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A MORAL E AS EMOÇÕES

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
FILOSOFIA

TÓPICOS ESPECIAIS DE FILOSOFIA

AULA 3 – MORAL, NATUREZA E CULTURA

Prof. Marconi Pequeno


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O QUE É A NATUREZA?

Por Natureza entende-se a propriedade de uma coisa


cujo principio ou causa pertence a ela mesma
(Aristóteles) ou o conjunto de elementos do mundo
natural.

A natureza pode ser também tudo aquilo que é


governado por uma necessidade (Spinoza). Ou ainda
a soma dos cateracteres particulares que definem o
estado ou condição própria do ser humano (Hume)

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O que é a cultura?

A cultura refere-se ao cultivo (nutrição) à


produção de símbolos, valores, ideias. Ela
também é a transmissão geracional de
costumes e tradições. De alguma forma, é
tudo que se refere à construção do espírito

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Todavia, o que a natureza e a cultura tem a ver
com a moralidade do sujeito? Qual a influência
que essas esferas exercem sobre a conduta
normativa do indivíduo. Enfim, de que modo
tais elementos agem na determinação do
nosso ethos?

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A questão acerca da origem da moral sofreu
uma reviravolta a partir do momento em que
algumas teorias passaram a defender a tese
segundo a qual a moralidade encontra seu
fundamento na natureza

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A ideia segundo a qual nossas disposições morais
provêm de uma origem biológica é algo que inquieta
muitos filósofos e estudiosos do fenômeno da
cultura

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A moral estaria enraizada na nossa constituição
biológica e determinaria não apenas o
comportamento social animal, mas também
todo o aspecto substantivo da moral (ou seja, o
próprio conteúdo da moralidade)

Para a maior parte dos evolucionistas, como é o


caso de Richard Alexander (The Biology of
Moral System)  a teoria da evolução serviria
de viés explicativo da emergência do mundo
moral e do papel que nele ocupamos

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Moral  Seria um sistema de normas
socialmente estruturadas em torno da
reciprocidade para a qual concorre a
cooperação intraespecífica, (o altruísmo entre
aparentados e congêneres  o que hoje
chamamos de nepotismo)

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Portanto, nossa herança
ancestral teria implicações na
constituição das regras e
valores que compõem o
universo da moralidade

Isso significa que o processo


evolutivo moldou nossa
constituição natural e
determinou a emergência do http://static.flickr.com

mundo moral

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Assim, a nossa história evolutiva explicaria o
desenvolvimento de características que
permitiram o aparecimento do
comportamento moral

Há ainda algumas correntes naturalistas que


defendem a hipótese segundo a qual o
homem adquire suas aptidões morais da
filogênese (de sua historia evolutiva) que se
estende ao longo do tempo

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Isso significa que cada conduta revelaria um
comportamento social particular traduzindo, ao
mesmo tempo, um estado específico da evolução
biológica

Desse modo, as leis da vida organizam os


mecanismos de integração social e de cooperação
recíproca entre os indivíduos de uma espécie

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O indivíduo é, assim, visto como
biologicamente predisposto a fazer
certas escolhas (inclinações naturais)

E por meio das mudanças ou


interferências culturais, algumas
dessas escolhas seriam solidificadas
em forma de preceitos, leis, crenças,
costumes

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A cultura entraria em cena apenas para legitimar
ou organizar, por meio de seus postulados, os
princípios ditados pela natureza.

A decisão de se conduzir moralmente já estaria


INSCRITA no nosso patrimônio genético

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Marc Hauser (Moral Minds) mentes morais) 
existe uma espécie de “órgão moral”
localizado numa área do cérebro (córtex pré-
frontal) que se oferece como um “circuito
especializado em reconhecer certos
problemas como moralmente relevantes
(“seria a voz moral ou consciência da nossa
espécie”).

http://animaestudosfilosoficos.blogspot.com.br/2014/ 14
04/antropocentrismo-x-teocentrismo.html
Há também alguns Neurofisiologistas (A.
Damásio, Joseph Ledoux, J. P. Changeux) 
defendem a existência de uma região da
consciência moral associada aos sentimentos
primitivos (sistema límbico, hipotálamo, amígdala
cerebral, cíngulo) e que orientam a nossa conduta
com base nos critérios de recompensa e punição

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Tais estruturas impõem ao indivíduo uma
obediências aos valores e normas morais como um
mecanismo necessário à preservação da sua
existência

O dever de autopreservação se revelaria como o


primeiro princípio determinante de nossos
engajamentos morais

O comportamento moral seria fruto do


desenvolvimento de uma linha evolutiva e estaria
baseado em um sentimento de obrigação, uma
experiência sensorial que nos determinaria a agir
segundo regras
Os eventos naturais/biológicos  disposições mentais que nos levariam a seguir normas e a adotar certos comportamentos,
Moral  apareceria como uma forma eficaz para se manter a cooperação e a confiança entre os indivíduos de um grupo.

