretamente as faculdades com que
Deus equipou o homem.
É verdade que os sentidos estão sujeitos ao erro se nos precipitarmos, mas podemos
corrigi-los através do correto uso da razão. Se concebermos algo clara e
distintamente, ainda que estejamos a dormir, a sua verdade está assegurada.
Só as ideias claras e distintas são verdadeiras, logo para conhecermos o Mundo
temos que ter uma ideia clara e distinta dos objetos físicos. Exemplo


Temos um pedaço de cera com uma certa forma, tamanho, cor, perfume,
através dos sentidos, temos experiência destas propriedades.
Mas se o aproximarmos do fogo, estas propriedades alteram-se, embora o pedaço
de cera seja o mesmo.

Logo, estas propriedades não pertencem à natureza ou essência da cera.


Isto quer dizer que a experiência/sentidos não me permitem captar a essência da
cera e o mesmo sucede com qualquer outra coisa física.
Só a razão descobre a essência
Assim, a cera muda de forma, tamanho, cor, perfume e o mesmo se dirá de
qualquer outra propriedade de que temos experiência através dos sentidos (ideias
adventícias); mas se deixar de ser uma coisa extensa no espaço deixará de ser o
que é.
Logo, a extensão pertence à sua essência e à de qualquer outra coisa física.
 Acerca do mundo físico, concebemos clara e
distintamente que é uma res extensa.

Não faz sentido que Deus nos tivesse criado de modo a que
conhecêssemos coisas que não passam de fantasias.

Não há razão para duvidar destas ideias, pensando que é


uma ilusão, porque Deus não é enganador, pois se fosse não
era perfeito.
As 3 certezas de Descartes


 1ª Certeza – eu existo, sou uma res cogitans
 2º Certeza – Deus existe, res infinita
 3ª Certeza – o Mundo existe, res extensa

Com as três certezas, Descartes encontra o


fundamento que responde à questão da
possibilidade e da origem do conhecimento
universal e necessário.
O fundamento seguro do conhecimento
O projeto filosófico de Descartes é alcançado

O Deus existe - res infinita - é garantia que:

 eu existo, sou uma res cogitans – que conhece através da


razão.

 o Mundo existe, como res extensa – que pode ser conhecida


pela razão.
Descartes
O fundamento da origem do conhecimento

 O homem é o sujeito do conhecimento que possui
a razão ou res cogitans que lhe dá a capacidade
para conhecer a res extensa, o mundo.

 Deus, res infinita, é a garantia do poder da razão


para conhecer.

 O mundo é a res extensa, o objeto do


conhecimento que na sua essência é matéria
cognoscível pela razão ou res cogitans.
Racionalismo Inatista

Descartes é racionalista porque defende que o
conhecimento universal e necessário provém
exclusivamente da razão.

A razão é o único instrumento seguro que o homem


possui para alcançar o conhecimento universal e
necessário.

A razão deve ser corretamente utilizada, com método,


para distinguir claramente as ideias inatas e para fazer
corretamente as deduções e não cometer erros .
Racionalismo Inatista

Como concebe Descartes a razão?

a) A razão possui ideias inatas, a priori, verdades simples e


evidentes, as únicas verdadeiras e que se captam por
intuição.
b) A Razão combina essas verdades simples construindo
outras mais complexas por dedução.

O conhecimento universal e necessário é possível através da


combinação das duas operações racionais: intuição e dedução.
Racionalismo Inatista

 Descartes é um racionalista inatista porque defende
que o conhecimento universal e necessário procede
da razão;
 E, além disso, a razão possui ideias inatas que são as
bases seguras de todo o conhecimento.
 O conhecimento resulta da combinação de duas
operações da razão: intuição, que capta as ideias
inatas e dedução que permite deduzir todos os
outros conhecimentos mais complexos.

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