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AMOR,
LÍNGUA DE EROS
- ANAIS -
2020, V. ÚNICO
ISBN: 978-65-00-10294-9
Capa e diagramação
Bárbara Costa Ribeiro
O amor em narrativas
Políticas do amor
O amor e as imagens
Mitos do amor
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..................................................................................................................................11
O AMOR EM NARRATIVAS...........................................................................................................13
ABRAM AS CORTINAS: O AMOR EM CARLOS CÂMARA!...................................14
AMAR: PARTIR – CORPO E ENCONTRO AMOROSO NA OBRA DE
MARGUERITE DURAS.........................................................................................................................22
AMOR É ESSÊNCIA DE FLOR: A RELAÇÃO ENTRE FEMININO E EROTISMO
NO CONTO “ROUPA SUJA”, DE MARCELINO FREIRE.............................................35
AMOR E PODER NA LITERATURA DE CORDEL DE JOSÉ COSTA LEITE......46
AMORES (IM)PERFEITOS DE CRISÓSTOMO E BALTAZAR,
PROTAGONISTAS DE VALTER HUGO MÃE......................................................................57
AMOR PLATÔNICO: UMA IDEIA INESQUECÍVEL........................................................69
ENTRE O AMOR E O ÓDIO EM “O BÚFALO”, DE CLARICE LISPECTOR..81
EROS E PHILIA NO POSICIONAMENTO POP-ROCK PARA CRIANÇAS....90
EROS REGE O DISCURSO OU O DISCURSO REGE EROS? A ISOTOPIA
DO DESEJO SEXUAL EM ANGÚSTIA, DE GRACILIANO RAMOS...................101
O AMOR COMO UMA POSSÍVEL VIA PARA A SUPERAÇÃO DO
EGOÍSMO HUMANO: UM DIÁLOGO ENTRE FILOSOFIA, SOCIOLOGIA E
LITERATURA...........................................................................................................................................110
O AMOR VENCE A AMARGURA..........................................................................................119
POLÍTICAS DO AMO R...............................................................................................................127
“AINDA QUE EU FALASSE A LÍNGUA DOS ANJOS”: O AMOR CRISTÃO
NAS REVISTAS LIÇÕES BÍBLICAS..........................................................................................128
ALGO DE INTEIRAMENTE NOVO: A LINGUAGEM DISFUNCIONAL DO
AMOR NA SUPERAÇÃO DA FINITUDE..............................................................................139
AMOR E HOSPITALIDADE: A INCONDICIONALIDADE DO AMOR EM
JACQUES DERRIDA.........................................................................................................................146
CUPIDO E PSIQUÊ NAS SALAS DE AULA – O AMOR NO MAGISTÉRIO É
ROMÂNTICO......................................................................................................................................155
APRESENTAÇÃO
CLAUDICÉLIO RODRIGUES
Universidade Federal do Ceará
Resumo: Venustério é o neologismo criado para denominar as celas para visita íntima
das mulheres aprisionadas no Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura
Costa, criada em meados de 1990, duas décadas após a inauguração da
penitenciária feminina cearense ocorrida em 1974. O hiato temporal para a
institucionalização do encontro íntimo é o mote para o trocadilho "Vênus estéril", que,
utilizado como título, tem a intenção de ser uma palavra-chave da reflexão proposta,
que objetiva, a partir de dialogo interdisciplinar com as fontes – prontuários prisionais
e entrevistas –, refletir sobre as relações de poder que buscavam normatizar os
corpos de mulheres criminalizadas reforçando espaços sociais adequados ao gênero
feminino.
Palavras-chave: Gênero; sexualidades; mulher; prisão.
INTRODUÇÃO
O primeiro presídio feminino cearense, inaugurado sob a gestão do coronel
e governador César Cals de Oliveira Filho em agosto de 1974, assentou sua estrutura
disciplinar em prédio que abrigara anteriormente uma instituição religiosa. 60 O
espaço – cuja vocação monasterial se perpetuava nos símbolos religiosos
espalhados em pátios; nos muros baixos outrora criados para isolar mulheres do
mundo exterior e não para impedi-las de ter acesso às ruas; nas referências em
relatórios sociais utilizando a frequência a encontros religiosos como sintoma de
recuperação e cura moral; nos cursos voltados para o espaço doméstico como
corte-costura, culinária e bordado; na ausência de creche para os bebês das internas
e de espaço institucional para visita íntima – sinalizava uma relação de tensão que
60 O Estado alugou a ala sul do conglomerado de prédios que pertenciam à Congregação Bom
Pastor d'Angers, onde funcionava também Instituto Bom Pastor. Localizada na Avenida Filomeno
Gomes, nº 110, bairro Jacarecanga, região centro-oeste da capital, a instituição acolheu mulheres em
situação social vulnerável, funcionando também como "[...]escola para a educação de jovens que
necessitavam de um internato para corrigir comportamentos não condizentes com a sociedade da
época." (VASCONCELOS, 2014, p.47). Para saber mais sobre a Congregação Bom Pastor d'Angers e
sua atuação como instituição total junto a mulheres criminalizadas ver ANDRADE, 2011 e ARTUR, 2017
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61 "O patriarcado designa uma formação social em que os homens detêm o poder, ou ainda, mais
simplesmente, o poder é dos homens. Ele é, assim, quase sinônimo de 'dominação masculina’ ou
de opressão das mulheres" (DELPHY, 2009, p.173).