A moral teria sido uma aquisição vantajosa na


evolução dos procedimentos de cooperação
animal

Do ponto de vista coletivo, ela reforçaria os laços


de confiança entre os indivíduos, resultando em
benefício social. Por outro lado, não cooperar
envolveria riscos e custos

A conduta moral  reflete então adaptação do ser


vivo ao seu meio com vistas à ampliação suas
chances de sobrevivência

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Assim, a conduta é considerada BOA se ela tende a
conservação da existência, e MÁ se ela está na
origem da destruição do individuo, ou seja, se ela
NÃO favorece a sobrevivência do mais apto.

A luta pela vida engendraria um “código de


solidariedade” entre indivíduos de um mesmo grupo,
de uma mesma comunidade (Dawkins – O gene
egoísta)

A moral se revela sob a forma de comportamento


cooperativo animal, ainda que haja um jogo do
altruísmo/egoísmo entre os indivíduos de várias
espécies que vivem em comunidade.
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O altruísmo seria a fonte do bem-estar  bem-estar é
definido como ‘garantia de sobrevivência’ e ‘sucesso
reprodutivo’.

Essa concepção de altruísmo NÃO leva em


consideração o motivo ou a intenção, mas apenas o
efeito da ação.

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Para muitos evolucionistas, o conflito e a
cooperação, bem como seus efeitos, estão na
base dos comportamentos sociais de todos
os animais. Sem alguma tipo de altruísmo,
seria impossível estabelecer laços sociais
(Michel Ruse - Evolution and morality)

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Moral  facilitaria a harmonia social e permitiria a
transmissão e reprodução dos genes às gerações
futuras.

Portanto, a sociabilidade humana seria explicada em


termos de evolução natural

A moralidade emergem em um meio social onde


indivíduos buscam realizar seus próprios interesses
(maximizar o prazer, minimizar o sofrimento, se
adaptar ao meio e sobreviver)

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Moral seria determinada pela necessidade do mundo
natural

(Hume – Tratado da natureza humana)

Necessidades  Interesse  força motriz do


comportamento humano (as disposições da espécie
estão relacionadas com sentimentos, desejos e
emoções e não, necessariamente, com razões)
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Os problemas de ordem moral resultam do
confronto entre desejos e necessidades divergentes
(competição entre indivíduos). Ademais, se toda
humanidade compartilhasse dos mesmos
interesses, não haveria problemas de natureza moral

Moral  favorece as estratégias de sobrevivência,


evitando que os interesses do mais forte se
imponham sobre os dos demais

Richard Alexander  regras morais  envolvem a


imposição de recompensas e punições para
controlar atos sociais

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Não obstante a necessidade de cooperação, a
evolução humana tem sido também guiada pela
competição e pela disputa entre indivíduos e
grupos (senso de cooperação x senso egoísta)

Para alguns etologistas, os grupos cooperam


para se tornar mais aptos a competir entre si

Tal comportamento teria se mostrado mais


vantajoso em termos de sobrevivência e
reprodução

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O fato é que, sem a COMPETIÇÃO entre grupos, a
COOPERAÇÃO no interior dos mesmos teria sido
mais branda ou talvez mesmo inexistente

Colaboração  destina-se ao crescimento e a


consolidação do sucesso reprodutivo (interações
recíprocas vantajosas)

Assim, os sistemas morais rudimentares


apareceram quando as ameaças externas exigiam a
coesão do grupo  sistema de reciprocidade

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Nesse sentido, as filogênese e a seleção natural
teriam originado a moral e todas as nossas
construções e conquistas culturais

A cultura seria, assim, um dispositivo que a natureza


criou para facilitar ou otimizar a sobrevivência e a
reprodução humana

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MORAL E CULTURA

Para os adeptos do CULTURALISMO, a


natureza jamais poderia explicar a
origem da moralidade

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A moral seria a expressão máxima da
indeterminação e da independência do homem
em relação à natureza. Assim, o aspecto
substantivo da moral seria uma função estrita
da evolução cultural

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Para alguns filósofos (Aristóteles, Kant,
Hegel), a cultura nos libertou da condição
de seres imersos no determinismo
natural. A moral é, pois, uma criação da
razão ou da vida em sociedade. Ou ainda,
ela seria produto da deliberação do
homem que age movido pela autonomia
da vontade ou pela razão (Kant)

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É inegável que existem
predisposições biológicas na
espécie humana, assim como há em
outras espécies animais, porém,
para alguns autores, é difícil
estabelecer um vínculo direto entre
elas e o comportamento moral,
devido ao grande número de casos
em que os princípios morais se
confrontam com essas
predisposições, chegando ao ponto
de se elegerem, como morais,
comportamentos que não favorecem http://static.flickr.com

a reprodução nem a sobrevivência


dos indivíduos
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Convém assinalar a distinção entre a tese de que
“as normas da moralidade estão assentadas na
evolução da espécie” e a tese de que “a evolução
nos predispõe a aceitar certas normas morais”

