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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL

LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

MÁRCIA MARIA DE FREITAS


PAULO OTÁVIO OLIVEIRA FREITAS

IDEAIS, ANEL QUOCIENTE E CARACTERÍSTICA DE


UM ANEL

Cassilândia-MS
2019
MÁRCIA MARIA DE FREITAS
PAULO OTÁVIO OLIVEIRA FREITAS

IDEAIS, ANEL QUOCIENTE E CARACTERÍSTICA DE


UM ANEL

Trabalho de graduação apresentado na disciplina


de Estruturas Algébricas do curso de licenciatura
em Matemática do Departamento de Matemática,
da Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul, como requisito parcial para aprovação na
disciplina.

Orientador: Prof. Msc. Adilson Lelis Nunes


Júnior

Cassilândia
2019
Sumário

1 Ideais 4
1.1 Ideais Gerados e Ideais Principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.2 Operações com Ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.3 Ideais Primos e Ideais Maximais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

2 Anel Quociente 12
2.0.1 Relação e Classe de Equivalência . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.0.2 Relação e Classe de Equivalência em Anéis . . . . . . . . . . . 13
2.0.3 Anel Quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.0.4 Homomorfismo e Anel Quociente . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3 Caracterı́stica de um Anel 21
3.0.1 Múltiplos de um Elemento de um Anel . . . . . . . . . . . . . 21
3.0.2 Caracterı́stica de um Anel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
Capı́tulo 1

Ideais

Definição 1.0.1. Seja A um anel comutativo. Dizemos que um subconjunto I ⊂ A,


onde I 6= ∅, é chamado ideal em A se, e somente se, para quaisquer x, y ∈ I e
qualquer a ∈ A:

1. I é um subanel de A;

2. x − y ∈ I;

3. a.x ∈ I.

Observação 1.0.2. Todo ideal é um subanel de um anel A, porém nem todo subanel
é um ideal.

Exemplo 1.0.3. Para o anel (Z, +, .), o conjunto 2Z = {2k : k ∈ Z} é um ideal


em Z. Vejamos que:

1. (2Z, +, .) é um subanel de Z.

Para isso, veremos que (2Z, +, .) é um anel e que é fechado para as operações
de Z.

Primeiramente, mostremos que (2Z, +, .) é um anel.

a. (2Z, +) é um grupo abeliano.

Seja 2Z = {2k : k ∈ Z} = {..., −4, −2, 0, 2, 4, ...}. Para quaisquer dois


elementos x = 2kn e y = 2km em 2Z, onde km , kn ∈ Z, existe um
simétrico y 0 = −2km de y em Z, isto é, tal que 2km + (−2km ) = 0,
visto que (Z, +) é um grupo.
Assim, temos x + y 0 = 2kn + (−2km ) = 2(kn − km ), em outras palavras,
x + y 0 = 2(kn − km ), onde (kn − km ) ∈ Z e 2(kn − km ) ∈ 2Z.

4
Logo, (2Z, +) é um subgrupo de (Z, +). Ou seja, (2Z, +) é um grupo.

Além disso, é válida a comutatividade em (2Z, +) para quaisquer elemen-


tos x = 2km , y = 2kn , w = 2kp em 2Z.
De fato, x + y = 2km + 2kn = 2km + 2kn = 2(km + kn ) = 2(kn + km ) =
= 1 2kn + 2km = y + x, ou seja, x + y = y + x.
Portanto, (2Z, +) é um grupo abeliano.

b. A multiplicação em 2Z é associativa.

Para todos os x, y, w ∈ 2Z, temos que x(yw) = 2km (2kn 2kp ) = 2km 2kn 2kp =
= (2km 2kn )2kp = (xy)w, ou seja, x(yw) = (xy)w

c. A multiplicação em 2Z é distributiva em relação à adição .

Para todos os x, y, w ∈ 2Z, temos que x(y + w) = 2km (2kn + 2kp ) =


= 2km 2kn + 2km 2kp = xy + xw, ou seja, x(y + w) = xy + xw.
De modo análogo mostramos que (y + w)x = yx + wx.

Portanto, (2Z, +, .) é um anel.

Mostremos agora que 2Z é fechado para as operações de Z.

I. 2Z é fechado para a adição.

Para todos os x, y, ∈ 2Z, temos que x + y = 2km + 2kn = 2(km + kn ), isto


é, x + y = 2(km + kn ), onde (km + kn ) ∈ Z.
Logo, 2Z é fechado para a adição.

II. 2Z é fechado para a multiplicação.

Para todos os x, y, ∈ 2Z, temos que xy = 2km 2kn = 2(2km kn ) = 2[2(km kn )],
isto é, xy = 2[2(km kn )], onde (km kn ) ∈ Z.

Portanto, (2Z, +, .) é um subanel de Z.

Por fim, mostremos que (2Z, +, .) é um ideal em Z.

1
Visto que a adição é comutativa em Z.

5
2. Para quaisquer x, y ∈ 2Z, x − y ∈ 2Z.

De fato, notemos que x − y = 2km − 2kn = 2(km − kn ), com (km − kn ) ∈ Z.

3. Para todo x = 2k ∈ 2Z e qualquer a ∈ Z, a.x ∈ 2Z.

Com efeito, ocorre que ax = a2k = 2(ak), ou seja, ax = 2(ak), com ak ∈ Z.

Portanto, 2Z é um ideal no anel Z.

Exemplo 1.0.4. Para todo anel A temos que o subconjunto {0} e o próprio A são
sempre ideais de A.
Para o próprio A, é trivial que para todos os x, y ∈ A e qualquer a ∈ A, x−y ∈ A;
pois A é fechado para a adição, e ax ∈ A. Logo A é um ideal em A.
Para o subconjunto {0}, notemos que se x, y ∈ {0}, então x − y = 0 − 0 = 0,
ou seja, x − y ∈ {0}. Além disso, se a ∈ A e x ∈ {0}, então ax = a0 = 0, isto é,
ax ∈ {0}.Logo, {0} é um ideal em A

Teorema 1.0.5. Seja I um ideal num anel comutativo A, então:

1. 0 ∈ I, isto é, o zero de A pertence a I;

2. (∀x)(x ∈ I =⇒ −x ∈ I);

3. (∀x, y)(x, y ∈ I =⇒ x + y ∈ I);

4. Se o anel A possui unidade e se existe um elemento inversı́vel u ∈ A tal que


u ∈ I, então I = A.

