Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Caderno - Política de Educação para As Relações Étinico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana - NEAD PDF
Caderno - Política de Educação para As Relações Étinico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana - NEAD PDF
Breno
Reis de
Paula
.
ESTADO DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
DIRETORIA DE POLÍTICAS E PLANEJAMENTO EDUCACIONAL
GERÊNCIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS DE EDUCACÃO BÁSICA E PROFISSIONAL
NÚCLEO DE EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PARA O ENSINO
DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA
POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA
AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-66172-29-4
SECRETÁRIO ADJUNTO
GILDO VOLPATO
DIRETOR DE INFRAESTRUTURA
FABIANO LOPES DE SOUZA
ORGANIZADORAS
Julia Siqueira da Rocha Margarete da Rosa Vieira
Maria Benedita da Silva Prim
AUTORES
COLABORADORES
.
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-
RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E
CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA
A demanda da comunidade afro-brasileira negros, próprios de uma sociedade hierárquica
por reconhecimento, valorização e afirmação de e desigual.
direitos, no que diz respeito à educação, passou a Reconhecer é também valorizar, divulgar e
ser particularmente apoiada com a promulgação respeitar os processos históricos de resistência
da Lei 10.639/2003, que alterou a Lei 9.394/1996, negra desencadeados pelos africanos escraviza-
estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de dos no Brasil e por seus descendentes na con-
história e cultura afro-brasileiras e africanas. temporaneidade, desde as formas individuais até
Reconhecimento implica justiça e iguais direi- as coletivas.
tos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como Reconhecer exige a valorização e respeito às
valorização da diversidade daquilo que distingue pessoas negras, à sua descendência africana, sua
os negros dos outros grupos que compõem a po- cultura e história. Significa buscar, compreender
pulação brasileira. E isto requer mudança nos dis- seus valores e lutas, ser sensível ao sofrimento
cursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo causado por tantas formas de desqualificação:
de tratar as pessoas negras. Requer também que apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas de
se conheça a sua história e cultura apresentadas, mau gosto sugerindo incapacidade, ridiculari-
explicadas, buscando-se especificamente des- zando seus traços físicos, a textura de seus cabe-
construir o mito da democracia racial na sociedade los, fazendo pouco das religiões de raiz africana.
brasileira; mito este que difunde a crença de que, Implica criar condições para que os estudantes
se os negros não atingem os mesmos patamares negros não sejam rejeitados em virtude da cor
que os não negros, é por falta de competência ou da sua pele, menosprezados em virtude de seus
de interesse, desconsiderando as desigualdades antepassados terem sido explorados como es-
seculares que a estrutura social hierárquica cria cravos, não sejam desencorajados de prosseguir
com prejuízos para os negros. estudos, de estudar questões que dizem respeito
Reconhecimento requer a adoção de políti- à comunidade negra.
cas educacionais e de estratégias pedagógicas Reconhecer exige que os estabelecimentos
de valorização da diversidade, a fim de superar a de ensino, frequentados em sua maioria por po-
desigualdade étnico-racial presente na educação pulação negra, contem com instalações e equi-
escolar brasileira, nos diferentes níveis de ensino. pamentos sólidos, atualizados, com professores
Reconhecer exige que se questionem rela- competentes no domínio dos conteúdos de en-
ções étnico-raciais baseadas em preconceitos sino, comprometidos com a educação de negros
que desqualificam os negros e salientam este- e brancos, no sentido de que venham a relacio-
reótipos depreciativos, pala- vras e atitudes que, nar-se com respeito, sendo capazes de corrigir
velada ou explicitamente violentas, expressam posturas, atitudes e palavras que impliquem des-
sentimentos de superioridade em relação aos respeito e discriminação.
A
maior contribuição que podemos alinhemos nossas estratégias e sejamos também
deixar às nossas crianças e jovens, agentes transformadores sociais, reforçando va-
assim como às gerações futuras, é o lores fundamentais como o respeito e a busca
acesso à educação pública de quali- por equidade.
dade. E essa condição deve ser assegurada aos A evolução do sistema educacional catari-
catarinenses de todas as regiões de forma justa nense, em todas as suas áreas de atuação, foi
e igualitária. Contudo, vivemos num estado que imprescindível para a conquista de muitos dos
nasceu do suor e do sacrifício dos mais diver- indicadores econômicos e sociais que hoje colo-
sos povos e etnias, mesclando culturas, hábitos cam Santa Catarina na condição de destaque en-
e valores que hoje configuram nossa identida- tre os estados brasileiros. Não por acaso somos
de. Portanto, nossa busca pela igualdade passa referência nacional em Educação, uma realidade
pelo respeito a essas diversidades e requer nossa fruto do trabalho conjunto e dedicado dos nos-
atenção para os temas mais sensíveis que envol- sos agentes públicos, e aqui destaco a atuação
vem nossa sociedade. exitosa e admirável dos nossos profissionais da
Mais do que se fazer cumprir as diretrizes le- educação.
gais, o governo do estado, por meio da Secretaria Ao enfrentarmos o desafio de assegurar a
de Estado da Educação, desenvolveu políticas todos o direito ao ensino público e qualificado,
educacionais de caráter inclusivo que visam a promovemos significativos esforços e investi-
estabelecer estratégias de atuação adequadas a mentos em prol da educação para os direitos
cada tema proposto. Dessa forma, agentes públi- humanos e para as diversidades. A certeza do su-
cos e sociedade terão a oportunidade de apren- cesso de nossas políticas educacionais traduz-se
der e compreender melhor sobre a história e as nas inúmeras conquistas alcançadas, a começar
culturas de parcela da população que esteve por pelo menor índice de analfabetismo do país,
muito tempo invisibilizada. Também abriremos com 3,2% da população. Lideramos o ranking
a discussão para temas não menos importantes, nacional em outros diversos pontos de avaliação,
como os desafios a serem superados na área de com índices de desempenho acima da média. E
Educação Especial e a necessária ampliação do a capacidade e competência de nossos profis-
envolvimento pedagógico na vida dos estudan- sionais são reconhecidas e premiadas país afora,
tes, como forma de identificar e educar para refletindo diretamente na boa gestão de nossas
transformar as violências nas escolas em proces- unidades escolares.
so de cuidado de si e do outro. Esse trabalho mostra-nos que ainda temos
A relevância econômica representada pela muito a avançar. Juntos, precisamos assumir a
agricultura familiar catarinense está devida- responsabilidade e o compromisso de aprimorar
mente reconhecida nesta proposta, por meio de nossa capacidade de atuação e fazer a diferença.
uma política específica de Educação do Campo. Esta política de educação visa a estabelecer uma
Assim como a preocupação em torno do meio ação de combate ao racismo, à discriminação, à
ambiente, que merecidamente recebe atenção xenofobia e ao preconceito inerentes às questões
especial nesse projeto. Avançamos de forma ex- étnico-raciais no campo educacional. E não há
pressiva na construção de um ambiente adequa- melhor forma de avançar nesta reflexão do que a
do e digno à formação intelectual e profissional promoção do conhecimento, levando a discussão
de nossos cidadãos. Porém, é importante que e o esclarecimento em processos pedagógicos.
A
presento esta Política de Educação versidades étnico-raciais.
para as Relações Étnico-Raciais e Com a perspectiva de consolidar em todos os
para o Ensino de História e Cultura componentes curriculares percursos formativos
Afro-Brasileira e Africana objetivan- abertos e comprometidos com a temática, esta
do implementar o dever legal no trato desta te- política pública educacional deve alcançar cada
mática, reconhecendo o que preconiza a edu- profissional da educação em todas as unidades
cação nacional e definem as diretrizes para a de ensino da rede estadual de Santa Catarina.
Educação Básica e para a Educação das Relações Entretanto, a efetivação desta somente ocor-
Étnico-Raciais. rerá quando as ações pedagógicas estiverem
Esta política educacional foi tecida por mui- pautadas na valorização da identidade, história e
tas mãos educadoras e propõe elementos para cultura da população negra, bem como no igual
subsidiar os processos pedagógicos cotidianos. reconhecimento das raízes africanas da nação
Assim, para sua efetivação, é imprescindível o brasileira.
envolvimento de toda a comunidade escolar, Neste sentido, é com imensa alegria que en-
promovendo a ruptura dos silêncios curricula- trego o presente documento como elemento im-
res, reordenando conteúdos de modo equânime, prescindível de definição de práticas de supera-
além de desenvolver atividades com escolhas e ção do contexto desigual que envolve a questão
práticas pedagógicas para a valorização das di- racial do cenário educacional catarinense.
