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Resumo
Este trabalho tem por objetivo discutir alguns pontos da epistemologia de Gaston Bachelard e
traçar algumas interfaces a serem exploradas no ensino de Física. A metodologia basicamente
consiste numa pesquisa de cunho teórico, tendo como ponto de partida as obras de Bachelard
e algumas publicações a respeito. Partindo da ideia de que o ato de conhecer sempre é
marcado por uma forte dimensão psicológica, mostraremos como o filósofo entende a história
da ciência, sobretudo a partir da superação dos obstáculos epistemológicos. Para tal, faremos
uma breve análise dos três períodos propostos por Bachelard, apresentando os principais
obstáculos epistemológicos mencionados pelo filósofo. Mostraremos como Bachelard
concebe os três estágios do desenvolvimento do conhecimento científico, analisando as
características fundamentais de cada período: estado pré-científico, que compreende o período
que vai desde a Antiguidade até o século XVIII; o estado científico, o qual engloba o período
que vai do final do século XVIII ao início do século XX; e, por fim, o novo espírito científico,
período iniciado com a publicação do trabalho de Albert Einstein acerca da relatividade, em
1905. Exploraremos a transição do estado pré-científico para o estado científico por meio da
compreensão dos principais obstáculos epistemológicos superados. No que se refere à
passagem ao terceiro estado, iremos evidenciar as transições do espírito científico a partir de
exemplos da Física: a mecânica e a estrutura da matéria. Por fim, faremos algumas reflexões
em torno das possibilidades de encaminhamentos metodológicos a serem explorados no
ensino de Física a partir das ideias fundamentais da epistemologia de Bachelard.
Introdução
1
Mestre em Educação em Ciências e em Matemática pela Universidade Federal do Paraná. Professor do Quadro
Próprio do Magistério da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Atualmente é técnico pedagógico da
disciplina de Física no Departamento de Educação Básica. E-mail: tiago@seed.pr.gov.br.
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Corresponde a filosofia de Francis Bacon (1561-1626) e é marcada pela valorização do método indutivo
agregada a prática experimental.
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marcados pela superação dos saberes. Para Bachelard não é possível considerar a ciência
independentemente de seu devir, isto é, de seu vir-a-ser (sua contínua transformação). A
ciência se desenvolve por meio de contínuas e sucessivas rupturas. O ato de conhecer, isto é,
de se estabelecer um vínculo e construir uma representação do real, representa uma
desconstrução de um conhecimento anterior. Com esta assertiva, Bachelard desmorona toda e
qualquer pretensão da tradição filosófica moderna, de cunho empírico-indutivista, de
constituir um conhecimento definitivo sobre o objeto. O real científico não é imediato e
primário.
Na introdução de A formação do espírito científico, Bachelard procura mostrar o
grandioso destino do pensamento científico. Para tal, o filósofo se propõe a provar que
“pensamento abstrato não é sinônimo de má consciência científica” (BACHELARD, 1996,
p.8). O pensamento abstrato, pelo contrário, é valorizado, pois permite a razão operar
desvinculada de pré-conceitos – obstáculos – que barram o progresso científico.
tanto mais seguro de sua abstração, quando mais claramente essa abstração for representada
por uma intuição sensível”.
No terceiro estado, denominado abstrato, o espírito “adota informações
voluntariamente subtraídas à intuição do espaço real, voluntariamente desligadas da
experiência imediata e até em polêmica declarada com a realidade primeira, sempre impura,
sempre informe” (BACHELARD, 1996, p.12). Em outras palavras, o espírito se distancia
totalmente da intuição sensível, da experiência sensorial, valorizando o conhecimento
puramente abstrato.
Para o filósofo francês a experiência científica contradiz a experiência do senso
comum. Segundo o filósofo, a experiência do senso comum não é construída e, por isso, não
pode ser verificada. O filósofo argumenta que a experiência do senso comum “permanece um
fato, não pode criar uma lei. Para confirmar cientificamente a verdade, é preciso confrontá-la
com vários e diferentes pontos de vista. Pensar uma experiência é, assim, mostrar a coerência
de um pluralismo inicial” (BACHELARD, 1996, p.14).
concebeu a teoria de que, numa queda livre, os corpos mais pesados chegariam ao chão
primeiro. Tal argumento, bastante prático e fortemente vinculado à percepção sensorial, só
seria derrubado dezoito séculos após pelos trabalhos de Galileu Galilei (1564-1642) e,
posteriormente por Isaac Newton (1642-1727). A mecânica newtoniana introduziu formas
geométricas no estudo dos movimentos, refinando os erros presentes na doutrina aristotélica.
Mesmo assim, a teoria de Newton sobre os movimentos foi alvo de críticas à época de seu
surgimento, pois “para um espírito pré-científico, às vezes, calcular um fenômeno
correspondia a uma forma de fugir de sua explicação” (CARDOSO, 1985, p.26).