Demonstração. 1. I 6= ∅ =⇒ x ∈ I =⇒ x − x ∈ I =⇒ 0 ∈ I.

2. x ∈ I, por hipótese, e 0 ∈ I, de acordo com o item 1. Logo, 0 − x ∈ I, isto é,


−x ∈ I.

3. Temos, por hipótese, que x, y ∈ I, então x e −y são elementos de I.


Logo, x − (−y) ∈ I. Donde temos que x + y ∈ I.

4. Seja x ∈ A. Podemos escrever x = x1. Como u é inversı́vel, existe um elemento


v ∈ A de maneira que uv = 1, donde x = x(uv) implica que x = (xu)v, e
usando a condição (3) da definição, temos:

x ∈ A e u ∈ I =⇒ xu ∈ I

xu ∈ I e v ∈ A =⇒ (xu)v ∈ I

6
Podemos concluir que x ∈ I. Provamos assim que A ⊂ I, e como obviamente
I ⊂ A, então I = A.


1.1 Ideais Gerados e Ideais Principais


Seja A um anel comutativo e a1 , a2 , ..., an ∈ A, onde n ≥ 1. Definimos o subcon-
junto < a1 , a2 , ..., an > de A tal que:

< a1 , a2 , ..., an >= {x1 a1 + x2 a2 + ... + xn an : x1 , x2 , ..., xn ∈ A}.

Esse subconjunto é um ideal em A.


De fato, Se 0 = 0a1 + 0a2 + ... + 0an , então 0 ∈< a1 , a2 , ..., an > .
Se r, s ∈< a1 , a2 , ..., an >, então

∃x , ..., x ∈ A : r = x a + ... + x a
1 n 1 1 n n
∃y1 , ..., yn ∈ A : r = y1 a1 + ... + yn an

Daı́,
r − s = (x1 − y1 )a1 + ... + (xn − ya )an ∈< a1 , a2 , ..., an >

Seja t ∈< a1 , a2 , ..., an >, então existe w1 , w2 , ..., wn ∈ A tal que t = w1 a1 +


+w2 a2 + ... + wn an , implicando que, para qualquer z ∈ A,

zt = z1 (w1 a1 ) + z2 (w2 a2 ) + ... + z(wn an )

O que implica em

zt = (z1 w1 )a1 + (z2 w2 )a2 + ... + (zwn )an ∈< a1 , a2 , ..., an >

Logo, zt ∈< a1 , a2 , ..., an >.


Portanto, < a1 , a2 , ..., an > é um ideal em A.

Definição 1.1.1. O ideal < a1 , a2 , ..., an > obtido segundo as considerações acima
é chamado ideal gerado por a1 , a2 , ..., an . O ideal gerado por um só elemento a ∈ A
recebe o nome de ideal principal gerado por a. Neste caso, além da notação < a >,
também é comum a seguinte: aA. Se todos os ideais de um anel de integridade são
principais, então este anel é chamado de anel principal.

Exemplo 1.1.2. Todo ideal em Z é do tipo nZ, para um certo n natural conveniente.

Demonstração. De acordo com essa afirmação, temos que sendo I um ideal em Z:


Se I consta apenas do elemento zero de Z, ou seja, I = {0}, é claro que I é
principal, pois < 0 >= {0}.

7
Suponhamos I 6= {0}. Seja então y o menor dos elementos de I dentre os que
são estritamente positivos. O fato x ∈ I =⇒ −x ∈ I nos garante, nesse caso, a
existência de elementos estritamente positivos em I.
Dado, pois, um elemento qualquer x ∈ I, sabemos que existem q, r ∈ Z de
maneira que
x = yq + r , onde 0 ≤ r < y

Daı́, temos que r = x − yq.


Logo, r ∈ I, já que x, y ∈ I. Como y é o menor elemento estritamente positivo
de I, não é possı́vel o < r < y. Portanto, r = 0 e daı́ x = yq, ou seja, x ∈< y >.
Com isso, provamos que I ⊂< y >, e como naturalmente < y >⊂ I, pois y ∈ I,
então temos a igualdade I =< y > 

Exemplo 1.1.3. Temos que o conjunto dos números pares é um ideal principal em
Z, visto que é gerado pelo elemento 2 ∈ Z.

Vejamos um teorema cuja demonstração envolve a noção de anel principal. Para


isso, assumamos a definição de corpo.

Definição 1.1.4. Um anel K comutativo e com unidade é chamado corpo quando


todo elemento não nulo de K admite simétrico multiplicativo.
Em sı́mbolos: (∀x ∈ K)(x 6= 0 =⇒ ∃y ∈ K : xy = 1).

Observação 1.1.5. Um exemplo de corpo é o anel (Q, +, .), visto que, para qualquer
elemento de Q, existe inverso.

Teorema 1.1.6. Seja A um anel comutativo com unidade. Então A é um corpo se,
e somente se, os únicos ideais em A são os triviais.

Demonstração. (=⇒) Seja I um ideal em A diferente do ideal nulo, isto é, I 6=< 0 >.
Então existe um elemento x ∈ I tal que x 6= 0. Como A é um corpo, x é inversı́vel
e, pelo item d do teorema 1.0.5, I = A.
(⇐=) Tomemos a ∈ A, a 6= 0, e consideremos o ideal I =< a >. Levando em
conta a hipótese, podemos dizer que < a >= A. Logo, todo elemento de A pode ser
escrito assim: xa, onde x ∈ A. Existe xo ∈ A tal que 1 = x0 a, o que vem mostrar
que a é inversı́vel.
Então a é inversı́vel, qualquer que seja a ∈ A tal que a 6= 0. Logo, A é um
corpo. 