SIMONE SCHRAMM
Secretária de Estado da Educação
“A verdadeira razão por que não me levantei foi porque senti que tinha o
direito de ser tratada como qualquer outro passageiro. Suportamos aquele
tipo de tratamento demasiado tempo. As pessoas sempre dizem que eu
não dei meu lugar porque estava cansada, mas não é verdade. Eu não
estava cansada fisicamente, ou mais cansada do que habitualmente estava
após um dia de trabalho. Não! Eu só estava cansada de sempre conceder.”
Rosa Parks
A
história social vem revelando que tivo aberto à diversidade étnica, lança-se este
cenários políticos e econômicos documento com o objetivo de propor, a partir
culminam num presente repleto das áreas do conhecimento, alguns elementos
de desigualdades e exclusões. É que auxiliem a repensar, articuladamente, os
nesse contexto adverso que a educação brasi- componentes inerentes ao conjunto de temá-
leira aporta explicitando heranças históricas ticas relativas à Educação para as Relações Ét-
cujo legado evidencia onerosas consequências nico-Raciais (ERER). Esta proposição consiste
a alguns segmentos sociais, em especial à po- em subsidiar os processos de formação conti-
pulação negra e indígena. nuada e práticas pedagógicas envolvendo toda
Sob essa ótica, a educação em Santa Catari- a comunidade escolar no processo de ruptura
na tem seu lastro em um espaço nacionalmen- dos silêncios curriculares e na reordenação dos
te reconhecido como um território de brancos, conteúdos de modo equânime no desenvolvi-
em virtude de sua composição demográfica e, mento de atividades, escolhas e práticas peda-
de modo particular, pela proliferação de estudos gógicas no debate sobre as relações raciais.
históricos e geográficos que sustentam princí- A ERER enquanto política curricular, de-
pios encaminhados na ótica do positivismo e da terminada pela Lei Federal nº 10.639/2003,
hegemonia cultural. No entanto, um olhar mais que torna obrigatório o ensino de História da
criterioso e histórico sobre fatos e dados revela África e da Cultura Afro-Brasileira, assenta-se
a presença da população negra no território ca- na ideia da desconstrução dos modelos e prá-
tarinense, bem como as contribuições econômi- ticas que desconsideram a pluralidade étnica
cas e culturais desse grupo na dinâmica social, e visa a fomentar reflexões que esclareçam a
cultural e econômica do estado. existência de ramificações imprescindíveis à
Por esse viés, é de extrema importância que formação dos estudantes.
as instituições escolares reconheçam essa reali- Em face dos pressupostos descritos, pro-
dade e desvelem no fazer pedagógico o discurso põe-se um documento de Política de Educação
que produz violências e regula comportamentos para as Relações Étnico-Raciais e do Ensino
que acabam por influenciar a visão do “eu”, no de História e Cultura Afro-Brasileira e Africa-
sentido de hierarquizar o pertencimento étnico na considerando a africanidade no percurso
dos estudantes. Decorre desta prática o fortale- formativo do sujeito da diversidade, organiza-
cimento das desigualdades sociais, comprome- do da seguinte forma: em primeira instância,
tendo a autopercepção positiva dos estudantes procura-se apresentar um panorama históri-
negros. A situação descrita coloca os educado- cos das discussões sobre ERER a partir da im-
res diante da necessidade de se pensar em uma plementação da Lei Federal nº 10.639/2003 na
Educação Básica voltada para a universalização Secretaria de Estado da Educação (SED), ca-
e a inclusão da diversidade, no âmbito do marco racterizando o marco inicial em nível estadu-
epistemológico da Proposta Curricular do esta- al do processo que embasa a elaboração des-
do, atualizada em 2014, sob a ótica da alteridade. ta política. Nesse mesmo tópico, destaca-se o
Com base na ideia de um percurso forma- papel do Núcleo de Estudos Afrodescendentes
CONTINENTE AFRICANO
C
om a promulgação da Lei Federal nº CAD), atualmente Secretaria de Educação
10.639, que entrou em vigor no ano Continuada, Alfabetização, Diversidade e In-
de 2003, tornando obrigatório o en- clusão (SECADI), criar o Fórum Permanente,
sino da história e cultura africana e Educação e Diversidade Étnico-Racial do Esta-
afro-brasileira no currículo das escolas, a Se- do de Santa Catarina (FEDERER/SC). Formado
cretaria de Estado da Educação (SED) passa a por representantes do poder público e da so-
promover discussões com intuito de fomentar ciedade civil, o referido fórum, organizado por
novas práticas pedagógicas nas salas de aula meio de Regimento Interno, objetiva acompa-
e reúne um grupo de técnicos da Diretoria de nhar o desenvolvimento, articulação e defini-
Educação Básica (DIEB) para estudar o tema e ção de políticas públicas, comprometidas com
pensar estratégias para orientar as Gerências a implementação das Leis Federais nº 10.639,
Regionais de Educação (GERED) e as escolas a de 09 de janeiro de 2003 e nº 11.645, de 10 de
colocarem em prática a referida legislação. março de 2008, com as Diretrizes Curriculares
Nesse ínterim, o Movimento Negro de San- Nacionais, Plano Nacional de Implementação
ta Catarina e, posteriormente, o Núcleo de Es- das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
tudos Afro-Brasileiros (NEAB) da Universidade Educação das Relações Étnico-Raciais e para
do Estado de Santa Catarina (UDESC) solici- o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
tam ao Secretário de Educação que se crie uma e Africana, Estatuto da Igualdade Racial, Pla-
estrutura na SED capaz de iniciar as discussões no Nacional de Promoção da Igualdade Racial
em âmbito estadual, colocando-se à dispo- e outros temas correlatos com a temática ét-
sição para orientar e formar técnicos para tal nico-racial na área de educação no processo
propósito. Assim, com a participação de repre- ensino-aprendizagem em toda a rede pública
sentantes das diferentes diretorias da SED, em e privada do estado.
interlocução com instituições governamentais O FEDERER, que de início foi coordenado
e não governamentais que estavam em conso- pela SED, foi transferido para a UDESC, onde
nância com a Educação para as Relações Étni- permanece até os dias atuais.
co-Raciais (ERER), cria-se oficialmente, em 19 Essa movimentação do NEAD e do FEDE-
de novembro de 2003, por meio da Portaria nº RER instigou os educadores a buscarem mais
038/SED, o Núcleo de Estudos Afrodescenden- conhecimento acerca da legislação e de con-
tes (NEAD/SED). teúdos correlatos. Mesmo que por ações ain-
A partir desse período, inicia-se um ciclo de da incipientes, as escolas iniciaram o caminho
estudo e formação, primeiro para os membros para o diálogo multicultural e a desconstrução
do NEAD/SED e depois para os professores da de práticas de racismo e preconceitos. No en-
rede estadual, sempre com representatividade tanto, esse compromisso pedagógico precisa-
das diferentes regiões do estado. va estar acompanhado de conhecimento das
Uma das primeiras tarefas do NEAD foi, diversas culturas que formam o país, princi-
juntamente com a Secretaria de Educação palmente da contribuição positivada do negro.
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SE- Souza (2012) corrobora:
2.1 NEAD/SED
O NEAD/SED tem como propósito formu- à educação de qualidade, que compreende a
lar, disseminar, orientar e avaliar a implemen- formação para a cidadania responsável e pela
tação de diretrizes e programas para a ERER. construção de uma sociedade mais justa.
Ao disseminar as concepções da ERER Com abrigo na DIPE, sob a GEPEB, o NEAD
para o reconhecimento e valorização da histó- foi criado oficialmente em 19 de novembro de
ria e cultura da população negra, o NEAD tem 2003, pela Portaria nº 038/SED, e reativado em
como meta fomentar a igualdade do direito março de 2016.
?? um (a) coordenadora;
?? técnicos da COREF;
?? técnicos do IEE.
O núcleo ainda pode contar com a partici- vernamentais e não governamentais que atu-
pação de representantes de organizações go- am direta e indiretamente com a temática.
INCUMBÊNCIAS
?? Fomentar a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana;
2.2 NEAD/GERED/COREF/IEE
Estabelece-se, como incumbência das pe do núcleo, formada pelos seguintes profis-
GERED, COREF e do IEE, constituir uma equi- sionais:
?? um(a) coordenador(a);
INCUMBÊNCIAS
?? Fomentar ações essenciais para afirmação e reconhecimento da história e
da identidade afro-catarinense;
?? representantes de estudantes;
?? representantes de professores;
INCUMBÊNCIAS
?? Fomentar a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana;
A
rica contribuição dos povos que A penúria da influência negativa, verificada nas
compõem o mosaico étnico brasi- violências próprias e consequentes do que o escra-
leiro não seria considerado um pro- vismo brasileiro realizou, leva os estudantes negros
blema para a humanidade não fosse e negras a viverem daquilo que foi legitimado, sem
a hierarquização das relações entre a espécie uma referência histórica que lhes traga um sentido
humana. Sentidos estruturados historicamen- positivo para o seu pertencimento. Invisibilizados
te pelas relações de poder resultam na bana- quanto à valorização de sua cultura, estes estudan-
lização da desgraça humana, no surgimento tes são levados cotidianamente pelo anacronismo
das desigualdades, no comprometimento da que, publicamente, inferioriza-os diante da arbi-
noção de pertencimento étnico positiva dos trariedade do referencial europeu que naturaliza o
estudantes negros/negras e de outros grupos hábito do convívio social, histórico, cultural e esté-
étnicos no contexto escolar. tico de pertencimento positivo do outro.