Por sua vez a busca pela compreensão da estrutura da matéria também remonta a
Antiguidade. As primeiras teorias cunhadas por volta do século VI a.C. eram filosóficas,
embora fossem fortemente marcadas pelo misticismo. Pensadores como Tales de Mileto e,
Anaxímenes atribuíram a origem da natureza a substâncias simples tais como a água e o ar
respectivamente. Coube a Leucipo e Demócrito, por volta do século V a.C. conceber a ideia
de uma porção de matéria maciça e indivisível a qual deram o nome de átomo. Vale ressaltar
que também para estes pensadores não havia uma necessidade de comprovação empírica. Os
objetos pertencentes ao mundo natural e espiritual seriam resultantes da combinação dos
átomos. Cerca de vinte e três séculos após, as bases científicas da teoria atômica foram
lançadas pelo químico John Dalton (1766-1844). Os átomos passaram a ter existência
fundamentada cientificamente, porém sua estrutura começa a se revelar mais complexa do que
se acreditava. O modelo indivisível cede lugar para a estrutura divisível proposta por Joseph
John Thomson (1856-1940) e aperfeiçoada por Ernest Rutherford (1871-1937). Com tais
trabalhos percebemos nitidamente a superação da experiência primeira (da percepção
ingênua) e a formulação de explicações que valorizam estruturas geométricas, como é o caso
da órbita planetária presente no modelo atômico de Rutherford.
Em ambos os exemplos apresentados percebemos nitidamente a transição do estado
pré-científico para o estado científico. Tal transição segundo Bachelard só se tornou possível
mediante a superação dos obstáculos que barravam o conhecimento científico. Entretanto os
avanços em tais áreas não pararam por aí. Novas indagações motivaram a transição para uma
nova era. Conforme mencionamos anteriormente, seria inaugurada no início do século XX o
novo espírito científico.
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Segue-se, portanto uma indução transcendente e não uma indução amplificante, indo
do pensamento clássico ao pensamento relativístico. Naturalmente, após esta
indução pode-se, por redução, obter a ciência newtoniana. A astronomia de Newton
é pois finalmente um caso particular da Pan-Astronomia de Einstein, como a
geometria de Euclides é um caso particular da Pangeometria de Lobatchewski
(BACHELARD, 1974, p.269).
representação do átomo deixa de ter uma estrutura geométrica e passa a ser dada pela solução
da equação de Schrödinger através das funções de onda e pela mecânica matricial proposta
por Heisenberg. Fica evidenciado que o conhecimento científico sobre a estrutura da matéria
se tornou altamente abstrato e desvinculado da percepção sensível.
O novo espírito científico não é caracterizado pelo acúmulo de conhecimentos. A
passagem do estado científico ao novo espírito não se deu por meio de uma evolução linear.
Pelo contrário, é necessária uma refundição das bases e isso só se dará mediante uma indução
transcendental. Bachelard (1974, p. 269) argumenta que “não se vai do primeiro ao segundo
acumulando conhecimentos, redobrando de cuidado nas medidas, retificando ligeiramente os
princípios. Pelo contrário, é necessário um esforço de novidade total”. E isso só se dará
mediante elevada maturidade do espírito científico conforme observado nos exemplos
abordados.
É consensual que o ato de ensinar tenha, no mínimo, uma finalidade prática a ser
alcançada. Os documentos oficiais nacionais sinalizam que tal finalidade está relacionada à
formação de um sujeito autônomo e crítico, capaz de exercitar plenamente sua cidadania. Para
tal, no que tange ao ensino de Física, entendemos que se faz necessária primeiramente a
superação de práticas em sala de aula marcadas pela transmissão dos conteúdos escolares
como verdades eternas e imutáveis e não como possibilidades de construção humana.
De modo a contribuir na superação da propagação de imagens equivocadas sobre a
natureza da ciência e da atividade científica, o ensino de Física pode ser orientada por meio de
uma abordagem histórico-filosófica da ciência (abordagem HFC). Neste sentido a História e
Filosofia da Ciência representa uma área de conhecimento que pode trazer contribuições ao
ensino/aprendizagem de Física. Esta abordagem se caracteriza como uma estratégia didática
facilitadora na compreensão de conceitos, leis, modelos e teorias científicas, podendo
contribuir para a formação de uma cultura científica, levando os estudantes a assumirem uma
postura crítica.
A compreensão – por parte do professor - do papel da História e Filosofia da Ciência no
ensino de Física tende a contribuir na melhoria do ensino. À medida que favorece o trabalho
do professor, esta abordagem auxilia os estudantes na compreensão dos conceitos físicos. Por
meio desta abordagem é possível trazer à discussão elementos relacionados aos aspectos
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atividade científica. Os conteúdos de Física Quântica podem ser inseridos numa perspectiva
de exploração dos limites da Física Clássica na compreensão da estrutura da matéria.
Considerações finais
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. O novo espírito científico. In: Os pensadores. São Paulo: Abril,
1974. v.38.
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REALE, Giovani; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 2006. v.7.