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PSIQUÊ ‐ CLÍNICA DE PSICOLOGIA E CENTRO DE ESTUDOS C. G.

JUNG
PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOTERAPIA JUNGUIANA

LAHIRI LOURENÇO ARGOLLO

COMPLEXOS

SALVADOR – BAHIA
2020
LAHIRI LOURENÇO ARGOLLO

COMPLEXOS

Atividade avaliativa do Módulo IV, apresentada ao


Curso Pós-Graduação em Psicoterapia Junguiana,
da Psiquê ‐ Clínica de Psicologia e Centro de
Estudos C. G. Jung, como parte das exigências
para obtenção do título de Especialista em
Psicoterapia Junguiana.

SALVADOR-BA
2020
SUMÁRIO

1 COMPLEXO: DESCOBERTA E CONCEITO............................................................4


2 O COMPLEXO DE PODER E SUAS CONTRAPARTES.........................................6
3 EXPERIÊNCIAS PESSOAIS DESPERTADAS PELO TEMA..................................8
REFERÊNCIAS.............................................................................................................9
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1 COMPLEXO: DESCOBERTA E CONCEITO

Complexo é definido “(...) a imagem de uma determinada situação psíquica de


forte carga emocional e, além disso, incompatível com as disposições ou atitude
habitual da consciência (JUNG, 1991, p. 99, §201). A descoberta desses núcleos
afetivos deu-se por meio de experimentos de associações.
A tentativa de se explicar o funcionamento da mente por meio de associações
de ideias não era algo novo. Desde a Grécia antiga, com Platão e Aristóteles,
passando pela “escola associacionista” – com proeminentes pensadores como John
Locke, David Hume e John Stuart Mill – até às pesquisas do Voluntarismo de Wundt,
do Estruturalismo de Titchener e do Funcionalismo de William James, o conceito de
mente como uma sequência de ideias encadeadas entre foi explorada de formas
filosóficas e experimentais diversas (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998).
Bleuler introduziu os testes no hospital psiquiátrico de Burghölzli como uma
atividade complementar às investigações das patologias mentais, empregando Jung
como interno e colocando-o na direção dos experimentos de associação de palavras
(1903). Os testes tinham por objetivo a construção de um diagnóstico diferencial das
patologias mentais, comparando as associações de pessoas sadias com aquelas
que sofriam distúrbios (JUNG, 1995).
À essa época, Jung já tinha lido “A Interpretação dos Sonhos”, de Freud
(1899), e a concepção de conteúdos inconscientes já permeava suas elucubrações
mentais. Em colaboração com o psiquiatra Franz Riklin, iniciou os primeiros testes,
observando inconsistências nos resultados, distúrbios de memórias até então
tomados por outros pesquisadores com erros ou anomalias.
Considerando a influência dos conteúdos inconscientes, Jung desenvolve
seus estudos sob a hipótese de tais distúrbios serem uma tendência de repressão
de imagens afetivas. Quando uma palavra evocava um complexo, verificava-se
alteração tanto na demora para associar uma palavra quanto na qualidade da
palavra associada, em comparação as associações não perturbadas. “Em nossas
pesquisas experimentais conseguimos demonstrar a existência do complexo
reprimido nas associações produzidas pela pronúncia de uma palavra estímulo”
(JUNG, 1995, p. 286, §640).
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Em geral, os complexos estão associados ao ego, sobre o qual atuam com


maior ou menor intensidade. Dizer-se que um complexo foi “constelado” indica que
“(...) o indivíduo adotou uma predisposição de expectativa, com base na qual reagirá
de forma inteiramente definida” (JUNG, 1991, p. 97, §198). Trata-se de processo
automático, conscientemente incontrolável. Stein (2001) utiliza-se do modelo
eletrônico do átomo para uma exemplificação do fenômeno:
Os complexos têm energia e manifestam uma espécie de “rodopio”
eletrônico próprio como os elétrons que rodeiam o núcleo de um átomo.
Quando são estimulados por uma situação ou evento, soltam uma rajada de
energia e pulam sucessivos níveis até chegarem à consciência. Essa
energia penetra na concha da consciência do ego e inunda-a, influenciando-
a assim para rodopiar na mesma direção e descarregar parte da energia
emocional que foi liberada por essa colisão. Quando isso acontece, o ego
perde por completo o controle da consciência ou, quanto a isso, o do próprio
corpo. A pessoa fica sujeita a descargas de energia que não estão sob o
controle do ego. O que o ego pode fazer, se for suficientemente forte, é
conter em si mesmo parte da energia do complexo e minimizar assim os
súbitos impulsos emocionais e físicos. (STEIN, 2001, p. 48)