O sentido racista e discriminatório imbuí- (2009). Para a autora, essa estratégia garante a
do no sistema escolar do Brasil corrobora prá- posição privilegiada da população branca em
ticas, saberes e valores transmitidos que enal- detrimento da população negra, na medida
tecem uma pretensa superioridade branca. em que esses saberes representam negativa-
Essas práticas acabam por formar fenômenos mente a trajetória deste último grupo étnico.
de etnocentrismo que encontram espaço para A consequência imediata é a perversidade de
a construção dos estereótipos e preconceitos uma formação que não traduz nenhum aspec-
que terminam por conformar a hierarquiza- to positivo para o pertencimento, tanto em ní-
ção, como demonstra a pesquisadora Vieira vel individual como coletivo.
A escola deve ser um espaço vivo de valorização que possui como compro-
misso contemplar as diferentes dimensões das identidades, para que todos
os estudantes e profissionais possam ser percebidos, respeitados e valoriza-
dos em sua totalidade. A escola precisa assumir que é, também, um universo
de construção da identidade étnica e reconhecer-se como um dos primeiros
espaços sociais que os estudantes acessam depois da família e no qual in-
teragem com outros modos de ser etnicamente (VIEIRA, 2009, p. 145-146).
Nessa ótica, as ações na escola precisam ainda, construir um novo olhar que possibilite
evidenciar a reflexão sobre o valor da diver- refletir sobre as implicações que envolvem um
sidade, dispondo o debate sobre as práticas ambiente que naturaliza e conforma as atitu-
pedagógicas na direção de efetivar um tra- des racistas, superando-o para um ambiente
balho que assegure os valores étnico-raciais. que se propõe a conquistar diariamente a res-
Trabalho que se traduz num mecanismo para peitabilidade étnica.
o reconhecimento da existência do racismo, Assim, para se pensar em ações que sus-
do preconceito, da desigualdade e, ao mesmo citem mudanças no cenário educacional faz-
tempo, para a construção de alternativas que -se necessário refletir, de forma breve, sobre a
superem esse status quo. Assim, além de com- trajetória de batalhas sociais que culminaram
bater os tratamentos discriminatórios, viabili- no movimento que envolve a implantação das
zará a criação de espaços que potencializem a Ações Afirmativas, com o advento da procla-
produção de novos conhecimentos, para que mação da Lei Federal nº 10.639/03, que institui
as diferenças não sejam tomadas por inferio- os saberes sobre a História da África e da Cul-
ridade. tura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de
É mister que o planejamento e a imple- Educação Básica.
mentação de qualquer proposta que envolva Importante destacar a III Conferência
a construção de uma nova maneira de pensar Mundial contra o Racismo, a Discriminação
e produzir a prática pedagógica precisam es- Racial, a Xenofobia e as Formas Correlatas de
tar relacionados a um amplo e novo processo Intolerância, realizada de 31 de agosto a 7 de
de reflexão e ação. Devem propor a aquisição setembro de 2001, em Durban – África do Sul,
de uma nova concepção de sujeito, um fazer que consistiu num evento de larga importân-
pedagógico que internalize a multidimensio- cia nos esforços empreendidos pela comuni-
nalidade do ser social e faça crescer a valori- dade internacional para combater o racismo, a
zação do aspecto humano, no qual as práticas discriminação racial e a intolerância em todo o
de implementação para atingir esses objetivos mundo. No âmbito educacional, o documento
suscitem novas formas de convivência, dife- oficial brasileiro, a partir dos encaminhamen-
rentes daqueles que fizeram surgir esta socie- tos daquela conferência, recomenda, entre ou-
dade hegemonicamente estruturada. Devem, tros procedimentos:
Reforçamos que um dos aspectos relevantes que nos traz a Lei 10.639/03
é o restabelecimento do diálogo, rompendo-se o monólogo até então ins-
tituído, que trazia por referência o falar e o fazer escolar com base em um
único valor civilizatório. A lei, portanto, rompe com a ideia de subordinação
racial no campo das ideias e das práticas educacionais, e propõe reconcei-
tuar, pela escola, o negro, seus valores e as relações raciais na educação e na
sociedade brasileira (ROMÃO, 2005, p. 12).
Para dar fundamentação a essa proposição, março de 2004, aprovou o Parecer CNE/CP nº
faz-se imprescindível revelar o conhecimento 003/2004, estabelecendo as Diretrizes Curricu-
do mosaico étnico brasileiro, suas origens e sua lares Nacionais para a Educação das Relações
pertinência; englobar as mais diversas influên- Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
cias da população negra do Brasil, trazendo aos Cultura Afro-Brasileira e Africana. Com o ad-
estudantes a grande diversidade étnica do corpo vento da lei federal, a demanda da população
social brasileiro, desestruturando a hierarquia negra, envolvendo afirmação de direitos, valo-
étnico-racial na qual se está embutido. rização, reconhecimento e empoderamento,
Para fomentar o movimento do fazer pe- passou a ter um lugar de direito na área edu-
dagógico, após um ano e dois meses da Lei cacional. Neste sentido, no que se refere à va-
Federal nº 10.639/03 ser sancionada, o Conse- lorização da identidade étnica, o documento
lho Nacional de Educação (CNE), no dia 10 de prescreve:
Por esse caminhar, ficam conferidos às ins- inócuo, e pela aceitação de grupos considera-
tituições de ensino a responsabilidade e o com- dos excluídos” (SANTA CATARINA, 2014, p. 56),
promisso de acabar com o modo falso e reduzido mas como uma ação que prevê como propósito
de tratar a contribuição dos africanos escraviza- o respeito e o reconhecimento. O documento
dos e de seus descendentes para a construção da realça que a Educação para as Relações Étnico-
nação brasileira (BRASIL, 2004a). -Raciais (ERER), determinada pela Lei Federal nº
Em consonância com os encaminhamentos 10.639/03, sucedida das políticas de reparação,
nacionais, a Proposta Curricular de Santa Cata- “tem por objetivo atender às demandas da po-
rina (PCSC), atualizada em 2014, prevê a diver- pulação negra e, vislumbrar ações de reconheci-
sidade como princípio formativo e fundante no mento e de valorização de sua identidade histó-
currículo escolar. Preconiza o documento que o rico-cultural na educação” (SANTA CATARINA,
reconhecimento desses princípios deflagra siste- 2014, p. 66).
mas de representações mais amplos, objetivan- Segundo a Proposta Curricular do Estado
do compreender “que a valorização da diferença de Santa Catarina (2014), a ERER assenta-se
não se dá por meio de um discurso harmonioso, em três princípios basilares, a saber:
valorizar visões de mundo, experiências histó- reeducação dos sujeitos sociais e da escola.
ricas, contribuições dos diferentes povos que Para reforçar a proposição da PCSC, o Pla-
têm formado a nação, bem como de negociar no Estadual de Educação 2015 – 2024 (PEE)
prioridades, coordenando diferentes interes- inscreve-se com o objetivo de estabelecer polí-
ses, propósitos, desejos, além de propor polí- ticas e ações educacionais com vistas a elevar a
ticas que contemplem efetivamente a todos. qualidade da educação catarinense, tendo, en-
Nesse sentido, a Proposta Curricular de Santa tre outros princípios, o respeito às diferenças
Catarina (PCSC) pauta-se na Educação para as e a redução das desigualdades. O documento
Relações Étnico-Raciais (ERER), propondo a prevê, entre outras estratégias:
O objetivo é reeducar tendo como refe- mas também por outras, como aquelas que
rência os estudos das populações africanas e tratam da gestão e do currículo escolar, bem
indígenas, seu legado, suas influências e suas como das políticas e práticas para o respeito
contribuições às formas de ser da população às diferenças. Reconhecer a diversidade étni-
brasileira e catarinense. Entretanto, torna-se co-racial brasileira é fundamental para que se
essencial pensar em uma estrutura escolar que institua uma política educacional capaz de ali-
acolha os sujeitos reais, em seus tempos, seus cerçar uma sociedade antirracista, instrumen-
pertencimentos, suas heranças e valores. Para talizando o combate ao racismo e à discrimi-
a ERER, qualidade da educação não é observa- nação racial com vistas à consolidação de um
da somente pela dimensão da aprendizagem, verdadeiro estado democrático e de direito.