62 Observamos que nos primeiros anos de funcionamento do IPFDAMC, o relatório social poderia
ser elaborado por outro elemento do corpo administrativo do presídio, não ficando exclusivamente a
cargo da assistente social, o que nos permite supor que o saber para lidar com mulheres no sistema
prisional estava em construção. Mesmo havendo no estado do Ceará o encarceramento de mulheres
criminalizadas anterior à inauguração do presídio feminino, eram prisões mistas ou espaços
correcionais religiosos, portanto, o IPFDAMC foi a primeira penitenciária feminina, onde corpo
administrativo – laico –, voltava-se exclusivamente para a mulher.
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63 "[...] a acusada e vítima, desde que se viram pela primeira vez, não se separaram mais, viviam
juntas; que, neste relacionamento, a acusada e vítima praticavam atos de natureza sexual, uma com a
outra[...]" (VERA...1974, p. 07).
64 AAIPF – SAP. Prontuário nº 08. Carta de Guia. Vara Única das Execuções Penais. Fortaleza, 28 abr.
1975, f.1-2. Optamos por sinalizar sua possível orientação sexual – heterossexual – por entendermos
que o sujeito se percebia como homem a julgar sua performatividade de gênero masculino
sinalizada, não apenas pela descrição "mulher que parecia homem", mas também pelo crime que
este indivíduo respondia – o Art. 214: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a
praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal (BRASIL,
1940).
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CONCLUSÃO
Buscamos compreender as relações de poder que perpassavam o cotidiano
de mulheres criminalizadas a partir da perspectiva de gênero, onde dispositivos
disciplinares atuavam sobre seus corpos com a intenção de esquadrinhar,
regularizar, normatizar suas funções biológicas, como a maternidade e seus desejos.
As táticas desta instituição total65, que procuravam mortificar o eu de mulheres
criminalizadas utilizando-se de rotina rigorosa com o objetivo de reforçar o papel de
docilidade e submissão adequado ao feminino, esbarraram em indivíduos distantes
do ideal feminino de recato, docilidade, subserviência e sujeição ao homem (pai,
irmão ou marido). As mulheres aprisionadas no IPFDAMC, que, em sua maioria,
possuíam autonomia financeira (mesmo que precária ou delituosa), circulavam pelas
ruas desde meninas em busca do sustento da família. Quando adultas,
experimentavam uma certa liberdade no meio social onde viviam – iam a festas,
bebiam, fumavam, riam e falavam alto, não se mantinham “castas” e, em muitos
casos, não se prendiam ao jugo do matrimônio. Segundo Soihet (1997, p. 362), “a
organização familiar dos populares assumia uma multiplicidade de formas, sendo
inúmeras as famílias chefiadas por mulheres sós. Isso se devia não apenas às
dificuldades econômicas, mas igualmente às normas e valores diversos, próprios da
cultura popular”. Portanto, entendemos que ajustamentos ocorreram de modo que,
não desafiando diretamente os agentes de vigilância, elas conseguiram encontrar
caminhos, apesar do esforço de mortificação que objetivava provocar um
rompimento sobre as crenças que possuíam sobre si e sobre os outros, mudando
com isso suas percepções de mundo e construindo novos padrões de conduta
(GOFFMAN, 1996, p. 24). Por fim, podemos inferir que parte de seus valores culturais
não ficaram presos do lado de fora das grades do IPFDAMC e, possivelmente,
influenciaram o modo como algumas mulheres conduziram suas vidas relacionais e
65 A grosso modo, podemos definir instituição total como um lugar fisicamente separado da
sociedade em geral, onde todas as funções rotineiras do indivíduo custodiado ficam circunscrita a um
espaço único: lazer, trabalho, necessidades básicas; e que são geridas por um corpo administrativo
com o objetivo de sujeitar este indivíduo e fazer dele um novo sujeito. Em síntese "São estufas para
mudar pessoas; cada uma é um experimento natural sobre o que se pode fazer do eu". (GOFFMAN,
1996, p. 22).
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sexuais no cárcere, onde alguns corpos, mesmo que aprisionados, viveram amores
fugidios.
REFERÊNCIAS
Fontes
Prontuário prisional
Entrevista Temática
RIBEIRO, Humberto Heitor – Entrevista [19 FEV. 2019] - Fortaleza, Ceará. Acervo
pessoal.
Periódico
Vera confirma: matou dopada. O Povo – Fortaleza, 21 jan. 1974. Caderno 1, p.7.
Publicações Oficiais
Bibliografia
ANDRADE, Bruna Soares Angotti Batista de. Entre as leis da Ciência, do Estado e de
Deus: O surgimento dos presídios femininos no Brasil. 2011. Dissertação (Mestrado
em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-11062012-145419/. Php>.
Acesso em: 23 mar. 2018.
OLIVEIRA, Camila Belinaso de. A mulher em situação de cárcere: uma análise à luz
da criminologia feminista ao papel da mulher condicionado pelo patriarcado. Porto
Alegre: Editora Fi, 2017. <https://www.editorafi.org/219camila>Acesso em 13 mar.
2018.
SOIHET, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: DEL PRIORI, Mary
(org.) História das mulheres no Brasil. Carla Bassanezi (coord. de textos). 2. ed. São
Paulo: Contexto, 1997 [362-400].