Uma das características do complexo, ressaltada por Jung (1991) é sua


relativa autonomia face à consciência, nesta interferindo de forma imperativa. “Toda
constelação de complexos implica um estado perturbado de consciência. Rompe-se
a unidade da consciência e se dificultam mais ou menos as intenções da vontade,
quando não se tornam de todo impossíveis” (JUNG, 1991, p. 98, §200). Em casos
extremos, como nas psicoses, comportam-se de forma independentes, provocando
dissociações diversas na psiquê.
Jung descreve a estrutura do complexo da seguinte forma:
O conteúdo afetivamente acentuado, ou complexo, é constituído de um
elemento central e de um grande número de associações secundariamente
consteladas. O núcleo central consta, por sua vez, de duas componentes,
a saber: 1) de um fator determinado pela experiência, isto é, por um
acontecimento vivido e ligado causalmente àquilo que o cerca, e 2) de um
fator determinado pelas disposições internas e imanente ao caráter do
próprio indivíduo. O núcleo caracteriza-se pela sua tonalidade afetiva, pela
acentuação dos afetos. Esta acentuação é, energicamente falando, uma
quantidade de valor. (JUNG, 2002, p. 20, §18/19)

Observa-se que o complexo possui em seu núcleo um arquétipo, em torno do


qual gravitam as imagens afetivas do complexo, oriundas das experiências
individuais, dando-lhes uma unidade temáticas. Há entre o núcleo e as imagens uma
relação de compensação ou de complementaridade e a força de atração está na
dependência das cargas energéticas e do estágio de desenvolvimento do indivíduo
(JUNG, 1991).
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Necessário observar que o complexo não é, por si, patológico. Isto porque
todos os possuem. São pontos ficais de energia, sem os quais a vida não seria
mesmo possível, sendo um “poder impulsionador da vida psíquica (WHITMONT,
1995, P. 63).
São os complexos que deflagram o acontecimento psíquico, e seu estado
dolorido não é sinal de distúrbio psicológico. Sofrer não é doença, mas o
pólo oposto normal da felicidade. Um complexo só se torna patológico
quando achamos que não o temos. (JUNG, 1985, p. 75, § 179)

O poder criativo ou patológico de um complexo é proporcional à sua


autonomia. Quanto mais dissociado da consciência, ou seja, mais autônomo, maior
seu caráter negativo. Sua autonomia liga-se à capacidade do ego de lidar com suas
imagens. As imagens oriundas de experiências dolorosas dão a tonalidade
perturbadora ao complexo. Reprimidas, porque inaceitáveis à consciência, tornam o
complexo um ponto sobrecarregado de energia, com mais força quanto mais
elementos tematicamente a ele se associem.
Do outro lado, a integração do complexo, desenvolvida dialeticamente com o
ego, levando a integração desses elementos à consciência e a ressignificação das
experiências emocionais causadoras do sofrimento, permitem a dissolução dessa
energia acumulada, transformando o complexo antes perturbador em um
componente ativo importante para o dinamismo psíquico criativo e saudável (JUNG,
1991).