4
A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS (ERER) NAS ÁREAS
DO CONHECIMENTO: PRINCÍPIOS
NORTEADORES E PERSPECTIVAS
TEÓRICO-METODOLÓGICAS
D
entre os impasses que fazem parte como um dos elementos fundamentais do di-
da realidade brasileira, as questões reito à educação no Percurso Formativo do su-
que envolvem o contexto exis- jeito da aprendizagem.
tencial do negro representam um Para que isso ocorra de forma eficiente, é
dos maiores dilemas nacionais e permitem ver fundamental que cada área do conhecimen-
que existem, também, diversas tentativas para to possa criar um campo de atuação voltado
buscar mudanças profundas, provenientes dos à valorização da história da África, com seu
mais distintos setores da sociedade. patrimônio cultural, incluindo as questões da
Destacam-se, assim, dois encaminhamen- negritude. O propósito é romper com o olhar
tos divergentes. O primeiro, orientado teori- folclórico, fragmentado e estereotipado que
camente por uma perspectiva crítica, propõe costumeiramente foi lançado, sobretudo no
novas convivências sociais que valorizam que diz respeito ao negro e sua existência his-
campos culturais da população negra até en- tórico-social.
tão ignoradas na escola. O segundo, alinhado à Este documento deve constituir-se em
ideia de democracia racial, resulta em ativida- estímulo para as diferentes áreas do conheci-
des com insuficiência para romper com barrei- mento e colaborar com os princípios teóricos
ras estruturais que sustentam a histórica falta e metodológicos necessários na superação dos
de equidade, sistematicamente constituída no processos discriminatórios que circundam o
país. espaço escolar. Deve motivar o corpo docente
Mesmo considerando o obscuro cenário das escolas de Educação Básica a primar para
descrito, deve-se admitir que, em diferentes que as articulações pedagógicas consolidadas
segmentos da vida social, nascem iniciativas no combate ao preconceito estejam em unís-
evidenciando a busca de caminhos alternativos sono com as perspectivas de luta dos grupos
para que a situação seja transposta. No que se sociais organizados, com a superação dos pro-
refere à Educação Básica, é crescente o núme- cessos que sustentam as desigualdades visíveis
ro de ações que estão sendo articuladas sob a e com indicadores socioeconômicos e educa-
influência dos novos debates surgidos nessas cionais do Brasil.
duas últimas décadas. São ações promissoras, Por fim, espera-se que, dentro de cada área
propostas por instituições de Ensino Superior e do conhecimento, as discussões propostas te-
pelos Sistemas Educacionais de Ensino, sempre nham a capacidade de fomentar, dentro da es-
inspiradas e motivadas pela ação dos movimen- cola, a responsabilidade com a emancipação
tos sociais negros e nas sugestões provenientes do negro, de forma a assegurar-lhe o direito a
de pesquisas científicas envolvendo o tema. uma educação formal que evidencie elemen-
Do ponto de vista prático, percebe-se a tos inerentes à sua cultura.
mobilização dos sistemas educacionais e de A Educação para as Relações Étnicos-Ra-
professores, visando a equacionar a situação. ciais (ERER) deve ajudar a fomentar o diálogo
Dessa forma, a Secretaria de Estado da Edu- entre os componentes curriculares e a produ-
cação (SED) de Santa Catarina, na atualização ção de conhecimentos organizados para valo-
da Proposta Curricular, coloca a diversidade rizar os traços identitários da população negra.
FIGURA 1
MAPA CONCEITUAL DA ERER
RACISMO
IDENTIDADE ÉTNICA
PRECONCEITO
AÇÕES AFIRMATIVAS
DISCRIMINAÇÃO
PERTENCIMENTO
ESTEREÓTIPO
ERER
ÁREAS DAS
ÁREAS DAS
CIÊNCIAS
LINGUAGENS
HUMANAS
ÁREAS DAS
CIÊNCIAS DA
NATUREZA E
ETNOSAÚDE MATEMÁTICA XENOFOBIA
CULTURA RELIGIOSIDADES
ETNIA ETNOCENTRISMO
Fonte: Núcleo de Educação para as Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, 2017.
Quando se pensa numa legislação que deter- Educação Básica como direito vem acompanhada
mina uma educação voltada à diversidade étnica, de duas outras dimensões, imprescindíveis para
existem alguns elementos que devem ser pondera- sua realização: a ideia de uma educação comum e
dos. No caso específico do estado de Santa Catari- a ideia do respeito à diversidade” (SANTA CATARI-
na, o ponto de partida é o alinhamento com a ótica NA, 2014, p. 54).
da Proposta Curricular, reformulada sob a pers- Estar em uníssono com os fundamentos da
pectiva da “diversidade como princípio formativo”, Proposta Curricular de Santa Catarina (PCSC)
e centrada no pressuposto de que a “concepção da pode assegurar que os encaminhamentos pe-
dagógicos decorrentes desta reflexão, venham tório da escola com o objetivo de destacar a im-
reforçar a tese de que “os seres humanos são di- portância da discussão sobre as relações raciais
versos em suas experiências de vida históricas e no Brasil e o combate ao racismo.
culturais, são únicos em suas personalidades e De posse dessas orientações, a Secretaria de
são diversos em suas formas de perceber o mun- Estado da Educação (SED) preocupa-se em de-
do” (SANTA CATARINA, 2014, p. 54). sencadear ações pedagógicas que possam ser
Pode-se afirmar que a educação formal não articuladas dentro de cada componente curricu-
constitui unicamente o processo de promoção dos lar, de maneira segura, mediante a utilização de
elementos cognitivos, mas deve estar associada à metodologias organizadas para promover o re-
valorização da realidade cultural dos grupos socais conhecimento e a valorização étnica em sala de
que interagem no contexto escolar para traduzir aula, sem que se corra o risco de ser insuficiente,
minimamente, em suas práticas, a totalidade das incongruente ou reducionista.
culturas representadas no contexto educativo. Este documento constitui-se de orientações
Além da Proposta Curricular, o que qualifi- indicativas com o propósito de possibilitar o
ca a proposição dessa reflexão está relacionado desenvolvimento de práticas interdisciplina-
com as prescrições da Lei Federal nº 10.639/2003, res, que auxiliem na transformação da escola
que, inspiradas nas indicativas e articulações do em um lugar de convivência cidadã no que diz
movimento negro, colaboram com a promoção respeito à interação entre os diferentes grupos
da igualdade ao forçar que a escola repense suas étnicos que nela convivem.
práticas que se encontram acomodadas em um O espaço escolar deve ser, por excelência,
currículo hegemônico e fechado que vem ne- um espaço de equidade. Infelizmente, quando
gando os direitos legítimos da população negra se pensa em relações interpessoais, descobre-se
de ser contemplada no espaço pedagógico. que essa equidade ainda não acontece. Perce-
A obrigatoriedade de inclusão de conteúdos be-se que a escola ainda carrega o peso de uma
relativos à História da África e da Cultura Afro- sociedade racista, na qual os privilégios da po-
-brasileira no âmbito do currículo da Educação pulação branca permanecem representados no
Básica, como prescreve a lei, ajuda a dimensio- currículo, nos espaços de divulgação de ativida-
nar a necessidade de um trabalho articulado des e datas importantes, nas falas dos educado-
dentro da escola que potencialize a inclusão de res e demais integrantes da comunidade escolar.
elementos culturais de natureza emancipatória Como então pensar uma educação que refli-
no contexto escolar. ta sobre a sua totalidade em que todas as etnias
Neste cenário que envolve a ancoragem le- possam ser realmente representadas? O ponto
gal, as proposições contidas nas Diretrizes Curri- de partida pode estar em se admitir a existência
culares Nacionais para a Educação das Relações do racismo na sociedade brasileira.
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cul- Gomes (2005, p. 46) assevera que “lamenta-
tura Afro-Brasileira e Africana, trazem como base velmente, o racismo em nossa sociedade se dá de
as políticas de ações afirmativas que compreen- um modo muito especial: ele se afirma através da
dem políticas de reparações, de reconhecimento sua própria negação”. Quando questionadas, as
e valorização da história, cultura e identidade da pessoas dizem que o racismo não existe, porém,
população negra. O documento aporta no terri- voltando ao texto da autora, constata-se que:
Nessa lógica, combater o racismo requer um termo ou conceito usado para se referir ao
compromisso com pequenas e grandes ações pertencimento ancestral e étnico-racial dos
no espaço educacional que garantam mudan- negros e negras e outros grupos na sociedade
ças não apenas conceituais. brasileira. A autora cita Cashmore (2000), para
Assim, para Gomes (2005, p. 50), etnia é quem etnia consiste em:
Inúmeros são os preconceitos gerados pe- entre outras. Gomes (2005) lembra que o pre-
las diferenças entre os grupos étnico-raciais. conceito como atitude não é inato, é apren-
O pré-julgamento e ideias superficiais levam dido socialmente. Neste sentido, preconceito
a intolerâncias geracionais, religiosas, raciais, racial, na perspectiva da autora, refere-se a um
.