Esta última defende a existência de uma relação


entre evolução e moral, mas nega sua influência
direta sobre as normas, enquanto que a outra
sustenta que certos comportamentos como o tabu
do INCESTO, a condenação do ADULTÉRIO, entre
outros, são oriundos da seleção sexual e do
altruísmo recíproco

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Thomas Nagel  a biologia nada de importante tem a
nos dizer sobre a moralidade

Em sua opinião, ela apenas pode nos fornecer


informações sobre as motivações iniciais do nosso
comportamento, mas, a rigor, a moral não seria
apenas um comportamento e, sim, uma construção
racional, porque inclui crítica, justificação, aceitação
e rejeição. O ato moral exigiria não apenas motivação,
mas também justificação

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Assim, a tese evolucionista seria prejudicial porque
enfraquece a confiança que temos na razão (seria
uma ameaça à crença que temos no poder do
intelecto humano e de seus construções)

Para tais autores, quando afirmamos que a moral


pode ser explicada pelo evolução ou filogênese, nos
lhe fornecemos uma origem contingente (baseada
no acaso) e, com isso, deixamos de buscar uma
justificação que nos forneça razões necessárias
para as normas e as condutas que elas orientam

.
Thomas Nagel  a biologia nada de importante tem
a nos dizer sobre a moralidade. Ela apenas pode nos
fornecer informações sobre as motivações iniciais
do nosso comportamento, mas a moral não seria
apenas um comportamento e, sim, uma construção
racional, porque inclui crítica, justificação, aceitação
e rejeição. O ato moral exigiria não apenas
motivação, mas também justificação

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Assim, a tese evolucionista seria prejudicial porque
enfraquece a confiança que temos na razão, pois
quando afirmamos que a moral pode ser explicada
pelo evolução ou filogênese, nos lhe fornecemos
uma origem contingente (baseada no acaso) e, com
isso, deixamos de buscar uma justificação que nos
forneça razões necessárias para as normas e as
condutas que elas orientam

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Thomas Nagel  se quisermos salvar nossa
confiança na razão, teremos de encontrar
justificações que sejam independentes das
explicações evolucionistas. A moral exige uma base
autônoma capaz de justificar as crenças que temos
na validade das normas. (Esta base seria a razão)

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Nesse caso, a vantagem evolutiva seria uma
explicação, mas não poderia funcionar como
justificação. Afinal, se a moral é útil por ter um
importante papel na regulação das relações
interpessoais, ela demandaria uma RAZÃO DE
SER para que sua existência possa ultrapassar
a mera explicação evolutiva

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Porém, Michel Ruse, considera que NÃO há um
fundamento estritamente racional, ou seja, a priori,
para a moral, mas isso não implica que a mesma seja
irracional

Assim, a moralidade estaria assentada,


primeiramente, nos sentimentos de obrigação, culpa,
orgulho, compaixão, prazer, sofrimento, vergonha,
entre outros e, desse modo, o evolucionismo poderia
explicar a origem da moral, ainda que não fosse
capaz de lhe fornecer um fundamento.

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O fato é que não necessitamos justificar nossos
atos para agir moralmente. Assim, NÃO
precisamos, por exemplo, definir/explicar o que é a
justiça, para ser justos, nem, tampouco, saber
conceituar o bem, para nos tornar um bom sujeito

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A vinculação entre natureza e moral NÃO
implica necessariamente na defesa de
um determinismo cego/obtuso nem,
tampouco, deve deixar de considerar a
importância da justificação do modo
como agimos moralmente

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O inato (natureza) e o adquirido (cultura) não são
polos opostos/antagônicos. Eles são instâncias
simbióticas. Assim, mais do que oposição, o que
há entre ambos é cooperação e sinergia

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Dizer que a moral é um dispositivo da natureza
não invalida o fato de que precisamos oferecer
razões quando agirmos dessa ou daquela
maneira

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Por isso, não me parece incompatível com o bom
senso ou ultrajante à nossa condição de homo
sapiens sapiens a afirmação segundo a qual a moral
encontra sua origem nas determinações do mundo
natural, pois isso não elimina a necessidade de se
justificar os valores ou os costumes que constituem
uma cultura

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Ademais, a cultura é tão somente o outro nome que
podemos dar a uma forma de natureza realizada. Isso
significa que a cultura pode SIM moldar, regular,
legitimar o nosso comportamento moral, ainda que
NÃO seja o seu principio originário ou causal

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Com isso, pode-se falar em impulso ou instinto
criador do agir moral e afirmar que UMA MORAL
guiada apenas pela natureza pode até se revelar
cega (por não apresentar justificativas), PORÉM
uma moral destituída de natureza será sempre
vazia (por ser carente de fundamento)

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