2 O COMPLEXO DE PODER E SUAS CONTRAPARTES

O Complexo de poder pode ser definido como um “grupo de ideias


carregadas emocionalmente, associadas a uma atitude que procura subordinar
todas as influências e experiências à supremacia do ego pessoal (SHARP, 1991, p,
39). Fonte dos estudos de Alfred Adler, o complexo de poder tem sua formação na
própria necessidade de sobrevivência das espécies, que perpassa pela constante
tentativa de domínio do ambiente.
Trata-se “de um impulso inato de superação das condições que tendam a nos
limitar, o qual tem uma base arquetípica, podendo ser caracterizado, portanto, como
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um complexo que é ativado diante dos desafios do meio onde se vive” (ARGOLLO,
2010, p. 76). Sua gênese encontra-se na infância, para qual tudo se lhe parece
ameaçador, deflagrando a necessidade de afirmação perante tudo e todos.
Para Jung o complexo de poder é a totalidade das energias psíquicas
voltadas à aquisição de poder pessoal. Essa forma energética adquiri imagens
arquetípicas, citadas ao longo de sua obra: mana, espírito, fertilidade, magia,
deuses, espiritualidade, dentre outras. Sendo um imperativo da evolução, o
complexo de poder não é negativo por si mesmo. Vincula-se ao aspecto teleológico
da psique, impelindo o desenvolvimento do indivíduo, enfrentamento das
dificuldades, a abertura para a ação e a mudança. Esta é a sua expressão mais
saudável.
A história individual dá ao complexo de poder configurações próprias,
podendo resultar em composições imagéticas emocionalmente negativas. Estas
podem gerar subtemas de complexos ligados ao poder: o complexo de inferioridade
e o de superioridade.
Vivências como frustrações, abandono e insegurança podem tornar o
indivíduo inseguro e ansioso diante de situações que remetam a experiência
similares. Para Adler (1967), o sentimento de inferioridade faz parte da formação do
ser humano e, quando se torna um complexo, sua força pode ser tão torturantes que
geram uma tentativa de supercompensação da consciência, configurando-se num
impulso patológico de dominação. Whitmont (1995) concorda com Adler quanto a
inevitabilidade do sentimento de inferioridade:
O ego em crescimento, vivenciado através da auto-imagem do corpinho da
criança em contraposição ao mundo adulto todo-poderoso, sempre tem a
tendência de vivenciar a si mesmo como relativamente inadequado e
inferior. Eis aqui um elemento básico do complexo do ego ou do complexo
de identidade; é o “pobre de mim”, que está privado do seu “legítimo” lugar
ao sol – o “complexo de inferioridade” de Alfred Adler, com o consequente
impulso de poder que tentar compensar essa inferioridade.

O complexo de superioridade apresenta-se como uma contraparte do


complexo de inferioridade, podendo a falsa expressão de fragilidade exterior
configurar o desejo de dominação inconsciente, conforme exemplifica Jung:
A nossa paciente teve o primeiro surto de neurose no momento em que
percebeu que havia algo no pai que lhe escapava ao controle. Fez-se uma
grande luz: de repente, viu para que servia a neurose da mãe. Quando
topamos com algo que não conseguimos submeter pela razão ou pelo
charme, existe um mecanismo, até então desconhecido para ela e que a
mãe já havia descoberto: a neurose. Donde a imitação da neurose da mãe.
Pois é, mas para que serve a neurose? — perguntaremos, admirados. Qual
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a sua finalidade? Alguém que já conviveu com uma pessoa declaradamente


neurótica sabe perfeitamente bem quanto se "consegue" através da
neurose. Não há meio mais eficaz de tiranizar toda a casa. O efeito obtido
por problemas de coração, acessos de asfixia, convulsões de todo tipo, é
enorme e quase infalível. Desencadeia ondas de compaixão, ansiedades
sublimes dos pais sinceramente preocupados, um corre-corre de criados,
telefonemas, médicos chamados com urgência, diagnósticos difíceis,
exames minuciosos, despesas consideráveis; e no meio de toda essa
agitação o inocente sofredor, a quem se agradece calorosamente quando
cessam os "espasmos". (JUNG, 1981, p. 31, §52)