POLÍTICA DE EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA
Da mesma forma que no racismo, as pessoas na (2008), entre as funções do estereótipo está a
não se assumem preconceituosas, mas revelam- de que ele pode servir tanto para supervalorizar
-se através de pequenas atitudes diárias. É fun- quanto para inferiorizar as pessoas e, neste senti-
damental que se discuta o preconceito, dentro do, existe uma grande aproximação entre o con-
e fora do espaço escolar. Assim, ao pensar sobre ceito de estereótipo e o de preconceito, sendo
atitudes carregadas de valores, chega-se ao con- que o primeiro é considerado como a efetivação
ceito de estereótipo. Na perspectiva de Sant’An- do segundo. De acordo com Sant’Anna (2008):
Etnocentrismo é um conceito que define dade a partir de seus próprios padrões culturais.
uma visão de superioridade de um grupo étnico Tais julgamentos inferiorizam e discriminam as
ou de uma cultura sobre outros, demonstrando demais culturas e grupos étnicos, deixando de
desconhecimento sobre outras culturas e colo- proporcionar ao sujeito o conhecimento de ou-
cando a cultura predominante de quem detém tros mundos e o acolhimento à diversidade cul-
essa visão como centro, a qual interpreta a reali- tural. Para Gomes (2005), o etnocentrismo é:
A discriminação é resultado de ações de dis- diferentes religiões em sua totalidade, mas, sim,
tinção, exclusão, restrição ou preferência que trazê-las à luz do conhecimento, de pensar estas
leve à desigualdade. Para Santos (2005, p. 39), “a práticas religiosas de forma a não as hierarquizar
discriminação ocorre quando somos tratados e de maneira que corrobore a desnaturalização
iguais em situações diferentes, e como diferen- dos preconceitos que envolvem a temática. O
tes, em situações iguais”. termo religiosidade rompe com a noção de re-
Na discussão sobre os conceitos de estere- ligião institucionalizada e, em seu lugar, abre a
ótipo e de etnocentrismo que se relacionam à análise para diferentes formas de experimentar,
noção de inferioridade ou superioridade de um vivenciar, praticar e explicar esta dimensão hu-
grupo étnico-cultural em detrimento de outro, é mana. Tal abordagem sobre a religiosidade vai de
importante trabalhar a noção de religiosidades encontro à ideia de que a questão étnico-racial
no espaço escolar de forma a pensar essa dimen- está relacionada a um tipo específico de prática
são enquanto elemento cultural e de construção do sagrado. Ao contrário, o termo deve ser pen-
de visão do mundo e de leitura do sagrado em sado em sua diversidade de formas, de mitos, de
sua diversidade. Não se trata aqui de estudar as sincretismos, de hibridismos religiosos, assim
como nas suas mais diferentes roupagens insti- nos, curdos, entre outros oprimidos.
tucionais. No Brasil, do final dos anos 1970, o movi-
Um poderoso instrumento de ação social para mento negro teve como principal objetivo escar-
o combate à discriminação e como forma de repa- nar as desigualdades e dar visibilidade às condi-
ração, inclusão e inserção de grupos que se encon- ções socioeconômicas da população negra. Para
tram em situações de vulnerabilidade são as políti- tanto, elegeu-se como prioridade a construção
cas de ações afirmativas. Segundo Santos (2005, p. da identidade negra na sociedade brasileira. No
40), “as ações afirmativas visam reparar e remediar final dos anos 1980, a escolha recaiu na conti-
as marcas deixadas por um passado de discrimina- nuidade do desmascaramento da cordialidade
ções”. Uma ação afirmativa busca oferecer igualda- do racismo brasileiro. Já na década de 1990, as
de de oportunidades a todos. demandas surgidas no dia a dia da luta política
Ações afirmativas são políticas públicas per- possibilitaram às várias entidades do movimen-
petradas pelo governo ou pela iniciativa privada, to negro reivindicar a inserção do negro no mun-
objetivando diminuir ou corrigir desigualdades do do trabalho e do acesso à educação. Contudo,
presentes na sociedade, acumuladas ao longo somente neste século cogita-se alguma repara-
de anos. Entende-se por ações afirmativas toda ção pelos danos causados aos negros que, captu-
política pública ou privada que visa a promover rados e trazidos da África, representaram a ver-
a inclusão social e garantir a existência de uma dadeira mão de obra do Brasil Colônia.
sociedade efetivamente pluralista. São exemplos As políticas de ações afirmativas visam ao re-
nacionais de ações afirmativas: a garantia do conhecimento, valorização, afirmação de direi-
número mínimo de mulheres nos partidos polí- tos, justiça e igualdade de direitos sociais, civis,
ticos, as políticas de cotas para pessoas com de- culturais e econômicos. Elas procuram oferecer
ficiência e para afrodescendentes, entre outras. igualdade de oportunidades a todos e todas.
As ações afirmativas no Brasil partem do Para compreender a necessidade de uma
conceito de equidade expresso na Constituição ação afirmativa, é preciso, antes de tudo, com-
Federal. O direito à igualdade, consagrado no preender o contexto social vivido. Entender
caput, do artigo 5°, da Constituição da Repú- que, há 130 anos, precisamente em 13 de maio
blica, integra o chamado núcleo constitucional de 1888, a Lei Áurea garantiu, pela primeira vez
intangível, também conhecido como cláusulas no Brasil, a liberdade para africanos e afrodes-
pétreas. Além disso, a cidadania e a dignidade da cendentes, sem, contudo, oportunizar qual-
pessoa humana são fundamentos da República quer condição de subsistência e inclusão na
Federativa do Brasil (artigo 1º, II e III da CF/88). sociedade. Apesar da lei, africanos e afrodes-
“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da cendentes foram deixados à margem da socie-
República Federativa do Brasil: I - construir uma dade, sujeitos ao racismo aberto, mesmo que
sociedade livre, justa e solidária; [...] III - erradi- não oficializado. Dessa forma, ao debater as
car a pobreza e a marginalização e reduzir as de- cotas para negros nas universidades, é preci-
sigualdades sociais e regionais” (BRASIL, 1988). so retornar ao Brasil colonial e perceber como
O termo “ação afirmativa” foi utilizado pela pri- o processo de escravidão criou desigualdades
meira vez nos Estados Unidos, na década de 1960 sociais que são presentes até hoje. A partir de
do século XX, para se referir às políticas do gover- dados estatísticos que demonstram a diferen-
no que visavam ao combate das diferenças entre ça entre negros nas universidades comparados
brancos e negros. Antes mesmo da expressão, as com o percentual desta população no total de
ações afirmativas já eram pauta de reivindicação brasileiros, o governo comprova a necessidade
do movimento negro no mundo todo, assim como de criar uma política para equilibrar séculos de
para grupos discriminados, como árabes, palesti- desigualdades.
No Brasil, as ações afirmativas integram uma as desigualdades são reproduzidas a cada dia.
agenda de combate à herança histórica de escra- O contexto exige que se questionem relações ét-
vidão, segregação racial e racismo contra a popu- nico-raciais baseadas em preconceitos que des-
lação negra. Essas ações podem ser de três tipos: qualificam os negros e salientam estereótipos
com o objetivo de reverter a representação ne- depreciativos, palavras e atitudes que, veladas ou
gativa dos negros; para promover igualdade de explicitamente violentas, expressam sentimen-
oportunidades; e para combater o preconceito e tos de superioridade em relação aos negros, pró-
o racismo (BRASIL, 2016). prios de uma sociedade hierárquica e desigual.