8
1.2 Operações com Ideais
1. Interseção
Dados os ideais I e J num anel comutativo A, pode-se mostrar que I ∩ J
também é um ideal em A.

• De fato, 0 ∈ J e 0 ∈ I =⇒ 0 ∈ I ∩ J.
• x, y ∈ I ∩ J =⇒ x, y ∈ I e x, y ∈ J =⇒ x − y ∈ I e x − y ∈ J =⇒
=⇒ x − y ∈ I ∩ J.
• x ∈ I ∩ J e a ∈ A =⇒ x ∈ I, x ∈ J e a ∈ A =⇒ ax ∈ I e ax ∈ J =⇒
=⇒ ax ∈ I ∩ J.

2. Adição
Se I e J são ideais em A, indicamos pela notação I + J o seguinte subconjunto
de A:
I + J = {x + y : x ∈ I e y ∈ J}
Trata-se também de um ideal em A, por que além de não ser vazio, ocorre que:

• r, s ∈ J + I =⇒ r = x1 + y1 e s = x2 + y2 , tal que x1 , x2 ∈ I e y1 , y2 ∈ J,
implicando em r − s = (x1 − x2 ) + (y1 − y2 ) ∈ I + J.
• a ∈ I e r = x + y ∈ I + J, onde x ∈ I e y ∈ J =⇒ ar = ax + ay ∈ I + J.
O ideal I + J é chamado ideal soma de I com J.

É claro que I + J = J + I, I ⊂ I + J e J ⊂ I + J.

Teorema 1.2.1. Sejam I e J ideais num anel comutativo A. Então:

1. I ∩ J é o maior ideal contido em I e em J

2. I + J é o menor ideal que contém I e J.

Demonstração. O maior e o menor que figuram no enunciado referem-se à relação


de ordem inclusão.

1. Seja L um ideal em A tal que L ⊂ I e L ⊂ J. Então L ⊂ I ∩ J.

2. Seja L um ideal em A tal que I ⊂ L e J ⊂ L. Então r ∈ I + J =⇒


=⇒ ∃x ∈ I e ∃y ∈ J : r = x + y =⇒ r ∈ L, pois x, y ∈ I implica x + y ∈ L.
Logo, I + J ⊂ L.

9
1.3 Ideais Primos e Ideais Maximais
Definição 1.3.1. Seja P um ideal num anel comutativo A. Dizemos que P é um
ideal primo se P 6= A, e se é verdadeira a seguinte frase:

(∀x, y ∈ A)(xy ∈ P =⇒ x ∈ P ou y ∈ P )

Exemplo 1.3.2. {0} em Z é ideal primo, pois {0} =


6 Z e xy ∈ {0} implica que
x ∈ {0} ou y ∈ {0}.
Exemplo 1.3.3. 2Z em Z é ideal primo, pois 2Z 6= Z e xy ∈ 2Z =⇒ 2|xy =⇒
=⇒ 2|x ou 2|y =⇒ x ∈ Z ou y ∈ Z.
Exemplo 1.3.4. No anel Z × Z (produto direto), o ideal P = {0} × Z é primo
porque, além de ser diferente do anel Z × Z, o que é óbvio, temos que:

(x, y)(w, z) ∈ {0} × Z =⇒ (xw, yz) ∈ {0} × Z =⇒ xw = 0 =⇒

=⇒ x = 0 ou w = 0 =⇒ (x, y) ∈ {0} × Z ou (w, z) ∈ {0} × Z.


Definição 1.3.5. Um ideal maximal num anel comutativo A é um ideal M , onde
M 6= A, com a seguinte propriedade: O único ideal em A que contém M , e é
diferente de A, é o próprio anel A. Quer dizer, M é um elemento maximal, em
relação à inclusão, no conjunto dos ideais em A que são diferentes de A.
Exemplo 1.3.6. 2Z em Z é ideal maximal, pois 2Z ⊂ Z, e se J é ideal em Z e
J ! 2Z, então 1 ∈ J e J = Z.
Exemplo 1.3.7. No anel A = Z×Z (produto direto), é maximal o ideal M = Z×2Z.
De fato, seja J um ideal em Z × Z tal que M ⊂ J. Então, existe (x, y) ∈ J
de maneira que (x, y) ∈ / M . Isto significa que y = 2q + 1 (número ı́mpar). Como
(x − 1, 2q) ∈ J, pois se trata de um elemento de M , então

(x, 2q + 1) − (x − 1, 2q) = (1, 1) ∈ J.

Pertencendo a unidade de A ao ideal J, vale a igualdade J = A. Assim, o único


ideal em A, estritamente maior que M , é A.
Teorema 1.3.8. Seja A um anel comutativo com unidade. Então, todo ideal maxi-
mal em A é primo.

Demonstração. Seja M um ideal maximal e suponhamos xy ∈ M e x ∈


/ M.
Consideremos o ideal < x > +M em A que indicaremos por < x, M >. Sendo
assim, x ∈< x, M > e M ⊂< x, M >.
Como x ∈ / M , temos então M < x, M >. Do fato de M ser maximal resulta
então que < x, M >= A. Isso significa que todo elemento de A pode ser representado
assim: wx + m, com w ∈ A e m ∈ M .
Em particular, existe w0 ∈ A e existe m0 ∈ M de tal maneira que 1 = w0 x + m0 .

10
Observação 1.3.9. A é o único ideal que contém o 1, por isso segue essa igualdade,
a saber, 1 = w0 x + m0 .
Logo, 1 = w0 x + m0 e multiplicando ambos os membros por y, temos a seguinte
igualdade: y = w0 (xy) + ym0 , o que mostra que y ∈ M , pois tanto xy como m0
estão em M .
Portanto, w0 (xy) + ym0 ∈ M . 