3 EXPERIÊNCIAS PESSOAIS DESPERTADAS PELO TEMA

A ideia de complexo não é nova para mim. Embora faltasse um fundamento


aprofundado, como o obtido nesse módulo, o conceito teórico de um conteúdo
psíquico de tonalidade afetiva já havia sido apresentado a mim em contatos
pregressos com a teoria Junguiana, através do curso de Fundamentos de Psicologia
Junguiana (Clínica Psiquê), do curso de graduação em Psicologia (Faculdade de
Ilhéus), de seminários e palestras, bem como algumas leituras. A experiência
terapêutica também me fez compreender o complexo pela vivência pessoal.
Como descrever o impacto desse conhecimento em minha vida nos últimos
20 anos? Difícil dizer. A melhor comparação que consigo fazer é com a semente:
enquanto a ideia dos complexos desenvolvia-se à luz da consciência (e ainda
continua crescendo, ganhando cada vez mais robustez e gerando frutos na minha
compreensão e percepção da psicologia), suas raízes fincaram-se no meu íntimo.
A minha forma de compreender as relações humanas foi profundamente
modificada). O julgamento das atitudes alheias esmaeceu (dizer que desapareceu
seria muito forte). Não mais consigo deixar de pensar nas motivações internas dos
comportamentos dos meus alunos “problemáticos”, do vizinho “estranho”, dos
colegas de trabalho de comportamento “duvidoso”. Não que justifique todos os atos
e escolhas, mas saber que complexos por vezes nos domina cria uma maior
empatia pelo ser humano.
Da minha parte, reconhecer a existência interna de complexos foi algo
gradual. Num primeiro momento, de caráter intelectual, revendo a própria história de
vida como um arqueólogo, revendo comportamentos estranhos, impulsivos,
descontrolados, repassando-os na memória, sempre seguidos de um “aaahhhh”,
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como se uma luz fraca se acendesse num quarto dominado pela escuridão. De
repente, o inexplicável começava a fazer algum sentido. Num segundo momento, a
compreensão real pela via terapêutica, assimilando a existência de vivências
dolorosas, buscando dar a elas novos significados.
Permitiu entender melhor o meu funcionamento psíquico. Passei a dar
atenção aos meus “eus”, a tentar sentir o que desejam, como atendê-los e dentro
das possibilidades, fazê-los “trabalharem” de uma maneira mais favorável ao bem-
estar geral. Instrumentalizou-me num encaminhamento mais sadio às relações
conflituosas, por tornar mais claro aquilo que de fato me pertence e o que pertence
ao outro.
Sem dúvida, a noção da existência dos complexos deu um novo sentido à
vida. Reduziu em muito o esforço pelo controle de tudo em derredor, tendência
equivocada de quem cogitou ser capaz de controlar a si mesmo. Promoveu um certo
alívio, por esclarecer o que era visto apenas como um “defeito do caráter”. Auxiliou
na desmistificação de diversas crenças limitantes. Acima de tudo, despertou em mim
uma compaixão, antes não existente, em relação a mim mesmo e aos outros.

REFERÊNCIAS

ADLER, F. A ciência da natureza humana. Tradução de Godofredo Rangel e


Anísio Teixeira. São Paulo: Companhia, 1967.

ARGOLLO, D. M. Desenvolvimento pessoal: uma proposta de individuação.


Salvador: AMAR, 2010.

JUNG, C. G. A dinâmica do inconsciente. Tradução de Mateus Ramalho Rocha. 2ª


ed. Petrópolis: Vozes, 1991. (Obras Completas de C. G. Jung; vol. VIII)

JUNG, C. G. A energia psíquica. Tradução de Mateus Ramalho Rocha. 8ª ed.


Petrópolis: Vozes, 2002. (Obras Completas de C. G. Jung; vol. VIII/1)

JUNG, C. G. A prática da psicoterapia. Tradução de Maria Luiza Appy. 6ª ed.


Petrópolis: Vozes, 1998. (Obras Completas de C. G. Jung; vol. XVI/1)

JUNG, C. G. Estudos de Psicologia Analítica. Tradução de Maria Luiza Appy e


Dora Ferreira da Silva. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1981. (Obras Completas de C. G.
Jung; vol. VII)
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JUNG, C. G. Estudos experimentais. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth.


Petrópolis: Vozes, 1995. (Obras Completas de C. G. Jung; vol. II)

JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. Tradução de Frei Valdemar do


Amaral. 6ª ed. Petrópolis: Vozes, 1986. (Obras Completas de C. G. Jung; vol. XVII)

SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ, Sydney Ellen. História da Psicologia Moderna. 8


ed. São Paulo: Cultrix, 1998.

SHARP, Daryl. Léxico Junguiano. Tradução de Raul Milanez. São Paulo: Cultrix,
1991.

STEIN, M. Jung, o mapa da alma: uma introdução. 2ª ed. São Paulo: Editora
Cultrix, 2001.

WHITMONT, E. C. A busca do símbolo: conceitos básicos de Psicologia Analítica.


10ª ed. São Paulo: Cultrix, 1995.

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