A demanda da comunidade afro-brasilei- Assim sendo, ações afirmativas são instru-
ra passou a ser particularmente apoiada com a mentos de combate às desigualdades presen-
promulgação da Lei nº 10.639/2003, que alte- tes na sociedade. Todo e qualquer tipo de ação
rou a Lei Federal nº 9.394/1996, estabelecendo a que vise ao bem comum, sem infringir o direito
obrigatoriedade do ensino de história, culturas alheio, como é o caso das políticas públicas de
afro-brasileiras e africanas. ações afirmativas, deve ser amparada pela justi-
Além da valorização do patrimônio his- ça e acolhida pela sociedade.
tórico-cultural afro-brasileiro, as políticas de Conforme afirma Gomes (2005), a identidade
ações afirmativas voltadas para a educação não é algo nato, ela é um modo de ser no mun-
devem oferecer a essa população garantias de do e com os outros. São traços culturais que se
ingresso, permanência e sucesso na educação expressam em práticas linguísticas, festivais, ri-
escolar. Devem afiançar a aquisição das com- tuais, costumes alimentares e tradições popula-
petências e dos conhecimentos tidos como in- res. Assim, a construção da identidade negra não
dispensáveis para a continuidade nos estudos, pode estar desligada disso e ignorar a discussão
tendo em vista a conclusão de cada um dos ní- sobre identidade em geral. Esse processo possui
veis de ensino. dimensões que estão interligadas e são construí-
O presente é impregnado de passado, mas das no intercâmbio social.
Embora haja relação mútua entre as políticas o combate ao processo de alijamento de grupos
de promoção da igualdade racial e as políticas raciais dos espaços valorizados da vida social. As
de ação afirmativa, esses termos não são sinôni- políticas de ações afirmativas são medidas que
mos. Então, o que vem a ser cada um deles? buscam garantir a oportunidade de acesso dos
Em realidade, é possível encontrar várias grupos discriminados, ampliando sua partici-
definições de ação afirmativa, assim como pação em diferentes setores da vida econômica,
de políticas de promoção da igualdade racial. política, institucional, cultural e social. Elas se
Mas, para uma discussão inicial, é preciso sa- caracterizam por serem medidas temporárias e
ber que há pelos menos três tipos de políticas por dispensarem um tratamento diferenciado e
ou ações de combate ao racismo e às desi- favorável com vistas a reverter um quadro histó-
gualdades raciais: rico de discriminação e exclusão.
a) ações repressivas; As ações valorizativas, por sua vez, são
b) ações valorizativas; entendidas como aquelas que têm por meta
c) ações afirmativas. combater estereótipos negativos, historica-
Conforme designaram as pesquisadoras mente construídos e consolidados na forma de
Jaccoud e Beghin (2002, p. 55), “as ações afir- preconceitos e racismo. Tais ações têm como
mativas e as políticas repressivas são entendi- objetivo reconhecer e valorizar a pluralidade
das [...] como aquelas que se orientam contra étnica que marca a sociedade brasileira e valo-
comportamentos e condutas”. As políticas re- rizar a comunidade afro-brasileira, destacan-
pressivas visam a combater o ato discrimina- do tanto seu papel histórico como sua contri-
tório e a discriminação direta usando a legisla- buição contemporânea à construção nacional.
ção criminal existente. Nesse sentido, as políticas e as ações valoriza-
Note-se que as ações afirmativas procuram tivas possuem caráter permanente e não focali-
combater a discriminação indireta, ou seja, zado. Seu objetivo é atingir não somente a popu-
aquela discriminação que não se manifesta ex- lação racialmente discriminada – contribuindo
plicitamente por atos discriminatórios, e sim por para que ela possa reconhecer-se na história e
meio de formas veladas de comportamento cujo na nação – mas toda a população, permitindo-
resultado provoca a exclusão de caráter racial. -lhe identificar-se em sua diversidade étnica e
As ações afirmativas têm como objetivo não cultural. As políticas de informação também se-
o combate ao ato discriminatório, mas sim o rão aqui identificadas como “ações valorizativas”
combate ao resultado da discriminação, ou seja, (JACCOUD; BEGHIN, 2002, p. 55-56).
lidades áudio-oral, escrita, viso-gestual, tátil, ERER na área é a de atuar no propósito de res-
imagética, de movimento” (SANTA CATARI- significação do modo de ser e nas representa-
NA, 2014, p. 97). Num terceiro plano, coloca-se ções dos diferentes atores que interagem na
a sociointeração como elemento primordial escola. Esse caminho é uma via importante
para articular as diferentes linguagens mani- para se consolidar instrumentos que tenham
festadas pela população afrodescendente na eficiência no combate às ideologias e às assi-
escola. Esse movimento deverá acontecer me- metrias sociais provenientes de um modelo de
diante uma contínua interlocução com a ideia exclusão implícito nas práticas educacionais.
de semiótica, que sustenta os aportes episte- O comprometimento dos componentes
mológicos da Área das Linguagens, dentro da curriculares com essa realidade representa
Proposta Curricular de Santa Catarina. um primeiro passo para que se reinterprete,
Ter como premissa a tríade epistemologia, a partir dos valores da negritude, a pintura, a
semiose e sociointeração para discutir a Edu- dança, as brincadeiras, as produções literárias,
cação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) o vocabulário, as manifestações orais, os mo-
no âmbito das linguagens traz a segurança ne- vimentos corporais e tantas outras realidades
cessária para se articular os diferentes contex- que são abordadas na Área das Linguagens.
tos que circundam as convivências grupais de A consolidação desta nova visão é prerro-
pessoas em processos de relacionamento na gativa para que se possam estabelecer parâ-
escola. Por esse caminho é viável estabelecer metros de leitura de novas formas de precon-
práticas focadas não só no desenvolvimento ceitos identificados na escola e abordadas de
cognitivo do sujeito, mas também nos valores forma inconsequente do ponto de vista da
culturais que fazem parte da sua cotidianidade questão étnica. Como ilustração, pode-se ci-
e representem o patrimônio da população ne- tar o caso da eugenia, que requer um cuidado
gra brasileira. particular da Biologia. Trata-se de uma realida-
A necessidade desta discussão repousa de que demanda encaminhamentos práticos
no fato de que a escola conviveu, por muito com o propósito de contrapor a base ideoló-
tempo, com um encaminhamento curricular gica dessa percepção assimétrica de homem,
elaborado a partir de valores centrados nos que, a exemplo das teorias racistas do século
moldes europeus, com diferentes práticas diri- passado, pode reforçar a minimização social
gidas quase que exclusivamente para a cultura do negro.
hegemônica da sociedade. Como consequên- Visualizam-se no escopo da Matemática
cia, a Biologia, a Matemática, a Literatura, a elementos significativos que podem, de forma
Educação Física e a Arte optaram por encami- associada aos componentes das Ciências Hu-
nhamentos pedagógicos sustentados em teses manas, auxiliar no combate ao preconceito e à
e métodos indiferentes às temáticas prove- discriminação fornecendo os instrumentos de
nientes dos padrões culturais dos grupos mi- análise dos dados estatísticos que sustentam,
noritários, em especial, da população negra. quantitativamente, a situação social da popu-
A ruptura com este velho modelo implica, lação negra no Brasil.
também, pensar a ERER no campo da lingua- Ao se buscar a desconstrução de concei-
gem a partir da análise do discurso. Neste sen- tos estabelecidos por uma sociedade que en-
tido, o texto “Discurso e Raça”, de Célia Maga- controu na escrita a forma de registro daquilo
lhães, pode inspirar alguns encaminhamentos que considera importante, há, igualmente, a
metodológicos, pois, ao lembrar Fariclough, a necessidade de se encontrar os meios para va-
autora reconhece o discurso “como configura- lorizar a oralidade, que se constitui excelência
dor de três modos na prática social: os gêneros na riqueza comunicativa dos povos de descen-
do discurso (modo de ação), os discursos (mo- dência africana.
dos de representação), e os estilos (modos de Reconhecer a oralidade como instrumento
ser)” (MAGALHÃES, 2008, p. 119). de decodificação das simbologias leva ao en-
O texto sugere que uma das funções da tendimento de como são transmitidas as prá-
Portanto, as referidas disciplinas que acom- (DCN) para a ERER. Pelas diretrizes, o ensino
panham o currículo da Educação Básica, ora deve ter três princípios: consciência política
em todo o percurso, ora apenas no Ensino Fun- e histórica da diversidade; fortalecimento de
damental, diante do compromisso social e pe- identidades e de direitos e ações educativas
dagógico, devem assegurar que os conceitos e de combate ao racismo e às discriminações.
conteúdos pertinentes a cada disciplina con- Portanto, é fundamental que a escola fomente
templem o ensino da cultura e história afro- ações pedagógicas, com o seguinte questiona-
-brasileiras, africanas e indígenas, preconiza- mento: que contribuições para a ERER e para a
das pela Lei Federal nº 10.639/03, sancionada formação da cidadania sem racismo as Ciências
em 2003, que institui o ensino da cultura e his- da Natureza e Matemática podem trazer?