11
Capı́tulo 2

Anel Quociente

2.0.1 Relação e Classe de Equivalência


Definição 2.0.1. Uma relação R em um conjunto E não-vazio é chamada relação
de equivalência sobre E se, e somente se, valem as propriedades:

1. (∀x)(x ∈ E =⇒ xRx) (Reflexividade)

2. (∀x, y)(xRy =⇒ yRx) (Simetria)

3. (∀x, y, z)(xRy e yRz =⇒ xRz) (Transitividade)

Para expressar uma relação de equivalência sobre E, ou seja, que (x, y) ∈ R,


podemos usar a notação x ≡ y(R) (lê-se: x é equivalente a y módulo R) ou simples-
mente a notação geral de relação xRy(lê-se: x relaciona-se com y segundo R).

Exemplo 2.0.2. A relação de igualdade sobre R, isto é, x ≡ y(R) se, e somente
se, x = y é uma relação de equivalência, pois:

1. (∀x)(x ∈ R =⇒ x = x)

2. (∀x, y)(x = y =⇒ y = x)

3. (∀x, y, z)(x = y e y = z =⇒ x = z)

Definição 2.0.3. Seja R uma relação de equivalência sobre E. Dado x ∈ E, chama-


se classe de equivalência determinada por x, módulo R, o subconjunto x de E cons-
tituı́do pelos elementos y tais que yRx. Em sı́mbolos: x = {y ∈ E : yRx}.

Definição 2.0.4. O conjunto das classes de equivalência módulo R será indicado


por E/R e chamado conjunto quociente de E por R.

12
Exemplo 2.0.5. Seja a relação de equivalência R = {(x, x), (y, y), (z, z), (x, z), (z, x)}
sobre um conjunto E = {x, y, z}, temos:

1. x = {x, z}

2. y = {y}

3. z = {z, x}

4. E/R = {{x, z}, {y}}

2.0.2 Relação e Classe de Equivalência em Anéis


Relação de Equivalência em Anéis

Sejam A um anel e I um ideal em A, diremos que dois elementos x, y ∈ A


são equivalentes (ou congruentes), se x − y ∈ I, ou seja, para todos os x, y ∈ A,
xRy ⇐⇒ x − y ∈ I.
De fato, para todos os x, y ∈ A, a relação xRy ⇐⇒ x − y ∈ I é uma relação de
equivalência, pois:

1. Se o ∈ I, então x − x = 0 ∈ I se, e somente se, xRx. (Reflexividade)

2. xRy se, e somente se, x − y ∈ I. Como I é ideal, então possui oposto, ou


seja, existe −(x − y) ∈ I, implicando em y − x ∈ I se, e somente se, yRx.
Logo, yRx. (Simetria)

3. Se xRy e yRz, então isto é condição necessária e suficiente para que x − y ∈ I


e y − z ∈ I, e como I é uma anel, é também fechado para a adição, então o
composto (x − y) + (y − z) é um elemento de I, implicando em x − z ∈ I se,
e somente se, xRz. Logo, xRz. (Transitividade)
Portanto, a relação acima é uma relação de equivalência em A.

Classe de Equivalência em Anéis

Denotamos então por x a classe de equivalência determinada por x módulo R,


onde
x = {y ∈ A : y ≡ x(R)} = {y ∈ A : x − y ∈ I}.

Em outras palavras, é o conjunto dos elementos y de A tal que y é equivalente a


x módulo R.

13
Teorema 2.0.6. Sejam A um anel comutativo, onde x ∈ A, e I um ideal em A,
então
x = {x + i : i ∈ I}.

Demonstração. Seja o conjunto E = {x + i : i ∈ I}.


Por um lado, x ⊂ E.
Com efeito, para qualquer y ∈ A, se y ∈ x, então yRx se, e somente se, y −x ∈ I,
ou seja, y − x é um elemento qualquer i de I. Então, sendo i = y − x, temos que
y = x + i. Logo, todo y ∈ x é elemento do tipo x + i, que são os elementos de E,
isto é, x ⊂ E.
Por outro lado, E ⊂ x.
De fato, para todo y = x + i ∈ E, com x ∈ A, temos que y − x = i, onde i ∈ I,
isso é condição necessária e suficiente para que yRx. Logo, todo y ∈ E é elemento
de x. Ou seja, E ⊂ x.
Portanto, x ⊂ E e E ⊂ x implica em x = E = {x + i : i ∈ I}. 

Observação 2.0.7. Pelo teorema acima, denotaremos a classe de equivalência x


por x + I. E, neste caso, percebemos que x + I = y + I ⇐⇒ x − y ∈ I.

Observação 2.0.8. Chamamos x = x + I de classe lateral determinada por x,


módulo I, em A1 .

Exemplo 2.0.9. Sejam o anel (Z, +, .) e o ideal 2Z ⊂ Z, então existem duas classes
de equivalência módulo R no ideal 2Z. De fato,

0 = 0 + 2Z = {0 + 2k : k ∈ Z} = 2Z (inteiros pares)

1 = 1 + 2Z = {1 + 2k : k ∈ Z} = 2Z (inteiros ı́mpares)

Percebemos que existem apenas as classes de equivalência 0 e 1, para a relação


de equivalência x ≡ y(R), visto que, como sabemos, para quaisquer classes laterais
módulo H genéricas, aH e bH, ou aH ∩bH = ∅ ou aH = bH. Para este caso, vemos
que 0 ∩ 1 = ∅, significando que qualquer outra classe lateral módulo 2Z, digamos
x = x + 2Z, x ∈ Z, é ou igual a classe 0 ou igual a classe 1.
Logo, o conjunto de todas as classes de equivalência dessa relação é

Z/2Z = {0, 1}.

Definição 2.0.10. Sejam A um anel comutativo e I um ideal de A, então A/I é o


conjunto de todas as classes de equivalência módulo I. Vemos que a notação indica
que a relação de equivalência é determinada pelo ideal considerado.
1
classe lateral à esquerda, ou à direita, visto que (I, +) é um subgrupo normal do anel A.

14
Operações no Conjunto A/I

Para o conjunto A/I com a relação de equivalência

(∀x, y ∈ A)(xRy ⇐⇒ x − y ∈ I)

Temos as seguintes operações:


Adição
A adição no conjunto A/I é definida pela seguinte lei de composição interna:

(x + I) + (y + I) = (x + y) + I, ∀x, y ∈ A.

Com efeito, para quaisquer x, y ∈ A, se x + I = x0 + I e y + I = y 0 + I, então


x − x0 ∈ I e y − y 0 ∈ I, implicando que o composto (x − x0 ) + (y − y 0 ) ∈ I, pois I é
fechado para a adição, o que equivale a dizer que (x + y) − (x0 + y 0 ) ∈ I, pois o ideal
(I, +, .) é um grupo abeliano para a operação de adição.
Logo, (x + y) + I = (x0 + y 0 ) + I.
Multiplicação
A multiplicação em A/I é definida pela lei de composição interna:

(x + I)(y + I) = xy + I, ∀x, y ∈ I.

Com efeito, ∀x, y ∈ I, temos que x + I = x0 + I e y + I = y 0 + I implica que


x − x0 ∈ I e y − y 0 ∈ I, então y(x − x0 ) ∈ I e x0 (y − y 0 ) ∈ I. Assim, o composto
y(x − x0 ) + x0 (y − y 0 ) = yx − yx0 + x0 y − x0 y 0 = yx − x0 y 0 ∈ I, visto que I é fechado
para a adição, ou seja, yx − x0 y 0 ∈ I.
Logo, yx + I = x0 y 0 + I.

2.0.3 Anel Quociente


A partir do que foi exposto, podemos afirmar que (A/I, +, .) é um anel.

Percebemos que (A/I, +) é um grupo abeliano.


Temos que, para quaisquer x, y ∈ A e para todos os (x+I), (y +I), (z +I) ∈ A/I:

1. A/I é fechado para a adição.

Com efeito, (x + I) + (y + I) = (x + y) + I ∈ A/I.

2. É válida a associatividade em A/I.

De fato, por um lado, temos que:

(x+I)+[(y+I)+(z+I)] = (x+I)+[(y+z)+I] = [x+(y+z)]+I = [(x+y)+z]+I =

15
= [(x + y) + I] + (z + I) = [(x + I) + (y + I)] + (z + I).
Portanto,

(x + I) + [(y + I) + (z + I)] = [(x + I) + (y + I)] + (z + I).

3. Há o elemento neutro.

Com efeito, o elemento neutro é a classe de equivalência 0 + I = I, isto é, o


próprio ideal I, pois:
(x + I) + (0 + I) = (x + 0) + I = x + I.
(0 + I) + (x + I) = (0 + x) + I = x + I.

4. Todo elemento de A/I admite oposto.

Com efeito, para toda classe de equivalência x ∈ A/I, existe o elemento oposto
de x + I, a saber, −x + I, visto que:
(x + I) + (−x + I) = (x − x) + I = 0 + I = I e
(−x + I) + (x + I) = (−x + x) + I = 0 + I = I.

5. Vale a comutatividade em A/I.

De fato,

(x + I) + (y + I) = (x + y) + I = (y + x) + I = (y + I) + (x + I).

Logo, (x + I) + (y + I) = (y + I) + (x + I).

Portanto, (A/I, +) é um grupo abeliano.

Para a multiplicação em A/I, valem as seguintes propriedades, para quaisquer


(x + I), (y + I), (z + I) ∈ A/I:

1. Associatividade.

(x + I)[(y + I)(z + I)] = (x + I)[(yz) + I] = [x(yz)] + I = (xyz) + I.

Logo,(x + I)[(y + I)(z + I)] = (xyz) + I. (2.1)

Por outro lado, sabemos que:

[(x + I)(y + I)](z + I) = [(xy) + I](z + I) = [(xy)z] + I = (xyz) + I.

16
Logo,[(x + I)(y + I)](z + I) = (xyz) + I. (2.2)
Portanto, pelas igualdades (2.1) e (2.2), temos que:

(x + I)[(y + I)(z + I)] = [(x + I)(y + I)](z + I).

2. Comutatividade.

(x + I)(y + I) = (xy) + I = (yx) + I = (y + I)(x + I).

Logo, (x + I)(y + I) = (y + I)(x + I).

3. Distributiva em relação à adição.

(x+I)[(y +I)+(z +I)] = (x+I)[(y +z)+I] = [x(y +z)]+I = (xy +yz)+I =


= (xy + I) + (yz + I) = (x + I)(y + I) + (y + I)(z + I).
Logo, (x + I)[(y + I)(z + I)] = (x + I)(y + I) + (y + I)(z + I).
Analogamente se mostra que

[(x + I) + (y + I)](z + I) = (x + I)(z + I) + (y + I)(z + I).

4. A/I possui unidade.

Como 1 ∈ A, então existe a classe 1 + I ∈ A/I.

Portanto, (A/I, +, .) é um anel comutativo.

Definição 2.0.11. Sejam o anel comutativo A e o ideal I em A, o anel (A/I, +, .)


é chamado anel quociente de A por I.

Exemplo 2.0.12. Do exemplo 2.0.9 , para o anel Z e o ideal 2Z em Z, temos que


Z/2Z = {0, 1} é o anel quociente de Z por 2Z.

2.0.4 Homomorfismo e Anel Quociente


Trataremos a seguir do Teorema Fundamental do Isomorfismo e do Homomor-
fismo Canônico . Antes, vejamos um exemplo sobre homomorfismos de anéis rela-
cionados ao núcleo do homomorfismo.

17
Exemplo 2.0.13. Seja j : A −→ B um homomorfismo de anéis. Mostremos que o
núcleo N (j) é um ideal em A.
Pela definição de núcleo de um homomorfismo, temos que

N (j) = {x ∈ A : j(x) = 0B }.

1. Como j(0A ) = 0B , então 0A ∈ N (j), mostrando que N (j) 6= ∅.

2. Suponhamos x, y ∈ N (j), então j(x) = j(y) = 0B , implicando que


j(x − y) = j(x) − j(y) = 0 − 0 = 0B . Logo, x − y ∈ N (j).

3. Sejam x ∈ N (j) e a ∈ A, então j(ax) = j(a)j(x) = j(a)0 = 0B , ou seja,


j(ax) = 0B . Isso significa que ax ∈ N (j).

Logo, o núcleo o homomorfismo N (j) é um ideal em A.


Notemos isso através do seguinte diagrama.

Teorema 2.0.14 (Teorema Fundamental do Isomorfismo). Seja f : A −→ B


um homomorfismo sobrejetor de anéis, se o ideal I indica o núcleo de f , então existe
um isomorfismo g : A/I −→ B.

Demonstração. Seja então o homomorfismo sobrejetor definido acima e o núcleo de


f , N (f ) = I, temos, pela definição de núcleo de um homomorfismo, que

N (f ) = I = (x ∈ A : f (x) = 0B }.

Assim, ∀x, x0 ∈ A, x + I = x0 + I, onde x + I, x0 + I ∈ A/I, é condição necessária


e suficiente para que x − x0 ∈ I, implicando que f (x − x0 ) = f (x) − f (x0 ), e como
por hipótese f (x) = 0B , ∀x ∈ I, então f (x − x0 ) = f (x) − f (x0 ) = 0B , implicando
em f (x) = f (x0 ). Ou seja, x + I = x0 + I =⇒ f (x) = f (x0 ).

18
Logo, podemos associar todo elemento de A/I, na forma x + I, a um elemento
f (x) ∈ B.

Temos então a aplicação g : A/I −→ B tal que g(x + I) = f (x), ∀x ∈ A. Mos-


tremos agora que g é um homomorfismo bijetor, isto é, um isomorfismo.

Asserção 2.0.15. g é um homomorfismo.

Para quaisquer (x + I), (y + I) ∈ A/I., notemos que:


g((x + I) + (y + I)) = g((x + y) + I) = f (x + y) = 2 f (x) + f (y) = 3 g(x + I) + g(y + I).
Logo, g((x + I) + (y + I)) = g(x + I) + g(y + I).

Dessa forma, ∀(x + I), (y + I) ∈ A/I, temos

g((x + I)(y + I)) = g((xy) + I) = f (xy) = f (x)f (y) = g(x + I)g(y + I).

Logo, g((x + I)(y + I)) = g(x + I)g(y + I).


Portanto, g é um homomorfismo.

Asserção 2.0.16. g é uma aplicação bijetora.

De fato, sejam f (x), f (y) ∈ B, temos que

f (x) = f (y) ⇐⇒ f (x)−f (y) = 0B ⇐⇒ f (x−y) = 0B ⇐⇒ x−y ∈ I ⇐⇒ x+I = y+I.

Ou seja, f (x) = f (y) ⇐⇒ x + I = y + I.


E como, pela lei de formação de g, f (x) = f (y) = g(x + I) = g(y + I), temos
g(x + I) = g(y + I) ⇐⇒ x + I = y + I. Logo, g está bem definida e é injetora.
Além disso, por hipótese, f é sobrejetora,isto é, para todo b ∈ B existe um
x ∈ A tal que f (x) = b, e como f (x) = g(x + I), então para todo b ∈ B, existe um
(x + I) ∈ A/I tal que g(x + I) = b. Logo, g é sobrejetora.
Portanto, existe o isomorfismo g : A/I −→ B. Ou seja, A/I e B são anéis
isomorfos. 

HOMOMORFISMO CANÔNICO

Pelo exposto, podemos definir a aplicação

h : A −→ A/I tal que h(x) = x + I, ∀x ∈ A,

e verificar que h é um homomorfismo sobrejetor.


2
Pela lei de formação de g, pois g(x + I) = f (x) implica g((x + y) + I) = f (x + y).
3
Pois f é um homomorfismo.

19
De fato, ∀x, y ∈ A, h(x + y) = (x + y) + I = (x + I) + (y + I) = h(x) + h(y), ou
seja, h(x + y) = h(x) + h(y).
Além disso, h(xy) = (xy) + I = (x + I)(y + I) = h(x)h(y).
Logo, h é um homomorfismo.
E ainda, pela definição de classe de equivalência, para toda classe x + I, existe
um x ∈ A tal que h(x) = x + I. Logo, h é sobrejetora.
Portanto, h é um homomorfismo sobrejetor de A em A/I.

Definição 2.0.17. O homomorfismo sobrejetor

h : A −→ A/I tal que h(x) = x + I, ∀x ∈ A,

é chamado Homomorfismo Canônico ou Natural de A em A/I.

Note que, sejam os homomorfismos sobrejetores f : A −→ B e h : A −→ A/I


(homomorfismo canônico), e ainda o isomorfismo g : A/I −→ B do teorema 2.0.14,
podemos formar a composta h ◦ g = f .
Notemos as relações através do diagrama seguinte.

Figura 2.1: Relações entre os homomorfismos

Exemplo 2.0.18. Sejam os anéis (Z4 , +, .) e (Z2 , +, .). A função σ : Z4 −→ Z2


tal que σ(04 ) = σ(24 ) = 02 e σ(14 ) = σ(34 ) = 12 é um epimorfismo de (Z4 , +, .) em
(Z2 , +, .). Além disso, o núcleo N (σ) = {04 , 24 } e as classes laterais de (N (σ), +, .)
em (Z4 , +, .) são:
04 + N (σ) = {04 , 24 } = 24 + N (σ)
14 + N (σ) = {14 , 34 } = 34 + N (σ)
Temos, então, o anel quociente Z4 /N (σ) = {{04 , 24 }, {14 , 34 }}.
Por fim, pelo teorema fundamental do isomorfismo, temos que o anel Z4 /N (σ)
é isomorfo ao anel Z2 .

20
Capı́tulo 3

Caracterı́stica de um Anel

3.0.1 Múltiplos de um Elemento de um Anel


Dado (A, +, .) um anel, então (A, +) deve ser um grupo abeliano. Assim, para
qualquer x ∈ A, definimos o múltiplo do elemento x, segundo um inteiro m, da
seguinte maneira:

1. Se m = 0, então 0x = 0A .

2. Se m ≥ 0, então mx = (m − 1)x + x.

3. Se m < 0, então mx = (−m)(−x).

Podemos ainda citar as seguintes propriedades, para quaisquer m, n ∈ Z e todo


x ∈ A:

a. (mn)x = m(n.x).

b. (m + n)x = mx + nx

c. (−m)x = m(−x) = −(mx).

Além dessas propriedades, o teorema a seguir nos fala sobre múltiplos em um


anel com unidade.

Teorema 3.0.1. Seja A um anel com unidade. Se m, n ∈ Z, então

(mn)1A = (m1A )(n1A ).

Demonstração. Basta tomarmos os casos em que n ≥ 0 ou n < 0, pois nestes casos


o produto m.n é sempre ou positivo ou negativo, independentemente do valor de m.
Assim, procedamos por indução.
Para n ≥ 0, temos que:

21
Se n = 0, então (mn)1A = (0n)1A = 01A = 0A (3.1)
Se n = 0, então (m1A )(n1A ) = (m1A )(01A ) = m1A 0 = 0A (3.2)
Então, de 3.1 e 3.2, temos que, para n = 0, (mn)1A = (m1A )(n1A ).

Supondo-se que, para r ≤ 0, é válido que (mr)1A = (m1A )(r1A ), para todo
m ∈ Z, temos para r + 1 que:

[m(r + 1)]1A = (mr + m)1A = (mr)1A + m1A = (m1A )(r1A ) + m1A =

= (m1A )[r1A + 1A ] = (m1A )[(r + 1)1A ]

Ou seja, [m(r + 1)]1A = (m1A )[(r + 1)1A ]. Logo, para n ≤ 0, é válido que
(mn)1A = (m1A )(n1A ).
Para n < 0, temos que:

(m1A )(n1A ) = (m1A )[−((−n)1A ] = 1 − [(m1A )((−n)1A )] = 2 − [(m)(−n)1A 1A ] =


= −[(m(−n)1A ] = −[−(mn)1A ]
Ou seja, −[−(mn)1A ] = (m1A )(n1A ). Logo, para n < 0, é válido que (mn)1A =
= (m1A )(n1A ).
Portanto, (mn)1A = (m1A )(n1A ), para quaisquer m, n ∈ Z.


3.0.2 Caracterı́stica de um Anel


Definição 3.0.2. Seja A um anel, consideremos o conjunto S ⊂ N∗ de forma que

S = {n ∈ N∗ : nx = 0A , ∀x ∈ A}.

Então, como S ⊂ N∗ , ou S = ∅ ou S 6= ∅.

1. Se S = ∅, então o anel A tem caracterı́stica zero.

2. Se S 6= ∅, então existe o mı́nimo do conjunto S, pelo princı́pio da boa or-


denação. Se o mı́nimo de S é um número natural h > 0, então dizemos que o
anel A tem caracterı́stica h > 0.

Observação 3.0.3. Como está em [1], podemos igualmente dizer que a carac-
terı́stica de um anel é o menor inteiro positivo não nulo n, de forma que na = 0,
para todo a ∈ A. Assim, caso se verifique que n não exista, ou seja, na = 0 apenas
1
Pela propriedade (c).
2
Pela comutatividade de (A, +).

22
se n = 0, dizemos que o anel possui caracterı́stica zero. Caso exista esse inteiro
positivo e diferente de zero n que verifique na = 0, para todo a ∈ A, temos que n é
a caracterı́stica do anel A.

Observação 3.0.4. Indicamos a caracterı́stica de um anel A por c(A).

Exemplo 3.0.5. Seja E um conjunto qualquer não-vazio. Então o conjunto das


partes de E, a saber, A = P (E) é um anel em relação às seguintes leis de com-
posição internas, ∀X, Y ∈ P (E).

• X + Y = (X ∪ Y ) r (X ∩ Y ).3 (Adição)

• X.Y = X ∩ Y . (Multiplicação)

Observação 3.0.6. O fato de (P (E), 4, ∩) ser um anel é verificado pelas definições


e propriedades da Soma Booleana e da interseção de conjuntos. A afirmação desse
caso pode ser encontrada em [3] e [1].
Nesse caso, notemos que existem elementos em P (E) = A diferentes de ∅, por
exemplo, o conjunto E. Temos então que S = {n ∈ N∗ : 1E = E 6= ∅}, ou seja,
1E = E 6= ∅, então sabemos que a caracterı́stica de A não é 1.
Porém, para S = {n ∈ N∗ : 2X = X + X, ∀X ∈ A}, temos que

2X = X + X = (X ∪ X) r (X ∩ X) = X r X = ∅.

Ou seja, 2.X = ∅, para todo X ∈ A. Logo, a caracterı́stica do anel A é 2.

Teoremas sobre a Caracterı́stica de um Anel

Teorema 3.0.7. Seja A um anel com unidade, então a caracterı́stica de A é igual


ao perı́odo da unidade no grupo (A, +).

Demonstração. Se c(A) = h > 0, então existe S = {h ∈ N∗ : hx = 0A , ∀x ∈ A}, em


particular, h.1A = 0A .
Supondo-se, por absurdo, que o perı́odo de 1A seja r tal que 0 < r < h, ou seja,
r1A = 0A , então, para todo x ∈ A, temos que:

rx = r(1A x) = (r1A )x = 0x = 0

Ou seja, rx = 0A , significando que r é o menor inteiro tal que rx = 0A , para todo


x ∈ A; o que é absurdo, pois, por hipótese, 0 < r < h e c(A) = h, isto é, h é menor
inteiro tal que hx = 0A . Logo, o(1A ) = h.
3
Essa operação é chamada de Diferença Simétrica ou Soma Booleana que pode ser expressa
também por X4Y = X + Y = (X r Y ) ∪ (Y r X).

23
Além disso, sabemos que c(A) = h.
Portanto, para c(A) = h > 0, c(A) = o(1A ) = h.

Se c(A) = h = 0, então não existe h ∈ N∗ de forma que hx = 0A , para todo


x ∈ A; em particular, não existe h ∈ N∗ tal que h1A = 0A .
Supondo-se por absurdo que o perı́odo de 1A seja um r > 0, então

r1A = e = 0 =⇒ k1A = 0A

Logo, r é o menor inteiro positivo não nulo tal que r1A = 0A , o que é absurdo,
visto que c(A) = 0.
Portanto, o(A) = r = 0.


Definição 3.0.8. Um anel A comutativo com unidade é chamado anel de integridade


quando é verdadeiro que:

(∀x, y ∈ A)(xy = 0A =⇒ x = 0A ou y = 0A )
4
Isto é, quando não há, no anel A, divisores de zero.

Teorema 3.0.9. Seja um anel de integridade A, então a caracterı́stica de A é zero


ou é um número primo.

Demonstração. Temos duas possibilidades: Ou a caracterı́stica de A é h = 0 ou


h > 0.
Para caracterı́stica h = 0, é trivial.
Para caracterı́stica c(A) = h > 0, temos que h é primo.
Suponhamos, por absurdo, que h não seja primo, então existem r, s ∈ N∗ tais
que
h = rs ,onde 1 < r e s < r 5
Assim, notamos que r1A 6= 0 e s1A 6= 0. Então, temos que:

(r1A )(s1A ) = (rs)1A = h1A = 06

Ou seja, (r1A )(s1A ) = 0


Isso implica que r1A e s1A são divisores próprios de zero, o que é absurdo, pois A é
um anel de integridade.
Logo, h é primo.
Portanto, a caracterı́stica de A ou é zero ou é um número primo. 
4
Em um anel A, um divisor de zero é um elemento não nulo x ∈ A tal que multiplicado por
outro elemento não nulo y ∈ A tenha como resultado 0A .
5
Se 1 ≤ r e s ≤ h, então h poderia ser primo
6
Pela definição de caracterı́stica

24
Teorema 3.0.10. Seja A um anel com unidade. Então:

1. Se a caracterı́stica de A é h > 0, então Zh é isomorfo a Z1A .

2. Se a caracterı́stica de A é zero, então Z é isomorfo a Z1A .

Demonstração. 1. Para h > 0, definamos a relação f : Zh −→ Z1A de modo que


f (r) = r1A , onde r ∈ Zh , e vejamos que f é uma relação.
Notemos que, para todos os r, s ∈ Zh , temos:

r = s =⇒ h|(r − s) =⇒ r − s = ht , onde t ∈ Z.

Implicando que (r − s)1A = (ht)1A = (h1A )(t1A ) = 0A (t1A ) = 0A , ou seja,


(r − s)1A = 0A . E, como (r − s)1A = r1A − s1A , temos r1A − s1A = 0A , o que
nos dá r1A = s1A .
Logo, f é uma aplicação de Zh em Z.1A , visto que associa um r ∈ Zh qualquer
a um só r1A ∈ Z .
A aplicação f é um homomorfismo bijetor, isto é, um isomorfismo.
Primeiramente, notemos que

f (r + s) = (r + s)1A = r1A + s1A = f (r) + f (s).

Ou seja, f (r + s) = f (r) + f (s).


Além disso,
f (rs) = (rs)1A = (r1A )(s1A ) = f (r)f (S).
Ou seja, f (rs) = f (r)f (S).
Logo, f é um homomorfismo.
Por fim,

f (r) = f (s) =⇒ r1A = s1A =⇒ (r − s)1A = 0A =⇒ h|(r − s) =⇒ r = s.

O que mostra que f é injetiva. vemos ainda que f é sobrejetiva, visto que para
todo f (r) existe um r ∈ Zh tal que f (r) = r1A .
Portanto, f é um isomorfismo.

2. Para c(A) = 0, temos que a aplicação g : Z −→ Z1A tal que g(x) = x1A , onde
x ∈ Z, é injetiva.
De fato, para todos os r, s ∈ Z,

r = s =⇒ r − s = 0 =⇒ (r − s)1A = 0.1A =⇒ r1A − s1A = 0 =⇒ r1A = s1A .

Ou seja, r = s =⇒ r1A = s1A , mostrando que g é bem definida.

25
Temos ainda que r1A = s1A =⇒ r1A − s1A = 0A =⇒ (r − s)1A = 0A ,
implicando que ou r − s = 0A ou 1A = 0, como obviamente 1A 6= 0A , então
r − s = 0A . Logo, r = s, mostrando que g é injetiva.
Além disso, para todo r1A existe um r ∈ Z tal que g(r) = r1A , visto que
r1A = r, para todo r ∈ Z, evidenciando que g é sobrejetiva.
Logo, g é uma aplicação bijetiva.
Por fim,

g(r + s) = (r + s)1A = r1A + s1A = g(r) + g(s), ou seja, g(r + s) = g(r) + g(s).

E ainda,

g(rs) = (rs)1A = (r1A )(s1A ) = g(r)g(s), ou seja, g(rs) = g(r)g(s).

Logo, g é um homomorfismo.
Portanto, g é um isomorfismo.


Do exposto, podemos perceber que Zh é um subanel de qualquer anel A com


unidade de caracterı́stica h > 0, através do isomorfismo f . E, além disso, que Z
é um subanel de qualquer anel A com unidade de caracterı́stica zero, através do
isomorfismo g.

26
Bibliografia

[1] ALENCAR FILHO, E. Elementos de Teoria dos Anéis. São Paulo: Edi-
tora Nobel, 1990.

[2] DOMINGUES, H. H.; IEZZI, G. Álgebra moderna. Atual Editora, 1982.

[3] HALMOS, P. R. Teoria ingênua dos conjuntos. Rio de Janeiro: Editora


Ciência Moderna, 2001.

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