tória afro-brasileiras e africanas e a Lei Federal A Secretaria de Estado da Educação, Es-
nº 11.645/08, que complementa a Lei nº 10.639 porte e Lazer do Mato Grosso, no documento
ao acrescentar o ensino da cultura e história in- intitulado “Orientações Curriculares, Área de
dígenas. Ambas alteram a Lei nº 9.394/96, que Ciências da Natureza e Matemática - Educação
estabelece as diretrizes e bases da educação Básica”, em 2012, traz uma importante afirma-
nacional, e as Diretrizes Curriculares Nacionais ção do papel da Ciência na Educação Básica:
Pois bem, o alfabetizar letrando na perspec- que nessa formação integral sejam construídos
tiva de introduzir o Ensino da História e Cultura saberes que evidenciem a presença da cultura
Afro-Brasileira e Africana, nas disciplinas de Ci- do continente africano em todo o mundo e a
ências, Biologia, Física, Química e Matemática, importância dos descendentes destes. Ainda no
desde os anos iniciais do Ensino Fundamental mesmo documento da Secretaria de Estado de
até os anos finais do Ensino Médio, vai permitir Educação de Mato Grosso (SEDUC-MT) (2012):
Importante esclarecer que, neste texto, en- cultural dos próprios educandos).
tende-se Ciências como sendo as práticas es- É relevante que as áreas do conhecimento
colares dedicadas a ensinos e aprendizagens dialoguem entre si, para que todos os sujeitos
de conhecimentos científicos produzidos no sejam valorizados por sua história, seu modo
âmbito das Ciências Naturais. No sistema de de viver a vida, em sua singularidade e, sobre-
educação formal, estas ciências são tratadas tudo, a subjetividade. Esse novo fazer peda-
sob a forma de disciplinas, a saber: Ciências, gógico demanda conhecimento do professor
no Ensino Fundamental; Biologia, Física e e, mais que isso, comprometimento com a
Química, no Ensino Médio. verdade histórica com as etnias que formam
Já a Matemática, pode, por exemplo, tratar o Brasil. Outro exemplo corriqueiro é quando
da Etnomatemática (tendência metodológica em Química trabalha-se com a tabela periódi-
de ensino da Matemática, que busca entender ca. Ao pesquisarem a procedência de cada um
os processos de pensamento, os modos de ex- dos elementos, os educandos perceberão que
plicar e atuar na realidade, dentro do contexto grande parte tem origem em África.
E
ste documento, apresentado pelo as Relações Étnico-Raciais (ERER) no currículo
Núcleo de Educação para as Rela- escolar, tendo como referência a Lei Federal nº
ções Étnico-Raciais e do Ensino de 10.639/03, as Diretrizes Curriculares Nacionais
História e Cultura Afro-Brasileira e para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
Africana da Secretaria de Estado da Educação para o Ensino de História e Cultura Afro-Bra-
de Santa Catarina (NEAD/SED), representa um sileira e Africana, bem como a Proposta Cur-
marco na história dos profissionais da educa- ricular de Santa Catarina de 2014, na qual a
ção que estiveram sempre à frente do processo educação do estado assume a diversidade na
de legitimação da Lei Federal nº 10.639/2003. Educação Básica como um “princípio formati-
A efetivação do preceito legal condiz com o vo e fundante” do currículo escolar.
caminho trilhado por um grupo que sempre Além de apresentar princípios norteadores
se fez presente no processo de construção de para a superação de práticas discriminatórias
possibilidades educativas pautadas na plurali- existentes nas escolas e de dar lugar à valori-
dade cultural, além de quebrar o paradigma de zação da identidade étnica de forma positiva,
uma educação que, por muito tempo, ao não o documento aponta para a necessidade de
considerar a diversidade do contexto escolar, formação inicial e continuada para todos os
priorizou a perspectiva etnocêntrica marcada- profissionais constitutivos das comunidades
mente de raiz europeia. escolares do estado de Santa Catarina.
O formato de escrita linear da história con- Este documento não se encerra em si mes-
tribuiu muito para uma concepção de escola mo. Ele abre a discussão para um público mais
engessada que se fez a partir da exclusão histó- amplo: a sociedade catarinense, as universi-
rica de pertencimento do outro – primordial- dades, os profissionais da educação, a saúde,
mente da população negra africana e brasilei- a assistência social, a segurança pública, entre
ra. Mais do que propor uma educação baseada outros. Profissionais que atuam com o que se
na diversidade étnico-cultural, faz-se necessá- tem de mais precioso: crianças, jovens e adul-
rio repensar o modelo de história partindo de tos das mais variadas etnias que esperam que
outros paradigmas epistemológicos. a escola seja mais que um espaço democrático,
Os temas abordados, refletidos e discutidos seja um espaço de debate e fomento de uma
ao longo deste documento apontam, dentre ou- educação que contempla a diversidade.
tros encaminhamentos, para a necessidade da Por fim, toda a construção de um olhar que
reconfiguração e ampliação curricular, princi- faculte reflexão sobre as relações étnico-raciais
palmente, em seu viés político-pedagógico, no no contexto escolar, caracterizada por uma
qual a busca pelo rompimento com o currículo perspectiva de prática antirracista, deve ser
hegemônico e fechado na centralidade domi- reconhecida como uma política de ação afir-
nante seja a premissa dessa reconfiguração. mativa. Tal política visa a assegurar ações com
Nessa perspectiva de transformação no o propósito de reverter as práticas educacio-
âmbito escolar é preciso que gestores, especia- nais motivadas por um contexto tendencioso
listas e professores, em suas construções e de- e perverso, decorrente da escravidão que, his-
cisões coletivas, repensem, de forma articula- toricamente, violou o direito ao protagonismo
da, o papel da diversidade e da Educação para da população negra.
48 Breno
Reis de
Paula
POLÍTICA DE EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA
FIGURA 2
POPULAÇÃO NEGRA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
DISTRIBUÍDA POR REGIONAIS
22ª
24ª
15%
25ª
29ª
21% 18%
22% 3ª 23ª
23% 13%
2ª 31ª 10ª
1ª 5ª
16% 16% 19% 27% 33% 34ª
8% 15ª
28ª
14ª 10%
30ª 15%
4ª
32ª 7ª 9ª
33ª 8% 17ª
7% 22% 23% 23% 11ª 13% 15%
12% 30%
6ª 16ª
14% 12ª 12%
8ª
9%
13ª
25% 9%
A
26ª
14%
29%
27ª
30% 35ª
8% 18ª
9%
20ª 19ª
14% 10%
Sarafina https://www.youtube.com/watch?v=N2SBHhr3coE
SUGESTÕES DE LIVROS:
ORIENTAÇÕES E AÇÕES PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS (ERER)
?? volume 11: Trajetória e Políticas para o Ensino das Artes no Brasil: anais da XV
CONFAEB
?? volume 12: Série Vias dos Saberes nº1: O Índio Brasileiro: o que você precisa
saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje
?? volume 13: Série Vias dos Saberes nº2: A Presença Indígena na Formação
do Brasil
?? volume 14: Série Vias dos Saberes nº3: Povos Indígenas a Lei dos “Brancos”: o
direito à diferença
?? volume 15: Série Vias dos Saberes nº4: Manual de Linguística: subsídios para
a formação de professores indígenas na área de linguagem
?? volume 16: Juventude e Contemporaneidade
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Ulysses Paulino de. Introdução à et- ______. Por que ensinar relações étnico-raciais e histó-
nobotânica. 2. ed. Rio de Janeiro: Interciência, 2005. ria da África na sala de aula? (artigo). GELEDÉS – Insti-
tuto da mulher negra. Rio de Janeiro: 2014. Disponível
AZEVEDO, Crislaine Barbosa. Educação para as rela- em: <https://www.geledes.org.br/por-que-ensinar-
ções étnico-raciais e ensino de história na educação -relacoes-etnico-raciais-e-historia-da-africa-nas-
básica. Natal (RN), v. 2, NESP, jun. 2011. -salas-de-aula-2/>. Acesso em: 15 out. 2017.
BRASIL. Parecer CNE/CP nº 003/2004. Diretrizes ______. Educação Cidadã, Etnia e Raça: o trato peda-
curriculares nacionais para a educação das relações gógico da diversidade. In: CAVALLEIRO, Eliane. Racis-
étnico-raciais e para o ensino de “História e Cultura mo e Anti-racismo na educação: repensando nossa
Afro-Brasileira”. Brasília, 2004a. escola. São Paulo: Summus, 2001. p. 83-95.
______. Conselho Nacional de Educação. Ministério da GOMES, Joaquim Benedito Barbosa; SILVA, Fernanda
Educação. Brasília, 2004b. Duarte Lopes Lucas. As Ações afirmativas e os pro-
______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Es- cessos de promoção da igualdade efetiva. Disponí-
tabelece as diretrizes e bases da educação nacional. vel em: <http://www.cjf.jus.br/revista/seriecadernos/
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Bra- vol24/artigo04.pdf>. Acesso em: 17 set. 2016.
sília, DF, 23 dez. 1996. GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Racismo e Anti-
_______. Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Al- -Racismo no Brasil. Artigo Novos Estudos nº 43. 1995.
tera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo; HUNTLEY, Lynn
estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacio- (Orgs.). Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo
nal, para incluir no currículo oficial da rede ensino a no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
-Brasileira” e dá outras providências. Diário Oficial IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 de Censo de 2010.
janeiro de 2003.
JACCOUD, Luciana de Barros; BEGHIN, Nathalie. Desi-
_______. Constituição (1988). Constituição da República gualdades raciais no Brasil: um balanço da interven-
Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. ção governamental. Brasília: IPEA, 2002.
_______. Ministério da Justiça e Cidadania. O que são KEANE, Jonh. Reflexiones sobre la violência. Madri:
Ações Afirmativas. 2016. Alianza Editorial, 1996.
CASHMORE, Ellis. Dicionário das Relações Étnico e MAGALHÃES, Célia. Discurso e raça. In: CALDAS-
Raciais. Ellis Cashmore com Michael Banton. Tradu- -COULTHARD, Carmen Rosa; CABRAL, Scliar Leonor
ção Dinah Kleve. São Paulo: Summus, 2000. (Orgs.). Desvendando discursos: conceitos básicos.
Florianópolis: UFSC, 2008. p. 113-142.
CAVALLEIRO, Eliane (Org.). Racismo e Anti-racismo
na educação: repensando nossa escola. São Paulo: MAMIGONIAN, Beatriz G. Dois Domingos, com duzentos
Summus, 2001. anos de intervalo. In: MATTOS, Hebe; BESSONE, Tânia;
MAMIGONIAN, Beatriz G. Historiadores pela democra-
CHARLOT, Bernard (Org.). Os jovens e o saber: Pers- cia: Golpe de 2016. São Paulo: Alameda, 2016. p. 49-55.
pectivas Mundiais. Tradução: Fátima Murad. Porto
Alegre: Artmed, 2001. MATO GROSSO. Secretaria de Estado da Educação
de Mato Grosso. Orientações Curriculares: área de ci-
______. Da relação com o Saber: Elementos para uma ências da natureza e matemática - Educação Básica.
Teoria. Tradução: Bruno Magne. Porto Alegre: Artmed, Cuiabá: Defanti, 2012.
2000.
MEKSENAS, Paulo. Pesquisa social e ação pedagógica:
DICIONÁRIO Houaiss da Língua Portuguesa, 2001. conceitos, métodos e práticas. São Paulo: Loyola. 2002.
GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos pre- MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o Racismo
sentes no debate sobre relações raciais no Brasil: na Escola. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
Uma breve discussão. In: SECAD - Secretaria de Edu- da Educação Continuada, Alfabetização e Diversida-
cação Continuada, Alfabetização e Diversidade/MEC. de, 2008.
Educação Anti-racista: Caminhos abertos pela Lei Fe-
deral 10639/03. Brasília. 2005. p. 39-62.
______. Palestra: Uma Abordagem Conceitual Das No- SANTOS, Isabel Aparecida dos. A responsabilidade
ções De Raça, Racismo, Identidade e Etnia. In: SEMI- da escola na eliminação do preconceito racial: alguns
NÁRIO NACIONAL RELAÇÕES RACIAIS E EDUCAÇÃO, caminhos. In: CAVALLEIRO, Eliane. Racismo e anti-ra-
3. Anais... Rio de Janeiro: PENESB, 2003. cismo na educação: repensando nossa escola, São
Paulo: Summus, 2001. p. 97-114.
OLIVA, Anderson Ribeiro. Lições sobre a África: diá-
logos entre as representações dos africanos no ima- SANTOS, Renato Emerson. O ensino de geografia
ginário Ocidental e o ensino da história da África no do Brasil e as relações raciais: reflexões a partir da
Mundo, Atlântico Brasília. 2007. 415f. Tese (Doutora- Lei 10.639. In: ______. (Org.). Diversidade, espaço e
do) - Universidade de Brasília, Brasília, 2007. relações étnico-raciais. Belo Horizonte: Editora Gu-
tenberg, 2009. p. 21-42.
______. A história da África nos bancos escolares re-
presentações e imprecisões na literatura didática. Es- SANTOS, Sales Augusto dos. Políticas públicas de
tudos Afro-Asiáticos, v. 25, n. 3, p. 421-461, 2003. promoção da igualdade racial, questão racial, merca-
do de trabalho e justiça trabalhista. Revista do Tribu-
ONU. Organização das Nações Unidas. Conferência nal Superior do Trabalho, São Paulo, SP, v. 76, n. 3, p.
mundial contra o racismo, a discriminação racial, a 72-105, jul./set. 2010.
xenofobia e a intolerância correlata, 3. Durban, 2001.
______. (Org.). Ações Afirmativas e Combate ao Racis-
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e identidade Nacio- mo nas Américas. Brasília: UNESCO, 2005.
nal. São Paulo: Brasiliense, 2003.
SHOHAT, Ella; ROBERT, Stam. Crítica da imagem eu-
PIOVESAN, Flávia. Ações afirmativas da perspecti- rocêntrica: multiculturalismo e representação. São
va dos direitos humanos. Caderno Pesquisa [online], Paulo: Cosac Naify, 2006.
v. 35, n. 124. ISSN 0100-1574. 2005. Disponível em:
<https://pt.scribd.com/document/61124355/ACO- SILVA, Ana Célia da Silva. Superando o Racismo na Esco-
ES-AFIRMATIVAS-FLAVIA-PIOVESAN>. Acesso em: la. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educa-
15 out. 2017. ção Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2008.
ROCHA, Julia Siqueira da. Castigo e Crime: Adoles- SILVA, Douglas Verrangia Corrêa da. A educação das
centes criminalizados e suas interações com as con- relações étnico-raciais no ensino de Ciências: diálo-
dutas de risco, a educação e o sistema de justiça. Flo- gos possíveis entre Brasil e Estados Unidos. 2009.
rianópolis: Insular, 2016. 335f. Tese (Doutorado) - Universidade de São Carlos,
São Carlos, 2009.
ROMÃO, Jeruse (Org.). História da educação do negro
e outras histórias. Secretaria de Educação Continua- SILVA, Douglas Verrangia Corrêa da; SILVA, Petronilha
da, Alfabetização e Diversidade. Brasília: Ministério da Beatriz Gonçalves. Cidadania, relações étnico-raciais e
Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfa- educação: desafios e potencialidades do ensino de Ci-
betização e Diversidade. 2005. ISBN - 85-296-0038-X ências. Educação e Pesquisa, v. 36, n. 3, p. 705-718, 2010.
278p. (Coleção Educação para Todos).
SILVA, Maria Aparecida. Da Formação de educado-
______. Por uma educação que promova a auto-estima res/as para o combate ao racismo: mais uma tarefa
da criança negra. Brasília: Ministério da Justiça, 2001. essencial. In: CAVALLEIRO, Eliane. Racismo e anti-ra-
cismo na educação: repensando nossa escola. São
SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação. Paulo: Summus, 2001. p. 65-82.
Proposta curricular de Santa Catarina: formação inte-
gral na educação básica. [S.l.]: [S.n.], 2014. 192p. SOUZA, Marina de Mello e. Algumas impressões e su-
gestões sobre o ensino de história da África. Revista
______. Plano Estadual de Educação de Santa Catarina História Hoje, v. 1, 2012.
2015-2024. Florianópolis: DIOESC, 2016.
VERÍSSIMO, Maria Valéria Barbosa. UNESP e FE/USP.
______. Lei Complementar nº 668, de 28 de dezembro GE: Grupo de Estudos Afro-brasileiros e Educação.
de 2015. Dispõe sobre o Quadro de Pessoal do Ma- Educação e desigualdade racial. Políticas de ações
gistério Público Estadual, instituído pela Lei Comple- afirmativas. Disponível em: <http://www.adami.adv.
mentar nº 1.139, de 1992, e estabelece outras provi- br/raciais/17.pdf>. Acesso em: 16 set. 2016.
dências. Diário Oficial [do] Estado de Santa Catarina,
Florianópolis, 31 de dezembro de 2015. VIEIRA, Margarete da Rosa. Vozes de ébano: um es-
tudo das representações sociais sobre os saberes
SANT’ANNA, Antônio Olímpio de. História e conceitos escolares de estudantes afro-descendentes na edu-
básicos sobre o racismo e seus derivados. In: MU- cação de jovens e adultos do município de São José
NANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na - Santa Catarina. 2009. 193f. Dissertação (Mestrado
escola. 2. ed. Brasília: MEC/SECAD, 2008. p. 35-63. em Educação) – Universidade Federal de Santa Cata-
rina, Florianópolis, 2009.
MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO