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DTI I0
Comunicação
Audiovisual
Novos realismos em narrativas audiovisuais:
visibilidades encenadas
New realisms on audiovisual narratives:
staged visibilities
Rosana de Lim a Soa r es1
Resumo: A proposta tem como objetivo o estudo de discursos das mídias de cará-
ter realista a fim de estabelecer uma análise contrastiva entre eles. Buscaremos
demonstrar que o estabelecimento das fronteiras entre fato e relato se faz no
tensionamento dessas posições, alargando os limites entre “referencialidade” e
“ficcionalidade” em narrativas audiovisuais, contribuindo para a reflexão sobre
o estatuto da imagem na atualidade. Fatos e relatos colocam-se, assim, como
estratégias complementares na organização desses discursos, embaralhando as
fronteiras antes bem demarcadas entre realidade e ficção. Por meio da análise
de programas televisivos, exploramos a questão dos novos realismos presentes
nos discursos das mídias a partir de uma perspectiva histórica sobre as formas
de endereçamento do mundo concreto, passando pelas injunções das imagens
técnicas frente a uma cultura audiovisual cada vez mais marcada por processos
que visam produzir determinados efeitos de realidade. Sabemos ser este um
tema abrangente e, desse modo, iremos nos deter em exemplos recentes voltados
à construção da representação de diferentes sujeitos nas mídias.
Palavras-chave: Novos realismos. Políticas da representação. Reality tv.
Narrativas audiovisuais. Estigmas sociais.
Abstract: Our research intertwines two fields that are as much close to each
other as they are diverse: journalism and documentary. Regarding its objective,
the research aims to study media discourses which convey a realistic approach
to them in order to perform a contrastive analysis between both, pointing out
proximities and differences. As one of our research hypothesis we are to demon-
strate that the limits between fact/reality and tale/fiction occurs at the very ten-
sioning of their assumed ground. New realisms are established in audiovisual
narratives broadening the boundaries between “referentiality” and “fictionality”,
thus contributing to the debate on the contemporary statute of images. The
research thus focuses on the ways by which social stigmas representation is
built on contemporary audiovisual narratives taking into account the processes
of identification. Through documentary film and television news analysis, we
intend to report on the issue of new realisms identified on media discourses today
recurring to a historical perspective on the modes of addressing the concrete
1. Professora doutora na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo/Brasil, realizou
pesquisa de pós-doutorado, com apoio Fapesp, no King’s College London. Email: rosanasoares@gmail.com.
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world. These images aim at effects of reality and bounce between the return of
the real and the praise of fiction.
Key words: New realisms. Politics of representation. Reality TV. Audiovisual
narratives. Social stigmas.
A PROPOSTA TEM como objetivo o estudo de discursos das mídias de caráter realista
a fim de estabelecer uma análise contrastiva entre eles. Buscaremos demonstrar
que o estabelecimento das fronteiras entre fato e relato se faz no tensionamen-
to dessas posições, alargando os limites entre “referencialidade” e “ficcionalidade”
em narrativas audiovisuais, contribuindo para a reflexão sobre o estatuto da imagem
na atualidade. Fatos e relatos colocam-se, assim, como estratégias complementares na
organização desses discursos, embaralhando as fronteiras antes bem demarcadas entre
realidade e fabulação. Por meio da observação de documentários e reportagens, explo-
ramos a questão dos novos realismos presentes nos discursos das mídias a partir de uma
perspectiva histórica sobre as formas de endereçamento do mundo concreto, passando
pelas injunções das imagens técnicas frente a uma cultura audiovisual cada vez mais
marcada por processos que visam produzir determinados efeitos de realidade, oscilando
entre o retorno do real e o elogio da ficção.
Sabemos ser este um tema abrangente e, desse modo, iremos nos deter em exemplos
recentes voltados à construção da representação de diferentes sujeitos nas mídias.
Buscamos identificar, nas imagens, as maneiras pelas quais se estabelecem os espaços
de visibilidade/invisibilidade em relação a grupos minoritários estigmatizados no
cenário social. Nas oscilações entre reforço ou transposição de estigmas, tais narrativas
audiovisuais empreendem, em relação ao “outro” para o qual se voltam, processos
de assujeitamento ou, ao contrário, de protagonismo (cf. FIGUEIREDO, 2012). Nesse
confronto de representações, para além de visões hegemônicas, uma pergunta norteia
a proposta: se as realidades são sempre encenadas, como construir o “outro” de forma
ativa (e altiva) em seus modos de representação? A partir de tais questionamentos,
esperamos refletir sobre a cultura audiovisual contemporânea.
Desse modo, a estética realista e a hiper-realidade; a retórica testemunhal e a ênfase
em visualidades precárias; as políticas de partilha do sensível e os novos regimes de
visibilidade, entre outros, são elementos fundamentais para problematizarmos o estatuto
das imagens hoje e suas relações com os campos da psicanálise, da antropologia, da
literatura, da filosofia, dos gêneros discursivos. A dimensão da cultura, e os processos de
sua legitimação por meio dos discursos circulantes, possibilita que pensemos a produção
audiovisual como sintoma de uma época pautada pelo desajuste, pelo transbordamento
e pelo conflito, aspectos que se fazem presentes, portanto, em tal produção.
Ao nos indagarmos sobre as maneiras pelas quais a autenticação da realidade e
o retorno a uma estética realista se impõem nas narrativas da televisão e do cinema,
indagamo-nos, também, sobre as possibilidades de delinear os contornos de um realismo
crítico e político, oscilando entre uma forma documental de expressividade e o melodrama
ficcional narrativo. Para além da construção de efeitos de realidade, em que ocorre o
mascaramento dos processos de ficcionalização nela implicados, tensionados entre a
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opacidade e a transparência dos discursos (cf. XAVIER, 1984), vemos nas narrativas
audiovisuais uma espécie de retorno pregnante do real (na forma de choque, paixão
ou horror)2 contrapondo-se ao elogio disperso da ficção. Se, a partir da psicanálise, o
Real é aquilo que insiste, mas não resiste à simbolização, é no registro do imaginário
– e portanto, da proliferação de imagens – que podemos investigar as atuais poéticas
da representação frente às posições de totalização ou inadequação, adesão ou fricção,
presentes nas narrativas audiovisuais contemporâneas, pensadas não como categorias
estanques, mas como formas genéricas.
Trata-se, assim, de indagar sobre os modos de construção da realidade (suas
representações, identidades e visualidades) em narrativas audiovisuais (cinema e
televisão) presentes nos discursos das mídias, voltando-nos especificamente para
programas televisivos. Ao fazê-lo, assumimos que, em cada um desses modos, processos
de ficcionalização se fazem presentes (seja no cinema, na televisão, no vídeo ou em outras
mídias que combinem palavra, imagem e som) para o engendramento da referencialidade
pretendida em tais discursos.
Nesse sentido, ainda que as narrativas documentais e as narrativas ficcionais
tangenciem o mundo histórico a partir de uma lógica invertida, tanto uma como a
outra têm a realidade como sua matéria prima (cf. SOARES; FREIRE, 2013). Ao olharmos
as narrativas audiovisuais (televisivas ou cinematográficas), pretendemos fazê-lo para
além de visões tradicionalistas que as colocam em simples oposição, enfatizando seu
caráter relacional. Mais do que apontar suas singularidades, interessa-nos explorar as
tensões advindas dessa relação e seus modos de inscrição nos discursos das mídias,
produzindo efeitos de sentido que vão da ilusão da objetividade ao testemunho da
verdade em tais narrativas. É interessante notar que, na passagem do fato ao relato, um
processo de narrativização se inscreve nos discursos referenciais, no qual determinadas
formas narrativas contribuem para produzir efeitos de sentido (documentais ou
ficcionais) que corroboram seus pressupostos (cf. WHITE, 1994).
Do ponto de vista teórico e metodológico, buscamos abordar os novos realismos
no audiovisual por meio da temática dos estigmas sociais presentes nos discursos das
mídias. Nas diferentes posições ocupadas pelos sujeitos no tecido social; nos embates
entre cada um e todos os outros; nas demarcações entre estigmas, estereótipos e
preconceitos; nos modos de estabelecimento dos espaços de visibilidade e invisibilidade
social; e nas disputas por formas hegemônicas de construção da representação nos
discursos circulantes identificamos um terreno fértil para a problematização de tal
questão. Se o retorno do real surge como resposta ao elogio da ficção, novos realismos
parecem também apontar para novos modos de ficcionalização. A produção audiovisual
recente, notadamente documentários cinematográficos, grandes reportagens televisivas
e reality shows (estes últimos considerados não enquanto programas isolados, mas como
2. A exemplo do que apontam diversos teóricos, as narrativas audiovisuais contemporâneas se constituem
por meio de inúmeros hibridismos e, mais do que isso, a partir de uma reiteração da possibilidade de
representação fiel (ou verdadeira) da realidade. A “paixão pelo real” (em expressão de BADIOU, 2002), ou
o “retorno do real” (nas palavras de FOSTER, 1999), faz-se presente em diversos discursos das mídias, de
modo especial no jornalismo televisivo e no cinema documentário, sinalizando a presença marcante de
elementos de realismo/naturalismo ou delineando o “deserto do real” (como afirma ZIZEK, 2002).
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um gênero televisivo que se espraia por diversos outros gêneros, denominado reality tv)
constitui a amostragem ampliada da proposta.
Ao considerarmos programas televisivos, tomamos como ponto de partida formas
narrativas impuras, que privilegiam a referencialidade mas englobam estratégias
de ficcionalização. Ao estabelecermos diálogos com a produção inglesa, buscamos
demonstrar como as questões dos hibridismos e dos novos realismos se apresentam
em diferentes culturas, enfatizando os conceitos articuladores das análises. Desse modo,
o trabalho se justifica não apenas por tratar de um dos grandes eixos no estudo das
imagens hoje, mas também por iluminar, ainda que de modo tangencial, a dinâmica da
produção audiovisual – em que a televisão assume lugar de protagonismo, mas na qual
vemos crescer também o cinema –, em que as especificidades nos modos de produção,
distribuição e recepção a tornam singular.
Em termos conceituais, investigamos os espaços da presença/ausência de atores
sociais não hegemônicos, bem como os pontos de redundâncias e ressonâncias dos
estigmas sociais nos discursos das mídias; as formações discursivas como espaços de
intertextualidade e heterogeneidade, comumente referidas nos debates sobre convergências
midiáticas e hibridismos narrativos; as novas posicionalidades do sujeito em meio à
proliferação de imagens e, consequentemente, as transformações no imaginário social;
as políticas de representação ou as atuais formas de partilha do sensível (cf. RANCIÈRE,
1996), especialmente aquelas relacionadas a figuras de alteridade, estabelecendo as tensões
entre as narrativas do mesmo e do outro nelas apresentadas.
Em relação à amostragem, interessam-nos os “contratos comunicacionais” (ou “pactos
de leitura”) frente aos novos “regimes de visibilidade” (cf. PRADO, 2013) em que os
discursos referenciais3 deslizam para narrativas híbridas presentes nas mídias por meio de
novos realismos. Desse modo, o discurso jornalístico (especialmente reportagens televisivas)
e o discurso cinematográfico (notadamente filmes documentários) não são observados de
maneira estanque, ressaltando em programas jornalísticos para televisão ou em filmes
documentários para cinema as fronteiras entre referencialidade e ficcionalidade.
Assumindo, portanto, o hiato desde sempre incontornável entre linguagem e
referente, e embasados pelos debates sobre convergências midiáticas e hibridismos
discursivos, buscamos aproximar um conjunto de imagens que oscile entre as fronteiras
movediças das narrativas impuras, mescladas por meio do trânsito entre elementos
estéticos e tecnológicos. A crítica ao conceito de representação e sua desconstrução é,
portanto, um importante eixo teórico-metodológico norteador das análises. Buscamos,
desse modo, problematizar narrativas de caráter referencial, tensionando tais discursos
a partir dos modos de “dar a ver” as figuras de alteridade neles presentes e dos modos
de construção da representação neles ensaiados (cf. RANCIÈRE, 2005).
Dentro desse cenário, e com ele contrastando, a questão dos modos de construção
da representação – especialmente de sujeitos tradicionalmente deles excluídos (seja em
termos de produção, recepção ou interpretação) – pode ser elaborada a partir de alguns
apontamentos, em que os discursos (ou seus vestígios) articulam-se, inicialmente, a
3. Discursos voltados à experiência da realidade, em que elementos históricos são tomados de forma
supostamente objetiva para compor os relatos sobre os fatos, ao contrário do que é suposto nos discursos
ficcionais, em que modos de fabulação são prioritariamente acionados na composição de suas narrativas
(ver BARTHES, 1988).
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partir da aproximação a um outro diverso e distante. Desse modo, vemos surgir nessas
narrativas um outro não representável e que, ao longo delas, oscila entre ausência e presença,
invisibilidade e visibilidade. Em termos de posições discursivas, podemos afirmar que
o outro, qualquer que seja ele, pontua desdobramentos que vão dos não ditos à inclusão
consentida para, finalmente, assumir lugar de protagonismo, apontando para momentos
de afirmação e identificação (cf. GEERTZ, 2005).
Pensemos na proposição de Hall (2000, p. 75), a respeito de identidades desalojadas
de tempos, lugares, histórias e tradições específicos, identidades que parecem “flutuar
livremente” no contexto de uma vida social globalizada em seus estilos, com participação
ativa dos sistemas de comunicação interligados e das imagens da mídia. Desse modo,
podemos afirmar que o “outro” opera de modo relacional com o “mesmo”; incomoda
justamente quando se torna mais semelhante a este. A questão dos estigmas sociais,
por exemplo, aponta para esse aspecto: os estigmas, diferentemente dos preconceitos,
dizem respeito ao outro que se torna próximo quando, ao contrário, deveria permanecer
“em seu lugar”, não encontrando espaço nos discursos circulantes.
As polêmicas passagens que envolvem as formações discursivas não surgem, por-
tanto, do exterior, mas presumem a partilha do mesmo campo discursivo e das leis que
lhe são associadas. Se o discurso constrói, em um mesmo movimento, sua identidade e
sua relação com outros discursos, verdade e ficção se entrelaçam em tramas complexas,
possibilitando caminhos outros nos quais tecer as narrativas audiovisuais propostas.
REPRESENTAÇÕES DA (IN)VISIBILIDADE
EM NARRATIVAS AUDIOVISUAIS
A rede de televisão inglesa BBC – British Broadcasting Corporation – é uma emissora
pública do Reino Unido e foi fundada em 1922. Regulamentada pelo Estado, produz um
grande e variado volume de programas, por meio de diversas estações de rádio e canais
de televisão, atuando tanto em nível nacional como internacional. Tradicionalmente
reconhecida como produtora de programas de qualidade, tanto no rádio como na televisão,
a BBC tem passado por crescentes transformações nos últimos anos, especialmente após a
entrada, no mercado britânico, de emissoras privadas. De formato único, combinando um
modelo de gestão pública e estatal, a BBC tem atuado na criação e renovação de gêneros
audiovisuais, contribuindo para o estabelecimento e propagação de modos inovadores
de fazer televisão, tanto em termos narrativos como estéticos.
Nesse sentido, destacamos a profícua programação encontrada na emissora por
meio de produções integrantes daquilo que se convencionou chamar de “reality tv” (ou
“factual tv”, incluindo documentários jornalísticos), do qual fazem parte não apenas
reality shows, mas também séries, seriados, reportagens, programas de auditório ou de
variedades, enfim, uma imensa gama de gêneros e formatos que confluem para este que
seria, a partir de nossas observações, o modo privilegiado presente na televisão atual
(cf. MACHADO; VÉLEZ, 2009; KAVKA, 2012).
Notemos, entretanto, que a categoria reality shows não é encontrada separadamente
no site da BBC4, sinalizando uma importante questão, qual seja, a de que em um dos
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5. Uma vasta bibliografia sobre o tema tem sido produzida por estudiosos de televisão, dentre eles
destacamos: Holmes, S. & Jermyn, D. (eds.) (2004). Understanding reality television. New York: Routledge;
Murray, S. & Ouellette, L. (eds.). (2004). Reality TV: remaking television culture. New York: New York University
Press; Hill, A. (2005). Reality TV: audiences and popular factual television. New York: Routledge; Ouellette, L.
(ed.) (2014). A companion to reality tv. Oxford: John Wiley & Sons.
6. Informações detalhadas sobre a série em: www.channel4.com/programmes/make-bradford-british.
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7. A série, composta de duas temporadas, foi criada em quatro meses e produzida em um ano, contando
com aproximadamente cem horas de gravação por episódio e sete semanas de edição. Cada episódio custou
por volta de 150 mil libras, valor elevado mesmo se comparado àqueles relativos a um capítulo de uma
telenovela da Rede Globo, e pouco frequente em outros formatos televisivos dramatúrgicos ou informativos.
8. Em nossa pesquisa de pós-doutorado, tivemos a oportunidade de assistir a uma palestra com o diretor
e de realizar uma entrevista com ele, além de assistir ao making of e aos episódios da série, na Birmingham
City University (Inglaterra), em 28 de novembro de 2013.
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9. Ainda que a série tenha buscado tratar da questão multicultural como um modo de integração e não de
separatismo, alguns setores da sociedade protestaram contra sua veemência em termos de crítica social.
A pergunta colocada pelo diretor na apresentação ao programa parece guiar sua narrativa: “How do we,
despite class, cultural and religious differences, find a way to live together? What makes us all British today?”. Por
meio dos personagens e de seus conflitos, vemos diversas possíveis respostas a essa questão, inserindo a
televisão como agente no debate público sobre questões sociais. Para mais informações, ver: www.channel4.
com/programmes/make-bradford-british/articles. Acesso em 21/03/2015.
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por ela. É aqui que a mistura entre realidade e ficção pode ser apontada, pois o aspecto
de fabulação advindo dessa escolha – ao mesmo tempo estética e politica – corrobora
a aposta factual do formato documental do programa, e é dessa síntese que vemos
delinear-se o gênero da telerrealidade, percebida como um lugar próprio da linguagem
televisiva contemporânea que coloca em operação a triangulação entre autor, leitor e
texto (ECO, 1994; ISER, 2013), ou entre realizador, público e programa.
Uma espécie de factual entertainment, como colocado pelo diretor da série em ques-
tão, faz-se presente nesses formatos híbridos, propondo novos modos de produzir,
assistir e refletir sobre a televisão britânica. Bhatti aponta que o documentário, espe-
cialmente o televisivo, não se encontra tão distante dos programas de entretenimento
como desejaríamos e, desse modo, séries como “Make Bradford British” podem tratar
de temas relevantes e densos por meio de uma abordagem mais lúdica e emocional e,
ainda assim, problematizar estigmas sociais relacionados a questões de identidade,
alteridade e representação social. Não se trata, portanto, de simplesmente classificar
diferentes programas mas, ao contrário disso, reconhecer um conjunto deles que possa
integrar esse lugar híbrido que desliza entre formas documentais diversas, sejam elas
referenciais, convencionais ou popularescas. É desse modo que a realidade passa a ser
encenada, por meio de documentários, reportagens, séries e reality shows, complexifi-
cando os novos realismos presentes no cinema e na televisão.
Finalmente, um último aspecto merece ser apontado no estabelecimento da relação
entre reportagens, documentários e realities. De acordo com Bhatti e em consonância
com análises anteriormente realizadas sobre a produção audiovisual atual (cf. SOARES;
LIMBERTO, 2014), percebemos nas várias possibilidades factuais da programação televisi-
va a importância da relação entre realizador e entrevistado. Se baseada na reciprocidade,
nos termos em que o filósofo Buber (2001) utiliza este conceito, é um pacto de confiança – e
de fidúcia – que se estabelece entre ambos. É dessa maneira que a relação aparentemente
dual entre realizador e entrevistado se torna uma relação triádica entre realizador, entre-
vistado e personagem e, posteriormente, destes com o espectador (cf. RANCIÈRE, 2012).
Nesse ponto as diferenças entre a produção audiovisual brasileira e a britânica
se colocam como prementes, justamente devido às características singulares de cada
uma e à forte presença, no caso da emissora britânica, de formatos híbridos em termos
narrativos e estéticos, e de documentários televisivos (gênero ainda pouco presente na
televisão brasileira, que ainda se pauta, como notamos ao confrontá-la com a produção
britânica, por divisões mais rígidas de formatos). Além da marcante hibridização em
termos de gêneros televisivos, na produção inglesa isso se reflete, também no modo
de demarcação dos estigmas, que se tornam mais diluídos e, portanto, potencialmente
mais transformadores, levando a uma baixa frequência de redundâncias e aumentando
o grau de ressonância de suas imagens.
Se tomarmos os processos comunicacionais como uma permanente negociação,
entendemos que as mídias não podem ser vistas como totalizantes, mas sim como
lugares de reconhecimento e trânsito simbólico, como zonas de fronteira e passagem
nas quais as reapropriações se fazem nas bordas dos “contratos comunicacionais”
estabelecidos, transformando os modos de construção da representação especialmente
quando tratamos dos espaços de visibilidade e invisibilidade neles presentes.
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Por um modelo de análise da complexidade narrativa
na ficção televisual: o lúdico em evidência
Toward a model of complex narratives in tv drama:
the evidence of the ludic
L e t íc i a C a pa n e m a 1
1. Mestre e doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUCSP e professora do curso de graduação em
Rádio, TV e Vídeo da FIAMFAAM Centro Universitário. Email: capanema.leticia@gmail.com
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Por um modelo de análise da complexidade narrativa na ficção televisual: o lúdico em evidência
Letícia Capanema
INTRODUÇÃO
2. ARISTÓTELES. Poética. Tradução, textos adicionais e notas de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2011.
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Por um modelo de análise da complexidade narrativa na ficção televisual: o lúdico em evidência
Letícia Capanema
3. PROPP, Vladimir. Morfologia do Conto Maravilhoso. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2010.
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Por um modelo de análise da complexidade narrativa na ficção televisual: o lúdico em evidência
Letícia Capanema
narrativa não seja explicitamente relacionada à complexidade, ela foi discutida por
certos teóricos, como Genette (1972) que destaca a noção de metalepse4, à partir das obras
de Cervantes, Cortázar e Borges. As inovações narrativas do modernismo literário de
Joyce e de Proust e aquelas do modernismo tardio do nouveau roman, nos anos de 1950,
de Robbe-Grillet e de Duras, são também importantes, cada uma a sua maneira, para
a noção de formas complexas na literatura. Nessas obras, a complexidade é associada
à sofisticação da retórica da narrativa ficcional à partir do uso de estratégias tais como
diversos níveis narrativos, reflexividade, múltiplas tramas, diferentes perspectivas,
monólogos interiores, ambiguidades etc.
Para tratar do problema da complexidade na narrativa fílmica, destacaremos dois
contextos da produção e dos estudos cinematográficos: o nouveau cinéma francês e o
cinema contemporâneo de grande público, principalmente o norte americano.
Robbe-Grillet, autor conhecido do nouveau roman, levou ao cinema sua vontade
de romper com os códigos narrativos. Em seu primeiro projeto para a grande tela,
L’Année Dernière à Marienbad (1961), em colaboração com Alain Resnais, encontramos
uma estrutura complexa da narrativa fílmica, qualificada por Pierre Beylot como
“construções labirínticas”, “marcadas pela confusão entre o antes e o depois e pela
arbitrariedade de conexões entre as seqüências”5 (2005, p.51). François Jost e Dominique
Chateau6 desenvolveram as bases de uma nova semiologia à partir da análise dos filmes
disnarrativos de Robbe-Grillet, tais como L’homme qui ment (1968) et L’Éden et après, (1970).
Segundo os autores, o cinema de Robbe-Grillet utiliza de outras operações estruturantes
da narrativa que não a implicação e a coordenação. Assim, as telestruturas de tais filmes
são organizadas via uma lógica paradigmática e não sintagmática, significando que
eles se organizam segundo o jogo de possíveis narrativos, e não por suas relações de
casualidade e de coordenação da narrativa clássica.
É à partir da produção cinematográfica ficcional dos anos de 1990 que a complexidade
ressurge como objeto de estudo da narratologia fílmica. À partir da retomada do tema,
outras classificações da narrativa fílmica complexa surgiram. David Bordwell (2002)7,
por exemplo, estudou a complexidade narrativa do filme sob a perspectiva da narrativa
clássica. Segundo o autor americano, as estratégias encontradas nos filmes pós-clássicos
são apenas versões mais complexificadas das técnicas inerentes à narrativa clássica.
Bordwell nomeia como forking path films os filmes narrativamente mais audaciosos,
como Corra, Lola, Corra (1998), isto é, tal denominação refere-se aos filmes que possuem
mais de um caminho narrativo.
Por outro lado, Warren Buckland adota o termo puzzle films para se referir ao
ciclo de filmes de 1990 que refutam as técnicas da narrativa clássica e as substitui pela
narrativa complexa (2009, p.6). Buckland argumenta que a complexidade presente
nos puzzle films opera em dois níveis: o nível narrativo e o nível da narração. O autor
associa respectivamente esses níveis à distinção formalista entre história (fábula) e
4. O conceito de metalapse foi trabalhado por Genette em Figures III (1972, p. 243) e refere-se à todo tipo
de passagem ou transgressão entre níveis narrativos.
5. Tradução livre do texto original em francês: « marquées par la confusion de l’avant et de l’après et par
l’arbitraire des connections entre les séquences » (BEYLOT, 2005, p. 51).
6. CHATEAU, D., JOST, F. Nouveau cinéma, nouvelle sémiologie. Les éditions 10/18, 1979.
7. BORDWELL, D. 2002. “Film futures”. SubStance, 97: 88–104.
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Por um modelo de análise da complexidade narrativa na ficção televisual: o lúdico em evidência
Letícia Capanema
8. « Mise en série », segundo Benassi, é a operação de desenvolvimento de diversas situações narrativas
para um herói permanente. (Benassi, 2011, p. 46)
9. « Mise en feuilleton », segundo Benassi, é a operação de dilatação e estiramento da diegese, conservando
a passagem inevitável do tempo. (2011, p. 44)
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Por um modelo de análise da complexidade narrativa na ficção televisual: o lúdico em evidência
Letícia Capanema
10. Tal termo é uma transposição feita por Thompson de art film para o contexto da televisão. Art film e art
television se opõem respectivamente aos conceitos de classical cinema e de classical televison. Nesse sentido,
art televison se caracteriza, segundo Thompson, por fortes traços autorais, ambiguidades, rompimento
com a estrutura causa/efeito da narrativa clássica e violação das definições de espaço e tempo narrativo.
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Por um modelo de análise da complexidade narrativa na ficção televisual: o lúdico em evidência
Letícia Capanema
série, com participação ativa na trama. Essa complexificação do sentido e da função das
apresentações tem por conseqüência a mistura entre a ficção e a não ficção.
Outro aspecto importante da estruturação do universo Twin Peaks é sua expansão
para outras obras. A série é classificada como um caso precursor da transmidiação da
ficção televisual (FERRARAZ E MAGNO, 2014), já que seu universo narrativo ultrapassa
os episódios feitos para a televisão e se expande em outras cinco obras: três livros, um
áudio livro e um filme. A série ocupa posição central no sistema Twin Peaks, já que
as cinco obras restantes foram criadas a partir de elementos do seu enredo. As obras
complementares estabelecem uma relação estrutural com a série, assumindo funções
como flashbacks, preenchimento de elipses e prequels11. Nesse sentido, a estrutura narrativa
do universo ficcional Twin Peaks se complexifica à partir de suas obras complementares
que reenviam informações narrativas e estéticas à série, enriquecendo sua compreensão
e possibilitando outras camadas de interpretação.
No nível do conteúdo, ou seja, da história contada em Twin Peaks, destacamos o
tema do duplo que atravessa os personagens, as ações e o contexto da série. A imagem
do duplo está representada, por exemplo, no nome da cidade (Montes Gêmeos), na sua
localização geográfica (na fronteira entre os EUA e o Canadá), nos mundos internos à
ficção (mundo “real” e mundo dos sonhos), na vida dupla de Laura Palmer, na vida dupla
de Leland, pai de Laura, nos personagens que se complementam (o anão e o gigante;
Bob, o espírito do mal e Mike, o espírito regenerado).
A partir dos elementos levantados, destacamos alguns aspectos da complexidade
de Twin Peaks presente nas instâncias narrativas do código, da forma e do conteúdo.
Buscamos evidenciar os jogos auto-referenciais propostos pela série que permitem ao
público trafegar por várias camadas de leitura, recompensando-o com o prazer de
desvendar as artimanhas da máquina narrativa.
REFERÊNCIAS
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Ano. N.1. jul/dez, 2010. São Paulo, p. 83-99.
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Buckland, W. (Ed.). Puzzle films: complex storytelling in contemporary cinema. John Wiley &
Sons, 2009.
11. Sobre as relações narrativas entre a série Twin Peaks e suas obras complementares, consultar o artigo
“Reconfiguração do conceito de montagem na ficção televisual expandida” de CAPANEMA (2014).
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Letícia Capanema
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TV paga e ficção televisiva brasileira:
Dados de 2007 a 2013
Brazilian cable TV and tv fiction content:
Data from 2007 to 2013
Ligia Maria Prezia Lemos1
Abstract: This article compiles OBITEL Yearbook content from 2008 to 2014,
referring to the years of 2007 to 2013. We inspect data and analysis about Brazilian
Pay TV and Brazilian Pay TV fiction, as well as the chronology of the law “Lei
da TV Paga” and its implementation. Data from the chapter pertaining to
Brazil is captured in the excerpt about the context of the country, and detailed
elements from our own researches are added. That way, we get data from each
annual monitoring and insert it into a retrospective temporal panorama, with
the possibility of generating reflections about the sector’s perspective, and also
becoming material for new researches..
Keywords: Pay TV. Brazilian television fiction. OBITEL Yearbook.
INTRODUÇÃO
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TV paga e ficção televisiva brasileira: Dados de 2007 a 2013
esse autor, as lógicas de produção mobilizam uma tríplice indagação sobre: (1) a estrutura
empresarial – dimensões econômicas, ideologias profissionais, rotinas produtivas; (2) a
competência comunicativa – capacidade de interpelar/construir públicos, audiências,
consumidores; e (3) a competitividade tecnológica - tecnicidades e capacidade de inovar
nos formatos industriais (BARBERO, 2006: 18). Nesse sentido, o artigo busca colocar-se
como material de pesquisa, porém sem avançar sobre questões como representações,
discursos, consumo. Coloca-se como uma entre muitas fontes para pensar nosso tempo,
pois “vivemos o hoje, vivemos este tempo de agora, tecido de ‘destiempos’.” (MARTÍN-
BARBERO, 1998).
O Observatório Ibero-americano da Ficção Televisiva – OBITEL desenvolve um
projeto intercontinental que realiza a observação das políticas de produção e criação
midiática, cultural, artística e comercial da ficção televisiva dos países participantes2 e,
como resultado dessa análise, publica o Anuário OBITEL3 que se tornou referência para
estudantes e pesquisadores da área:
Os anuários Obitel dividem-se em duas partes. A primeira realiza uma síntese comparativa
de todos os capítulos, ou seja, pretende aglutinar os resultados trazidos pelos países partici-
pantes; a segunda parte contempla os capítulos específicos com dados e análises referentes
a cada país. (LEMOS, 2014, p.140)
2. Os países participantes atualmente são: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados
Unidos, México, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela.
3. Disponíveis para download em: www.obitel.net
4. No tópico referente às Políticas de Comunicação dos Anuários OBITEL 2008 a 2013 tivemos acesso às
questões referentes à Lei 12.485, desde o projeto até implantação.
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TV paga e ficção televisiva brasileira: Dados de 2007 a 2013
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TV paga e ficção televisiva brasileira: Dados de 2007 a 2013
operadoras de TV por assinatura para conquistar assinantes das classes mais baixas,
principalmente por meio dos pacotes triple play a preços reduzidos.
No ano de 2009 havia 7,4 milhões de assinantes de TV paga, representando um
acréscimo de 18,24% em relação a 2008. A estimativa era de que tínhamos 25 milhões
de brasileiros com acesso à programação da TV paga e esse crescimento, mais uma vez,
devia-se à ampliação de oferta de combos e serviços de assinatura por satélite.
Em 2010 já possuíamos quase 10 milhões de assinantes de TV Paga no Brasil e
estimativa de mais de 32 milhões de brasileiros com acesso à sua programação. Esse
número era creditado ao contínuo crescimento da Classe C e à Copa do Mundo de 2010.
O maior crescimento percentual naquele ano foi nas regiões Norte e Nordeste sendo
que o maior número absoluto de aquisições foi na região Sudeste.
Em 2011, o número de assinantes da TV Paga chegava a 12,7 milhões, o que
corresponde a 42 milhões de brasileiros com acesso à programação. O Brasil tornou-se
o maior mercado de TV por assinatura da América Latina em números absolutos devido,
especialmente, à ascensão de 40 milhões de pessoas à classe C, com o consequente aumento
de seu poder de compra. O quadro comparativo abaixo (Tab. 1) retrata o crescimento desta
classe social entre os assinantes o que, em apenas três anos, alterou completamente a
conjuntura do setor. Viu-se, por exemplo, no período, uma importante mudança cultural:
a dublagem de grande número de programas estrangeiros, principalmente filmes e
séries, que anteriormente eram legendados.
ANO AB C DE
2008 75% 22% 3%
2011 50% 43% 7%
Dados OBITEL
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TV paga e ficção televisiva brasileira: Dados de 2007 a 2013
7. Segundo critérios populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que estima a
existência média de 3,3 pessoas para cada domicílio. Utilizamos esta estimativa no decorrer do presente
artigo.
8. Espaço qualificado é “O espaço total do canal de programação, excluindo-se conteúdos religiosos ou
políticos, manifestações e eventos esportivos, concursos, publicidade, televendas, infomerciais, jogos
eletrônicos, propaganda política obrigatória, conteúdo audiovisual veiculado em horário eleitoral gratuito,
conteúdos jornalísticos e programas de auditórios ancorados por apresentador”. (BRASIL, 2011)
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TV paga e ficção televisiva brasileira: Dados de 2007 a 2013
9. De acordo com a nova lei, os canais de TV paga deveriam passar a exibir, semanalmente, 3h e 30min de
conteúdo nacional no horário nobre (sendo que metade deveria ser proveniente de produtoras brasileiras
independentes). No primeiro ano a partir de sua publicação os canais deveriam exibir 1 hora e 10 minutos
por semana de programação nacional, metade dela independente, no horário nobre; no segundo ano, 2
horas e 20 minutos; a partir do terceiro ano, 3 horas e 30 minutos.
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TV paga e ficção televisiva brasileira: Dados de 2007 a 2013
presente pesquisa é a citação dos nomes das produtoras, o que permite verificar sua
crescente participação no cenário. Finalmente, relacionamos as temporadas de estreia
no ano, o que pode gerar dúvidas quanto à presença da mesma temporada em dois anos
diferentes. Isso ocorre devido a alguns episódios estrearem no final de determinado
ano e os demais episódios no ano seguinte.
No ano de 2007, a produção de ficção televisiva brasileira para a TV Paga ainda
era tímida, assim como no período imediatamente anterior ao início da publicação dos
Anuários OBITEL que registra que a primeira série brasileira, do canal Multishow, Cilada,
foi lançada em 2005 e perdurou por seis temporadas, até 2009. Além do Multishow, HBO
também apresentou ficção televisiva brasileira então, Mandrake e Filhos do Carnaval.
Dados OBITEL
Dados OBITEL
Dados OBITEL
Em 2008 mais dois canais exibiram séries nacionais, Fox e GNT. No ano, houve
pela primeira vez o lançamento de quatro produções de ficção nacional diferentes em
um único ano.
Dados OBITEL
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TV paga e ficção televisiva brasileira: Dados de 2007 a 2013
No ano de 2009 houve cinco títulos de ficção inédita nacional, mantendo a tendência
de incluir a produção de ficção brasileira na TV Paga. O canal que mais exibiu ficção
nacional foi o Multishow.
Fox 5. 9mm São Paulo - 2ª temp. Drama Policial Fox / Moonshot Pictures
Dados OBITEL
1. Quase anônimos -
Comédia Multishow / Mixer
1ª temp. cont.
Comédia Dois Moleques Produções
2. Open Bar
Comédia Conspiração Filmes
3. Morando Sozinho
Comédia Dínamo Entretenimento
4. Na fama e na lama
Comédia Goritzia Filmes
Multishow 5. Adorável psicose
Comédia Dois Moleques Produções
6. Os gozadores
Comédia Conspiração
7. Amoral da história
Comédia Multishow / KN
8. Bicicleta e melancia
Comédia Multishow / Zeugma
9. Vendemos cadeiras
Comédia Multishow / Gullane&Grifa
10. Desprogramado
13. Elvirão ou como vovó já dizia Comédia Canal Brasil / Tribal filmes
14. Bipolar Drama Policial Felistoque Filmes
Canal Brasil
15. Quando a noite cai Comédia Canal Brasil
16. O vampiro carioca - 1ª temp. ComédiaTerrorErótico Canal Brasil / LC Barreto
Dados OBITEL
Em 2011 o Anuário OBITEL registra que os três últimos anos apresentaram aumen-
to expressivo de programas de ficção brasileira, produzidos e veiculados exclusiva-
mente na TV Paga. Os canais brasileiros que então apresentavam ficção televisiva
eram Multishow, GNT e Canal Brasil, os três pertencentes à Globosat, da Rede Globo.
Em sua maioria, essas produções tinham o formato de série, com grande predomínio
do gênero comédia, dirigida para o público jovem/adulto. Nos canais estrangeiros, a
ficção brasileira aparece em coproduções com Fox e HBO. Vale destacar que o canal
Multishow se adiantou à lei de TV paga e, no ano, já apresentava produções nacionais
em praticamente 90% da grade.
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TV paga e ficção televisiva brasileira: Dados de 2007 a 2013
Dados OBITEL
Em 2012, mais uma vez, houve predomínio do gênero comédia nas ficções para o
público jovem/adulto, com experimentações de formato em algumas produções. No ano,
o Anuário OBITEL passou a contar com os dados do IBOPE de Alcance10 da TV Paga e as
lideranças foram, pela ordem, A Vida de Rafinha Bastos; Oscar Freire,279; Adorável Psicose;
Meu Passado me Condena e Ed Mort.
Dados OBITEL
10. Fonte: IBOPE Media - Media Workstation – Paytv. Dados do Universo domiciliar 2012: 5.226.185. O
índice de alcance é, grosso modo, o percentual de indivíduos e/ou residências diferentes que assistiu,
por determinado período de tempo, às diversas exibições de certo programa. Dessa maneira, a cada nova
apresentação, é alcançado dado grupo de pessoas, tanto aquelas que já tiveram a oportunidade de assistir
aos programas/episódios anteriormente quanto aquelas que os assistem pela primeira vez.
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TV paga e ficção televisiva brasileira: Dados de 2007 a 2013
Dados OBITEL
Figura 2. Canais pagos que mais exibiram ficção televisiva brasileira (2007-2013)
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TV paga e ficção televisiva brasileira: Dados de 2007 a 2013
Figura 3. Produtores e coprodutores que mais realizaram ficção televisiva brasileira (2007-2013)
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TV paga e ficção televisiva brasileira: Dados de 2007 a 2013
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TV paga e ficção televisiva brasileira: Dados de 2007 a 2013
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Dupla Identidade, o desafio de ser outro
Double Identity: the challenge of being Other
L u i z a L u s va r g h i 1
Resumo: A análise de “Dupla Identidade” (Globo, 2014), criada por Gloria Perez,
integra uma pesquisa que visa estabelecer uma metodologia para estudar os
modos de endereçamento das séries televisivas criminais na América Latina.
Séries televisivas como “Dupla Identidade”, baseada no formato de séries
criminais hollywoodianas, buscam representar não apenas a nação, mas o
regional no mundo global. Narrativas interculturais e transnacionais, essas obras
evitam traços da cultura local, criando um modelo latino-americano padrão que
favorece a exportação de conteúdos ficcionais.
Palavras-Chave: ficção seriada; séries policiais; interculturalismo; transna-
cionalismo; transmidiação.
INTRODUÇÃO
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Dupla Identidade, o desafio de ser outro
Luiza Lusvarghi
OBJETO
A ideia desta comunicação é a de refletir sobre a relação da série “Dupla Identidade”
e a emergência de seriados como “Força-Tarefa” (Globo, 2011-2013), “A Lei e o Crime”
(Record, 2010), que surgem a partir de movimentos de retomada da produção audiovi-
sual na América Latina na década de 90, e sua relação com os processos transnacionais
e interculturais. Se por um lado, eles representam uma nova ordem social e econômica,
de outro também assinalam novas formas de produção e circulação de cultura, em
sistema aberto e a cabo, amparadas por leis de incentivo, coprodução e parcerias com
grupos internacionais, visando o mercado internacional.
QUADRO TEÓRICO
García Canclini (2003, 2005) propõe o termo interculturalidade para definir as rela-
ções entre imaginários e identidades na América Latina. O interculturalismo incluiria
formas de hibridação, de intercâmbio entre as culturas, mescla de formas culturais,
sincretismo religioso, num processo muitas vezes conflitivo. Desta forma, obras feitas
em coprodução por pequenos grupos de mídia local e produtoras independentes, podem
eventualmente se constituir como uma forma de resistência aos grandes grupos globais,
possibilitando o surgimento de uma produção audiovisual regional forte e de qualidade,
e de certa forma, assegurar a diversidade cultural. No entanto, o que se verifica cada
vez mais na América Latina é a presença de grupos como Fox, agora em parceria com
a RCN no Mundo Fox (News Corp), HBO Latin America (Time Warner), e AXN (Sony),
produzindo ficção seriada regional. Grupos de mídia locais, como a Globo, possuem
interesse em exportar produtos, e cada vez mais buscam formatos híbridos, que lhe
permitam ser consumidas internacionalmente. O interculturalismo está presente nessas
obras então não somente como forma de resistência, pois necessita ultrapassar fronteiras
para ser afirmar como produção, mas porque a mescla de formas culturais numa obra
é também uma negociação na produção de sentidos. O conceito de interculturalismo se
contrapõe, naturalmente, ao de multiculturalismo, que aceita as diferenças.
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Dupla Identidade, o desafio de ser outro
Luiza Lusvarghi
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Dupla Identidade, o desafio de ser outro
Luiza Lusvarghi
METODOLOGIA
A análise da série “Dupla Identidade” integra uma pesquisa que visa estabelecer
uma metodologia de trabalho para estudar o processo de comunicação transmidiática
em seus aspectos teóricos aplicados à questão transnacional e intercultural na produção
cultural da América Latina por meio da análise dos modos de endereçamento e do
conteúdo das séries televisivas criminais, policiais e de ação. No levantamento inicial,
foram identificados, quanto à temática, dois grandes modelos:
1 – O modelo estadunidense clássico, realista, semidocumental, com narrativa
centrada na solução dos casos, e não na vida dos personagens, com uma visão que de
modo geral enaltece o papel da polícia como corporação que combate o crime e promove
a segurança e a consolidação da cidadania;
2 – Crítica social, de inspiração noir, em que o personagem principal deve romper
com o bem, para poder combater o mal. O protagonista não é necessariamente policial,
ele personifica com frequência o “marginal romântico”.
Com relação ao formato e à estrutura narrativa, existem dois tipos predominantes:
1 – Estrutura híbrida, com elementos da narrativa policial e detetivesca clássicas,
porém aliadas à estrutura de melodrama da telenovela, caso das narcosséries, mas
também de minisséries.
2- Formato estadunidense. Temporadas, com arco dramático definido, com uma
historia fechada, e temporadas de 12, 13 episódios.
A série “Dupla Identidade” se inscreve claramente no primeiro modelo, e adota o
formato estadunidense e hollywoodiano, o mais popularizado no Brasil.
ANÁLISE
O maior desafio da rede em sinal aberto é conciliar classificação de censura a temas
mais adultos, seu público menos intelectualizado, possíveis anunciantes, e conquistar
ainda assim a crítica especializada. De todas as tentativas anteriores, sem dúvida o
projeto mais ambicioso é “Dupla Identidade” (2014). O título deste artigo, e um de seus
principais problemas, tem como referência a famosa frase de Paulo Emilio Salles Gomes
(1980), em seu ensaio sobre a produção cinematográfica nacional:
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Dupla Identidade, o desafio de ser outro
Luiza Lusvarghi
Não somos europeus nem americanos do norte, mas destituídos de cultura original, nada
nos é estrangeiro, pois tudo o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na
dialética rarefeita entre o não ser e ser outro. O filme brasileiro participa do mecanismo e o
altera através da nossa incompetência criativa em copiar (SALLES GOMES, Paulo Emilio,
1980, pag. 77).
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Dupla Identidade, o desafio de ser outro
Luiza Lusvarghi
Reznor, do Nine Inch Nails. Já os clássicos noir sempre elegeram o jazz como matéria-
prima. A trilha concorre não apenas para forjar um clima de suspense macabro à série,
mas também para a sua internacionalização, porque cria empatia com a audiência.
Outras séries policiais da emissora também recorreram ao rock, como “A Teia” (Globo,
2014), que tinha abertura ao som de “Smells like teen´s Spirit”, do Nirvana. A sinopse
da série fala da história de um jovem estudante de Psicologia e Direito, Edu (Marcelo
Gagliasso), com aspirações políticas, que se torna assessor de um candidato a senador,
Oto Veiga (Aderbal Freire Filho). Polivalente, Edu ainda presta serviços voluntários em
um serviço de atendimento telefônico a vítimas de depressão e suicidas. Completa o time
de personagens o delegado Dias (Marcello Novaes), representando a postura tradicional
da polícia local, e a psicóloga forense Vera Muller (Luana Piovani), ex- namorada de Dias,
que vem de um estágio no FBI, para ajudar nas investigações a fim de traçar um perfil
do criminoso. Vera personifica a nova imagem da corporação local. Eduardo também
mantém um relacionamento com Ray (Débora Falabella), uma mãe solteira, borderline
cujos transtornos de humor a levam a se automutilar com frequência.
A técnica do chiaroscuro, celebrizada por filmes noir, se faz notar logo na cena de
assassinato do primeiro episódio, estratagema usado por cineastas daquele período
nos filmes em PB, mas também em technicolor, como provou o mestre Hitchcock em
“Festim Diabólico” (Rope, 1948). A iluminação é coadjuvante nas cenas. Quando Edu
entra no quarto da namorada com todo o aparato que costuma levar para executar seus
crimes, e a câmera se fixa em seus olhos azuis que observam Ray dormindo, temos a
certeza de que chegou a vez dela. No entanto, a conclusão da cena, vista ao final do
episódio 9, exibido a 21 de novembro de 2014, fica para o próximo episódio. A cena de
Edu abrindo os braços para a Guanabara, com o Cristo de fundo, já deve figurar como
antológica na televisão.
O modelo narrativo adotado foi o formato de temporadas, no caso com 13 episódios,
com arco dramático definido, e que começa com um crime, uma convenção do gênero.
As séries que adotam esse formato trabalham tanto com blocos narrando um caso a cada
episódio – foi assim em “Força-Tarefa” (2009-2011) –, quanto com o estilo minissérie, caso
de “A Teia”, “O Caçador”, e “Dupla Identidade”. A série foi criada por uma das autoras
mais bem-sucedidas da linha de merchandising social nas telenovelas, Gloria Perez,
posto que divide com o autor Manoel Carlos.
RESULTADOS INICIAIS
Séries televisivas como “Dupla Identidade” não objetivam representar apenas a
nação, como ocorreu com as primeiras telenovelas (LOPES, ), mas o mundo global, e os
conflitos decorrentes da urbanização do mundo. Trata-se de um produto intercultural.
O final da série, com a descoberta de que Edu tem dupla cidadania, e já havia cometido
crimes nos EUA, acentua ainda mais esse caráter. A imagem do serial killer em uma
cadeira elétrica reforça o “parentesco” da narrativa e de seu personagem principal com
a televisão e o cinema hollywoodiano.
Ao criar narrativas interculturais e transnacionais, que mesclam formatos já con-
sagrados mundialmente de um gênero, a práticas culturais e um contexto regional,
essas obras se afastam, premeditadamente, de traços de identidade cultural local, e
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Dupla Identidade, o desafio de ser outro
Luiza Lusvarghi
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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“Virou um cult!”: usos do conceito e
a validade do senso comum
“It’s a cult!”: uses of the concept and
the validity of common sense
Cl arice Greco1
Resumo: Este trabalho reflete sobre o uso do termo “cult” em relação à ficção
televisiva no cotidiano brasileiro. Seu objetivo é compreender como o uso do
termo cult em relação à ficção televisiva no senso comum pode contribuir para
uma teoria sobre a TV cult no Brasil. O artigo utiliza como quadro teórico
principal os estudos de Eco (1985), Pearson (2002) e Hills (2010) sobre o conceito
de TV cult. A metodologia do trabalho se baseia na análise de blogs brasileiros
que se propõem a discutir assuntos associados à noção de cult. O artigo analisará
os posts sobre ficção televisiva (nacional e internacional). A partir dessa análise,
o trabalho busca propor como seria possível incorporar esses usos a pesquisas
teóricas sobre o conceito de “TV cult” no contexto brasileiro.
Palavras-Chave: TV cult. Ficção Televisiva. Estudos de fãs. Senso comum.
Abstract: This paper draws a reflection over the expression “cult” related to
television fiction and its uses in everyday life. The aim is to understand how the
uses of the term in common sense can contribute to a theory about cult television
in Brazil. The main theoretical overview is on the studies of Eco (1985), Pearson
(2002) and Hills (2010) on the notion of cult TV. The methodology relies on the
analysis of Brazilian blogs that intend to discuss subjects related to the notion of
cult. It will analyze posts about national and international television fiction. From
that analysis, the paper tries to propose how it is possible to incorporate those
uses to theoretical researches on the concept of “cult TV” in Brazilian context.
Keywords: cult TV. Television Fiction. Fan studies. Common Sense.
INTRODUÇÃO
N O DIA a dia é comum fazermos uso de diversas expressões, com pouco ques-
tionamento sobre suas origens e sem investigação científica. Essas noções são
também chamadas de senso comum. No campo das ciências sociais aplicadas,
cabe aos pesquisadores questionar essas expressões e compreender seus usos.
Em relação à televisão e à ficção televisiva, pautas constantes na mídia, nas rodas
de conversa e nas redes sociais, entre os termos utilizados encontra-se o ‘cult’. Apesar da
existência de teorias sobre a TV cult, elas se concentram nos usos do termo na realidade
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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“Virou um cult!”: usos do conceito e a validade do senso comum
Clarice Greco
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“Virou um cult!”: usos do conceito e a validade do senso comum
Clarice Greco
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“Virou um cult!”: usos do conceito e a validade do senso comum
Clarice Greco
Para o presente trabalho, a reflexão sobre o conceito será voltada ao campo onde o
termo é utilizado, para pensar uma teoria brasileira de televisão cult a partir da investi-
gação dos significados da expressão em uso cotidiano. A abordagem parte do princípio
de que “O senso comum é comum não porque seja banal ou mero e exterior conheci-
mento. Mas porque é conhecimento compartilhado entre os sujeitos da relação social”
(MARTINS, 1998, p.3).
O saber compartilhado é indicativo da existência de sementes que podem germinar
conhecimentos sobre as práticas sociais. Se no Brasil o termo cult aparece com certa
frequência nas falas e nas redes, é merecedor de atenção por parte da academia. Se a
teoria concentrada na Europa é obscura, difusa e, por consequência, de difícil aplicação
a outro país em outro contexto, as especificidades da conjuntura nacional podem ser
a base da reflexão. Apenas por causa de divergências entre as teorias hegemônicas do
norte ocidental e a prática televisiva brasileira, não é suficiente refutar a existência de
uma TV cult nacional.
No Twitter as opiniões são emitidas grande parte das vezes de forma simplificada.
A pensar nos atores sociais, graus de reflexividade e níveis de especialização sobre uma
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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“Virou um cult!”: usos do conceito e a validade do senso comum
Clarice Greco
teoria ou um conceito, a plataforma traz frases que ilustram um ou mais tipos de pen-
samentos em torno do problema de pesquisa deste artigo. Porém, aqui será considerado
exemplo de saberes comuns com menor grau de reflexividade. Em seguida, a análise
do uso do termo de forma semi-especializada e com intenções menos amplas se dará
com base em websites de conteúdo cultural.
A busca pela palavra-chave “cult” no Twitter mostra diversos tipos de resultados.
Muitos são em referência a veículos ou programas que levam o termo, como Telecine
Cult, Revista Cult ou Ponto Cult. Retirados esses resultados, pois o foco do artigo não
é o sentido de marca, a maioria dos resultados mostra a palavra relacionada à visão de
cult como algo ‘para poucos’, distante do popular. Por consequência, até mesmo pessoas
são chamadas de cult, denotando alguém que tem preferências não populares, frequen-
ta lugares e desfruta produtos culturais ‘diferenciados’ – associados à distinção entre
alta e baixa cultura, representação de uma suposta elite intelectual. Por isso, o termo
algumas vezes aparece em tom pejorativo, em relação a alguém metido a cult, ou metido
a intelectual, pedante. Exemplos de tweets nessa linha são:2
“Todo mundo já entendeu que vc lê. Que vc é “inteligente”, que vc é “cult”, q vc é “cool”
(rs). Não precisa gritar!”
“Das coisas mais feias do nosso mundo, eu destaco aqueles que pagam de Cult”
“Tem cada medido a pseudo diretorzinho cult na minha sala que olha...”
Nesses casos a noção de cult tem a função de gíria, expressão que carrega um
entendimento popular, sem muita reflexão sobre o que está sendo dito. Os exemplos
evidenciam ainda, de forma direta ou por uso de ironia, uma crítica à distinção entre
cult e popular. A partir do momento em que considera a postura de diferenciação “das
coisas mais feias do mundo”, a fala conota discordância com essa separação.
Essa mesma crítica é vista de forma mais clara no exemplo:
“Adoro esse povo cult que se retira de frente da tv quando começa o bbb”.
Aqui existe claramente a distinção entre o cult como avesso ao popular, ao que não
tem validade artística. O “bbb”, referente ao programa Big Brother Brasil, é considerado
por muitos uma atração popular e populesca, com pouca ou nenhuma contribuição
social e cultural. Outro exemplo se aproxima um pouco mais da convivência entre os
opostos cult x popular:
“sempre paro tudo que to fazendo quando tem uma comedia romântica passando na tv,
pois não é só de filme cult que se vive uma pessoa”.
Nesse caso, ainda coloca-se a oposição entre a comédia romântica – popular, narrativa
simples, distante da noção de qualidade cinematográfica por parte da maioria dos
teóricos do cinema– e os filmes cult – aqui referido como gênero. Mas a frase sugere uma
2. Pesquisa realizada pela ferramenta Topsy, palavra-chave “cult” e “TV cult”, no dia 18.03.2015.
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convivência entre os dois gêneros, como se defendendo que é possível – e até saudável
– beber de ambas as fontes culturais. Coloca ambas as formas culturais como passíveis
de serem consumidas sem que isso incorra em problema de identidade, entretanto
ainda aponta diferença entre elas. Outro tipo de comentário reflete um pensamento
que, mais do que sugerir ser possível usufruir tanto de produtos de “alta” quanto de
“baixa” cultura, questiona essa distinção:
“como se filmes e programas de TV fossem “menos cult” ou qualquer rótulo assim”.
Esse comentário mostra outro tipo de crítica à distinção cultural. Insinua que
programas de TV não são ‘menos cult’ – imagina-se que em referência a produtos como
livros ou teatro. Esse pensamento mostra-se mais crítico e menos conservador, em acordo
com uma possível teoria brasileira do cult. Contudo, ainda utiliza a palavra a partir do
estereótipo da distinção.
O último tipo de comentário aborda a palavra-chave no sentido mais próximo
daquele usado nas teorias de TV cult, ligado ao afeto e ao repertório compartilhado,
que traz nostalgia. A memória afetiva refere-se àquilo que marcou a história do país,
no caso, da televisão.
“É o mínimo q posso fazer, PH! Vc e o Top Tv estão na memória afetiva cult do país.”
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No de posts sobre
Blog Programas mencionados Ficções mencionadas
séries ou TV
Brasileiros Internacionais Brasileiras Internacionais
Cult Pop Show 14 0 16 0 11
Cult Flow 108 99 9 3 4
Miscelânia Cult 31 22 11 3* 8
Cult em Dobro 58 11 55 5 4
Seja Cult 7 0 7 0 7
Conversa Cult 9 2 6 1 4
3. <http://cultpopshow.com.br>.
4. <http://www.cultflow.com>.
5. <http://miscelaneacult.wordpress.com>.
6. <http://www.cultemdobro.com>.
7. <http://www.seja-cult.com/>.
8. <http://www.conversacult.com.br/>.
* A série mexicana Chaves foi contabilizada como nacional por ter um grande grupo de fãs brasileiros, além
de ser latino-americana, em contraposição à maioria das séries internacionais citadas ser norte-americana.
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“Virou um cult!”: usos do conceito e a validade do senso comum
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mencionados, não ao número de posts. Isso significa que o mesmo post pode mencionar
mais de um programa, portanto a soma entre as menções internacionais e nacionais não
necessariamente totaliza o número de posts. A proporção na origem dos programas
citados é mais facilmente visualizada na Figura 1.
Nacional
Internacional
A Figura 1 mostra que os sites Cult Pop Show e Seja Cult apresentam apenas posts
sobre programas internacionais. Se o conteúdo do site representa interesse pessoal,
o fato sugere menor empenho pelos programas nacionais. Por outro lado, quatro dos
seis sites comentam conteúdos nacionais, e ao menos uma ficção. Essa é a primeira
característica relevante para análise: apesar de os olhares serem voltados majoritariamente
à programação estrangeira exibida no Brasil, mais da metade dos autores dos sites
consideram a televisão brasileira no cenário cultural. Em outras palavras, esse quadro
sugere que a noção de cult possa ser mais associada a programas internacionais, mas
não desconsidera a ficção brasileira no debate.
Voltando o olhar para o conteúdo, é interessante notar que os programas citados são
bem variados: de ficção a programas de música, passando por programas de entrevistas.
Cult Flow, apesar do título em inglês, é o site com maior número de posts e também o
que mais apresenta conteúdo nacional, seguido por Miscelânia Cult. A postura do site
Cult Flow é mais informativa, menos opinativa. Dos 108 posts na seção TV, dos quais 99
são sobre programas brasileiros, cita apenas três séries de ficção nacional: Surtadas na
Yoga (GNT, 2013-2014), Sessão de Terapia (GNT, 2012-2013), e Detetives do Prédio Azul (Gloob,
2011-2015), esta última citada em quatro posts. Os outros programas são de música,
de entrevistas, de auditório, e séries documentais de aventura (como voltados a surf
ou skate). Há também um post sobre um especial do canal Multishow, um programa
musical que apresentou músicas que marcaram as novelas nos anos 1980. Apenas nove
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“Virou um cult!”: usos do conceito e a validade do senso comum
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entre os 108 posts (8,3%) são sobre programas internacionais, quatro deles séries de
ficção: Weeds, Breaking Bad, American Horror Story e Sadie J. Cult Flow é, portanto, o site
com maior atividade em TV e, em grande maioria, televisão nacional. Apenas a ficção
tem pouca participação no conteúdo e, quando aparece, são séries. A única referência a
telenovelas foi o programa sobre trilha sonora, indicando que as músicas das telenovelas
são parte marcante de sua história cultural.
O segundo site com maior participação de conteúdo nacional é o Miscelânia Cult.
Nesse blog, os posts sobre programas brasileiros somam o dobro dos conteúdos estran-
geiros. A maioria dos posts de conteúdo internacional é sobre séries americanas. Dos
22 posts sobre programas latino-americanos, apenas três são sobre ficções, sendo elas:
Castelo Rá-tim-bum, Chaves e um post sobre a abertura de Passione. No caso aqui men-
cionamos programas latino-americanos por causa do programa Chaves, que tem grande
comunidade de fãs no Brasil, país em que a ficção tem exibição mais longeva. Portanto,
o fenômeno do engajamento dos fãs pode ser considerado nacional, apesar de a série
ser mexicana. Enquanto. Dentre as 11 séries citadas, algumas são compatíveis com o
que a teoria internacional considera cult, como gênero de narrativas de terror ou ficção
científica (exemplos são Resident Evil, The Walking Dead e Zumbilândia). Entre as séries
citadas está ainda True Detective, também mencionada pelo site Cult Pop Show, que não
apresenta conteúdo nacional. True Detective foi a única série estrangeira citada em mais
de um site e Castelo Rá-tim-bum a única ficção nacional mencionada duplamente. Vale
lembrar que a série ganhou também uma exposição no Museu de Imagem e Som de
São Paulo (MIS), cujos ingressos foram esgotados.
O site Cult em Dobro é o segundo em termos de número de posts sobre TV. Apresenta
abordagem mais juvenil, voltado principalmente para televisão e música. Dos 58 posts
sobre TV, apenas 11 são sobre conteúdo brasileiro e apenas cinco sobre ficção. O interes-
sante é que todas as ficções nacionais são citadas na seção ‘nostalgia’, conceito próximo à
ideia de cult brasileiro por importância na história cultural. É ainda o único que menciona
uma telenovela: O beijo do Vampiro – que além do apelo nostálgico, é ligada novamente à
ideia de cult como gênero que envolve terror e fantasia. Séries como Buffy a caça-vampiros
e Vampire Diaries são citadas por Abbott (2010) como exemplos do gênero cult.
O site menciona ainda os programas da TV Cultura: Rá-tim-bum (1990-1994), Castelo
Rá-tim-bum (1994-1997), Ilha Rá-tim-bum (2002-2006), e Mundo da Lua (1991-1992). Os exem-
plos são muito importantes para a abordagem da ficção brasileira pelo pressuposto
do sentimento de nostalgia, cuja definição do cult se relaciona com a fala de Le Guern
(2004), na qual o objeto é cult por evocar nostalgia por um repertório cultural comum.
Em 2015 o Museu da Imagem de Som (MIS) em São Paulo trouxe a exibição do Castelo
Rá-tim-bum, o que comprova e reafirma a relevância da série na memória cultural da
televisão brasileira.
Por fim, o site Conversa Cult tem, dentre todos, talvez a postura mais opinativa e
reflexiva. Dos nove posts sobre programas televisivos, dois são brasileiros e somente
um relacionado a ficção – uma análise crítica do beijo entre Félix e Niko, personagens
masculinos que protagonizaram o primeiro beijo gay no horário nobre da Globo. Além
disso, Conversa Cult traz um post de grande importância para a discussão do conceito
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“Virou um cult!”: usos do conceito e a validade do senso comum
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que seja possível avançar os estudos da teoria sobre TV cult aplicado a pro-
gramas brasileiros, é necessário compreender como o termo é visto e apreendido pelo
público no País. A aplicação bruta da teoria presente na Inglaterra e nos Estados Unidos
é insuficiente para uma compreensão nacional do conceito. Isso, no entanto, não pode
sugerir a inexistência de potencial cult em programas brasileiros.
A análise descritiva de comentários no Twitter, a representar manifestações descom-
promissadas com uso da expressão TV cult, combinada com a leitura de blogs que se
propõem a discutir a produção cultural e televisiva no País pode ser um início consistente
para pautar a reflexão. Perceberam-se elementos presentes nas teorias estrangeiras que
constam nas falas do público brasileiro, em especial: a distinção entre ‘alta’ e ‘baixa’
cultura, por vezes em forma de crítica; a ideia de cult como gênero, associado a narra-
tivas de terror ou fantasia; e, por fim, e talvez mais compatível com a ficção televisiva
nacional, a relação entre cult e memória, na qual alguns programas sobressaem porque
evocam nostalgia por um repertório cultural comum.
Essas percepções pautam questões importantes para reflexões futuras: como apro-
veitar o senso comum para construção de novas teorias? Por que os websites de conteúdo
cultural dão preferência a conteúdos estrangeiros? É importante pensar uma teoria da
TV cult no Brasil? A essa última, este artigo sugere resposta positiva, deixa a promessa
de futuras contribuições cada vez mais aprofundadas e espera que possa colaborar para
avanços no campo dos estudos de ficção televisiva.
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Reflexos de um clássico: referências do filme Todos os
homens do presidente na obra Intrigas de Estado
Classic’s reflections: All the president’s men
references in State of Play movie
Fa b í o l a Pa e s de A l m e i d a T a r a p a n o ff 1
Abstract: The study investigates the reflections in State of Play which shows the
influence of All the president’s men and seeks to understand how films contribute
in the minds of Journalism students about the profession.
Keywords: Imaginary. Cinema. Journalism movies. All the president’s men. State
of play.
1.INTRODUÇÃO
1. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação - Área de Concentração:
Processos Comunicacionais – Linha de Pesquisa: Comunicação Midiática nas Interações Sociais pela
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). E-mail: fabiolapaes@uol.com.br.
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Reflexos de um clássico: referências do filme Todos os homens do presidente na obra Intrigas de Estado
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Reflexos de um clássico: referências do filme Todos os homens do presidente na obra Intrigas de Estado
obra, como o filme brasileiro Tropa de Elite: o inimigo agora é outro, que apresenta uma
jornalista, Clara, assassinada após descobrir um esquema de troca de favores entre
políticos e traficantes.
Outra questão importante refere-se às imagens recorrentes do jornalista no cinema
e os mitos contemporâneos presentes nesse gênero. Um professor que tem se dedicado
a essa questão é Joe Saltzman. Em 2003, ele iniciou o projeto The Image of Journalist in
Popular Culture (IJPC) no Norman Lear Center, na Annenberg School for Communication
(University of Southern California – USC), que inclui mais de 8.500 itens, como DVDS,
áudios e livros sobre o assunto. De acordo com Saltzman, a imagem popular do jornalista
flutua entre o real e o ficcional sem discriminação. Nomes como Clark Kent, Lois Lane,
Carl Bernstein, Hunter S. Thompson, Veronica Guerin são todos conhecidos pelo grande
público e foram apresentados no cinema, mas algumas pessoas se esquecem que os dois
primeiros só existem na ficção e que há uma grande diferença no que é apresentado nos
filmes em relação a sua vida real.
Saltzman explica que a palavra jornalista surgiu em 1693 e pode ser definida como:
“alguém que ganha a vida editando ou escrevendo para um jornal público ou jornais.
Hoje o jornalista é visto não só como alguém envolvido na produção e impressão de
jornais. Tornou-se sinônimo de alguém que escreve reportagens para qualquer tipo
de mídia. Se observarmos a definição de acordo com um prisma histórico, o jornalista
pode ser considerado alguém que em qualquer século desempenhava a função que um
jornalista exerce hoje – seja disseminando notícias, informações, comentários ou críticas.
Ao longo dos séculos, o jornalista foi visto basicamente como herói ou como vilão:
The hero reflects a society’s innermost hopes and dreams, the villain its fears and night-
mares. The journalist as hero and scoundrel is no exception. Journalist heroes often are
self-made persons, independent spirits, people who get angry over injustice and unfairness.
They distinguish themselves by their achievements, not their boasts. They are people of
good will, unselfish, trusting, decent, honorable with a sense of fair play, self-confident,
resourceful and sometimes too witty for their own good (…) The journalist hero is convin-
ced that the ends, the triumph of right over wrong, justify any means, no matter what the
ethical or moral cost may be. They believe in and embrace the public interest. Journalist
scoundrels or villains are arrogant and have no scruples. They are braggarts who are vain
and conceited. They are socially undesirable, usurpers, abusers, snobs, strangers, traitors,
sneaks, chiselers, narcissists (…) They care nothing about the public interest, except to use
it for their own selfish end (Saltzman, 2002, pp. 4 e 5).2
2. Tradução da autora: “O herói reflete os maiores desejos e sonhos da sociedade, enquanto o vilão reflete
os medos e pesadelos. O jornalista como herói e como vilão não e exceção. Jornalistas heróis são pessoas
com sua própria personalidade, espíritos independentes, pessoas que ficam bravas diante da injustiça.
Eles se distinguem dos outros por suas conquistas verdadeiras, não se vangloriando. São pessoas de boa
índole, não egoístas, confiáveis, decentes, honoráveis e com senso de justiça, confiantes, cheios de recursos
e muito generosos até para o seu próprio bem. O herói jornalista está convencido que no final, o triunfo
do certo sobre o errado, justifica qualquer meio, não importa o custo moral ou ético que possa ter. Eles
acreditam nisso e abraçam o interesse público. Jornalistas sem honra ou vilões são arrogantes e não possuem
escrúpulos. Eles são orgulhosos, vaidosos e convencidos. Eles são socialmente indesejáveis, usurpadores,
esnobes, estranhos, traidores, ardilosos, incisivos, narcisistas (...) Eles não dão importância para o interesse
público, exceto para usá-lo para o seu próprio fim egoísta”.
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Reflexos de um clássico: referências do filme Todos os homens do presidente na obra Intrigas de Estado
Senra explica que diante de outras atividades profissionais retratadas pelo cinema,
o jornalismo parece desfrutar de uma posição privilegiada em relação à construção da
imagem do profissional. Devido ao fato de serem públicas as figuras da grande imprensa
e por ser a exposição o requisito primeiro no exercício do jornalismo, a transformação
em imagem do profissional é uma das etapas fundamentais da profissão. No mundo
contemporâneo, mesmo jornalistas que atuam na imprensa escrita são cada vez mais
solicitados a exibir sua persona, transformando-se em uma espécie de personagem. Trata-
se de um processo de espetacularização do profissional da imprensa e da transformação
da sua imagem para consumo.
A autora aponta que até a década de 1950, os proprietários responsáveis pelas empre-
sas jornalísticas também eram jornalistas e foi nesse contexto que surgiu uma imagem
comumente associada à figura do profissional de imprensa, como diz o cronista da Folha
de S.Paulo Jânio de Freitas: “época em que os jornais não tinham horário, do jornalis-
mo boêmio, sem disciplina, com jeito anárquico e muita liberdade, quando não havia
imposição industrial de tempo e de espaço, mas havia mais prazer em exercer a pro-
fissão” (Freitas apud Senra, 1996, p.20). Era o tempo do jornalismo com personalidades
fortes, com uma tradição humanista que hoje desapareceu. E ao falar que o jornalista se
conhecia pela “sola dos sapatos”, o jornalista Newton Carlos se referia ao tempo em que
o profissional vivia em maior sintonia com a realidade, trabalhava nas ruas e ia atrás
dos acontecimentos.
E no cinema a se imagem aparece com maior frequência. Senra diz que a afinidade
entre cinema e jornalismo é histórica e pode se verificar tantos nos temas como procedi-
mentos próprios do jornalismo, que foram incorporados à linguagem cinematográfica.
O diretor e também jornalista Samuel Fuller destacava que cinema e jornalismo tinham
modos semelhantes de registro, verificáveis em termos como cortar (texto ou editar um
filme) e colar (inserir um trecho no texto ou obra cinematográfica).
E tanto no cinema quanto no jornalismo os dispositivos técnicos foram desenvolvi-
dos buscando uma mesma transparência, objetividade e verossimilhança nas imagens.
A narrativa cinematográfica de Hollywood busca enfatizar o indivíduo e a ação que
deve desempenhar e a história termina com a vitória decisiva ou o fracasso. Há um
parentesco íntimo, como aponta Senra, entre relatar e escrever uma notícia. No jor-
nalismo é fundamental a existência de um lead, primeiro parágrafo da notícia que
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Reflexos de um clássico: referências do filme Todos os homens do presidente na obra Intrigas de Estado
responde a seis questões fundamentais: quem fez o que, a quem, quando, onde, como,
por que e para que. Essas perguntas destacam o indivíduo, focalizam a ação e invocam
uma causa responsável pelo desenrolar dos acontecimentos. O jornalismo também se
aproxima mais do público como o cinema a partir do surgimento dos penny press, um
pouco antes da metade do século XIX, tornando-se mais baratos e com temas mais
próximos à realidade dos cidadãos.
No cinema os primeiros filmes sobre jornalismo surgirão a partir dos anos 1920,
quando nas telas os temas populares estão em voga e no momento também em que os
jornais se encontravam associados à vida da comunidade e os jornalistas tinham não
só a mesma condição dos leitores, como partilhavam do seu mesmo universo cultural
e simbólico. Como o cinema hollywoodiano inicialmente utilizava fórmulas (clássicos
happy ends), buscando assim sempre boas bilheterias, esses filmes surgem inicialmente
calcados em estereótipos, representações simplificadas do profissional de imprensa,
buscando que ele seja mais facilmente reconhecido pelo público. Como os penny press
eram populares, a figura do jornalista que atuava nessas publicações é que se destaca.
Na opinião de Christa Berger na obra Jornalismo no cinema, entre as razões da atração
do cinema pelo jornalismo está no “glamour da mídia” e no incentivo que os próprios
jornalistas deram à consolidação dessa imagem. A atividade do profissional de impren-
sa também contém uma série de elementos atrativos para contar uma boa história: o
jornalista
quando recebe uma pauta e precisa escrever uma reportagem, assim como um
detetive, deve fazer um trabalho de pesquisa e depois ir a campo, entrevistar fontes e
busca localizar problemas, identificar causas e buscar soluções.
Nos filmes os jornalistas sempre são pessoas inteligentes, perspicazes, que chegam
às conclusões rapidamente, com a facilidade de um Sherlock Holmes. Isso encanta a
plateia, que se identifica e se coloca na posição do personagem, procurando também
desvendar a história. E no final, tudo acaba bem, com o jornalista conseguindo publicar
sua reportagem e tendo sucesso na carreira. Se considerarmos a influência do cinema
hoje e que tem poder ainda maior perante jovens, que ainda não têm experiência de
vida e nem ideia de como será um trabalho, é fácil perceber como se opera com força
a identificação e a busca em se obter o mesmo sucesso de seus personagens favoritos.
Também é interessante lembrar que muitos super-heróis também atuam de alguma
forma na imprensa, pois isso possibilita o acesso a tudo o que ocorre no mundo. Peter
Parker é um adolescente desajeitado, nerd e que deseja conquistar a garota de seus sonhos.
Gosta de fotografar e suas imagens têm estilo e captam momentos que ninguém tem acesso.
Mas justamente por ele ser o Homem-Aranha, consegue verdadeiros furos de reportagem.
O Super-Homem também é um rapaz tímido, Clark Kent, jornalista do Planeta Diário,
apaixonado pela colega de trabalho, a dinâmica e perspicaz Lois Lane. Atrapalhado,
vive derrubando café e objetos e trabalhar em um jornal o auxilia a saber quem está
precisando de ajuda. Essas imagens são tentadoras para um jovem adolescente, que vê
que mesmo sendo tímido e desajeitado, tem um lugar no mundo como jornalista. É um
super-herói que defende os mais fracos dos opressores e que está apenas utilizando
sua “identidade secreta”.
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Reflexos de um clássico: referências do filme Todos os homens do presidente na obra Intrigas de Estado
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Reflexos de um clássico: referências do filme Todos os homens do presidente na obra Intrigas de Estado
próximos meses o jornal Washington Post continuou a publicar notícias sobre a história,
com Woodward e Bernstein conduzindo a investigação jornalística. Eles descobriram
que a invasão ao prédio Watergate estava ligada ao chefe de departamento de Richard
Nixon, H.R. Haldeman. Ele tentou desacreditar o jornal, mas logo se confirmou que
a história estava correta. Mesmo assim, Nixon foi reeleito duas semanas depois. No
entanto, no ano seguinte, as investigações sobre Watergate no Senado passaram a ser
transmitidas para todo o país e a opinião pública ficou contra o presidente, conduzindo
ao seu impeachment em agosto de 1974.
Depois de muita especulação, em 2003 os estudantes da Universidade de Illinois
descobriram que a famosa fonte “Garganta Profunda” era o conselheiro da Casa Branca, o
deputado Fred Fielding. Bernstein disse que a investigação da classe violou os princípios
jornalísticos, revelando uma fonte secreta. O instrutor Bill Gaines respondeu que “se
um jornalista quer realmente proteger suas fontes não pode dar pistas de quem seja a
fonte ou escrever um livro ou um filme sobre o assunto” (Ehrlich, 2004, p. 113).
Ehrlich diz que não importa se Bernstein e Woodward exageraram na descrição de sua
fonte secreta, mas certamente queriam contar uma boa história, ainda mais ao perceber
o interesse de Hollywood. Quem primeiro se interessou em transformar o livro dos
repórteres em filme foi Robert Redford, em 1972, quando promovia seu filme O candidato.
Os jornalistas haviam combinado com a editora que escreveriam uma obra sobre a
corrupção no governo Nixon desde a década de 1970. Redford os encorajou a escreverem
só sobre a investigação de Watergate, pois achava que renderia um filme melhor e
ofereceu US$450 mil em direitos autorais. Para Ehrlich:
The movie, starring Redford as Woodward and Dustin Hoffman as Bernstein, accentued
even more the journalist’s role in Watergate and cloak-and-dagger aspects of the story.
Under director Alan J. Pakula, the film adopted a noir-like look and feel, portrayed the
reporters as serious but small and anonymous figures, and depicted the paper and its editor
as fearless foes of corruption. All the president’s men was the third of what has been called
Pakula’s paranoia trilogy”, following Klute (1971), and Parallax view (Ehrlich, 1974, p. 128).3
A obra recebeu 4 Oscars: Melhor Ator Coadjuvante (Jason Robards), Melhor Direção
de Arte (George Jenkins e George Gaines), Melhor Som (Arthur Piantadosi, James E.
Webb, Les Fresholtz e Dick Alexander) e Melhor Roteiro Adaptado (William Goldman).
O filme mudou a forma como muitas pessoas viam a profissão em todo mundo e o
caso Watergate, tornou-se uma lenda, sendo até hoje citado nas escolas de jornalismo.
De acordo com McNair, Todos os homens do presidente obteve mais de US$ 70 milhões de
dólares em sua estreia nos EUA. Um número muito maior de pessoas viu o filme do que
leu o livro escrito por Bernstein e Woodward. Nos Estados Unidos hoje há mais de 50 mil
estudantes de graduação em Jornalismo e 3.800 fazendo mestrado nessa área, números
considerados bastante expressivos. McNair diz que Todos os homens do presidente foi uma
3. Tradução da autora: “O filme, que era estrelado por Redford como Woodward e Dustin Hoffman
como Bernstein acentuou ainda mais o papel dos jornalistas na investigação de Watergate e os aspectos
intrigantes e de espionagem da história. Sob a direção de Alan J. Pakula, o filme adotou um estilo noir e
retratou os repórteres de forma séria, figuras pequenas e anônimas e o jornal e o editor como destemidos,
sem medo da corrupção. Todos os homens do presidente foi a terceira obra da chamada trilogia da paranoia
de Alan Pakula, depois de Klute, o passado condena (1971) e A trama (1974).”
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Reflexos de um clássico: referências do filme Todos os homens do presidente na obra Intrigas de Estado
das obras que mais afetou o público em relação a imagem do jornalista e sua prática
nos Estados Unidos e contribui para o aumento no número de alunos nas escolas de
jornalismo. Mas o que o autor diz que uma das maiores contribuições do filme foi que:
Its production and its commercial and artistic success both reflected and reinforced US public
anxiety about, on the one hand, the state of the presidency, and on the other, the state of the media.
If in the Nixon era all the US journalists had been like Woodward and Bernstein in their dedi-
cation and tenacity perhaps the film would not have been necessary, nor would the Watergate
scandal have been allowed to happen. The Watergate investigation can justifiably be seen as a
triumph of American liberal journalism. The film of that investigation fed back into a debate
which concerned not just the corruption of politics, but the potentially corrupt relationship of
journalism to power. Its effectiveness as a work of cinematic art enable it to provide a model for
future journalistic practice, although we cannot know how influential the model was or has been
(McNair, 2010, p. 19-20)4
No filme pode-se ver como apurar, como utilizar fontes sigilosas (como o famoso
“Garganta Profunda”, nome de filme pornô e fonte que mais ajudou nas investigações) e
como juntar as peças de um “enorme quebra-cabeças”. Trata-se do trabalho jornalístico
levado às últimas consequências, um jornalismo informativo e objetivo à prova de
suspeitas ou denúncias. Nesse caso, pode-se recorrer à definição proposta por Berger:
Herói é a primeira definição para o tipo ideal criado com esmero para dar forma e sentido
ao jornalista dentro do contexto também enaltecido do jornalismo, em suas diversas apa-
rições (Jornal, rádio e tevê) no decorrer do tempo [...] Ele está ali, imprimindo sua marca – de
investigador, de aventureiro, de destemido e solitário lutador, - correndo riscos para realizar
sua profissão/missão, como também estão na tela, com a mesma inclinação, cowboys e poli-
ciais (BERGER, 2002, p.17).
4. Tradução da autora: “Seu sucesso comercial e artístico ambos refletem e reforçam a ansiedade do público
norte-americano e por outro lado, o estado da presidência e por outro lado, o estado da mídia. Se na era
Nixon todos os jornalistas queriam ser como Woodward e Bernstein em sua dedicação e tenacidade, talvez
o filme não fosse necessário, nem o escândalo de Watergate teria ocorrido. A investigação Watergate pode
ser vista de forma justificada como o triunfo do jornalismo liberal norte-americano. O filme sobre essa
investigação não apresenta um debate que preocupa somente com a corrupção presente na política, mas com
o relacionamento potencialmente corrupto entre jornalismo e poder. A sua efetividade como um trabalho
da arte cinematográfica está em providenciar um modelo para a futura pratica jornalística, apesar de não
sabermos o quão influente esse modelo foi e continuará sendo”.
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Reflexos de um clássico: referências do filme Todos os homens do presidente na obra Intrigas de Estado
5. MIRANDA, Debora. “Intrigas de Estado presta homenagem ao velho jornalismo.” In: G1 - Endereço
eletrônico: http://g1.globo.com/Noticias/Cinema/0,,MUL1190502-7086,00-INTRIGAS+DE+ESTADO+PRE
STA+HOMENAGEM+AO+VELHO+JORNALISMO.html. Acesso: 24 out. 2013.
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Reflexos de um clássico: referências do filme Todos os homens do presidente na obra Intrigas de Estado
5. CONCLUSÕES
E como podemos compreender esses reflexos de Todos os homens do presidente
presentes em Intrigas de Estado? Uma boa forma de compreender isso é retomando o
texto “Midiatização e mediação: seus limites e potencialidades na fotografia e no cinema”,
de Clarisse Castro Alvarenga e Katia Hallak Lombardi, presente no livro Mediação
& midiatização, organizado por Jeder Janotti Jr., Maria Angela Mattos e Nilda Jacks.
As autoras citam Rancière, dizendo que “o artista não quer impor, nem instruir o
espectador. Quer somente produzir uma forma de consciência, uma intensidade de
sentimento, uma energia para a ação” (ALVARENGA & CASTRO, 2012, p. 285). Assim
quando um cineasta como Kevin Macdonald busca inspiração em Todos os homens do
presidente para fazer o filme Intrigas de Estado, ele busca traduzir a partir de traduções
que os outros lhe apresentam, de colocar as suas experiências em palavras é um trabalho
poético que está no cerne de toda a aprendizagem. Cada um tem o poder de traduzir
à sua maneira o que percebe, tornando os filmes únicos, mas com semelhanças em
relação às obras anteriores. Ocupando um papel cada vez mais privilegiado no cenário
atual do entretenimento e que um filme pode ser visto na internet, no YouTube ou até
em um celular, o cinema contribui assim para problematizar os diversos sistemas de
representação social e de categorias profissionais presentes no mundo.
Quando Kevin Macdonald traz reflexos da obra Todos os homens do presidente em
Intrigas de Estado, ele deseja assim fazer um tributo aos Journalism movies e mostrar a
importância do jornalismo impresso, em uma sociedade em que a internet se faz cada
vez mais presente. E os espelhamentos em outro filme são uma forma do diretor fazer
isso e mostram como foi influenciado por essa obra de arte.
É preciso compreender que esse ciclo não termina aí. As representações do jornalista
no cinema, quando apropriadas pelos receptores, vão gerar um imaginário próprio
sobre a profissão, de como será sua carreira no futuro. Mas esse processo não ocorre
de forma unidirecional e passiva, mas comunicacional e interativa, como salienta José Luiz
Braga em A sociedade enfrenta sua mídia. Braga propõe assim o conceito de midiatização
da sociedade, que corresponde a tornar viável o acesso posterior e a ampliar o número
e a abrangência das mensagens, tornando-as “diferidas e difusas” (2006, p.23).
E os filmes contribuem para inculcar valores sobre a sociedade e a respeito de
profissões, como o jornalismo. As imagens de profissionais nas obras como Todos os
homens do presidente e Intrigas de Estado acabam influenciando na forma como a sociedade
e estudantes de Jornalismo veem a categoria. Como explica Randal Johnson na obra
The field of cultural production, em que analisa a obra de Pierre Bourdieu:
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Reflexos de um clássico: referências do filme Todos os homens do presidente na obra Intrigas de Estado
The habitus is the result of a long process of inculcation, beginning in early childhood,
which becomes a ‘second sense’, or a second nature. According to Bourdieu’s definition, the
dispositions represented by the habitus are ‘durable’ in that they last throughout an agent’s
lifetime. They are ‘transposable’ in that they may generate practices in multiple and diverses
fields of activity, and they are ‘structured structures’ in that they inevitably incorporate the
objective social conditions of their inculcation (Johnson, 1993, p.5).6
REFERÊNCIAS
ALVARENGA, Clarisse Castro & LOMBARDI, Katia Hallak.“Midiatização e mediação: seus
limites e potencialidades na fotografia e no cinema.” In: JANOTTI JR, Jeder; MATTOS,
Maria Angela & JACKS, Nilda (Orgs.) Mediação & midiatização. Salvador: UFBA; Brasília:
Compós, 2012. pp. 272-296.
BERGER, Christa. Jornalismo no cinema. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002.
BRAGA, José Luiz. A sociedade enfrenta sua mídia. São Paulo: Paulus, 2006.
EHRLICH, Matthew C. Journalism in movies. Urbana and Chicago, University of Illinois
Press, 2004.
6. Tradução da autora: “O habitus é resultado de um longo processo de inculcação, que se inicia na infância e
torna-se um segundo sentido, uma segunda natureza. De acordo com a definição de Bourdieu, as disposições
representadas pelo habitus são duráveis e podem permanecer durante toda a vida do agente. Elas são
transponíveis e podem gerar praticas em múltiplos e diversos campos de atividade e são estruturas bem
firmadas que inevitavelmente se incorporam as condições sociais de sua inculcação”.
7. Tradução da autora: “Representações nos filmes de um tipo social particular, que inevitavelmente refletem
as representações dominantes em determinadas sociedades e nesse processo contribui para consolidar
e reforçar essa prevalência. No caso do jornalismo, alguns tipos estão claramente baseados em modelos
normativos do papel do jornalista – como o personagem de Charles Tatum, que devemos retomar depois na
obra. O diretor é responsável por determinar essas imagens de heroísmo ou de vilania, estão autorizados
a dramatiza-las e propiciando material para o debate público sobre a atuação dos jornalistas na realidade”.
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Reflexos de um clássico: referências do filme Todos os homens do presidente na obra Intrigas de Estado
JOHNSON, Randal. “Editor’s introduction: Pierre Bourdieu on Art, Literature and Culture.”
In BOURDIEU, Pierre. The field of cultural production: essays on art and literature.
Cambridge (UK): Polity Press in Association with Blackwell Publishers, 1993.
MIRANDA, Débora. “Intrigas de Estado presta homenagem ao velho jornalismo.”
In: G1 – Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Cinema/0,,MUL1190502-7086,00-
INTRIGAS+DE+ESTADO+PRESTA+HOMENAGEM+AO+VELHO+JORNALISMO.html.
Acesso: 24.out.2013.
McNAIR, Brian. Journalists in films: heroes and villains. Edimburgh (US): Edimburgh Press,
2010.
SALTZMAN, Joe. “Analyzing the Images of the Journalists in Popular Culture: a Unique
Method of Studying the Public’s Perception of Its Journalism and the News Media.”
Disponível em: http://ijpc.org/uploads/files/AEJMC%20Paper%20San%20Antonio%20
Saltzman%202005.pdf. Acesso em: 7.nov.2013.
SENRA, Stella. O último jornalista: imagens de cinema. São Paulo: Estação Liberdade, 1997.
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Implicações político-afetivas da relação imagem-
narrativa na análise do personagem cinematográfico
Affective- political implications by the relationship image-
narrative from an analysis of the cinematographic character
M árcio Zanet ti Negrini1
Abstract: This article aims to investigate the relationship between image, nar-
rative and political through subjectivity. In this way, it is made a film analysis
based on political and emotional aspects of the character Espírito in the movie
Rio, Zona Norte (1957) by the brazilian director Nelson Pereira dos Santos. The
political is treated in movies from the perspective of Alain Badiou (2004), due
to the fact that the characters manifest themselves politically in forms of resis-
tance of dominations of their affections. With this assumption, it has been tried
to reflect how the character Espírito produces political-emotional involvement
over his social environment. In this regard, it has been mobilized a theoretical
framework especially composed by Jacques Rancière , Sigfried Kracauer (2001)
and Gilles Deleuze (1985). The analyzes show that the political-affective of the
character is formed through fields of force produced by image-narrative interac-
tion. These refer to transformation forces of political-social meanings implied
in the narrative Rio, Zona Norte (1957).
Keywords: Political character. Subjectivity. Film Analysis. Brazilian Movie.
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Implicações político-afetivas da relação imagem-narrativa na análise do personagem cinematográfico
1. INTRODUÇÃO
N ELSON PEREIRA dos Santos é o diretor do filme Rio, Zona Norte (1957) que se
analisa neste artigo. Com esse cineasta percebeu-se a possibilidade de encontrar
personagens brasileiros que, em seus cotidianos, apresentam ações políticas
vinculadas a suas relações afetivas. Notou-se que, para esse diretor, os temas políticos
implicados nas vidas de seus personagens inscrevem-se junto às formas de resistência
e não condicionamento afetivo às circunstâncias sociais em que estão inscritos.
Encontrou-se uma interlocução entre as implicações políticas notadas nos filmes de
Nelson Pereira dos Santos e a reflexão acerca do personagem fílmico em Alain Badiou
(2004, p.73). Para o autor, o cinema inscreve-se como “categoria política ativa” na medida
em que seus personagens permitem pensar as “lógicas de emancipação” que impedem
sujeições e estabilizações das subjetividades numa instância político-social de domi-
nação dos afetos.
Assim, neste artigo, parte-se do pressuposto que compreende o cinema e seus
personagens como experiência afetiva que possibilita levantar questões acerca do político
a partir do ponto de vista da subjetividade. Desse modo, nota-se a materialidade que
compõe as representações fílmicas como agentes de significação formados por afetos.
Com isso, os aspectos materiais das imagens que compõem o universo socioafetivo do
personagem Espírito no filme Rio, Zona Norte (1957) amplificam os sentidos narrativos
do filme de modo a revelar as implicações político-afetivas de seu cotidiano.
Esse personagem foi elencado como suporte de análise na medida em que também
se percebeu, numa reflexão com base em Rancière (2009), que ele produz ações políticas
por meio da criação de ficções sobre si mesmo. Espírito é um sambista cujas composições
musicais são elaboradas a partir de suas relações afetivas com os outros personagens
e o espaço em que é representado. Nesse sentido, compreende-se que o filme Rio, Zona
Norte (1957) mostra um personagem fértil quanto às observações da política a partir
do ponto de vista afetivo. Assim, nota-se que as criações das ficções sobre si que esse
personagem engendra partem das suas relações com o espaço material que o constitui
enquanto representação.
Na medida em que se estabeleceu de forma preliminar que o personagem pode ser
analisado em vista de suas formas de resistência afetiva aos condicionamentos sociais,
tem-se como objetivo responder as seguintes questões: como e em quais circunstâncias
da inter-relação imagem-afeto-narrativa manifestam suas resistências político-afetivas?
E, ainda, quais disputas produzem sujeições que resultam em seus condicionamentos
político-sociais?
Desse modo, estabeleceu-se no âmbito teórico, junto a Kracauer (2001) e Deleuze
(1985), que a análise fílmica realizada leva em conta a materialidade que compõe o
universo socioafetivo do personagem numa relação inalienável com a subjetividade
do sujeito que o analisa. Por meio desses autores, compreende-se que os primeiros
planos cinematográficos produzem variações nos sentidos narrativos. Isso decorre das
fraturas na totalidade da montagem que revelam, pelos aspectos materiais das imagens,
significações que produzem novas possibilidades de compreender as histórias narradas.
Também fundamentando-se em Rancière (2012), o que se define em termos de análise
do universo político-afetivo desse personagem está implicado nas significações que a
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Implicações político-afetivas da relação imagem-narrativa na análise do personagem cinematográfico
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Implicações político-afetivas da relação imagem-narrativa na análise do personagem cinematográfico
linear. A ruptura provocada pela imagem em primeiro plano na montagem traz à tona
formações afetivas que transitam na materialidade do espaço social.
A noção do primeiro plano cinematográfico em Kracauer torna evidente sua
compressão do tempo como não totalidade justamente pela descomposição da montagem
que esse plano possibilita. Uma divisão do movimento amplifica o microscópico imanente
à matéria, e mostra a energia simbólica acumulada no meio físico em que a vida transita
e que a câmera revela para passagem e o aparecimento do afeto; relação com a imagem
que para o autor é uma região de encontro entre o presente e o passado em que acontece
a história. Compreender o personagem Espírito numa perspectiva teórica do primeiro
plano em Kracauer (2001) concebe notar a variação de sentidos exercida pelos aspectos
materiais das imagens que representam o personagem.
As transformações que as potências das imagens criam são da ordem dos desloca-
mentos que os enquadramentos em primeiro plano provocam. Com isso, evidencia-se a
materialidade que compõe o universo do personagem desviando-a de um movimento
único e totalizante da narrativa. Assim, o rosto de Espírito produz sentidos por meio
da amplificação que sua imagem passa a exercer. Junto a ele, veem-se objetos e per-
sonagens que constituem seu universo afetivo e que evidenciam novas significações,
de modo a desomogeneizar suas experiências e revelando formações afetivas que
compõem seu cotidiano.
Para compreender a noção de “materialidade sensível” em Kracauer (2011) na pers-
pectiva de uma análise fílmica que assume o ponto de vista da subjetividade, ou seja,
assumindo-se a escritura de análise como imaginários produzidos por meio do movi-
mento entre o sujeito que analisa e o objeto cinematográfico, sugere-se aproximá-lo dos
escritos sobre a “imagem-movimento” de Deleuze (1985) e sua noção de “rostidade”. Tal
proposição desse autor é encontrada em suas ponderações sobre o primeiro plano cine-
matográfico e a “imagem-afecção”, de modo que, se compreende o rosto do personagem
como ativações de sentidos. Isso decorre pelas variações dos enquadramentos em primei-
ro plano em sua relações com a montagem numa analogia a formação da consciência.
Deleuze (1985, p. 114; 156) define a “imagem-afecção” e, por consequência, a “rostida-
de”, como descentramento “pré-atual” que é pura “virtualidade”, ou subjetividade, aquilo
que serve ao espírito ou, ainda, a memória que aparece pela reflexão e opacidade. O que
se deve sublinhar é o sentido “sensório-motor” do afeto que é retido e refratado como
sombra e luz. O primeiro plano como rosto é o próprio “devir”. Com isso, a “rostidade”
não diz de um estado de coisas definido por uma “imagem-ação” do personagem. Antes
disso, provoca ativações de sentidos possíveis onde, por meio do rosto de Espírito, busca-
-se pistas para compreendê-lo quanto à perspectiva política. Neste caso, o político-afetivo
inscreve-se nas transformações de sentidos que o rosto produz, ou seja, não apenas pelas
ações e reações narrativas que representam o cotidiano do personagem. Com isso, a
noção de “rostidade” deve ser compreendida junto a Deleuze (1985) como um rosto, um
traço, um objeto, um possível como expressão que não se fecha no enquadramento em
primeiro plano. Ela o amplifica como qualidade potência que apresenta o novo imanente
a imagem, ou seja, abre a imagem que segue como afeto, potência que não se esgota.
Adotaram-se como instrumento de análise fílmica figuras formadas por conjuntos
de primeiros planos do personagem em vista da composição material das imagens como
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Implicações político-afetivas da relação imagem-narrativa na análise do personagem cinematográfico
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Implicações político-afetivas da relação imagem-narrativa na análise do personagem cinematográfico
A conexão entre Espírito e Adelaide sofre uma ruptura. Um novo elemento imagético
surge na duração desta sequência e desestabiliza o movimento produzido pelo samba que
conectava os corpos. Adelaide é atacada por um homem, que mais adiante a narrativa
identifica como o pai de seu filho, com uma navalha. A mulher não é ferida, já que os
demais integrantes do grupo tratam de conter o agressor.
Nota-se que, diferentemente da sequência 01 (Figura 1. Rosto de Espírito nos
trilhos), em que a possibilidade da morte do sambista pode ser vista como ativação de
memória, na sequência 02 (Figura 1. Fusão do rosto do personagem dos trilhos do trem
para o barracão da escola de samba), a ação violenta do homem com a navalha tenta
cooptar a multiplicidade dos corpos que estão conectados por intermédio do rosto de
Espírito (Figuras 1 e 2.). O personagem puxa outro samba: “dama de ouro, sumiste do
meu baralho, voltarei para o meu trabalho”4 (SANTOS, 1957), e o grupo mobiliza-se
novamente em função da música.
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Implicações político-afetivas da relação imagem-narrativa na análise do personagem cinematográfico
Após o segundo samba cantado, Espírito encontra-se com Maurício e lhe pergunta
sobre o que achou das composições. O produtor de rádio diz que ninguém gostou das
músicas. Há um primeiro contato de Espírito com outro polo de significações da cidade:
Maurício é “artista de rádio”5 (SANTOS, 1957), como foi anunciado por Seu Figueiredo
ao microfone. Esse personagem distingue-se visualmente dos outros que compõem a
sequência por sua pele branca, pelo terno que veste e pelo lugar que lhe é dado pela
comunidade dentro da situação do ensaio da escola de samba. Percebe-se que o produtor
detém o poder sobre os sambas que serão gravados em disco e cantados na rádio. Espírito
ouve a crítica de Maurício e não contra-argumenta, seu rosto se desfaz. Nesta parte da
sequência, Maurício é capaz de capturar o rosto de Espírito imobilizando as linhas de
expressão que instantes antes estavam ligadas à comunidade por meio do samba.
Espírito deseja que suas composições sejam reconhecidas. Sua comunidade já as
reconhece; contudo, o personagem quer que sua música seja multiplicada pela cidade
do Rio de Janeiro por meio da rádio para, então, não viver mais de biscates, e sim do
samba. Logo em seguida, Espírito será chamado por Moacir para sentar à mesa. Esse
personagem, assim como Mauricio, é oriundo do Rio de Janeiro, que produz sentidos
como o de grande cidade urbanizada com efervescência intelectual e artística.
Moacir apresenta-se como um compositor que não obteve sucesso com seus concertos
e sinfonias, de modo que trabalha como violinista numa orquestra de rádio. A sequência
desenvolve-se com Espírito sentado à mesa cantando mais um de seus sambas.
A montagem do filme nesse momento da sequência (Figura 3.), em relação ao
conjunto dos primeiros planos de Espírito, permite notar a conexão que o personagem
estabelece entre sua comunidade e as produções de sentidos que Maurício e Moacir
revelam em Rio, Zona Norte (1957). Ou seja, as significações que partem do lugar da
cidade em que esses dois personagens habitam e cruzam com a experiência vivida
por Espírito.
O rosto do sambista é ligado a Moacir e sua esposa e também a Maurício. Estes per-
sonagens compõem parte do quadro onde os olhares que interceptam Espírito aparecem
para transfigurá-lo do rosto que instantes antes cantava animado para a comunidade.
O rosto do personagem (Figura 3.) sofre oscilações entre a melancolia e alguma força
que tenta sair de um estado de predominância quase letárgica. Resulta que a expressão
do rosto do sambista parece enfraquecida, ou seja, desanimada.
A composição dos primeiros planos de Espírito (Figura 3.) acontece em relação
aos enquadramentos em primeiros planos e os pontos de vista de Maurício, Moacir e
a esposa, que representam a produção de sentidos da cidade burguesa, intelectual e
detentora do poder sobre as manifestações artísticas que serão amplificadas por meio
da rádio. Mas também há personagens como Seu Figueiredo, Gracinda, que é afilhada
de Espírito, e Adelaide. Percebe-se que o rosto de Espírito sofre variação de quando,
momentos antes, cantava para a comunidade. As conexões entre seu rosto e a dos demais
personagens formam um campo de disputa entre o povoamento e o despovoamento. Ou
seja, entre o rosto cujas linhas produzem sentidos a partir do personagem em sua
relação com a comunidade (Seu Figueiredo e a sobrinha acompanham a ação) e o rosto
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Implicações político-afetivas da relação imagem-narrativa na análise do personagem cinematográfico
que se forma pela estabilização das linhas numa expressão apática em interseção com
os olhares de Maurício, Moacir e sua esposa.
A personagem Adelaide, que momentos antes dançava o samba de Espírito e era
atacada com uma navalha, acompanha os olhares do grupo estrangeiro à comunidade.
Nota-se que, em relação ao rosto de Espírito, há transversalidades do olhar de Adelaide
conectando-o a Maurício e Moacir de modo a reforçar a tentativa de cooptar a expressão
de vida que Espírito mostrava na figura 2. As feições melancólicas do personagem
não resultam simplesmente da dor de amor que o samba cantado por ele expressa. A
melancolia do rosto de Espírito revela a tentativa de captura do seu desejo musical pelos
olhares de Moacir, sua esposa, Maurício e Adelaide.
Desse modo, os olhares da morena Adelaide, que instantes antes mobilizam a
expressão do rosto de Espírito, conectando-os à comunidade por meio da dança e do
samba, assumem outra direção. A montagem compõe os primeiros planos de Espírito
entre os primeiros planos de Adelaide e seu olhar para o grupo estrangeiro à comunidade,
que, por sua vez, também observa Espírito. Em vista da mudança sofrida pelo rosto do
sambista, entre a figura 2 e a figura 3, uma nova pista forma-se para compreender as
relações afetivas do personagem. Ou seja, percebe-se a elaboração do rosto despovoado
(figura 3) como variação do rosto povoado (figura 2), transformação esta que produz
significações pela conexão do rosto de Espírito a Adelaide, Maurício, Moacir e sua esposa.
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Implicações político-afetivas da relação imagem-narrativa na análise do personagem cinematográfico
na qual Espírito morará na parte de baixo, dividindo espaço com uma mercearia. O
estabelecimento permitirá que Espírito tenha um trabalho fixo e, assim, retome a guarda
do filho, Norival, que vive no Patronato. Espírito é viúvo, e a mãe de Norival morreu
no parto do filho único.
No amanhecer do dia seguinte, Adelaide aparece junto com seu bebê no cômodo
em que Espírito mora, que é conjugado à casa do compadre Honório e de Gracinda. A
mulher une-se a Espírito após o rompimento com o companheiro que tentara atacá-la na
escola de samba na noite anterior. Nota-se que, como foi apontado por meio do rosto de
Espírito na figura 3, Adelaide aproxima-se do compositor na medida em que percebeu
os interesses de Moacir e Maurício pelo sambista.
6. A imagem do orixá Ogum sincretizada pela religião afro-brasileira Umbanda por meio da representação
Católica de São Jorge é recorrente na cinematografia de Nelson Pereira dos Santos. Podem-se citar como
exemplos os filmes Boca de Ouro (1962) e O amuleto de Ogum (1974). As significações que Ogum produz
junto a essa religião afro-brasileira o remetem aos impulsos de vida; desse modo, ele é reconhecido por
seus devotos como o senhor das vontades. Na mitologia dos orixás, existe Oxalá, que, na Umbanda, é
representado pela imagem de Jesus Cristo associando-se à ideia de criação. Nesse sentido, como senhor
da vontade, na hierarquia religiosa, Ogum é a vontade do criador.
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Implicações político-afetivas da relação imagem-narrativa na análise do personagem cinematográfico
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise reflete o político-afetivo por meio das transfigurações nas linhas do rosto
do personagem. Esses movimentos de sua face são vínculos imagéticos entre os sentidos
narrativos e a materialidade que compõe a representação de Espírito. Desse modo, a
análise percebe que as resistências são ativadas numa inter-relação com as questões
socioafetivas. Isso implica num envolvimento da narrativa com as imagens, que são
consideradas numa perspectiva sensível dos afetos. Assim, a resposta à questão de como
o personagem resiste em suas formas de não condicionamento político-social encontra-
se em seu rosto e nos elementos visuais a eles conectados numa relação inalienável com
sua história de vida narrada no filme.
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Implicações político-afetivas da relação imagem-narrativa na análise do personagem cinematográfico
REFERÊNCIAS
Badiou, A. (2004). El cine como experimentación filosófica. Pensar el Cine 1: imagen,
ética y filosofia. Gerardo Yoel (Ed.) . Buenos Aires: Manantial.
Deleuze, G. (1985). A imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense.
Kracauer, S. (2001). Teoría del Cine. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica.
Rancière, J. (2009). A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34.
Rancière, J. (2012). O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto.
Santos, N. (Diretor), (1957). Manchete Vídeo [VHS]. Brasil.
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Do Jogo de Cena a Cópia Fiel:
as potências do falso no cinema de Eduardo
Coutinho e Abbas Kiarostami
J e s s i c a G o n ç a lv e s de Andrade1
Abstract: How to cinema in a world where the media determine the accounts
that we believe restricting the real visible, where most films dissociated from life
everyday? Faced with this question is that this article is to reflect contemporary
cinema and from the Deleuzian concept Powers of the False. We present two
films that bring some clues that the contemporary cinema can still be connected
to the daily lives of ordinary people: Jogo de cena (2007) Brazilian filmmaker
Eduardo Coutinho and Copie Conforme (2010) of the Iranian Abbas Kiarostami.
We will analyze the films mentioned in two steps: first we will film decompo-
sition, describing them, then we will establish the relationships between these
False decomposed elements and the concept of power Deleuze (2005). The (in)
findings lead us beyond the trap of spending playing puzzles trying to figure
out who is who in an illusory reading of would-be each work. We seek an
inventive power where the notion of true and false was ruined leading thought
their ability to innovate and invent. The fake was, and is, the artistic power that
gives the eternal return the fabulation function of thinking.
Keywords: Powers of the False, Jogo de Cena, Copie Conforme, Fabulation, Think
1. Doutoranda em Difusão do Conhecimento na Universidade Federal da Bahia (UFBA); Mestre em Educação
pela Universidade Tiradentes (Unit); Pedagoga licenciada pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).
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Do Jogo de Cena a Cópia Fiel: as potências do falso no cinema de Eduardo Coutinho e Abbas Kiarostami
INTRODUÇÃO
E M O céu de Lisboa (1994) Wim Wenders deixa escapar em uma das falas do filme
um simbólico dilema que a produção cinematográfica vive na contemporaneidade
“Antes as imagens contavam histórias, mostravam coisas. Agora elas sequer sabem mais
como mostrar as coisas. Simplesmente esqueceram. As imagens estão vendendo o mundo e com
um grande desconto”. Tal afirmação nos faz pensar em algumas interrogações: como
podemos fazer cinema em um mundo onde os meios de comunicação determinam os
relatos que devemos acreditar restringindo o real ao visível? Como fazer cinema em
um mundo onde a maioria dos filmes se dissociou da vida cotidiana?
A produção cinematográfica é detentora de uma linguagem específica em que o som,
o movimento e as imagens são trabalhados para organizar uma mensagem intencional.
A linguagem é definida por sua relação com as imagens. Entendemos que o exercício do
‘ver’ é o elemento principal desta linguagem, a qual se organiza em torno das imagens
e da possibilidade de “ver” ou “ler” o filme. Entendemos que quando falamos de um
filme, falamos daquilo que nele nos movimenta enquanto dura sua exibição, e para nós,
esta duração ultrapassa o tempo cronológico de cada filme. Alguns passam sem deixar
nada, outros perduram muito tempo e existem aqueles que nunca terminam. Em nosso
interior, cada filme vai fazendo seus percursos, encontrando-se com outros filmes, com
textos e com situações da vida.
Diante de tais inquietudes, podemos pensar em dois filmes que trazem algumas
pistas de que o cinema contemporâneo ainda pode ser ligado ao cotidiano das pessoas
comuns. O cineasta brasileiro Eduardo Coutinho em 2006 lança o documentário Jogo de
cena, o qual se tornou um marco não apenas em sua carreira de documentarista, mas
também na forma de se produzir documentários. Neste filme, Coutinho aborda uma
questão crucial discutida no meio de produção cinematográfica: quais os condutores
imperceptíveis que separam os gêneros cinematográficos, documentário e ficção?
Na primeira cena do filme vemos um anuncio de jornal que oferece não um produto
ou serviço, mas um espaço de compartilhamento de histórias o qual convida mulheres
do Rio de Janeiro a contar suas histórias. Em meio a um teatro vazio, Coutinho se propõe
a ouvir algumas das histórias contadas por aquelas mulheres. É neste momento que as
histórias que seriam de mulheres reais começam a ser encenadas por atrizes, a partir dai
não sabemos se quem conta a história foi quem viveu a situação descrita, ou se ela esta
sendo encenada. De quem é essa história? O que é representação? O que é encenação?
Quem é real e quem é ficção? Tudo é mentira ou tudo é verdade?
Em 2010 o cineasta iraniano Abbas Kiarostami lançou o filme Cópia Fiel. Diferente-
mente dos seus outros filmes, que privilegia a atuação de pessoas pouco ou nada
conhecidas, para Cópia Fiel, a opção do diretor incide na renomada atriz francesa Juliette
Binoche e o conhecido barítono inglês William Shimell. O filme se passa em Toscana
na Itália e conta a história de James Miller (William Shimell), um escritor que defende
a tese de que a qualidade de uma obra de arte depende do contexto e está nos olhos
de quem a vê, então uma falsificação pode ter a mesma validade do original.
Logo na primeira cena do filme, o escritor aparece dando uma palestra sobre o seu
mais novo livro que leva o mesmo título do filme. Ele defende a tese que a cópia tem um
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Do Jogo de Cena a Cópia Fiel: as potências do falso no cinema de Eduardo Coutinho e Abbas Kiarostami
valor próprio e propõe em suas próprias palavras “um paralelo entre a reprodução na
arte e a reprodução na raça humana”. Enquanto vemos James discursar que o original
nada mais é do que uma reprodução de alguma coisa que é externo a ele, avistamos
na platéia Elle (Juliette Binoche), dona de uma loja de artigos antigos que se interessa
pelo tema abordado pelo escritor. James Miller precisa voltar para a Inglaterra, mas
antes aceita o convite de Elle que na companhia do seu filho, o leva para passear pelas
ruazinhas da comuna de Lucignano. Passando por um café, os dois são confundidos
como marido e mulher, e por brincadeira passam a encenar esses papéis.
Compreendemos que, tanto Coutinho quanto Kiarostami põem em suspeita o
conceito de arte como portadora de uma aura e de autenticidade. No entanto, o que
nos interesse aqui é compreender como estes dois filmes podem proporcionar um
cinema das potências do falso (DELEUZE, 2005). Refletimos que, é possível pensar em
um paralelo entre ambos os filmes os quais se assumem como reproduções aceitando
a impossibilidade de correlação com o que realmente vem a ser uma obra original,
uma obra da vida.
Para além da armadilha de ficar interpretando enigmas como detetives tentando
descobrir quem é quem nesse jogo de erros e acertos em uma leitura superficial do que
pretende ser cada obra, pretende-se aqui ir muito além de uma busca pela verdade e
mentira do cinema. Tentaremos inventar pensamentos onde a noção de original e cópia
seja arruinada, de modo a aprender, mas nunca saber, conduzindo o pensamento a
sua extraordinária capacidade de inovar de inventar, impedindo que este se restrinja a
opiniões, boatos ou reproduções. Aqui o falso vem a ser a potência artística que dá ao
eterno retorno a função fabuladora de se pensar.
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Do Jogo de Cena a Cópia Fiel: as potências do falso no cinema de Eduardo Coutinho e Abbas Kiarostami
Em Toscana, Itália vemos um auditório ruídos com vozes de pessoas ansiosas para
o início de uma conferência, ao fundo a câmera imóvel apresenta um balcão com dois
microfones, uma garrafa de água e um livro, que tem o mesmo nome do filme. Assim
como os ouvintes que estão ali a esperar o conferencista, o espectador também espera
alguns minutos por ele. James Miller (William Shimell) é o homem que chega atrasado
ocupa o lugar central do auditório para discursar sobre seu novo livro. Segundo sua
tese, a qualidade de uma obra de arte depende do contexto e está nos olhos de quem
a vê, então uma falsificação pode ter a mesma validade do original. A arte (escultura,
pintura, fotografia, cinema) que tanto se admira como portadora de uma aura2, está
compreensível a todos, bastando apenas um olhar de sensibilidade.
Em outras palavras, uma vez que tudo se configura mediante o olhar que qualquer
sujeito lhe conduz, não é aceitável pensar que somente uma peça de museu seja obra
de arte por ser esta a “verdadeira”. Para Miller, a arte existe pelo olhar que se dirige
a ela, é uma relação, mantida pelo movimento, por fissuras, fugas e escapamentos e
não por uma essência inatingível que ela portaria e que a alocaria em um lugar nunca
compreensível. Diante de sua conferência o escritor acaba por travar uma discussão com
uma leitora entusiasmada do seu trabalho, Elle (Juliette Binoche), que é dona de loja
de reprodução de obras de arte antigas no mesmo local. O fato de partilharem vários
interesses em comum dá ensejo a um pequeno passeio de carro pela bucólica Toscana,
quando a dona de um café os confunde com um casal, a partir dai ambos passam a
comportar-se efetivamente enquanto tal, já não como duas pessoas que acabaram de
se conhecer, mas enquanto marido e mulher, casados há sensivelmente quinze anos.
Neste momento, a obra de Kiarostami se desenrola de maneira peculiar, em um
jogo labiríntico onde espectador ocupa um lugar central. Em primeiro momento, James
e Elle parecem ser meros desconhecidos que após a palestra se conhecem, em segundo
momento, ambos se assumem ser um casal imerso em uma crise conjugal, e durante toda
a trama ficamos sem saber se eles realmente são um casal ou não. O filme desdobra-se
2. Para Walter Benjamin a Aura está relacionada à autenticidade de uma obra. Tal fator cria uma sucessão
de valores sobre a obra. A medida que se põe em prática o processo de reprodução desta obra, sua aura se
enfraquece (BENJAMIN, 2012).
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Do Jogo de Cena a Cópia Fiel: as potências do falso no cinema de Eduardo Coutinho e Abbas Kiarostami
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Do Jogo de Cena a Cópia Fiel: as potências do falso no cinema de Eduardo Coutinho e Abbas Kiarostami
dia marcado, na ocasião da filmagem. Dentre os seus filmes mais aclamados poremos
citar: Boca de Lixo, Santo Forte, Edifício Master, Peões e mais especificamente aqui analisado
Jogo de cena.
Jogo de Cena inicia com a foto de um anúncio de jornal, que convida mulheres maiores
de 18 anos, residentes do Rio de Janeiro, a participar de um teste para contar histórias.
Compareceram 83 mulheres as quais narraram suas histórias, experiências pessoais, mas
apenas e 23 foram selecionadas para o documentário. Os depoimentos foram gravados
separadamente no Teatro Glauce Rocha, em uma produção onde estão presentes apenas
a pequena equipe, o diretor e a mulher que contará a história da vez. Dessas mulheres
algumas eram atrizes reconhecidas nacionalmente: Marília Pêra, Andrea Beltrão, e
Fernanda Torres, outras eram mulheres não conhecidas, mas que também encenam.
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Do Jogo de Cena a Cópia Fiel: as potências do falso no cinema de Eduardo Coutinho e Abbas Kiarostami
Para Coutinho “a filmagem é um acontecimento único: não houve antes, nem há depois”.
Ele diz ainda “eu odeio que as coisas aconteçam no mundo sem uma câmera. (...) Porque o
que não é filmado está perdido, né? Porque não pode repetir, manja? Você pode repetir o
gesto, a fala não” (SCARELI, 2012. p. 56).
Para além de tentar definir se Jogo de Cena está no gênero documentário, ou ficção, nos
interessa aqui perceber a fragilidade da concepção do que é falso e do que é verdadeiro.
E o filme realiza isso utilizando uma composição categoricamente minimalista, sem
personagens com grandes apresentações, sem grandes movimentos de câmera, e sem
um roteiro com muitas manobras. Mas, a configuração de ordenamento e montagem
dessas histórias é suficiente para questionarmos a objetividade do gênero documentário
e o conceito de verdade.
Percebemos então que Jogo de Cena expõe claramente que a única realidade
documental que existe é a realidade do filme, arquitetada pelo filme, conseqüência
do encontro do diretor e sua forma de narrar, expor ou montar as experiências das
entrevistadas, sejam elas propriamente vivenciadas ou somente apropriadas pelas atrizes.
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Do Jogo de Cena a Cópia Fiel: as potências do falso no cinema de Eduardo Coutinho e Abbas Kiarostami
Por sua vez, a imagem “cristalina” se refere a descrição que vale por seu objeto, que o
substitui, cria-o e apaga-o ao mesmo tempo e sempre está dando lugar a outras descrições
que contradizem, deslocam ou modificam as precedentes. A imagem cristalina constitui
seu próprio objeto, remetem a situações puramente óticas e sonoras desligadas de seu
prolongamento motor. (DELEUZE, 2005, 155-156). As descrições cristalinas remete-nos
a situações puramente óticas e sonoras.
Segundo Deleuze (2005), o regime orgânico abrange o irreal, a lembrança e o sonho,
mas por oposição, delimitando sempre o que é o real e o que é imaginário, bem diferente
do regime cristalino, onde o real e o imaginário, o atual e o virtual são indiscerníveis.
A narração orgânica consiste no desenvolvimento dos esquemas sensório-motores
segundo os quais as personagens reagem a situações, ou agem de modo a desvendar a
situação, é uma “narração verídica, no sentido em que aspira o verdadeiro ate mesmo
na ficção” (DELEUZE, 2005, p. 157). Neste tipo de narração, é considerado como um
meio no qual as tensões se resolvem conforme um princípio de economia, segundo leis
distintas entre os extremos de mínimo e máximo: os caminhos mais simples, o desvio
mais adequado, a palavra mais eficaz, o máximo de efeito. Aqui o tempo depende da
ação, do movimento.
Enquanto que a narração cristalina, implica um aniquilamento dos esquemas sen-
sório-motores dando lugar às situações óticas e sonoras puras nas quais os personagens
já não podem ou querem reagir, pois precisam enxergar o que há na situação. Neste
sentido, as irregularidades dos movimentos se tornam o essencial, ao invés de serem
acidentais ou eventuais. “Tendo perdido suas conexões sensório-motoras, o espaço
concreto deixa de se organizar conforme tensões e resoluções de tensão, conforme
objetivos, obstáculos, meios e até mesmo desvios [...] É aí que uma narração cristalina
vem prolongar as descrições cristalinas, suas repetições e variações, através de uma
crise da ação” (DELEUZE, 2005, p. 158).
Não temos mais uma imagem indireta do tempo que resulta do movimento, mas uma ima-
gem-tempo direta da qual resulta o movimento. Não temos mais um tempo cronológico que
pode ser perturbado por movimentos eventualmente anormais, temos um tempo crônico,
não-cronológico, que produz movimentos necessariamente “anormais” e essencialmente
“falsos” (DELEUZE, 2005. p. 159).
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Do Jogo de Cena a Cópia Fiel: as potências do falso no cinema de Eduardo Coutinho e Abbas Kiarostami
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Do Jogo de Cena a Cópia Fiel: as potências do falso no cinema de Eduardo Coutinho e Abbas Kiarostami
(IN)CONCLUSÕES PO-TENTES
Diante de tais pontuações, vale ressaltar que não estamos tentando aqui interpretar
os enigmas dos filme Cópia Fiel e Jogo de Cena a fim de descobrir quem é quem em uma
leitura ilusória do que pretende ser cada obra. Ao contrário, buscamos aqui uma potência
inventiva onde a noção de falso e verdadeiro é arruinada conduzindo o pensamento a
sua capacidade de inovar e inventar. Aqui o falso é considerado à potência artística que
dá ao duradouro retorno a função fabuladora do pensar.
Propomos que o cinema contemporâneo tente descobrir ainda mais esse regime
de imagem cristal, a imagem tempo direta, a qual atua com descrições óticas e sonoras
puras, narrações falsificantes, puramente crônicas. De modo que ao mesmo tempo em
que a descrição deixa de pressupor a realidade, a narração também deixa de remeter o
verdadeiro. Deleuze (2005) pensa em um cinema para além da vontade de verdade,
que assim como a filosofia, pode inventar novos conceitos e pensamentos, e é
nesse ponto que os filmes Jogo de Cena e Cópia Fiel aparecem como mediador da
potência do falso, produzindo de novas imagens do pensamento ou de pensa-
mentos sem imagem.
REFERÊNCIAS
BERNARDET, Jean-Claude. Caminhos de Kiarostami. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004.
BENJAMIN, W. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. 1 edição. Porto Alegre:
Zouk, 2012.
DELEUZE, Gilles. Cinema II – A imagem-tempo. São Paulo-SP: Brasiliense, 2005.
KIAROSTAMI, Abbas. Abbas Kiarostami: duas ou três coisas que sei sobre mim. São Paulo:
Cosac Naify, 2004.
OHATA, Milton (Org). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
SCARELI, G. Santo Forte: cinema e educação na obra de Eduardo Coutinho. São Cristóvão:
Editora UFS, 2012. 186 p.
JOGO DE CENA (2007). Direção de Eduardo Coutinho.
CÓPIA FIEL (2010). Direção de Abbas Kiarostami.
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Luz, Câmera e Encenação: aproximações entre o cinema
de Michael Haneke e o teatro de Bertold Brecht
Light, Camera and Staging: approaches between Michael
Haneke cinema and the theatre of Bertolt Brecht
L í v i a M a r i a M a rqu e s Sa m pa io 1
INTRODUÇÃO
1. Mestranda em Comunicação e Culturas Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia – UFBA.
E-mail lmmsampaio@hotmail.com
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Luz, Câmera e Encenação: aproximações entre o cinema de Michael Haneke e o teatro de Bertold Brecht
2. “A expressão ‘ teatro épico ‘ justifica-se por duas razões. A primeira, mais exterior, é que ela estava em
moda, representava uma novidade introduzida por Piscator e que começava a contagiar Brecht. E a outra
está precisamente no fato de que Brecht toma consciência cada vez mais clara dos recursos necessários
para que se codificasse aquilo que logo mais seria assumido por ele como definidor do teatro épico ”.
(Bornheim 1992, p. 69).
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Luz, Câmera e Encenação: aproximações entre o cinema de Michael Haneke e o teatro de Bertold Brecht
“ trata-se da verdadeira coluna dorsal de tudo o que se faz em cena, ele é o grande meio
técnico do qual vai depender a própria essência do caráter épico do teatro”. (1992, p. 251)
Para isso, Brecht criou um método baseado na exibição do dispositivo que, ao revelar
os procedimentos técnicos, poderia suprimir a ilusão do espetáculo, provocando no
espectador um olhar consciente e realista sobre os fatos.
Brecht atribuiu ao ator um papel crucial para cumprir basicamente duas funções:
representar os problemas sociais e causar uma atitude crítica no espectador. Ele procurava
fazer o público entender as questões sociais como algo humano, e por isso, a mediação
entre o texto e a representação deveria estar centralizada no ator, o que não significava
esquecer os demais recursos (no caso do teatro são principalmente o palco, a iluminação
e os sons), ao contrário: todos os elementos necessitam, sempre, de controle, pois tudo o
que é posto em cena deve atuar obrigatoriamente. Nada deve estar no palco que possa
desviar a atenção sobre o fato encenado. O artista tem que criar um universo diegético
totalmente em conexão com o sentido ideológico da obra.
Segundo Brecht
As premissas para a utilização do efeito distanciamento com o fim citado são que se limpe
o cenário e a zona do público de todo elemento “mágico” e que não se formem “campos
hipnóticos” […] há que neutralizar com determinados meios técnicos a tendência do público
em embarcar-se em uma de essas ilusões (Brecht, 2004, p.131). 3Aspas do autor
3. Tradução livre de “Las premisas para la utilización del efecto distanciador con el fin citado son que se
limpie el escenario y la zona del publico de todo elemento «magico» y que no se formen «Campos hipn6ticos».
[...] hay que neutralizar con determinados medios técnicos la tendencia del publico a embarca rse en una
de esas ilusiones (Brecht, 2004, p. 131).
4. Tardução livre de “Un suspiro, un silencio, una palabra, una frase, un estrepito, una mano, tu modelo
entero, su cara, quieto, en movimiento, de perfil, de frente, una vista inmensa, un espacio restringido. Cada
cosa exactamente en su lugar: tus únicos recursos. ( Bresson, 1979, p. 32)
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Luz, Câmera e Encenação: aproximações entre o cinema de Michael Haneke e o teatro de Bertold Brecht
É dentro desta lógica que está outro conceito de Brecht : parquedad, palavra que quer
dizer parcimônia, o que significa que o esvaziamento, a austeridade, são necessários e
não devem ser entendidos como uma instância pobre, inclusive porque o excesso pode
significar uma carência artística.
Na realidade, o excesso de objetos não é mais do que uma falta de espaço. Muitas vezes,
as casas mais pobres são mais ricas em objetos. Uma impressão de parquedad também
se deve à construção cênica do ilusionista que não se contenta em sugerir características,
trabalhar com abstrações, deixando a cargo do espectador a tarefa de concretizar. Se opõe
a paralização e atrofia a fantasia.5 (Brecht, 2004, p. 203)
Assim, tanto o movimento dos atores quando tudo o que é posto em cena deve
obedecer a um critério essencial: necessidade. Se não é necessário para representar
a trama, não deve existir. É a quebra da quarta parede, entretanto, que descortina –
literalmente – a relação palco/plateia. Um jogo de cena que arrasta e surpreende o
espectador.
Consta que a teoria da quarta parede foi proposta pelo teatro italiano, em meados do
século XIX. Na arquitetura desse teatro – ainda hoje predominante nos espaços cênicos
–, a visão do público deve ser frontal e distante do palco, em um formato quadrangular,
tendo, portanto, três paredes. A quarta parede seria imaginária, fazendo “com que o ator
seja como a pintura: observado por duas dimensões como o que nos permite a moldura
do quadro” (ROUBINE, 1998, p. 82). Nas palavras de Ismail Xavier
No século XVIII, o teatro assumiu com mais rigor a “quarta parede” e fez a mise-en-scène
se produzir como uma forma de tableau que, tal como uma tela composta com cuidado pelo
pintor, define um espaço contido em si mesmo, sugere um mundo autônomo de representa-
ção, totalmente separado da plateia. Como queria Diderot, a “quarta parede” significa uma
cena autobastante, absorvida em si mesma, contida em seu próprio mundo, ignorando o
olhar externo a ela dirigido, evitando qualquer sinal de interesse pelo espectador, pois os
atores estão “em outro mundo”. (Xavier, 2003, p. 17).
5. Tradução livre de “En realidad, el exceso de objetos no es mas que una falta de espacio. A menudo las vivien-
das pobres son las mas ricas en objetos. Una impresión de parquedad también se debe a que la construcción
escenica no ilusionista se contenta con sugerir características, trabaja con abstracciones, dejando a cargo del
espectador el trabajo de concretar. Se opone a la paralización y a la atrofia de la fantasia”. (Brecht, 2004, p 203)
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Luz, Câmera e Encenação: aproximações entre o cinema de Michael Haneke e o teatro de Bertold Brecht
O som também é utilizado com a mesma função: ele não enfatiza ações, e sim, pontua
quebras de cenas e/ou é colocado em substituição a algumas falas, por exemplo. A
orquestra, quando existe, está à vista, no palco.
De fato, no ilusionismo do século XVIII, o teatro buscava fazer o público entrar ao
máximo na história, se esquecendo de que estava assistindo a uma encenação. A quebra
da quarta parede, em suma, propõe “cuidar para que não surjam campos hipnóticos’
que magnetizem o espectador” (BORNHEIM 1992, p.258). É bom lembrar que a quebra
da quarta parede já era usada na comédia antiga, como, por exemplo, em prólogos e
epílogos nas comédias de Plauto e Terêncio, mas o propósito de Brecht era romper o
ilusionismo conscientizando o espectador sobre a realidade social.
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Luz, Câmera e Encenação: aproximações entre o cinema de Michael Haneke e o teatro de Bertold Brecht
costuma ter como decoração prateleiras com muitos livros ou paredes cheias de quadros,
ou seja, os ornamentos remetem à cultura dos personagens. Percebe-se, por exemplo,
que o garoto Benny, de Benny´s Video (1992), pertence a uma família rica, e não só pelas
obras de arte que estão nas enormes paredes da sala, como também no próprio aparato
tecnológico de Benny que, em 1992, só era acessível às pessoas que poderiam pagar uma
alta quantia por aquilo, mas o apartamento não é ostensivo. O mesmo ocorre com a casa
de férias dos Schober´s em Funny Games (1997) e Funny Games U.S (2007), e com o casal
em Amor (2012). Certamente um cenário luxuoso, com móveis vistosos, tapetes e lustres
chamativos, poderia ofuscar as ações dos personagens. Os cenários, austeros, estão
dentro do conceito de parquedad. Em um universo de 11 filmes, somente três destes – 71
Fragmentos – Uma Cronologia do Acaso (1994); O Tempo do Lobo (2003) e A Fita Branca (2009)
6
– possuem uma quantidade razoável de cenas externas, e nestes, o cenário – tanto nas
tomadas internas quanto nas externas – também é enxuto.
Da mesma forma, os atores, como componentes essenciais do distanciamento, só
aparecem em cena para mostrar algo ao público. Haneke trabalha com poucos perso-
nagens que normalmente estão centrados em um núcleo familiar composto de pai, mãe
e um filho/a. 71 Fragmentos – uma Cronologia do Acaso e A Fita Branca são exceções, pois
possuem diversos núcleos, e, consequentemente, um maior número de personagens,
mas todos eles têm uma função importante no enredo, inclusive é difícil identificar
“personagens secundários”, uma vez que quase todos protagonizam cenas.
Distribuição minimalista de objetos e pessoas dentro do quadro, silêncios
significantes, quadros vazios, entre outros aspectos, mostram que Haneke usa a
teatralidade de forma muito similar ao Teatro Épico, inclusive como contraponto ao
cinema espetacular. Em seus filmes é o plano fixo que predomina, e o movimento de
câmera é reduzido ao máximo para manter a concentração do espectador, com exceção
de casos isolados necessários para acompanhar determinadas cenas. A combinação do
plano fixo, com movimentos de câmara contidos e vários closes em partes dos corpos e em
objetos, produz um efeito semelhante a um olhar que percorre um cenário lentamente,
fixando esse olhar, às vezes, em algum objeto ou pessoa. O próprio autor diz que prefere
filmar planos longos porque os atores, principalmente os de teatro, desenvolvem com
mais fluência suas emoções quando não há cortes nem interrupções. Faz a ressalva
de que no caso de cenas externas e/ou com muitos coadjuvantes fica difícil manter a
qualidade de um plano longo, com seis, sete minutos, por exemplo, pois ao trabalhar
com muitas pessoas, especialmente não se tratando de atores profissionais, é difícil
não haver dispersão (MONTMAYEUR, 2013). Trabalhando com esses planos de longa
duração, a composição dos quadros é meticulosa. É como se o quadro fosse um palco
de teatro onde atores e objetos ganham movimento.
A quebra da quarta parede é usada em apenas três de seus onze filmes, mas de
forma marcante: em Código Desconhecido7 e nas duas versões de Funny Games. No pri-
meiro, em uma cena emblemática, Anne, uma atriz, interpretada por Juliette Binoche
está ensaiando a cena de um filme, quando a câmera se aproxima e uma voz ( não se
vê o dono da voz) diz que ela caiu em uma armadilha, que ela não sairá mais dali e que
6. Títulos em inglês: 71 Fragments of a Chronology of Chance, Time of the Wolf e The White Ribbon respectivamente.
7. Título em Inglês : Code Unknown.
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Luz, Câmera e Encenação: aproximações entre o cinema de Michael Haneke e o teatro de Bertold Brecht
ele – a voz é masculina – ficará lá, assistindo a morte dela. A atriz se desespera, pergunta
o que ele quer, ao que ele responde “quero sua verdadeira face”, mas o espectador não
sabe se é a voz do próprio Haneke brincando com Binoche ou a voz de um personagem
( que pode interpretado por Haneke ) brincando com a personagem Anne. Passados
alguns momentos da cena, pelo desespero dela, percebe-se que não é possível que seja
uma cena totalmente improvisada, mas ao colocar em dúvida se a pessoa que fala está
dirigindo à personagem, ou a atriz, e, mais, se quem fala é o próprio Haneke ou não,
desestabiliza a certeza do universo ficcional. Mais tarde, em um palco no teatro, Binoche/
Anne anda de um lado para o outro, rindo histericamente e falando com uma pessoa
que pode ser ou não o diretor (novamente só se ouve a voz masculina. Não é mostrado
o contracampo). Em outra cena, Anne/Binoche e o ator que trabalha com ela no filme
estão dentro do estúdio, colocando as falas de uma cena que eles participaram e um
homem – o diretor – chama a atenção dos dois. Novamente ela ri. Novamente não se
sabe se quem riu foi Anne ou Binoche, nem o rosto do diretor.
Funny Games8, por sua vez, é um filme que quebra a quarta parede de diversas for-
mas. Neste, são basicamente quatro tipos de ações que “chamam o espectador à razão”,
alertando-o, lembrando-o de que ele está assistindo a um filme. A primeira, sutil, é na
abertura, quando a família se encontra dentro do carro ouvindo música clássica e o
espectador vê, no primeiro plano, outra cena: a dos créditos em letras vermelhas que
surgem na tela ao som de outra música: os gritos caóticos de Bonehead, música do com-
positor e saxofonista John Zorn. Minutos depois, Paul (um dos torturadores) olha para
a câmera pela primeira vez, ou seja, para o público (ele olha quatro vezes ao longo do
filme). Outro tipo de comunicação com o espectador ocorre através de diálogos travados
entre eles, mas que remetem a questões que não são parte da ficção como, por exem-
plo, quando Anna, que está sendo torturada, pergunta a Peter (o outro torturador) por
que eles não nos os matam logo, e ele responde “não se esqueça do valor da diversão.
Não devemos nos privar do nosso prazer”, ou quando Paul tira a mordaça que impede
Anna de gritar e comenta que vai fazer isso porque “Os mudos não sofrem de maneira
espetacular. Temos que mostrar ao público. Perder a vida às vezes pode ser uma grande
festa”, ou ainda quando, novamente questionados porque não acabam logo com aquilo,
Paul diz “Ainda não cumprimos o tempo do longa-metragem” (HANEKE,1997; 2007).
Por fim, a ruptura total da ficção: quando Paul rebobina a cena na qual Anna mata
Peter. A famosa cena do controle remoto em Funny Games fez história. Quase ao final
do filme, em um descuido dos sequestradores, Anna pega a arma e atira em Peter. Em
entrevista a Toubiana (2005), Haneke contou que na exibição no Festival de Cannes, a
plateia aplaudiu em pé este momento, porque, finalmente, após quase duas horas de
tortura, o jogo virou. Um bandido foi morto. Infere-se que o segundo também será.
Anna e Georg vão sobreviver, e com um deleite de vingança: Anna mata Peter! Pronto!
Um final que caminha para um happy end. Porém, o controle remoto que estava na sala
cumprindo sua função cotidiana de mudar o canal da televisão é procurado por um
Paul em desespero que brada “cadê, cadê o controle?”. Quando o encontra no sofá, Paul
8. Como são duas versões praticamente idênticas, a referência a Funny Games, aqui, é em relação a ambos:
tanto à versão de 1997 quanto à versão de 2007.
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Luz, Câmera e Encenação: aproximações entre o cinema de Michael Haneke e o teatro de Bertold Brecht
rebobina a cena, voltando ao mesmo ponto onde estavam os personagens. A arma que
Anna tenta pegar é tomada por um Paul irônico, certo de que o jogo não vai mudar,
como de fato não mudará, e a felicidade do público é frustrada impiedosamente. Eles não
falam com o espectador, não olham para a câmera, mas mostram que o que ali ocorre é
tão ficcional que pode ser alterado por eles, personagens de um filme de ficção. E mos-
tram, com isso, a impotência do espectador que não tem um controle remoto que possa
modificar alguma cena. Quem está no controle é o diretor, e não o público. Este pode
sair da sala do cinema, desligar o aparelho de DVD, fechar os olhos, tapar os ouvidos,
mas a história está lá, pronta, com começo, meio e fim, e nada vai modificá-la, o que
torna muito angustiante, neste filme, o contato do personagem com o espectador: além
de não poder responder, quando questionado, o público não pode interferir na história.
A situação do público é claustrofóbica: Paul pode perguntar, mas se alguém responder,
não será ouvido. Paul pode rebobinar e alterar uma cena, mas o espectador, mesmo que
tenha um controle remoto em mãos, e rebobine cenas, não poderá modificá-las.
O som é outro elemento caro à obra de Haneke. Usado com extrema cautela, todos
os elementos sonoros dos seus filmes acompanham as ações, que às vezes servem para
contrapor a imagem e em outras para reforçá-la. Ele não faz uso do som para preencher
vazios na trama. Ao tratar do uso do som em O Sétimo Continente 9, Hernández chamou
o realizador de “gourmet do som” (HERNÁNDEZ, 2009, p. 28). Por som, entende-se a
música, os ruídos e os efeitos sonoros. Segundo Aumont e Marie:
O som que um filme oferece raramente intervém sozinho. Ele supõe um agenciamento entre
vários eixos: ruídos, falas e, às vezes, música. Procede de uma certa arte da composição
sonora. Além disso, o som fílmico é acompanhado de uma percepção visual, até mesmo
nos casos-limite em que a tela fica escura. A percepção fílmica é, portanto, áudio (verbo)
visual e faz intervir numerosas combinações entre sons e imagens: redundância, contraste,
sincronismo ou dessincronismo ou dessincronização etc. (Aumont, Marie, 2010, p. 276).
A função do som de pontuar uma cena no cinema é enfatizada por Chion (2008).
Remetendo à encenação no teatro, este autor retoma o significado de “pontuar cenas”,
seja através de pausas, respiração, gestos e outras expressões, ou através das múltiplas
pontuações no cinema mudo: gestuais, visuais, inclusive dos cartões que serviam no
cinema mudo como elemento de pontuação. Nas obras de Haneke, existem sons que se
repetem, como o barulho do motor do carro, ruídos mecânicos e de aparatos tecnológicos,
sendo mais frequentes o som do rádio e da televisão. Estes sons acompanham as cenas,
o movimento dos personagens, pontuam momentos da trama, também de forma similar
à proposta de Brecht.
Em The violence of silence: vocal provocation in the cinema of Michael Haneke, Lisa
Coulthard observa que nos filmes de Haneke
[...] uma uniformidade de estilo é facilmente identificável e é uma identidade formal formada
em grande parte por tendências acústicas: poucos diálogos, raros casos de música que estão
sempre, de alguma forma diegeticamente motivados e uma enorme amplitude dinâmica
que muda de forma abrupta e violenta entre o ruído e o silêncio10 (Coulthard, 2012, p. 89)
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Luz, Câmera e Encenação: aproximações entre o cinema de Michael Haneke e o teatro de Bertold Brecht
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Oriundo do teatro, Haneke utiliza muitos elementos da práxis teatral em seus filmes.
Este trabalho procurou mostrar as aproximações entre Brecht e Haneke, fazendo a
ressalva de que apesar desta relação ser referência frequente em críticas e trabalhos
acadêmicos, Haneke coloca em seus filmes um vasto repertório teatral que não se limita
a Brecht. Os conceitos de gestus, parquedad, o uso do som e a quebra da quarta parede,
no entanto, são marcas da dramaturgia brechtiana que buscam o “efeito distanciamento”
para fazer do espectador um agente ativo da representação, o que condiz com a proposta
explícita de Haneke. Como diz Borheim “O distanciamento não constitui uma experiência
especificamente teatral, embora, desde que utilizado no teatro, chegue a ostentar uma
especificidade teatral” (1992, p. 243).
Levantar diversas questões e não dar nenhuma resposta, deixando ao espectador a
tarefa de busca-las é a proposta de Haneke, seja qual for o tema do seu filme, exatamente
para fazer o espectador refletir sobre o que está sendo mostrado. Diz ele:
Por anos venho tentando devolver aos espectadores um pouco do tipo de liberdade que eles
têm em outras artes. Música, pintura, as belas artes dão aos receptores espaço para respirar
em suas considerações sobre a obra. As artes que envolvem a língua já circunscrevem essa
liberdade consideravelmente porque elas são obrigadas a chamar as coisas pelo seu nome. [...]
Em outras palavras, o cinema tem, desde o início, uma tendência a desautorizar o receptor.
Mas se o cinema aspira ser uma arte, deve levar o público ao qual se dirige a sério e, tanto
quanto possível tentar devolver a ele a liberdade perdida. Mas de que forma? Eu acho que
esta é uma pergunta muito decisiva, com a qual todos os cineastas sérios devem se engajar.
[...] É preciso encontrar a construção que permita ao espectador voar – em outras palavras,
que agite sua imaginação11 (HANEKE in GRUNDMANN, 2010, p 605-606).
large part by acoustic tendencies: minimal dialogue, only rare instances of music that are always in some way
diegetically motivated, an intensification of foley sounds associated with bodily movement and a massive
dynamic range that shifts abruptly and violently between noise and silence” (Coulthard, Lisa, 2012 , p. 19 ).
11. Tradução livre de “For years, I have been trying to restore to spectators a little bit of the kind of freedom
they have in the other arts. Music, painting, the fine arts give recipients breathing space in their consideration
of the work. The language-bound arts already circumscribe this freedom considerably, because they are
forced to name things by their name [...] In other words, film has, from the outset, a tendency towards
disenfranchising the recipiente. But if film aspires to be na art, it must take it addressee seriously and, as
much as possible, attempt to restore the lost freedom to the later. But what it means ? I think this is a very
decisive question, with whitch all serious filmmakers engage. [...] One has to find a construction that lets
the viewer fly-- in other words, that stirts the viewer imagination” (Haneke in Grundmann, 2010, p 605-606).
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Luz, Câmera e Encenação: aproximações entre o cinema de Michael Haneke e o teatro de Bertold Brecht
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Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=28Q8m1Lr4GY>
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O pesadelo cinematográfico do morcego:
Os Batman’s de Tim Burton e Christopher Nolan
The cinematographic nightmare of the bat:
The Batman’s of Tim Burton and Christopher Nolan
R e b e c a C a m b a ú va L e i t e 1
Abstract: The objective of the study is to identify the procedural changes between
the Batman character portrayed by the directors T. Burton and C. Nolan. The
result revels characters and narratives with opposite concepts, addressing the
same character.
Keywords: Audiovisual. Movies. Batman
INTRODUÇÃO
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O pesadelo cinematográfico do morcego: Os Batman’s de Tim Burton e Christopher Nolan
dar vida á um justiceiro sem identidade, nesse caso, um homem morcego, caracterizado
por sua armadura toda preta, uma capa remetente a asas de morcego, uma máscara que
esconde a face e com orelhas pontudas, como a do animal. A escolha de Bruce Wayne
pelo símbolo do morcego se dá a partir de um acontecimento de sua infância, no qual
ele cai em um poço desativado que é habitado por morcegos, os animais o atacam e
Bruce passa a desenvolver um terrível medo de morcegos. Quando a personagem esco-
lhe o morcego como símbolo de seu alter ego justiceiro, ele tem como objetivo superar
o próprio medo e compartilha-lo com seus inimigos.
O objetivo do herói é proteger a cidade de Gotham a todo e qualquer custo, sem
limites, sem precedentes. A motivação originária do herói nos quadrinhos é a morte dos
pais e a necessidade de vingança. Ao longo da jornada do herói, o criador Bob Kane leva
ao público uma série de vilões bizarros e sobrenaturais em conjunto com os traumas
pessoais do herói concomitante à sua personalidade sombria.
4. [...] pretende-se designar um estilo baseado em cenografias e métodos de representação de matriz
teatral e pictórica com o fim de exprimir uma visão deformada de situações e ambientes em sintonia
com os argumentos que apresentam personagens decididamente patológicas e vivências marcadamente
emblemáticas (COSTA, 1985).
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O pesadelo cinematográfico do morcego: Os Batman’s de Tim Burton e Christopher Nolan
1989, Batman, ocorre também uma situação com o vilão Coringa, que oferece uma festa
a todos os habitantes da cidade, em comemoração ao aniversário de Gotham. Apesar
dos moradores terem conhecimento da intenção e histórico da personagem Coringa,
eles aceitam o convite, pois o vilão afirma que irá distribuir 1 milhão de dólares durante
a festa para as pessoas presentes no evento, ou seja, mesmo os habitantes conhecendo
aquela personagem como perigosa, assassina e psicótica, as mesmas aceitam o convite
da personagem e no momento da festa a rua está completamente lotada, eles compare-
cem pelo dinheiro, mesmo correndo risco de vida. Mais uma vez a questão do consu-
mo é retratada por Burton. Os elementos personificados que comandam a cidade são
geralmente figuras poderosas, empresários e políticos. O diretor destaca a questão do
poder, pois um empresário possui mais influência do que o próprio prefeito da cidade,
em ambas as narrativas. O grupo de vilania apresentado são sempre personalidades
que vieram a se tornar maléficas em consequência das experiências que viveram em
meio a aquela ambientação. Foram vitimadas por Gotham City. Exemplificando: A per-
sonagem Coringa era um empresário mafioso, que respondia apenas ao líder da máfia.
Já corrompido pelo desejo de poder e pela perversidade gananciosa, a personagem é
enganada pelo líder da máfia e fica a beira da morte. Essa experiência faz com que a
personagem fique deformada, com um sorriso bizarro. A experiência em conjunto com
sua personalidade desviada cria um vilão, emergido da própria Gotham City, criado por
ela, para ela. Outro exemplo é a faceta diferenciada que o diretor cria da personagem
Selina Kyle, a mulher-gato, a até então tímida secretária executiva, sofre uma tentati-
va de homicídio de uma personalidade poderosa na trama. Após essa experiência a
personagem retorna à sua vida cotidiana com características de vilania, decorrentes
de sua revolta e frustação, até então, reprimida e agora extraída de sua personalidade
e efetivada em suas ações futuras. Burton apresenta uma cidade já adoecida, tanto em
seus governantes, quanto em sua sociedade. A personagem Batman aparece na trama
para impedir que o caos agrave a situação já instalada em sua ambientação, e não para
evitar que se instale. Sua função é minimizar os danos que já foram causados.
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O pesadelo cinematográfico do morcego: Os Batman’s de Tim Burton e Christopher Nolan
de conhecer uma nova face do super-herói. O diretor revela também uma nova cidade
de Gotham, um ambiente moderno, porém decadente, a corrupção tenta a todo instante
penetrar dentre mais profundos níveis da cidade. Os poderosos, incluindo mafiosos,
policiais e políticos, persistem na missão de dominar a cidade, levando os moradores ao
medo e desespero, mostrando ao espectador uma sociedade vitimada pela ganância e
busca incansável pelo poder. O segundo filme da franquia Batman The Dark Knight, foi
produzido em 2008 e traz como vilão o demente Coringa, vivido pelo ator Heath Ledger
e a personagem Harvey Dent, interpretada pelo ator Aaron Eckhart, um promotor de
polícia disposto a lutar a todo custo pela integridade moral de Gotham, mas que pos-
teriormente será representado como vilão secundário na trama. Nesse caso, Batman já
é atuante na cidade e reconhecido como um herói em sua cidade natal e trabalha em
conjunto com a polícia para deter os criminosos e acabar com a corrupção. O terceiro e
último longa metragem dirigido por Nolan, intitulado Batman The Dark Knight Rises é o
retorno do Batman à suas atividades heroicas na cidade, tendo em vista que ao final do
segundo filme à personagem abandona as missões, em decorrência à acontecimentos
que tornam essa postura necessária. O vilão nesse caso é o destemido Bane, interpre-
tado pelo ator Tom Wardy, que é motivado pela vontade de Ra’s al Ghul em destruir a
cidade de Gotham, a até então aliada do herói Miranda Tate, vivida pela atriz Marion
Cotillard se torna a principal vilã da narrativa e é revelada como Talia al Ghul, filha de
Ra´s al Ghul, e responsável por toda arquitetura metódica para levar Gotham á ruina, ao
contrário da maioria das colocações temporais de apresentação dos personagens, Selina
Kyle, interpretada por Anne Hathaway, aparece inicialmente como vilã e posteriormente
vem a se tornar aliada do herói. Nolan leva ao espectador uma Gotham semelhante a
uma grande capital, como por exemplo, Nova Iorque. O espectador vê a cidade como um
ambiente real e crível. Os vilões não necessariamente emergem da própria cidade, pelo
contrário, a maioria deles em sua grande maioria não é apresentada como originários
da cidade e sim de fora do ambiente de Gotham. São motivados pelo conhecimento
do histórico da cidade, que é conhecida como uma cidade corrupta, mas que luta para
mudar sua situação, inclusive, no passado, com a ajuda de empresários poderosos,
como por exemplos os pais de Bruce Wayne, que no inicio de Batman Begins (2005) são
apresentados como bem feitores filantropos, que lutam para conceder mais qualidade
de vida e segurança aquela sociedade, investindo recursos próprios. Os vilões surgem
para exterminar Gotham, receando a semeação da corrupção e violência. Batman tra-
balha nas 3 versões do diretor em conjunto com aliados também poderosos, membros
das instituições da cidade. Nota-se que as instituições estão corrompidas, porém existe
um grupo de personagens dentro destas instituições que tentam sanar a situação de
adoecimento que vive a cidade na narrativa de Nolan, em conjunto com Batman.
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O pesadelo cinematográfico do morcego: Os Batman’s de Tim Burton e Christopher Nolan
CONCLUSÃO
Em observação às obras conceituadas neste artigo, pude notar que referente
à personagem Batman retratada por Tim Burton espelhada à cidade de Gotham, é possível
afirmar que o herói lida com uma cidade adoecida, já corrompida pelo medo, corrupção
e estranhamento. Observei através de análise fílmica como as personagens da cidade
vêm Batman, o herói não é visto propriamente dito como um herói, muitas vezes é visto
como vilão, pois também é vitima dos poderosos da cidade, as personagens não ficam a
espreita esperando o salvador aparecer para resgata-las, Batman circula livremente com
seu disfarce em meio à população, como sem fosse um membro da polícia. A corrupção
e o medo já estão tão nitidamente instalados naquele ambiente que as pessoas resistem
a acreditar e a aceitar de fato uma figura justiceira e bem intencionada para protegê-las.
O Batman de Tim Burton recorda às narrativas diversas construídas para os quadrinhos,
ele salva o dia, derrota o vilão e pronto. A cidade de Gotham continua suas atividades
corriqueiras, e o fato do herói existir não muda a personalização dos personagens,
5. Alter ego é uma definição criada por Sigmund Freud que conceitua questões que estão no ego de determina-
da pessoa e podem ser transferidas para outra, duplicando assim a personalidade do mesmo ser. (FREUD, 1976)
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O pesadelo cinematográfico do morcego: Os Batman’s de Tim Burton e Christopher Nolan
fazendo-os se tornarem pessoas melhores, por exemplo, tudo continua como está. Não
necessariamente Gotham exige de Batman, Batman age por vontade própria.
Em contra partida, a Gotham City de Nolan precisa de Batman, e pede ajuda. A
cidade é retrata como um local de pessoas honestas e caso contrário, pessoas vitima-
das pela situação em que seus governantes a deixam. A presença de figuras de poder
em luta incansável pela resolução de diversos problemas conota ao espectador que a
cidade quer ser salva, está adoecendo, mas ainda não sucumbiu em caos e corrupção.
Batman aparece então como um herói inseguro, traumatizado e dramático, na busca
incansável por justiça, motivado pelo impulso de salvação à sua sociedade. No terceiro
filme observei a metáfora do “fundo do poço”, o herói acaba literalmente naquele local,
uma prisão subterrânea que fisicamente lembra um grande poço desativado. É comum
ouvirmos a seguinte frase “se você chega ao fundo do poço, não tem mais para onde
ir, ou você permanece ali, ou você sobe”. É exatamente isso que Nolan retrata em sua
narrativa final, o herói literalmente ressurge das profundezas, e volta para salvar sua
cidade, que está sucumbindo em medo e caos, implantados por vilões que agem em
sua ausência. O herói de Nolan com sua faceta realista e dramática chamou atenção do
público de forma considerável, arrecadando bilhões de dólares para a franquia Batman,
fato que nunca tinha ocorrido até então. Em conjunto com esse acontecimento, Batman
pela primeira vez em 75 anos foi considerado no ano de 2014 o herói mais popular do
mundo, batendo a popularidade do famoso Super – Homem, que manteve seu posto
todo esse tempo. Acredito que esses acontecimentos são reflexos da personagem realista
criada por Nolan, um herói com defeitos, um herói mais humano e mais crível, que
comete erros e possui medos. A cidade de Gotham de Nolan pede socorro ao Batman,
e o herói ouve o chamado, se autoconstruindo em um vigilante justiceiro, mas com
facetas críveis.
REFERÊNCIAS
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BACHELARD, Gaston. O Direito de Sonhar. São Paulo: Difel, 1985.
BORDWELL, David; THOMPSON, Kristin. A Arte do Cinema: Uma Introdução. São Paulo:
Edusp, 2014.
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MCMAHON, L. Jennifer. The Philosophy of Tim Burton. Kentucky: The University Press of
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5427
O pesadelo cinematográfico do morcego: Os Batman’s de Tim Burton e Christopher Nolan
ROVEN, Charles & NOLAN, Christopher & THOMAS, Emma. NOLAN, Christopher.
NOLAN, Christopher & NOLAN, Jonathan. (2008). The Dark Knight [DVD]. Estados
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SIGMUND, Freud. A Psicologia das Massas e Análise do Eu. Porto Alegre: Ed. L&PM Pocket.
2013.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Sujeitos em busca de si: a dimensão da primeira
pessoa como construção documental
Subjects in search of themselves: the first
person as a documental construction
M ariana Duccini Junqueir a da S i lva 1
1. Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. Professora do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
marianaduccini@gmail.com
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Sujeitos em busca de si: a dimensão da primeira pessoa como construção documental
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Sujeitos em busca de si: a dimensão da primeira pessoa como construção documental
pessoa, sublinhamos que tal instância subjetiva não está “dada” a priori. Podemos mesmo
assumir que é uma condição inicialmente marcada pela ausência o que propulsiona e
respalda o movimento de inscrição do “eu” nesses relatos. Se a enunciação é o processo
que marca a instalação da subjetividade na língua, a terceira pessoa verbal é a instância
ausente em uma situação interlocutiva – “aquela de quem se fala” –, jamais reflexiva
de uma instância de discurso, como o são a primeira pessoa e a segunda (esta, sempre
projetada pela primeira em uma correlação de subjetividade). O que se tensiona, aqui,
é uma relação de personalidade (própria à terceira pessoa verbal) versus uma relação
de subjetividade (da ordem da primeira pessoa e da segunda, instâncias passíveis de
reversibilidade em todo ato de comunicação).
A primeira pessoa que se engendra nos documentários aqui contemplados passa,
inicialmente, pela dimensão de terceira pessoa. É apenas por um ímpeto de subjetivação
– narrar-se a si de modo a erigir um ponto de vista particular, situado, sobre eventos
traumáticos – que esses relatos vêm à luz, apontam para sujeitos que, mesmo tendo
suas existências afetadas (muitas vezes, determinadas) por desdobramentos múltiplos
da história contemporânea, apenas recentemente começam a figurar como testemunhos
passíveis de serem levados em conta.
Não se trata simplesmente de uma questão da forma do discurso, mas de sua produção e das
condições culturais e políticas que o tornam fidedigno. Muitas vezes se disse: vivemos na
era da memória e o temor ou a ameaça de uma “perda de memória” corresponde, mais que
à supressão efetiva de algo que deveria ser lembrado, a um “tema cultural” que, em países
onde houve violência, guerra ou ditaduras militares, se entrelaça com a política (SARLO,
2007, p.21, grifos da autora).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Sujeitos em busca de si: a dimensão da primeira pessoa como construção documental
2. Ainda com Sarlo (2007), salientamos o questionamento quanto ao estatuto da pós-memória, cujo alcance,
para a autora, parece restrito às dimensões de uma nomenclatura, mas não de um conceito: “(...) como se
[a pós-memória] possuísse alguma especificidade heurística além do fato de que se trata do registro, em
termos memorialísticos, das experiências e da vida dos outros, que devem pertencer à geração imediatamente
anterior e estão ligados ao pós-memorialista pelo parentesco mais estreito” (p.96).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Sujeitos em busca de si: a dimensão da primeira pessoa como construção documental
(SILVA, 2013, p.25). Observa-se que o estatuto do realismo identifica-se então não mais
à dimensão da referencialidade, mas à dos afetos, assumindo mesmo a ficcionalização,
no sentido de construto, como dado inerente a todo processo de biografização. No
contexto da historiografia, os relatos estruturados segundo esse matiz reconhecem que a
figurativização dos acontecimentos passados sempre será conflituosa e heterogênea, por
isso não se engajam em uma tarefa totalizante de pretensa reconstituição histórica. Antes,
têm sua legitimação no próprio reconhecimento de que se apresentam como mais um
ponto de vista em relação aos eventos pretéritos, e não como a palavra definitiva sobre
o sentido de determinada experiência, sendo abertos à interpretação, à contextualização
e ao confronto com diferentes fontes históricas.
3. O livro é Isidro Velázquez: formas prerrevolucionarias de la violencia, publicado em 1968. Carri era professor
de sociologia da Universidade de Buenos Aires.
4. Piedras (2014, pp.132-133) pondera que essa delegação parcial da identidade por Albertina Carri em
relação a Analía Couceyro é uma forma de se relativizar o pacto autobiográfico, mas mantém-se no terreno
documental, em vista sobretudo da reflexividade proposta (a duplicação da identidade não é escamoteada
do espectador). Para o autor, “são os recursos do documentário que validam e ressemantizam os elementos
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Sujeitos em busca de si: a dimensão da primeira pessoa como construção documental
qualquer processo de narrativização do “eu”. Mas essa opção estética adensa ainda outra
estratégia do documentário. Os testemunhos de pessoas que conviveram com os pais
da realizadora (na maioria, também militantes) são drasticamente secundarizados, seja
porque esses personagens não são identificados por meio do nome próprio, seja porque
as inserções das imagens deles aparecem como produto claro de uma mediação, o que
perturba a organicidade dos depoimentos5.
O anonimato das “fontes primárias” indica que Los rubios não é um filme sobre o
passado, mas um meio de problematização do presente: à geração que herdou diretamente
o espólio dos militantes (a da realizadora), cabe o trabalho extenuante de construir seu
lugar identitário e uma perspectiva sobre o próprio sentido da história. Adensa-se um
conflito geracional, expresso principalmente na sequência em que Analía-Albertina
alude a um certo caráter retórico nesses testemunhos, que convertem tudo em análise
política. “Tenho de pensar em algo que seja filme”, diz a realizadora em voz over. A busca
por elementos que potencializem a natureza de filme, assim, reverbera nas sequências
que expressam a condição de uma filha que procura Roberto e Ana María como pais
– e não como atores da resistência política. “Por que me deixaram aqui, no mundo dos
vivos?”, pergunta a voz que cobre as imagens de um grito desesperado e emudecido da
protagonista no meio de uma floresta. A dor de se suportar uma identidade de tal modo
destroçada extrapola a dimensão do drama particular e ganha contornos mais amplos:
“vivo em um país cheio de fissuras (...). Os que vieram depois seguem construindo suas
vidas com imagens insuportáveis”.
A possibilidade de se construir imagens “suportáveis” (tanto em seu valor de suporte
quanto em seu papel de pacificação do olhar) não raro é viabilizada com o recurso da
fantasia e da imaginação. Em remissão às memórias da infância, a realizadora encontra
histórias incompletas sobre a ausência dos pais. Pouco interessada, aos 12 anos, na versão
que opunha “senhores bons” e “senhores maus” e desfiava termos incompreensíveis
como: peronistas, descamisados, obreros, montoneros e militares, Albertina Carri apre-
senta agora a versão que criara, tanto mais fantástica quanto paradoxalmente verossímil.
É como bonecos animados que Roberto e Ana María passeiam de carro por uma estrada
deserta quando são sequestrados por alienígenas e deixam sozinhas as três filhas. A
fabulação preenche assim as imagens que faltam, a explicação justa que jamais chegou.
A crítica latente no filme se endereça não só à geração precedente, mas também a uma
versão da história que vai sendo oficializada conforme o ponto de vista dos sobreviventes,
ainda marcado (a despeito do claro desencanto) por uma perspectiva redentora,
teleológica. Los rubios nega-se a uma apologia dessa condição, chega mesmo a desafiá-la,
movimento que respalda a inscrição subjetiva da realizadora. Uma sequência reveladora
desse conflito se estrutura quando Analía-Albertina lê para a câmera um documento
do Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA), que aparentemente
da ficcionalização”.
5. O caso mais frequente é que as entrevistas desses personagens não sejam incorporadas diegeticamente
ao texto fílmico: aparecem projetadas em um aparelho de televisão a que a realizadora (interpretada por
Analía Couceyro) assiste, interferindo na continuidade da própria transmissão (rebobinando a fita para
ouvir novamente uma fala, por exemplo). Muitas vezes, as vozes dessas testemunhas apenas compõem
uma ambiência sonora anódina, enquanto a câmera se detém em outros espaços e personagens (Analía-
Albertina lendo ou digitando no computador).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Sujeitos em busca de si: a dimensão da primeira pessoa como construção documental
6. A música “Influencia”, interpretada pelo cantor e compositor argentino Charly García, é uma versão de
“Influenza”, de Todd Rundgren.
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Sujeitos em busca de si: a dimensão da primeira pessoa como construção documental
7. Para além de uma opção estritamente estética de cada um dos documentários, cremos que esse aspecto
esteja intrinsecamente relacionado às implicações políticas e culturais que modularam a forma de tratamento,
interpretação e publicização das memórias das ditaduras nas sociedades argentina e brasileira. Se, na
Argentina, a instalação da Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP) se deu já
em 1983, duante o governo Raúl Alfonsín, no Brasil, semelhante estratégia – a oficialização da Comissão
Nacional da Verdade (CNV) – ocorreu apenas em 2012, no governo Dilma Rousseff. O que sublinhamos
é que essa “defasagem” de quase três décadas, no caso brasileiro, influencia diretamente a diversidade
de relatos, fontes históricas e, consequentemente, abordagens narrativas nas diferentes produções que
tematizam os períodos de totalitarismo político.
8. A indefinição sobre as circunstâncias em que Celso Castro foi morto (ou cometeu suicídio) torna-se ainda
mais problemática pelo fato de o evento ter ocorrido já durante o processo de abertura política no Brasil.
Uma das ambiguidades centrais que o filme pontua sobre o episódio diz respeito às versões conflitantes
quanto à natureza do assalto: alguns jornalistas asseguram que a ação tinha clara conotação política (em
vista das ligações do ex-cônsul com o nazismo); um legista que analisa os resultados da necropsia (no
contexto do filme) observa que a versão de suicídio é fortemente refutável; já o delegado que assumiu a
investigação à época dos eventos, garante ter se tratado de um crime comum: Celso teria assassinado um
colega que o acompanhava na ação e depois se matado ao perceber a chegada da polícia.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Sujeitos em busca de si: a dimensão da primeira pessoa como construção documental
(os planos que remetem a esse tema são fixos, compostos por fotografias de época, têm
uma coloração pálida bem próxima ao preto e branco e uma faixa sonora que traz nar-
rações em voz over), e a diáspora sem fim dos exilados, com a leitura diegética de cartas
remetidas tanto no período do exílio quanto no da abertura, em planos coloridos e em
movimento. Este último artifício, entretanto, não se subtrai ao significado de frustração
e amargura. Em uma das cartas de Celso, lida pelo filho Joca, a constatação de que “as
pessoas não percebem que voltamos derrotados; o que houve foi uma concessão da
ditadura” expressa o desencanto em relação à Lei da Anistia.
Não raro, o documentário propulsiona uma ambiguidade entre as vozes de Joca e a
do pai – o que se deslinda quando a voz de Celso é de fato pronunciada (e identificada),
por meio de uma antiga gravação em fita cassete. Essa aparente indiferenciação alcança
um efeito poético: o filho cede ao pai ausente alguma possibilidade de corporificação, já
que o espectador só pode “conhecer” Celso por meio de fotografias. Mas não se trata de
um efeito simbiótico, pois, ressaltamos, o próprio enunciado fílmico trata de resolver esse
impasse. Diário de uma busca recorre a diferentes vozes para conferir a relatos dispersos
uma estabilidade possível, mas não adere à conjugação dessas vozes para dar forma a
uma versão totalizante da história. É entre todas elas que se afirma a inflexão do “eu”
que enuncia, assumindo uma identidade não definitiva, inacabada mesmo – aquela que
torna possível uma afirmação subjetiva menos suscetível à mobilização de estereótipos
e menos dependente dos posicionamentos alheios.
O trabalho com os testemunhos, entretanto, é bastante diferente daquele proposto
em Los rubios. Em Diário de uma busca, o enunciado incorpora diegeticamente esses ele-
mentos, identifica e nomeia as fontes, contextualiza os fatos e chega mesmo a propor
uma representação mais linear dos eventos históricos. Mas, ao mesmo tempo, torna-se
patente a dimensão do anacronismo nesses relatos, posto que a “vitória revolucionária”
tão almejada pelos militantes jamais chegou (AGUILAR, 2014). Como efeito de contraste,
a narrativização da infância e da adolescência da realizadora ganha expressividade no
filme, convida o espectador a um “desvio” no caminho da grande história e situa os
afetos como forças primordiais na construção tanto das subjetividades quanto de pro-
jetos de vida em comum. As memórias do exílio são, na maioria, eivadas de imaginação
infantil, como ressalta a relizadora ao recordar os tempos de escola no Chile, onde, além
de ter aprendido a ler, ficou famosa entre as outras crianças pela sorte de ostentar o
sobrenome Castro quando o líder cubano visitou o país de Allende, no início dos anos
1970: “virei a sobrinha brasileira de Fidel”.
A documentação da busca, mote do próprio título do documentário, tem de se haver
com as indeterminações próprias a um exercício dessa natureza – e o próprio risco de
não se chegar a uma conclusão sobre as circunstâncias da morte do pai é assumido cla-
ramente pela instância enunciadora do filme, pela inserção na narrativa de testemunhos
que expressam tal ideia. “De repente, tu tá procurando uma coisa que não existe”, diz o
jornalista Jorge Waithers, primeira pessoa a chegar ao local onde Celso morreu, embora
não tenha podido entrar no apartamento do ex-cônsul. “Resolver o mistério não vai me
fazer entender o que leva uma pessoa de 41 anos a fazer isso”, pondera Joca. O signo da
impossibilidade vai se reiterando nas últimas sequências, quando a realizadora relem-
bra o desejo desarrazoado de “voltar ao momento anterior, quando eu ainda não sabia,
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5437
Sujeitos em busca de si: a dimensão da primeira pessoa como construção documental
quando não era verdade nem era possível”, assim que soube da morte do pai. Ou ainda
pela última carta de Celso, cuja leitura é dividida entre Flavia e Joca. Em uma aparente
premonição, o pai afirma: “para mim, não foi possível”.
A condição de exilado de Celso Castro e de vários de seus companheiros de militân-
cia, como se deduz a partir do filme, demarcou um dano existencial (a impossibilidade de
um sujeito coincidir consigo mesmo após uma experiência traumática) que muitas vezes
só se resolveu com a morte. Essa fratura identitária, evidentemente, alcançou também
os filhos dessa geração, destinou a eles um lugar obscuro nas tramas da história, que
progressivamente, entretanto, vai sendo ressignificado. Na última sequência de Diário
de uma busca, Flavia e Joca se separam: cada um deles vai saindo de cena por limites
opostos do quadro. A imagem da realizadora permanece no último plano. De costas
para a câmera, ela olha para uma igreja, onde os sinos dobram. Constatação da morte
irretorquível e inexplicável do pai, (anti-)herói de quem foi subtraída a possibilidade de
redenção. Prenúncio de uma transformação identitária da filha, como gesto do docu-
mentário. A realizadora não encara o espectador, assume o impasse e a ambivalência
que entrelaçam a vida e a morte – e, como na geração dos “novos rubios” do filme de
Albertina Carri, parece não se esquivar do destino, ainda que seus desdobramentos
sejam imponderáveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise de Los rubios e Diário de uma busca tomou como inspiração uma ideia de
Ricoeur (2003), para quem a recordação surge ao espírito como imagem de uma ausência;
o passado, então, inscreve-se nessa imagem como o próprio signo da ausência, aquilo
que a memória se esforça para recuperar.
No filme de Albertina Carri, as memórias necessitam de imagens justas, já que
aquelas disponíveis são patentemente insuportáveis para toda uma geração que “chegou
depois” – por isso o filme faz poucas concessões às imagens e vozes “herdadas” e opta
por forjar, na dimensão do “eu” enunciativo, suas próprias imagens e vozes. No filme
de Flavia Castro, são as imagens em abundância que requerem uma memória justa:
aquela que pode enunciar a si mesma em meio à profusão de versões do passado que,
se alcançam o presente, é justamente para serem ressignificadas.
A busca pela primeira pessoa em documentários como os que contemplamos tem
um valor distintivo em uma infinidade de produções midiáticas que espetacularizam
a intimidade. Isso porque torna-se potente para estender o sentido da experiência para
além do espaço estrito do sujeito enunciador. Diferentemente das formas que se esgotam
na autocontemplação ou no exibicionismo, o “eu” que emerge nesses filmes propõe novas
formas de estar no mundo, de construir os sentidos da história e de forjar comunidades
de pertencimento.
REFERÊNCIAS
Aguilar, G. (2014, 2 de abril). El documental en primera persona: el desafío de la tercera
persona. Conferência realizada na Mostra Silêncios Históricos e Pessoais. São Paulo: Caixa
Cultural São Paulo.
Barthes, R. (2003). Roland Barthes por Roland Barthes. São Paulo: Martins Fontes.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Sujeitos em busca de si: a dimensão da primeira pessoa como construção documental
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Pa(i)saje urbano e Intervalo: la ciudad como espacio de
tránsito en los diarios documentales de David Perlov
Landscape and Interval: city as a transit space in
David Perlov’s documentary diary films.
Pa o l a L a g o s L a b b é 1
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Pa(i)saje urbano e Intervalo: la ciudad como espacio de tránsito en los diarios documentales de David Perlov
on Diary (1973-1983), the monumental 6 chapters and 330’ Perlov’s piece. It will
be used an epistemological perspective able to respond to multiplicity and
instability of contemporary image, integrating interdisciplinary variables
and promoting a displacement from obsolete concept of image as a “fixed”
element, to a complex, open, fluid and dialogic text.
Keywords: Documentary Film. Diary/Travelogue. City. Transit. Interval.
ANDÉN DE SALIDA .
“Recordar momentos de un pasado lejano es viajar fuera del tiempo.
Sólo la memoria de cada uno lo puede hacer, es lo que voy a intentar…”
Manoel de Oliveira en Porto da minha infância (2001).
2. Algunos de los ejemplos más paradigmáticos de estos viajes cinematográficos en primera persona,
se encuentran en las obras del francés Chris Marker, quien al inicio de Lettre de Siberie (Carta de Siberia,
1957) señala “Os escribo desde un país lejano”, a modo de guiño intertextual a la obra del escritor y pintor
Henri Michaux titulada con el oxímoron “Lejano Interior”; del lituano de origen judío radicado en Estados
Unidos, Jonas Mekas y su Reminiscenses of a journey to Lithuania (Reminiscencias de un viaje a Lituania, 1972);
del norteamericano Ross McElwee y su trayecto al sur en Sherman’s March (La marcha de Sherman, 1986);
del canadiense de origen armenio, nacido en Egipto, Atom Egoyan y el viaje al país euroasiático de sus
ancestros que inspira Calendar (1993); o del centenario cineasta portugués Manoel de Oliveira, que en
Porto da minha infância (Puerto de mi infancia, 2001), retorna a su Oporto natal. Y es, por supuesto, el caso
del cineasta brasileño de origen judío, radicado en Israel, David Perlov, tanto en Diary (1973-1983), como
en Updated Diary (1990-1999).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Pa(i)saje urbano e Intervalo: la ciudad como espacio de tránsito en los diarios documentales de David Perlov
PRIMERA PARADA.
“La memoria es como un centro de gravedad: siempre nos atrae.
Quien tiene memoria vive en el presente;
quien no tiene, no vive en ningún lugar”.
Patricio Guzmán en Nostalgia de la Luz (2010).
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Pa(i)saje urbano e Intervalo: la ciudad como espacio de tránsito en los diarios documentales de David Perlov
una utopía, un lugar que en realidad es imaginario y que, como toda construcción
mítica, se alimenta de la experiencia de lo real, de la vida cotidiana y sobre todo en las
memorias del período de la infancia y juventud. En el caso de Perlov, la representación
icónica de estas memorias asociadas a los paisajes urbanos y humanos de Brasil -espacio
original vinculado a todo un universo geográfico, genealógico y afectivo- dan cuenta
de su constante movimiento, de la dificultad de la aprehensión de lo real; del conflicto
permanente que asiste al exiliado. La mirada resultante de esta operación, se encarna
en la construcción de una imagen fantasmagórica sobre la realidad y los tiempos que
confluyen en ella. Parece ser que para Perlov, los territorios –topográficos y emotivos-
no pueden transfigurarse en imágenes nítidas, sino en representaciones de naturaleza
difusa, que reflejen los espejismos y acentúen la idea de flujo, de mutación.
Como alegoría de desplazamiento alrededor de los espacios que se recorren en
el presente y se contrastan con los recuerdos del pasado, Perlov emplea el recurso del
travelling para enfatizar en el carácter doble del movimiento, en su dimensión física,
efectiva, exterior, pero también en su dimensión afectiva, interior y transformadora del
“yo” y su identidad en crisis. Así, mientras baja por una cuesta y filma desde la ventana
del automóvil en el que se encuentra, Perlov indica: “Desciendo dentro de mi distante
pasado, buscando a Fawzi, un amigo de colegio” (Cap.6). En el quinto capítulo de su
diario, podemos oírlo reflexionar acerca de cómo el azar propio del tránsito y las sorpresas
que la realidad concede a la mirada en el transcurso de un trayecto indeterminado, le
dictan a menudo el método de filmación a seguir.
Deseo una cámara de video con la cual deambular por las ciudades, de ser posible, en un
taxi; permitiendo que el ritmo casual de los semáforos defina el marco. Los llamados ‘puntos
muertos’, momentos vacíos, ¿estarán realmente muertos? El taxista se impacienta con los
embotellamientos de tráfico. Yo no. (…) Recuerdo una vez, durante mis días de estudiante
en París cuando con todos mis ahorros tomé un taxi, diciéndole al taxista, ‘lléveme donde
quiera, pero no me diga dónde estamos’. Tuve efectivo suficiente para 4 horas. Esta vez nos
lleva 20 minutos regresar al punto de partida. (Diary. Cap. 5).
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Pa(i)saje urbano e Intervalo: la ciudad como espacio de tránsito en los diarios documentales de David Perlov
abuelo; no la avenida principal de la gran ciudad, sino los rincones del barrio que caminó
de niño; no la canción nacional, sino la que le evoca a su madrastra negra, Doña Guiomar.
En definitiva, el documental de Perlov no “documenta” el viaje, sino que construye el
universo de la nostalgia del autor. La evocación de la infancia añorada, de las pátinas
de tiempo que recubren y engrosan las paredes de la casa familiar y los recuerdos que
con ellas se engrosan, parecen despertar en el errante la necesidad de volver a transitar
instrospectuvamente los paisajes de la niñez y juventud. Así, el cineasta busca explorar
en la identidad del yo y sus fisuras, interrogar las grietas de la memoria, recomponer
la identidad escindida y corporeizar las apariciones fantasmagóricas del pasado en
personas concretas, lugares palpables, objetos, formas, colores y sensaciones que se fijan
y se perpetúan ya no solo en la fragilidad de la memoria, sino en la materialidad del
celuloide, en un tiempo y un espacio fílmicos. En su primer recorrido por Sâo Paulo,
Perlov recorre y evoca:
Las casas de mis compañeros de escuela. Aquí, el tranvía en el que solía viajar al barrio
judío. Aquí escuché el Aria de Bach por primera vez procedente de la Estación de Radio
Católica. Aquí robé mi primer libro. Kant. Aún no lo he leído. La estatua de Cervantes sigue
en su lugar. Don Quijote, me hace sonreír. La Biblioteca Pública. Camino a mi vecindario,
calles mutiladas como un rostro mutilado. Se ha conservado sólo un lado de la calle. Debajo
de ésta, el metro, el tren subterráneo de los trabajadores. ‘Extranjero aquí, extranjero allá;
extranjero en todas partes. Desearía poder volver a casa, nena, pero también allí soy un
extranjero’. Una canción de Odetta. Aquí siempre hay niebla por la mañana. Mi vecindario.
Cuando era yo muy joven mi abuelo no me permitía fumar. Tenía pronta una excusa por
si me atrapaba: ‘Es sólo el vaho de mi aliento lo que sale de mi boca, abuelo’. Mi casa, mi
cuarto, mi ventana. En el camino a casa desde la escuela, las iglesias. Prefería las barrocas
a las catedrales pseudo-góticas. Sentía además una rara atracción por la iglesia bizantina.
¿Presentía ya entonces que un día viviría no lejos de Estambul? La visita es difícil. Mi padre
sufre un ataque al corazón durante mi visita. Me encontré con el sólo en cuatro breves
ocasiones en toda mi vida. Ésta es la cuarta.
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Pa(i)saje urbano e Intervalo: la ciudad como espacio de tránsito en los diarios documentales de David Perlov
en tanto, Perlov avanza un paso más en su trayecto por evidenciarse como un outsider
en las rutas de la propia vida:
Sí, todos lo sabemos: ya es hora de partir. Regresar a casa. Aeropuerto Charles de Gaulle.
Llego temprano. Añorando a Sâo Paulo. Añorando encontrarme en Brasil. Son sólo 12 horas
de distancia, pero aun es muy temprano. Pido al taxista que dé otra vuelta alrededor del
aeropuerto. Pregunta si tengo suficiente dinero local, si soy americano. Le digo que lo soy,
del sur. (…) Le pedí a Yael y Naomi que no pidan licencia en el trabajo; que no vengan al
aeropuerto. ‘Está bien’, dije, ‘Sâo Paulo queda a la vuelta de la esquina; el avión vuela como
un pájaro’. No parecen entenderlo; para ellas, los pájaros vuelan como aviones. ¿Dónde
están hoy los pájaros?, ¿qué le sucedió a los albatros? (…) ¿Dónde está la puerta de embar-
que a Sudamérica? ¿A Sâo Paulo? Deseo encontrarme en Brasil. Aquí, París. Mañana en la
mañana, una breve escala en Río de Janeiro y luego, Sâo Paulo. Estoy en camino. [Y una
vez en Brasil, continúa:] Por segunda vez en Sâo Paulo. (…) El pueblo de mi adolescencia.
La inmensa ciudad. En los tranvías de esos tiempos, las inscripciones decían: ‘El centro
industrial más grande de Latinoamérica’. En ese entonces no comprendía el significado.
Sao Paulo era la promesa, la certeza de un futuro mejor para Brasil. Llegué a Sâo Paulo por
primera vez cuando tenía 10 años, arrancando de la oscuridad. Era un niño guiado por
mi abuelo, no podía más que observar los edificios gigantes. Aún no me atrevo a mirar a la
gente. Nuevamente, sólo a la cúspide de los edificios. Aún escucho la Aria de Bach de mi
adolescencia. Entro al mismo túnel donde de día, de noche, era siempre de noche. Aquí, de
niño, podía venir y gritar durante horas, más alto que las bocinas de los carros. Gritos de
alegría, gritos de desesperación. Aquí, era libre.
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pequeños detalles, gestos e interjecciones. La travesía se encuentra pues, signada por los
estados de ánimo del autor. “Es difícil registrar mi estado de ánimo”, señala el propio
Perlov, vacilando sobre las capacidades del dispositivo para dar cuenta de elaboraciones
de la experiencia íntima y abstracta, sobre todo cuando ésta se encuentra asociada a
universos de dolor o desamparo.
TRANSBORDO
“En una pequeña ciudad de Europa del Este un judío encuentra a otro que va
a la estación cargado de maletas y le pregunta a dónde se dirige.
A América del Sur, responde el otro.
Ah, replica el primero, te vas muy lejos.
A lo que el otro, mirándole asombrado, responde:
¿Lejos de dónde?”.
Claudio Magris. Utopía y desencanto (2004).
Para quienes, como David Perlov, han debido tomar la decisión forzosa o voluntaria
de abandonar el hogar natal por razones de desplazamiento, exilio o migración, la
construcción de la figura del hogar constituye un dilema existencial de por vida, incluso
a pesar de tener la posibilidad de un fugaz retorno. El hogar puede ser desde el propio
lar de origen –el oikos–, hasta incluso la melancolía, el sentimiento de despojo, la lejanía
interior, lo irremediablemente perdido, el insuperable vacío remanente, o una promesa
de esperanza, arraigo y pertenencia en un nuevo y remoto norte, en unos nuevos afectos,
en unas nuevas geografías. “El pasado es el hogar, aunque un hogar perdido en una
ciudad perdida en la niebla de un tiempo perdido”, en palabras del escritor nacido en
La India y criado en Gran Bretaña, Salman Rushdie.
La ciudad a menudo define un espacio de identidad que se refiere al ser y al estar
de una persona, por nombrar un ejemplo: soy valdiviana; vivo en Santiago. La ciudad
natal marca un hito iniciático en la biografía de un sujeto, toda vez que sella el momento
germinal de lo que en adelante será su vida: la persona es “dada a luz”, “alumbrada” en
un espacio físico concreto. De allí la importancia de Río de Janeiro para Perlov, ciudad
que para él representa la añoranza del Paraíso perdido. En una breve estancia en Río
de Janeiro, en su viaje de regreso a Brasil, Perlov señala en el sexto capítulo de Diary:
Aún no logro comprender por qué, de bebé, fui arrancado de la ciudad más hermosa del
mundo: Río de Janeiro, no la promesa del Paraíso, sino el Paraíso mismo. Como en las
postales, te saca una sonrisa. Nací en un mundo de postal; la ciudad más maravillosa del
mundo. Busco la calle Riachuelo, al otro lado del acueducto. Busco la farmacia en la cuál
trabajé durante las vacaciones. Olía a perfumes, jabón y medicinas de patentes. Lo disfru-
taba pero, en realidad, voy en busca del tranvía; el último tranvía de Brasil. Contemplo
Copacabana. Nací justo a la vuelta de la esquina, no lejos de Clarinha. Es Clara Sverner
quien está tocando el piano; la amiga de Mira, Clarinha. Actualmente, investiga la música
brasilera. Clara pregunta, ‘¿Dónde les gustaría ir?’. ‘A ninguna parte’, contesto; ‘Lo conozco
todo, cada callejuela’. ‘¿Tal vez el Jardín Botánico?’. Acepto. (…). Lo sé; regresaré a Río de
Janeiro. (Diary, Cap. 6).
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Pa(i)saje urbano e Intervalo: la ciudad como espacio de tránsito en los diarios documentales de David Perlov
3. Esta alusión de Perlov, dialoga con la primera imagen de Diary, el texto sobre fondo negro, que indica:
“En tierras de pobreza e ignorancia, aquellos que no sabían firmar, presentaban dos cruces sobre sus
fotografías: nombre y apellido”.
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Pa(i)saje urbano e Intervalo: la ciudad como espacio de tránsito en los diarios documentales de David Perlov
vendría a ser una especie de espectro; un medium que transita por los tiempos y las
estaciones de la existencia. La de Perlov es, pues, una estética del intervalo, toda vez
que los universos que construye tienen que ver tanto con la vida, como con la muerte; la
realidad se articula para él en el tránsito entre el lenguaje de los muertos y el lenguaje de
los vivos; entre pasado y presente; entre historia y memoria. En ese sentido, los paisajes
afectivos de la memoria de este diario filmado, se diferencian notoriamente respecto de
aquellos discursos que presentan una visión meramente nostálgica o melancólica de un
espacio idealizado; por el contrario, como hemos visto, los diarios de Perlov incorporan
la problematización que supone apropiarse y explorar un pasado tensionado también
por la violencia, el abandono, el sufrimiento y el trauma. Pese a que la historia con la
madre nos es velada y vedada a lo largo de Diary, de algún modo se percibe que la
necesidad de reconciliarse con su pasado y la traumática figura materna, es un motor
esencial que moviliza los viajes de Perlov a los paisajes de la infancia y que se ritualiza
en la visita del cineasta a la sepultura de Anna, en Belo Horizonte. Solo entonces, Perlov
es capaz de emprender su retorno a Israel.
Sâo Paulo, en tanto, representa para Perlov una imagen poderosa, no sólo porque
fue allí donde pasó su infancia tardía (desde los 10 años) y su juventud, sino también
porque la decisión de dejar ese hogar, fue libre y consciente, para emprender una nueva
vida y probar suerte a Europa. La relación con su destierro de Sâo Paulo es, pues, la
que se establece con un espacio de intimidad en el que el universo de los afectos aún
se mantiene vivo por lo que el sentimiento de pertenencia a esa comunidad y a los
sentidos que en ella se forjaron, es aún familiar en tanto alude a un “nosotros”, delimita
un espacio de seguridad y, así, protege al errante de la “no pertenencia”. Del mismo
modo, Perlov no solo describe sus impresiones acerca de la piel de la ciudad, sus rin-
cones y aromas, sino también contrasta la ciudad recordada del pasado con la ciudad
recorrida del presente. En este sentido, se pone de relieve la operación consustancial
al cine de obrar como sustituto de la memoria, en este caso, trayendo al presente la
imagen de una ausencia por medio de su elaboración a través de la palabra, mientras
lo que efectivamente se manifiesta frente a nuestra mirada es la evidencia visible de
aquello que ya no está, o que hoy se ha transformado en otra cosa. En el sexto capítulo
de Diary, Perlov señala:
Durante las vacaciones semestrales, retorno a Sâo Paulo luego de una ausencia de veinte
años. Vuelvo para reconciliarme con la ciudad en la cual crecí y para despedirme. (…).
Regreso a Sâo Paulo para despedirme de mi pasado. Doña Guiomar, mi madrastra negra,
solía advertirme: ‘Nunca vuelvas a desandar tus propias huellas; tus pies podrían que-
marse, y jamás podrás volver a caminar’. Primeros pasos vacilantes en la variante luz de
Sâo Paulo. Mi luz. (…). Me llevan allí, me llevan allá. Esté donde esté, encuentro imágenes
grabadas en mi ser. En la casa de Richard… uno de mis viejos amigos. Es así como nos
llamamos el uno al otro, ‘amigos’. (…) Estamos todos aquí, también Julio. Cuando regre-
so, tarde por la noche, bajo y contemplo las farmacias con sus tan recordados aromas. Es
un mundo completo de cura y de enfermedad, y de todos los sentidos involucrados. (…)
Julio está siempre disponible para llevarme a donde quiera. Comenzamos en el ‘Jardín
América’, donde solía pasearme los domingos para contemplar las elegantes residencias.
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Pa(i)saje urbano e Intervalo: la ciudad como espacio de tránsito en los diarios documentales de David Perlov
estación de metro. No recuerdo haber visto corbatas en aquellos tiempos; no recuerdo haber
visto sonrisas. Sólo era consciente del resollar de las locomotoras. Aguardaba el tren que
traía refugiados desde la esquina del norte. La hambruna. Consumidos por tuberculosis,
anemia, jadeando sin aliento. Hoy, se dice que ellos construyeron la nueva Sâo Paulo. Gente
sin rostro, siluetas llegando a granel. (…). ¿Habrá sido aquí, contemplando estos encuadres,
donde nació mi amor por el cine? (Diary. Cap. 6).
=La fascinación del cineaste por los tranvías y las estaciones de trenes en la
representación de sus espacios urbanos, se explica porque Perlov vivencia las ciudades
como espacios de exilio, localidades siempre en tránsito. En este contexto, las estaciones de
trenes, representan precisamente bisagras; umbrales que permiten la entrada y salida de
las ciudades, entre cuyas distancias Perlov transita mental y físicamente, impulsado por
la inquietud de su desasosiego, su errancia y su búsqueda por un sentido de pertenencia
que se escapa a todo mapa. Estación de Luz en Sao Paulo; Gare de l’Est y Gare du Nord,
en París; el tranvía de Lisboa, Belo Horizonte y Sâo Paulo. Éste último se relaciona para
Perlov con sus amigos de niñez; con las calles de su barrio. Fue a causa de un accidente
en tranvía que falleció su vecino y compañero de escuela, Miguel, a los 12 años. Fue en
los viajes en tranvía de la escuela al vecindario donde estableció amistad con Fawsi, a
quien visitó en su retorno a Brasil.
Experimentamos muchas vivencias, en las vías del tranvía de casa a la escuela y de regreso,
a mis anchas por todo Sâo Paulo. Le pregunto a Fawsi si recuerda cómo comenzó nuestra
amistad.
-Perlov: ¿Cuándo te dirigí la palabra por primera vez?
-Fawsi: No lo recuerdo.
-Perlov: Te voy a ayudar. Veamos… Solíamos regresar juntos a casa, en tranvía.
-Fawsi: Exactamente.
-Perlov: Cada día nos sentábamos en un asiento diferente del tranvía. Siempre cogíamos el
tranvía que viajaba a nuestro vecindario. Creo que nos interesamos el uno en el otro durante
estos viajes. Sabíamos que los dos estudiábamos en la escuela estatal; éramos compañeros
de clase y los dos vivíamos en el mismo vecindario.
¿Y qué hay del lugar donde el nómada ha resuelto detener su andar errático y ha
decidido establecer, si no un hogar, una residencia? ¿Y si esa tierra no es cualquier
destino sino el hogar que se lleva en la sangre y que por lo tanto es en parte constitutivo
de esa propia identidad diaspórica? Israel, el país de los ancestros que adopta a David
Perlov a sus casi 30 años, pasa a ser la tierra de nadie que atomiza las contradicciones
identitarias e impide cerrar las heridas del despatriado, porque lo sitúa en un escenario
de constante añoranza por los territorios que ha dejado atrás.
La incertidumbre, el tiempo libre en demasía, me privan de la capacidad de amar este país.
Carezco de energía para conducir y visitar de nuevo Safed, el pueblo de mis antecesores.
(…) Un día un amigo me preguntó: ‘¿Por qué no te largas, por qué no haces tus filmes en
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Pa(i)saje urbano e Intervalo: la ciudad como espacio de tránsito en los diarios documentales de David Perlov
otra parte?’ Le respondí: ‘No, no lo haré. He plantado dos árboles aquí; esta tierra es mía’.
La Cinemateca francesa me invita a presentar una retrospectiva de cine israelí. Viajo vía
Bruselas. Vuelvo nuevamente a París luego de una ausencia de 20 años. En los espacios de
Bruselas evoco mi decisión de aquellos días: dejar Europa para siempre. Todo es predecible.
No cabe lugar a la imaginación. Trenes de Europa, con todo aquello que simbolizan y los
distantes e inolvidables trenes de mi infancia en Brasil. En camino a París, junto con Yael.
(…). Intento ver Europa a través de sus ojos como por primera vez. (Diary, Parte 1).
Tel Aviv vendría a ser, en palabras de Waldman, “un permanente ‘fuera de lugar’,
en un allá/entonces, en contraposición a un acá/ahora. Pero ni siquiera apropiándo-
se del acá/ahora las heridas del desarraigo logran sanar”, o, como enfatiza Adorno:
“Quien ya no tiene ninguna patria, halla en el escribir [en el caso de Perlov, en el
filmar] su lugar de residencia” (Adorno, 1987: 85). La dimensión nomádica de Perlov
-representada como hemos visto en una serie de desplazamientos por las ciudades del
pasado-se repliega mayoritariamente hacia el interior de las paredes de su residencia
y hacia el ensimismamiento como estado de ánimo, cuando se trata de construir una
imagen compleja que logre dar cuenta de lo que significa Tel Aviv para el cineasta.
Además de registrarse desde una estética de lo estático que privilegia la ventana como
mirador desde donde se despliega un punto de vista sobre el mundo urbano -el viaje
continúa, pero en un desplazamiento interior relacionado más con la intensidad del
devenir psíquico que con el movimiento físico–, Perlov incorpora constantemente
matices autorreflexivos que dan cuenta de las operaciones y estrategias estéticas y
formales para elaborar una poética alrededor de la ciudad de Tel Aviv desde la altura
de su departamento.
Lo filmo en color. Arriba, en el 19º piso. Cerca de los pájaros. Cerca del cielo. Regocijarse
con la ciudad a tus pies. El canto brasileño de los pobres que habitan la colina. Los así lla-
mados ‘israelíes bellos’, no quieren vivir en el centro de la ciudad; prefieren los suburbios.
Probablemente desaprueban la mezcla racial. Tal vez por eso el departamento salió barato.
Cerca de la luna, una cálida luna oriental. Miro el paisaje como un campesino desde la
cima de su colina. Es igual a la bahía en Río de Janeiro, sin las montañas, pero con el aero-
puerto. Nuevas oportunidades para el lente, para el ojo. Un descanso para la vista. Solo a
400 mts. de aquí y de los recuerdos. No es una torre de marfil. Como un rico terrateniente,
como en aquellos felices momentos en el kibutz donde por primera vez en mi vida percibí
la naturaleza.
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Pa(i)saje urbano e Intervalo: la ciudad como espacio de tránsito en los diarios documentales de David Perlov
LLEGADA
“La ciudad es una página, nunca totalmente en blanco,
sobre la que los cuerpos cuentan sus historias”.
Oliver Mongin, La condición urbana (2006).
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Pa(i)saje urbano e Intervalo: la ciudad como espacio de tránsito en los diarios documentales de David Perlov
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A Voz dos Outros na Voz do Documentário
The Voice of Others in the Voice of the Documentary
Rodrigo Gomes Guimarães1
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A Voz dos Outros na Voz do Documentário
INTRODUÇÃO
REPRESENTAÇÃO
Há legados de representação que a entendem como re-apresentação da realidade,
numa relação de 1 para 1 entre representante e representado. Esses legados, particular-
mente no ocidente, tem uma forte ancestralidade na tradição metafísica ao menos desde
Platão, onde os objetos do mundo são reproduzíveis por ideias e as ideias por objetos.
Dessa forma, podemos dizer que uma representação é metafísica quando é produzida
para ser um retrato 1:1 da realidade e quando obtém essa interpretação como resulta-
do dominante. Para uma grande parte da história ocidental, a filosofia presumiu que
“coisas em si” poderiam ser conhecidas, que havia um mundo “lá fora” esperando para
ser mostrado, falado, escrito por “o que é”. De Platão a Descartes até Kant, a noção de
independência do mundo das coisas em relação à compreensão humana e cultural foi
fundamental para suas metafísicas, mesmo com diferenças entre esses autores.
Há porém outros legados do pensamento, não-metafísico talvez, que embora não
façam parte da cultura dominante no ocidente, tem certa tradição já estabelecida na
academia e também fora dela. Um dos seus mais fortes expoentes é o pensador Friedrich
Nietzsche, para quem “não há fatos, só interpretações”. Para ele, não há uma possibilidade
de qualquer representação do mundo ser fiel, pois toda representação é falha e é uma
tentativa de fixar o fluxo constante da vida. A realidade é de tal modo intraduzível para
o conhecimento, que toda tentativa de representar a realidade, para Nietzsche, tem de
falhar. Ele ainda aponta para as ligações entre moral e verdade, e diz que quando se
“procura por verdade só para fazer o bem –, pode-se dizer, e eu o sustento, que não
2. Bill Nichols (2012, p.135), por exemplo, define cinco tipos ou modos de representação do documentário:
expositivo, reflexivo, observativo, participativo, poético e performático.
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A Voz dos Outros na Voz do Documentário
se pode encontrar nada” (NIETZSCHE, 2001, p.60). Nietzsche foi fundamental para o
pensamento ocidental se desgarrar do pensamento metafísico e representacionista. Ele
influenciou fortemente pensadores como Jacques Derrida e Michel Foucault que nos
mostraram como se pode pensar além da metafísica e do conceito de “verdade” universal.
Ainda assim, dizer a “verdade” –mesmo quando se a sabe como construída- encontra
muitos adeptos e tem seus efeitos que são muito úteis para melhorar a vida dos “outros”
do documentário. Não podemos saber simplesmente ao ver um filme, quais escolhas
foram feitas conscientemente sobre a propagação de “verdades” sobre “outros” ou sobre
os sistemas que os oprimem. Os realizadores de documentários são muitas vezes eles
mesmos parte do grupo oprimido cujas vozes e vidas os filmes representam, o que
dilui a noção de “outro” ao mesmo tempo que não a desqualifica por completo, pois o
realizador sempre produz “outros” de si mesmo.
Enfim, toda representação – incluindo o audiovisual – do que se chama de realidade
é formada por valores parciais, históricos e relações de poder. Sempre que fazemos uma
representação (como num documentário) estamos selecionando o que incluir e o que
excluir, assim como fazem aqueles que são representados em muitos casos. Portanto,
nossa representação é sempre parcial e reflete nossas escolhas, que são antes de tudo
políticas, porque formadas pela nossa constituição específica dentre de redes sociais
de poder, de linguagem, cultura, história, etc. Entender a nós mesmos, nossas histórias,
culturas, políticas, subjetividades, é então um sine qua non do audiovisual que se quer
produzir enquanto um meio para a melhoria da qualidade de vida e para a reconstrução
ou a reprodução de nós mesmos.
No Brasil, dentre os filmes que alcançaram as telas de cinema ou TV nos últimos
15 ou mais anos e que retratam grupos oprimidos são dominantemente realizados
por produtores que não são desses grupos. No entanto, cresce a cada dia a produção
audiovisual de grupos marginalizados ou oprimidos como moradores de favelas por
exemplo. Tanto realizadores não pertencentes ao grupo que desejam retratar, quanto
realizadores pertencentes, se vêem na condição de fazer da voz de “outros” a sua voz
no documentário engajado.
A PESQUISA
Essa pesquisa busca entender os meios utilizados e as relações de poder, saber e
subjetividade que interferem na produção de documentários engajados em mudanças
sociais, culturais ou políticas em nome de “outros” particulares. Esses “outros” junto
aos quais o documentário se engaja, são definidos pelo próprio documentário que em
sua “voz” (NICHOLS, 2012, p.72) busca impulsionar a voz dos “outros” que se encon-
tram “subalternos” (SPIVAK, 1988, p.273), marginalizados ou oprimidos. Essa voz do
“outro”, como mostrou Spivak (idem), é sempre construída, portanto muitos projetos
falham ao querer dar voz a “outros”, justamente por não atentar para essa construção.
Nessa perspectiva, muitos documentaristas querem dar voz a “outros”, mas ao atuarem
podem estar fazendo exatamente o contrário: reproduzindo opressão ou silenciamento.
A pesquisa está direcionada em seus resultados para a capacitação de quem vá se
utilizar do documentário como meio de intervenção crítica no mundo, além de trazer
ao pensamento atual sobre o audiovisual novas possibilidades de relacionar produção
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A Voz dos Outros na Voz do Documentário
Dessa forma, todo documentário é a colocação em jogo no campo da prática social, cul-
tural ou política, de uma nova “voz” que não estava antes. Ademais, a voz no audiovisual
não é produzida somente como discurso oral ou textual, ela depende de muitos canais:
Se a narração no cinema é sempre resultado da interação entre várias instâncias que se
manifestam através de materiais heterogêneos, simultâneos, o analista tem sempre de
verificar se as várias instâncias (palavra, mise-en-scene, olhar da câmera, montagem, música
extradiegética) se organizam para trabalhar “na mesma direção”, de modo a fazer sentido
em se falar em um ponto de vista da narração. Pode não haver essa conjunção dos canais,
como acontece em muitos filmes modernos onde há disjunção, o filme se fazendo do con-
flito entre as diferenças de posturas associadas aos diferentes canais. (XAVIER, 1997, p.131).
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A Voz dos Outros na Voz do Documentário
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A Voz dos Outros na Voz do Documentário
Ao nos mostrar o quanto a “voz do outro” é desde sempre uma construção, Derrida,
em seu estudo baseado também em Emmanuel Levinas, aponta para o perigo da pro-
dução de violência –discursiva ou de fato- que vive através dessas representações
(DERRIDA, 1978, p.87). Dentro dessa perspectiva desconstrucionista do “outro” e do
próprio documentário representado por sua “voz” (NICHOLS, 2012, p.72), essa pesquisa
levanta a seguinte questão: O que está implicado ao trazer a voz dos “outros” subalter-
nos, marginalizados ou oprimidos para dentro da voz do documentário e buscar uma
efetividade discursiva em documentários engajados em mudanças sociais, culturais ou
políticas? É a voz do “outro” que está presente no documentário? Como se pode avaliar
onde começa a voz do documentário e onde termina, e onde começa e termina a voz
do “outro” na voz do documentário? Essa busca de “dar voz ao outro” já é problema-
tizada por certos autores (p.ex. TEIXEIRA, 2004, p.66) que questionam a construção de
um “outro” individualizado ou essencialista como um dos efeitos de documentários. É
possível a voz do “outro” estar presente na voz do documentário? Alguns como o autor
citado acreditam que não, e que o documentário engajado seria pura ilusão. Porém, será
que a voz do “outro” não pode mesmo estar na voz do documentário? E se puder estar,
como podemos saber? A possibilidade da presença da voz de “outros” no documentário é
uma questão fundamental tanto para pesquisadores quanto para realizadores de filmes.
Para esta pesquisa ser relevante e efetiva em suas análises críticas, ela precisa deli-
mitar um campo de atuação dentro do campo do que até aqui chamamos de “docu-
mentário engajado”. Se vamos analisar documentários que visam dar voz a “outros”
subalternos, marginalizados ou oprimidos, é pertinente então buscar entre estes docu-
mentários, aqueles que retratam as condições de vida, de justiça e injustiça, de opressão
dos grupos mais marginalizados. Documentários sobre os povos indígenas por exemplo
caberiam muito bem aqui pois são um dos grupos mais marginalizados, oprimidos e
silenciados. Documentários sobre criminalidade, violência, favelas, entre outros temas
geralmente reconhecidos sob o termo “exclusão social” também cabem aqui. Os filmes
que vamos buscar tentam por meio de diferentes estratégias provocar intervenções nos
discursos e práticas sobre marginalidade social, tentam dar voz a “outros” que sofrem
marginalização e opressão, como um meio de intervir para mudanças. Vamos constituir
nossa amostragem fílmica pelo tipo que cunhamos aqui sob o conceito de documentário
engajado, ou seja: documentários que buscam legitimar a voz de “outros” subalternos,
marginalizados ou oprimidos e através dessas vozes lançar seus posicionamentos sociais,
culturais e políticos visando mudanças.
Nossa amostragem fílmica será centrada em documentários que tenham um perso-
nagem central, como por exemplo no estilo de documentário character-driven. Essa redu-
ção da amostragem se justifica por dois motivos. Primeiro, pela questão da dificuldade
de análise do conceito de “voz” em filmes com vozes contraditórias ou opostas entre si.
As vozes seriam muitas e embora o documentário imprima sua voz (NICHOLS, 2012,
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A Voz dos Outros na Voz do Documentário
p.72), teríamos muitas questões a resolver e acabaríamos imprimindo nossa própria voz
de pesquisador como aquela que seleciona as vozes e tece suas inter-relações de poder
e de saber. Com a escolha por trabalhar com filmes em que apenas uma voz individual
é central e legitimada (ao menos como um de seus efeitos), com filmes com persona-
gens centrais, escapamos um pouco de uma maior imposição de relações e sentidos
pela nossa voz de pesquisador. Em segundo lugar, ao reduzir a amostragem a filmes
que possuem uma voz central de um personagem principal, estaremos possibilitando
uma análise comparativa entre filmes, com o eixo comparativo sendo o conceito de voz
definida como individual e central ao filme. Deste modo, o conceito central, a “voz do
outro na voz do documentário”, pode ser analisado e discutido em filmes que possuem
seus personagens centrais próprios, todos eles tendo que se encaixar na definição de
“documentário engajado” já definida para este projeto.
Ao buscar sondar como trabalham e que efeitos conseguem atingir os documentários
engajados, essa pesquisa se propõe auxiliar a produção engajada do documentário
lançando as seguintes questões: Quais os critérios que podem definir a relação que se dá
entre quem faz uma representação audiovisual e o “outro” que está sendo representado,
por uma relação de solidariedade? É possível representar com o “outro” representado
participando como mais uma voz? A voz do realizador tende a ter mais poder de
representação porque vai recortar, vai excluir/incluir, vai decidir a história que vai ser
contada e como vai ser contada. Mesmo assim, é possível fazer ouvir a voz do “outro” num
documentário? Produzir documentários exige nossa contínua reflexão sobre os efeitos
de nossas ações, por serem representações do mundo já cheio de outras representações,
e pelo audiovisual ter alcançado um status social de verdade nas sociedades atuais.
A hipótese principal dessa pesquisa é que é possível definir critérios de análise
crítica da inserção das vozes de “outros” no documentário e que tem efeitos práticos
para essas inserções pelos realizadores, mesmo com um grande distanciamento crítico
em relação a formas essencialistas de representação que embasam esses critérios.
O projeto inclui a análise crítica da bibliografia sobre a voz no documentário,
políticas da representação do “outro” e métodos e técnicas em documentários que visam
causar mudanças sociais, culturais ou políticas, e discussões sobre ética e política no
documentário.
Para analisar criticamente os documentários da amostra, vamos utilizar das
perspectivas desconstrucionista (DERRIDA), discursiva (FOUCAULT) e pós-colonial
(BHABBA; SPIVAK) como legados do pensamento social que evitam os dualismos
históricos característicos do pensamento ocidental como verdadeiro/falso, indivíduo/
sociedade, sujeito/objeto e centram-se na análise crítica da operação de narrativas e de
produtos culturais como produtores de verdades, subjetividades e relações de poder.
Homi Bhabha, um importante pensador pós-colonial, utiliza o conceito de hibridismo
para descrever a presença de um espaço de alteridade dentro do processo cultural, da
colonização especificamente. Hibridismo é a diferença sempre presente em qualquer
produção cultural. Para o autor, a resistência à opressão não pode ser reduzida a um
ato de oposição de intenção política. O hibridismo está sempre já presente em qualquer
forma de relação de dominação que envolva discursos e práticas culturais. É assim que
a modificação e multiplicidade de discursos e práticas culturais sempre está operante,
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A Voz dos Outros na Voz do Documentário
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A construção da identidade e a política de
representação em Olhe pra mim de novo
The identity construction and the
representation in Look at me again
E d u a r d o Pa s c h o a l de Sousa1
A IDENTIDADE CULTURAL de cada indivíduo e como ela se forma sempre foi dis-
cutida e pesquisada por inúmeros estudiosos. Admite-se aqui que a identidade
– assim como a diferença – são construções sociais e culturais e, portanto, alte-
radas com o tempo (HALL, 2013).
Se não há um momento originário da identidade e ela é uma construção individual,
também pode ser modificada a todo instante. Silva (2000) constata que a identidade é
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A construção da identidade e a política de representação em Olhe pra mim de novo
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A construção da identidade e a política de representação em Olhe pra mim de novo
Para Xavier (2005, p. 14), o cinema é um discurso composto por imagens e sons
e, “a rigor, sempre ficcional, em qualquer de suas modalidades; sempre um fato de
linguagem, um discurso produzido e controlado, de diferentes formas, por uma fonte
produtora”.
A construção de uma identidade, quando retratada em um documentário, está longe
de ser uma reprodução da realidade. E não mais uma identidade apenas do indivíduo,
mas junto dela também se constrói a identidade do discurso. Sobre esse aspecto, Soares
(2010, p. 70) destaca que “o discurso constrói, em um mesmo movimento, sua identidade
e sua relação com outros discursos”. Dessa forma, esse processo tem de ser analisado
também sob o ponto de vista do discurso cinematográfico, além da construção da
identidade individual.
Ainda que haja determinada história e que o personagem realmente leve aquela
vida, no momento em que ele é objeto de uma obra cinematográfica documental, ele
se torna produção do discurso, personagem de uma obra que está longe da isenção ou
da assepsia translúcida da realidade. Ele passa a representar, ainda que represente a si
mesmo. A câmera pode presenciar o acontecimento, mas ele sempre será uma construção:
O documentário sempre foi uma forma de representação, e nunca uma janela aberta para a
‘realidade’. O cineasta sempre foi testemunha participante e ativo fabricante de significados,
sempre foi muito mais um produtor de discurso cinemático do que um repórter neutro ou
onisciente da verdadeira realidade das coisas. (NICHOLS, 2005, p. 49)
É por esse motivo, também, que analisamos Sillvyo Luccio neste artigo como um
personagem de uma narrativa e não um produtor de seu próprio discurso. O cineasta
Eduardo Coutinho, famoso por seus filmes centrados em histórias de pessoas contadas
frente às câmeras, faz o seguinte comentário sobre a relação do documentarista com
seus entrevistados:
A respeito da relação entre pessoa e personagem, ocorre algo interessante. Na filmagem,
encontro-me com uma pessoa durante uma hora, sem a conhecer de antemão, às vezes nunca
mais a vejo depois disso. E na montagem, durante meses, lido com ela como se fosse um
personagem. Ela é, de certa forma, uma ficção, por isso a chamo de personagem, já que ela
“inventou”, numa hora de encontro, uma vida que nunca conheci. (COUTINHO, 2014, p. 175)
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A construção da identidade e a política de representação em Olhe pra mim de novo
No filme Olhe pra mim de novo, Sillvyo Luccio narra esse processo ao lado de amigos
que o ajudaram a conceber sua nova identidade civil e explicitam a configuração de
suas características identitárias. Na cena, eles estão sentados em uma mesa e Sillvyo,
em pé, inicia a explicação:
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A construção da identidade e a política de representação em Olhe pra mim de novo
SILLVYO: O nome “Sillvyo Luccio” é que surgiu dessa jovem aqui [aponta a amiga Tina]. (...)
Ela se incomodava que eu usava o sobrenome Silva, mas ela achava feio, que ela começou a
dizer “Não, Silva não, Sillvyo”. E eu chegando em casa, conversando com a minha esposa,
ela achou bonito o nome Sillvyo. Conta aí, Tina!
TINA: Em um desses encontros que a gente estava, não que eu me incomodava, assim, mas
como papel de transexual que o Sillvyo queria ser, então ficava feio ele se chamar Nucia,
Nucio, Silva. E Silva para mim não era um nome tanto masculino, então para ficar um papel
mais masculino tinha que ter um nome de homem, então Sillvyo Luccio ficaria melhor. (...)
AMIGO: E aí a gente começou a questionar essa história de o Sillvyo Luccio querer ser cabra
macho sim senhor, como a gente diz aqui no Ceará, com nome de mulher e cabelo grande
ainda, né. E aí a gente começou a construir o Sillvyo, né como é que ele tinha que ser.
Nas palavras do amigo de Sillvyo, é possível perceber que a nova identidade foi
construída, elaborada para corresponder a um anseio do personagem em se tornar
fisicamente aquela pessoa que havia dentro de si. Para Silva (2000), a identidade está
ligada a estruturas discursivas e narrativas e também a sistemas de representação. No
caso de Sillvyo, para que ele alcance sua readequação de gênero, ele também teve de
corresponder à representação social dessa nova condição.
Essa representação social tinha de obedecer ao sistema imagético da verossimilhança.
Do mesmo modo que é comum à narrativa uma busca pela proximidade do real, na
construção da imagem de Sillvyo Luccio também havia a necessidade do realismo. É
como se ele buscasse assumir um papel de acordo com a imagem ideal de homem que há
em sua experiência, referenciando em sua identidade um discurso que já havia ressoado
em sua memória. Rancière (2010) discorre sobre essa verossimilhança necessária às artes
que buscam uma aproximação à realidade:
Verossimilhança não é somente sobre que efeito pode ser esperado de uma causa; ela tam-
bém diz respeito ao que pode ser esperado de um individuo vivendo nesta ou naquela
situação, que tipo de percepção, sentimento e comportamento pode ser atribuído a ele ou
ela. (RANCIÈRE, 2010, p. 79)
O personagem rejeita outro tipo de homem que não seja condizente com as
características e, portanto, não seja verossimilhante àquilo que ele imagina como próprio
dessa identidade.
Nesse processo também há a diferença, a validação da identidade por meio da
negação. Na continuação da cena transcrita acima, há a ilustração desse conceito. Uma
amiga narra a sugestão que deu a Sillvyo, de que seu nome deveria ter “o Y no Sillvyo,
que vai ficar bonito”. Ele rejeitava, porque “falava ‘eu não sou gay’. Eu disse ‘tá vendo
como tu é macho? Nem viado tu quer ser. Quer ser é homem mesmo’”.
Para Sillvyo – cuja grafia acabou sendo adotada conforme a sugestão da amiga –, um
nome escrito diferente do padrão, do que julgava que era o retrato de sua identidade, era
se desviar do seu propósito e se aproximar de outro grupo, vulnerável a preconceitos
naquela sociedade. Silva (2000, p. 75) afirma que a identidade e a diferença estão sempre
conectadas: “As afirmações sobre diferença também dependem de uma cadeia, em geral
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A construção da identidade e a política de representação em Olhe pra mim de novo
WIDNA [se voltando a Sillvyo]: Quando eu estou contigo, eu sou hétero, né, porque tu é
homem. Se eu me separar, eu sou lésbica [risos].
Mesmo que haja a vontade de se ter uma identidade já conhecida, há também uma
dificuldade evidente para o personagem em se adequar. Silva (2000, p. 87) afirma que
uma identidade formada a partir do hibridismo, ou seja, cuja origem é marcada por
vários processos de identidade, não é mais integralmente nenhuma das identidades
originais, mesmo que mantenha traços delas.
Além da questão comportamental, no caso de Sillvyo há ainda o dilema físico. Ele
resume esse problema ao constatar que, se não fosse a necessidade de uma transformação
física, ele seria o homem que tanto almeja se tornar: “Eu vestido sou um homem. Eu
de paletó eu sou um homem, caminhando na rua eu sou um homem. Mas quando eu
entro no quarto fazer amor, (...) é como se caísse a máscara”.
A imagem do documentário ajuda o espectador a observar que a construção física
de Sillvyo muito se assemelha ao homem que ele descreve, mas é por meio de seus
depoimentos em caráter confessional à câmera que se podem notar as minúcias desse
processo de transformação.
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A construção da identidade e a política de representação em Olhe pra mim de novo
ele é respeitado como é, mesmo que vez ou outra as pessoas tenham curiosidade e
comentem a respeito de sua transexualidade.
Em uma cena em que o personagem está junto de sua antiga companheira, com
quem viveu por cinco anos, ele narra um episódio que ocorreu com um de seus enteados,
que ele considera um filho mesmo após a separação:
SILLVYO: Quando eu vou ao colégio do Breno, lá dentro da sala de aula, a última vez que
eu fui lá conversar com o professor numa reunião, aí ele disse que o coleguinha dele disse
assim “ó, aquele ali é o pai do Breno”, entendeu? Aí o outro disse “não, menino, é a mãe do
Breno!”. Ele “Não, ele é Sillvyo Luccio agora, é o pai do Breno”.
Por mais que a ex-companheira de Sillvyo seja contra uma cirurgia de mudança de
sexo biológico, ela explica sua oposição dizendo que seria muito drástico, em sua idade,
uma intervenção desse tipo. E termina sua justificativa da seguinte forma: “Mexer em
que? Se todo mundo respeita ela como ele”.
A ideia dos diretores de partir com Sillvyo Luccio para uma viagem é deslocá-lo
desse ambiente familiar e levá-lo a outras cidades, “tirar o personagem de sua ‘zona de
conforto’. (...) Uma metodologia de olhar baseada no movimento” (GOIFMAN; PRISCILLA,
2012). A aproximação da personagem com outras pessoas, que não o conhecem e que
também passam, por outras razões, por preconceitos e estigmatizações, faz com que ele
reafirme sua identidade e ponha à prova seu lugar social.
O documentário relata vários encontros, com famílias diversas. Todas estão ligadas
por problemas e questões relacionadas à genética. Esses encontros foram produzidos
pelos diretores do filme, motivados por um desejo de Sillvyo Luccio em ter um filho de
sua atual companheira, unindo seu material genético com o dela em um mesmo óvulo,
que seria fecundado por material de um doador anônimo.
O deslocamento é inicialmente proposto com o objetivo de visitar uma clínica gené-
tica e analisar se a situação imaginada por eles seria possível. Mas é possível perceber
que o caminho foi produzido como um objeto fílmico, elaborado para ser filmado.
Sobre esses fatos que são produzidos apenas para as câmeras, Da-Rin (2004, p. 163)
comenta que só podem ter espaço na própria obra: “É um fato fílmico por excelência,
composto tanto do factual quanto do imaginário, com dimensões tornadas indissolúveis”.
Ramos (2011, p. 170) nomeia esse tipo de encenação, produzida especificamente
para o filme documentário, de “encenação-locação”. Para o autor, essa mise-en-scène não
pode ser definida como completamente encenada, artificial, pois há um desenrolar não-
previsto dos acontecimentos, ainda que sejam provocados em seu início: “A encenação-
locação envolve ações preparadas especificamente para a câmera, mas nela já sentimos
em grau maior a indeterminação e intensidade do mundo em seu transcorrer”.
Mesmo nas cenas que retratam o desenrolar cotidiano do personagem, Ramos
acredita que há uma intervenção, e as classifica como “encenação-direta” ou “encena-
ação” (idem, p. 171), já que “os comportamentos cotidianos surgem modulados pela
intrusão do sujeito que sustenta a câmera”.
Não é possível saber se Sillvyo algum dia se encontraria com aquelas pessoas.
Tampouco se ele teria as mesmas reações, não fosse especificamente para o filme, e
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A construção da identidade e a política de representação em Olhe pra mim de novo
mesmo se as pessoas com quem interage, longe do foco das câmeras, o tratariam da
mesma forma.
Em um desses momentos de afirmação de sua identidade e manifestação da dife-
rença, ele explica a um grupo de garotos e garotas gays e travestis, reunidos na praça de
uma das cidades que visita: “Eu fui uma lésbica e hoje eu sou um homem”. É interessante
notar que ele está seguro e desenvolto ao esclarecer dúvidas como essas. Esse encontro
talvez só tenha existido em razão e para as câmeras, mas foi por meio do contato com
o outro diferente, desconhecido, mas muito próximo, que a construção da identidade
fica mais evidente.
Sobre a curiosidade constante das pessoas, ele comenta com voz em off, enquanto
as imagens são do personagem chegando a um bar: “Eu entro em um espaço público,
em uma loja, em um shopping, e aí as pessoas olham braguilha, cara, braguilha... Elas
ficam indecisas. Elas não sabem se se dirigem a mim como senhor, como senhora...”.
Em um dos momentos finais do longa, há o encontro entre o personagem e sua filha
(Tereza), concebida ainda na juventude. Sua relação com ela é difícil e durante todo o
filme ele negocia para que esse encontro aconteça frente às câmeras. O diálogo é direto
e difícil. Tereza não compreende o porquê de seu processo de construção da identidade
masculina:
TEREZA: Eu não consigo entender, e eu acho que se eu não entendi até hoje, eu acho pouco
provável que eu vá entender depois, eu não sei. Ela poderia ter a orientação dela, para quê
fazer cirurgia, para quê se vestir dessa forma? Precisa provar algo para alguém? Eu acho
que ela não precisa provar nada para ninguém. Se ela é assim, é assim, tem que ser feliz,
tudo bem.
SILLVYO: Eu não quero passar, me ausentar desta vida, sem que eu consiga ser eu.
Ele deixa claro que não se trata de uma mudança, mas uma adequação a sua real
identidade. Ao continuar a falar sobre sua difícil relação com sua família e como é
problemático esse embate, Sillvyo diz que vê-lo como homem é motivo de tristeza para
sua mãe. Sempre que vai falar de si, em frente à filha, Sillvyo se retrata no feminino. Ele
explica a opção pelos vocábulos femininos para a câmera, dizendo que não pode deixar
de ser a mãe de Tereza e, por isso, é a única pessoa que ele aceita que o trate por “ela”.
Em todas essas cenas, podemos notar que o encontro com o outro, motivado pelo
documentário, produz o embate e a afirmação da identidade no personagem. Gera tanto a
verdade de sua identidade, quanto a verdade do filme, e justifica a opção dos realizadores
pelo deslocamento rumo ao desconhecido, na busca por si mesmo na ótica do outro.
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A construção da identidade e a política de representação em Olhe pra mim de novo
A razão da ficção espera uma ordenação de fatos e reações que busquem a veros-
similhança e a tradução em imagens da verdade do discurso, não a realidade em si.
Foucault (1996, p. 48) atribui ao discurso a função de reverberar uma verdade sendo
construída diante dos próprios olhos. No regime representativo, esse discurso age bus-
cando cumprir expectativas: dos realizadores, do espectador e da própria ordenação
da narrativa.
Essas operações, segundo Rancière (2012, p. 14), são relações entre o dizível e o
visível, entre uma visibilidade e uma potência de significação; determinados papeis
das imagens sociais em que há expectativas que vêm preenchê-los. Independente do
retrato que torna Sillvyo Luccio um personagem único, há também o imaginário social
de um transexual masculino, que influencia – intencionalmente ou não – na narrativa.
Ao analisarmos a relação do personagem com o outro, o outro da câmera – como
movimento do próprio do cinema –, e uma terceira relação, do discurso produzido,
notamos o reforço de estereótipos e preconceitos do homem que o personagem busca
construir. Por exemplo, em um trecho do longa em que ele comenta sua relação com
as mulheres e amplia essa relação para todos os homens daquele círculo: “Tem um
termômetro em mim, no nordestino, que é assim, tem um grau de amizade que a gente
vai e faz um lanche, sabe, come a marmita. Tem um grau de amizade que vira irmã”.
Ao se igualar, diante das câmeras, a esse homem e generalizar sua relação com as
mulheres da forma como se dá, Sillvyo Luccio realiza um duplo movimento da identi-
dade: se identificar com o homem que quer ser e se distanciar da mulher que já foi, em
uma construção simbólica da identidade e da diferença.
É impossível precisar como teriam sido os acontecimentos se não houvessem as
lentes da câmera. Da mesma forma que nunca saberemos como seria a postura do
personagem sem a gravação, seleção, edição e montagem dos planos por parte dos
realizadores.
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A construção da identidade e a política de representação em Olhe pra mim de novo
Como aponta Rancière (2012, p. 33), “as obras são como ícones que atestam um
modo singular da presença sensível, subtraído às outras maneiras como as ideias e as
intenções dispõem os dados da experiência sensível”. Essa exposição frente à lente e
projetada na grande tela é a testemunha de uma “copresença originária dos homens e
das coisas, das coisas entre elas e dos homens entre eles”, um momento de afirmação
de que aquela imagem existe e está ali representada.
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Avenida Brasil: uma leitura da telenovela
sob a luz do melodrama
Avenida Brasil: a soap opera read from
melodrama’s view
Luís Enrique Cazani Júnior1
Abstract: The article presents the remaining caracterics of the french melodrama
in the first phase of the soap opera Avenida Brasil (2012), written by João Emanuel
Carneiro. It’s contains: the constitution by Oroz (1992), the classical, romantic and
diverse currents by Thomasseau (2005), the expansion of gender as aesthetic in
Brooks (2005), characters and the elements of the voluminous substrate of this
artistic representation: apart, monologue, dialogue, confidential information,
tableau, ballet, song, mishap, recognition, catastrophe and theatrical coup. The
methodological protocol was established in the comparative analysis of the
first seven chapters of the soap opera with the classic melodrama Coelina or the
Mystery Daughter, written by René Charles Guilbert of Pixerécourt. There is a
marked degree of similarity between the structures.
Keywords: Audiovisual. Soap Opera. Melodrama. Avenida Brasil.
1. Bolsista de Mestrado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo com o projeto “Da
veiculação em fluxo contínuo para a disponibilização: o gancho na produção de sentido da telenovela
Avenida Brasil”, processo 2014/10135-3, orientado pelo Dr. Arlindo Rebechi Júnior na Faac/Unesp. E-mail:
cazani.unesp@hotmail.com
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Avenida Brasil: uma leitura da telenovela sob a luz do melodrama
INTRODUÇÃO
2. Segundo ele “it is equally preoccupied with nightmare states, with claustration and thwarted escape,
with innocence buried alive and unable to voice its claim to recognition” e ainda, “it tends to diverge from
the Gothic novel in its optimism, its claim that the moral imagination can open up the angelic spheres as
well as the demonic depths and can allay the threat of moral chaos”.
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Avenida Brasil: uma leitura da telenovela sob a luz do melodrama
A ESTÉTICA MELODRAMÁTICA
Brooks (1995) credita ao vocábulo melodrama a capacidade de representar uma
concepção artística originada na efervescência das revoluções burguesas na Europa.
Ao caracterizá-la, definindo-a como uma estética expressionista centrada no homem e
na moralidade, o autor postula sobre a superação dos limites conferidos pelo gênero de
teatro com a sua extensão a inúmeros produtos culturais.
As conotações da palavra são provavelmente semelhantes para todos nós. Elas incluem: a
indulgência de forte emotividade; a polarização e a esquematização moral; estados, situ-
ações ou ações extremas; vilania com a perseguição do bem e a recompensa da virtude;
expressão extravagante; tramas escuras, suspense e peripécia de tirar o fôlego3 (Brooks,
1995, p.11-12).
3. “The connotations of the word are probably similar for us all. They include: the indulgence of strong
emotionalism; moral polarization and schematization; extreme states of being, situations, actions; overt
villainy, persecution of the good and final reward of virtue; inflated and extravagant expression; dark
plottings, suspense, breathtaking peripety”.
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Avenida Brasil: uma leitura da telenovela sob a luz do melodrama
À parte
À parte ou aparte, do francês à part, é um recurso dramático empregado para revelar
ao público as reações e os posicionamentos da personagem diante de uma ação encenada.
Ao externalizar os sentimentos, os pensamentos e as intencionalidades, esse expediente
promove a clareza no texto cênico. A natureza da revelação deve ser transgressora ou
danosa, manifestando-se por meio de uma breve verbalização. O elemento estabelece
uma relação de cumplicidade com a plateia, tornando a informação anunciada restrita
a ela. Não está implícito a necessidade de romper a ilusão teatral para a sua utilização.
Em Coelina ou a Filha do Mistério há inúmeros à parte. A chegada de Truguelin
angustia a mocinha Coelina que clama aos céus para não afastar-se de seu amor,
Stephany: “Coelina (à parte): Ó Deus, não permita que me separem de quem me quer
4. Para Brooks (1995) “polarization is both horizontal and vertical: characters represent extremes, and they
undergo extremes, passing from heights to depths, or the reverse, almost instantaneously. The middle
ground and the middle condition are excluded”.
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Avenida Brasil: uma leitura da telenovela sob a luz do melodrama
bem” (Pixerécourt, 1800, p.15). Há, ainda, o anúncio da intervenção do vilão Truguelin
quando Dufour pede que Coelina convença Francisque de permanecer em sua casa:
“Truguelin (à parte): Isso é o que eu vou impedir” (Pixerécourt, 1800, p.17). Por fim,
Truguelin demonstra medo ao deparar-se com um policial em sua fuga: “Truguelin (à
parte e colocando a mão rapidamente no bolso): Estou tremendo” (Pixerécourt, 1800, p.44).
Na primeira fase de Avenida Brasil (2012) há três à parte. O poder de convencimento
exercido por Carminha incita a utilização do elemento para não confundir o público
de suas reais intenções. O elemento revela posturas contrárias às encenadas por ela.
Destaca-se, ainda, que não há a quebra da quarta parede na telenovela. No segundo
capítulo, Carminha está em lágrimas pelo anúncio do falecimento de Genésio e acom-
panha a saída dos policiais. Com a partida, Carminha comemora a notícia: “Dá-lhe,
Carminha. Eu não acredito. Esse foi um gol de placa. Morreu. Morreu”. Ainda, neste
capítulo, após o enterro de Genésio, Carminha é convidada pelo jogador Jorge Tufão
para almoçar numa churrascaria no dia seguinte. Após despedir-se, Carminha deixa
as falsas lamúrias da morte de lado e reage incrédula: “Não tô acreditando. Não estou
acreditando. Será que hoje é meu dia, Meu Deus? Nossa. Dá-lhe, Carminha”. Por fim, no
quinto capítulo da telenovela, Carminha recebe a visita da mãe de Tufão, Dona Muricy.
A vilã recebe bem a futura sogra que a presenteia com um pote de doce e as chaves da
casa de Cabo Frio. Com a saída de Muricy, Carminha despeja o doce no lixo: “Docinho
de mamão caseiro. Ô velha esclerosada. Cê caiu do céu hein? Aqui, na minha mão”.
Diferentemente da matriz melodramática em Avenida Brasil(2012) o elemento torna-se
de uso exclusivo da vilã.
Monólogo
Verbalizações reflexivas, extensas e solitárias são comumente conhecidas na
dramaturgia como monólogos. É natural uma aproximação do conceito com à parte,
já que em ambas as situações não há personagem como interlocutor. Ao compará-los,
detona-se que a métrica e a relação que estabelecem os distinguem. Ao analisar a sua
natureza, Thomasseau (2005, p.31) indica a existência de dois tipos: o recapitulativo é
utilizado “sempre que uma situação emaranhada obrigue a lembrar o sentido da trama”
enquanto o patético “serve para suscitar e manter o pathos, seja o do vilão, que depois de
mentir para todas as outras personagens diz a verdade ao público e traz à luz o negrume
de sua alma ou seus remorsos”.
No início do terceiro ato de Coelina ou a Filha do Mistério há um extenso monólogo
patético ao qual apresenta-se um trecho a seguir. Ocultando sua identidade sob o disfarce
de um camponês, Truguelin lamenta os infortúnios enquanto foge pelas montanhas.
Truguelin: Onde estou? E de quem é essa voz ameaçadora? Céu! Essa ponte...essas rochas...
este rio. Ele é lindo. Lá minha mão criminosa derramou o sangue de um infeliz. Ó terra!
No teu seio, sou monstro indigno de vida. Ó Deus, você me fez tão mal entendido por
tanto tempo. Ver o meu remorso, meu sincero arrependimento derramado sobre mim, este
bálsamo consolador. Pare, desgraçado!(Pixerécourt, 1800, p.41)
Destaca-se que não há monólogos na primeira fase da telenovela Avenida Brasil (2012).
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Avenida Brasil: uma leitura da telenovela sob a luz do melodrama
Diálogos
O melodrama estabelece-se fundamentalmente na oralidade. O diálogo pressupõe
a existência de, pelo menos, duas personagens no ato comunicativo. A natureza da sua
informação5 pode determinar o curso da ação e instaurar novos percursos na história,
principalmente, quando a informação é confidencial. Ela promove desdobramentos
significativos no drama e envolve uma relação de cumplicidade entre as personagens.
Em Coelina ou a Filha do Mistério, Truguelin confidencia-se com sua empregada
Germain, demonstrando preocupações quanto a presença de Francisque na casa de
Dufour. Essas confidências são ouvidas por Coelina que constata as verdadeiras inten-
ções do vilão. Há, também, a confidência da mocinha com Tienette, revelando sua
paixão por Stephany.
No primeiro capítulo de Avenida Brasil (2012), Rita ouve Carminha tramando um
golpe por telefone. Suas confidências com Max também são ouvidas por Genésio.
No segundo capítulo, Tufão confidencia-se com Monalisa, revelando que atropelou e
matou Genésio. O revelar de ambas as situações promovem alterações significativas: o
desmascaramento de Carminha e o término do relacionamento de Tufão e Monalisa.
Na tessitura da história, as armações de Carminha e Max são reveladas através desse
recurso.
Quadro Vivo
Quadro vivo, do francês tableau vivant, é a forma de sublinhar as emoções e as expres-
sões das personagens, tornando-as estáticas na cena. Em Coelina ou a Filha do Mistério,
o recurso é utilizado tando no ápice da tensão de cada ato quanto na constituição de
momentos de distensão. No primeiro ato, Truguelin ataca Francisque com a ajuda de
Germain: “Truguelin puxa uma adaga de seu seio. Francisque retira uma arma de fogo.
Germain agarra firmemente o braço direito e pega sua arma. Tableau” (Pixerécourt,
1800, p.22). Ha, ainda, o seu emprego durante o romanceio de Stephany e Coelina no
segundo ato, na prisão de Truguelin e no encerramento da peça, ambos no terceiro ato.
O expediente é empregado em Avenida Brasil diante das reações das personagens nas
passagens de cenas, blocos e capítulos da telenovela. Acentua-se os efeitos de sentido
por meio do close e do congelamento da tela no término do capítulo.
5. De acordo o padrão clássico narrativo de Vladimir Propp, uma informação pode revelar uma transgressão
a ser utilizada na promoção de danos na situação inicial.
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Avenida Brasil: uma leitura da telenovela sob a luz do melodrama
Balé e Canção
Apresentações de números musicais e dança são frequentes no melodrama clássico,
situadas nos momentos de distensão dramática. As raízes na musicalidade das matrizes
fundamentais do drama admite naturalmente essa inserção. Em Coelina ou a Filha do
Mistério, há dois momentos em que são encontrados os recursos: no romanceio de
Stephany e Coelina no segundo ato e no encerramento da peça no terceiro ato. Já a
primeira fase de Avenida Brasil (2012) apresenta danças em momentos específicos:
comemoração do título do Campeonato Carioca de Tufão, o samba no seu casamento
com Carminha no Divino Futebol Clube e nas cenas do réveillon. Destaca-se a presença
da dança na abertura da novela e na segunda fase através do gênero charme.
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Avenida Brasil: uma leitura da telenovela sob a luz do melodrama
que são relatados, tais como, a marca do carro indicada no laudo do acidente, equívocos
sobre a localidade da casa ao levá-la e o nome da ex-mulher de Genésio, a vilã conclui
que Tufão pode ter sido o responsável pelo atropelamento que vitimou Genésio.Ainda
que não esteja no período do corpus analisado, destaca-se que no centésimo capítulo,
após encontrar uma foto da moçoila no quarto de Nilo, Carminha descobre que sua
cozinheira Nina é Rita.
É comum encontrar na literatura a associação de peripécia à aventura. Essa situação
dramática que institui uma reação contrária a esperada gera um percurso visando
reequilibrar as forças. Ao debruçar-se sobre esse conceito, destaca-se a tradução de
Gazoni (2006) que ressalta que o conceito não estabelece-se apenas com a alteração de
polos, mas necessita manifestar a imprevisibilidade nos acontecimentos.
Como a mudança de fortuna se dá tanto no enredo simples como no enredo complexo, mas a
peripécia é exclusiva do segundo, forçoso é reconhecer que “a mudança dos acontecimentos
no seu contrário” não se refere à passagem da fortuna (eutukhia) para o infortúnio (dustukhia)
ou vice-versa, preceituada no final do capítulo 7. Como a frase he eis to enantion tôn prattome-
nôn metabolê (“a mudança dos acontecimentos no seu contrário”) é genérica o bastante para
comportar também a mudança de fortuna, faz-se necessário entender hathaper eiretai (“da
maneira como dissemos”) como restrição que limita seu alcance. As traduções, então, ligam
o kathaper eiretai não ao final do capítulo 7 (1451 a 12-15), mas ao trecho final do capítulo 9,
mais precisamente a 1452 a 2-4. Se essa hipótese é correta, como parece, à peripécia sempre
estará associado um elemento inesperado (para tên doxan...) mas que conserva um caráter
causal. (Gazoni, 2006, p.74)
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Avenida Brasil: uma leitura da telenovela sob a luz do melodrama
Personagens
O melodrama é composto prioritariamente por uma tríade de personagens: protago-
nista, antagonista e comediante. O drama apresenta, portanto, duas linhas dramáticas:
tensiva e distensiva. Acrescenta-se ao rol de personagens confidentes ou auxiliares. Em
Coelina ou a Filha do Mistério, Truguelin é o antagonista, tendo Germain como auxiliar.
Coelina é a protagonista e tem Tienette como auxiliar. Coelina é protagonista-vítima e
protagonista-heroína. Na linha distensiva encontra-se Faribole. Em Avenida Brasil (2012),
Rita é Coelina é protagonista-vítima e protagonista-heroína, tendo como auxiliar Mãe
Lucinda. Carminha é a antagonista e tem como confidente Max. Na linha distensiva
encontramos as trapalhadas de Cadinho. Em ambas as histórias há um casal, Coelina
e Stephany – Tufão e Monalisa, além de patriarcas que sofrem algum tipo de dano:
Franscique e Genésio.
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Avenida Brasil: uma leitura da telenovela sob a luz do melodrama
CONSIDERAÇÕES FINAIS
À parte, monólogo, diálogo, informação confidencial, quadro vivo, balé, canção,
peripécia, reconhecimento, catástrofe e golpe de teatro integram tanto o caudaloso
susbtrato do melodrama francês representado aqui por Coelina ou a Filha do Mistério
quanto Avenida Brasil (2012). A telenovela, como uma reelaboração da matriz melo-
dramática, mantém os fundamentos do gênero, apresentando um grau acentuado de
similaridade. Modifica-se a natureza da linguagem permanecendo essa representação
cênica no registro audiovisual.
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Representações sociais e rearticulações
discursivas na teledramaturgia brasileira
Social representations and discursive
rearticulations in Brazilian teledramaturgy
Daniel e Gross 1
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Representações sociais e rearticulações discursivas na teledramaturgia brasileira
Daniele Gross
Thus, from these analyzes, we will bring our considerations about media repre-
sentations and their rearticulations, demonstrating the importance that these
discourses are in the midst of a society that gives much value to television and
his dramaturgy.
Keywords: Brazilian Teledramaturgy. Social Representations. Discoursive
Rearticulations.
INTRODUÇÃO
As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se entrecruzam e se
cristalizam continuamente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, em nosso
mundo cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos
que nós produzimos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos. Nós sabemos
que elas correspondem, dum lado, à substância simbólica que entra na sua elaboração e, por
outro lado, à prática específica que produz essa substância, do mesmo modo como a ciência
ou um mito correspondem a uma prática científica ou mítica (MOSCOVICI, 1961/1976, p.
40-41 apud DUVEEN, 2013, p. 10).
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Representações sociais e rearticulações discursivas na teledramaturgia brasileira
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Representações sociais e rearticulações discursivas na teledramaturgia brasileira
Daniele Gross
contexto’, posicionado. [...] todos os discursos são ‘localizados’ [...]”. Assim também são
os discursos midiáticos, sejam os da teledramaturgia, sejam os das obras de não-ficção.
Assim, quando analisamos discursivamente essas representações de outra época,
quando um programa fala de um tempo que não é o seu, quando carrega um discurso
historicizado, podemos afirmar que essas enunciações sempre serão carregadas pelas
formações discursivas e pelos discursos circulantes do tempo datado de sua enunciação
e não apenas de sua representação, ou do que se conhece como pertencente ao período
retratado. Em outras palavras, quando a série dá como já existente uma democracia racial
em uma sociedade que sequer tinha aprovado a Lei Rio Branco, popularmente conhecida
como Lei do Ventre Livre –, que considerava livres os filhos de mulheres escravas, que
nasceram a partir da aprovação da medida, em 28 de setembro de 1871 –, corrobora a
afirmativa de que um discurso traz em si enunciações de seu tempo, não importando
o tempo diegético da narrativa.
E se é verdade que as minisséries são apresentadas como um produto de ficção
televisiva, também é verdadeiro afirmar que essa ordem naturalista impetrada a seus
produtos é algo elaborado para manter a audiência próxima, buscando vínculos – tal
como as telenovelas.
Se, na afirmativa de Ferro, o filme “vale por aquilo que testemunha” (1976, p. 203),
o mesmo podemos dizer das narrativas televisuais, que, mesmo fictícias, são pautadas
na verossimilhança, sendo, como já tratado, representantes da sociedade em que estão
inseridas.
Se em nossas enunciações ressoam interferências sócio-histórico-culturais, o
mesmo se dá nas representações criadas, seja em nossos discursos do dia a dia, seja
nas construções existentes na nossa teledramaturgia. “A telenovela também deve ser
entendida como um produto cujo discurso é híbrido por natureza. Ela apresenta uma
mistura de sons, imagens, conversas com outras plataformas midiáticas e um misto de
gêneros” (BARBOSA; TRINDADE, 2007, p. 59-60 apud MAURO; TRINDADE, 2012b, p.
172). Ou, como nos traz Possenti, “[...] um texto é tipicamente heterogêneo” (2009, p. 47).
Visto os programas aqui analisados – ressalvadas suas particularidades – terem
estrutura narrativa semelhante à de uma telenovela, aplicamos o mesmo conceito. Assim,
parafraseando os autores citados, diríamos: a teledramaturgia, em seu contexto geral,
deve ser compreendida como um discurso híbrido – ou heterogêneo – por natureza.
Sobre a importância da telenovela [teledramaturgia], Mauro e Trindade também nos
trazem que
Ao fazer parte do cotidiano e da cultura material da nação, a telenovela [séries/seriados],
enquanto obra artística e cultural, funciona como um discurso social e ideológico que reflete
as ideias e as transformações do contexto em que é produzido, integrando um processo dia-
lógico com a realidade. [...] Desse modo, temos na telenovela [séries/seriados] um discurso
sincrético, heterogêneo, dialógico e também ideológico, que tem a possibilidade de atuar
como transformador social (2012b, p. 170-172).
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Representações sociais e rearticulações discursivas na teledramaturgia brasileira
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2. Baseado em filme homônimo, Antônia teve duas temporadas (2006/2007), ambas com cinco episódios
cada, sendo apresentados às sextas-feiras, às 23h. Mesmo tendo sido veiculado antes do filme que o
inspirou – curiosamente o longa-metragem teve sua estreia em fevereiro de 2007 –, o seriado é uma
continuação da história apresentada na película, tendo seu tempo diegético dois anos depois da narrativa
daquele. Para este artigo, consideramos apenas os episódios da primeira temporada.
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Representações sociais e rearticulações discursivas na teledramaturgia brasileira
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formada por pessoas trabalhadoras e honestas, com pai, mãe, filhos e netos unidos e
felizes. Um perfil bastante divergente do que vimos nas representações da periferia
e/ou favela; um estereótipo familiar, bastante recorrente nas representações midiácias
e que também pode ser visto em Antônia.
Preta é mulher bastante possível fora do aparelho de TV, reiterando a verossimi-
lhança a que estamos acostumados, ao trazer as angústias da mulher que cria os filhos
sozinha, que precisa se endividar para conseguir cobrir as necessidades tanto da casa
quanto da educação e bem-estar de Emília, pouco ou nada podendo contar com o ex-
-marido – reafirmando assim o perfil de mulheres, que diante do abandono do mari-
do, assumem a chefia da casa (algo bastante recorrente na sociedade brasileira). E se
Conceição rompe o estereótipo da típica funkeira, reafirma o das mulheres que “se guar-
dam para um homem decente” que as ame e com quem esperam construir uma família.
A trilha Sonora desses programas também nos traz possibilidades analíticas das
representações sociais constrúidas nessas enunciações. Antônia traz o rap nas vozes
das quatro protagonistas, com letras que problematizam a mulher na nossa sociedade,
bem como questões da favela e da política. O seriado também traz a participação de
outros rappers, como Marcelo D2 e cantores de pagode (sem dar destaque a algum artista
famoso). O feminismo e a luta das mulheres são debatidos na canção Flow, composição
do grupo:
Pra cada ação, uma reação.
O poder da palavra tá na nossa mão.
Bem alto, ressalto:
Mulher, liderando a situação
Assim, os discursos dados pelas músicas desses programas nos traz um seriado
(Antônia) em que as canções nele apresentadas debatem questões sociais e políticas. Já
em Chiquinha, a trilha é composta por músicas da maestrina, que transpõe sua ousadia
também para seu estilo musical, quando mescla gêneros musicais tidos como “baixos”,
por estarem presentes em “rodas de negros”, com músicas mais tradicionais, do gosto
da elite da época. Suburbia, por sua vez, traz todo o protagonismo de Conceição marcado
por uma trilha sonora composta por músicas de Roberto Carlos. Mesmo existindo outros
intérpretes e gêneros no seriado, como uma música estilo swing, da década de 1970 na
abertura, e o funk dos bailes (também tocado na casa da família que adota Conceição),
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Ou seja, mesmo sendo uma narrativa onírica, Suburbia tem uma implicatura que carre-
ga em si uma pressuposição de honestidade por parte de seu enunciador. Assim, ser uma
obra de ficção – mesmo quando adaptada de uma obra não-ficção (Chiquinha Gonzaga) –,
carrega uma implicatura de cumprir com o gênero ficcional e não uma obrigatoriedade
de correspondência factual, visto que, apesar de ser “baseado em fatos reais”, ainda é
uma obra de ficção. No caso da programação brasileira, implica em ter um(a) protago-
nista ou um par romântico, que passará por dificuldades e conflitos a serem vencidos
ao longo da narrativa. É isso que o público espera: um programa de entretenimento,
com uma narração que o prenda, dia após dia – característica do romance que Foster
(2005) traz como principal (prender seu público, seja no final de cada capítulo, quando
da construção em livro; seja no final do episódio, quando em folhetim).
Se temos como característica uma teledramaturgia que busca uma narrativa com
verossimilhança ao nosso dia a dia, ou aos períodos representados, esses programas
continuam sendo ficcionais: os contratos estabelecidos com seu público não têm
implicações históricas ou factuais. Podem trazer tais características, mas a não-presença
não implica em ruptura contratual, visto que continuam cumprindo com o acordado,
criando programas de entretenimento e que prendam a atenção de seu público.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os três programas aqui analisados têm como temas centrais de suas tramas as
angústias e alegrias de dois grupos socialmente minoritários específicos: as mulheres
e os negros. Em Chiquinha Gonzaga, ambas problematizações são explícitas, tanto
pela protagonista, quanto por meio de seus adjuvantes e antagonistas. E se Antônia
debate intensamente as dificuldades das mulheres, problematiza também as questões
da negritude de forma mais indireta, ao colocar as dificuldades sociais que quatro
mulheres negras têm em nossa sociedade, sem, para tal, apresentar discursos explícitos
acerca de racismo e dos preconceitos que homens e mulheres negros enfrentam na
sociedade brasileira. E, em Suburbia, como já tratado, as questões das dificuldades
desse grupo são apresentadas também por discursos não explicitados, mas nem por
isso menos importantes ou pouco problematizados.
A circulação dos discursos midiáticos em nossa sociedade é algo debatido intensa-
mente. A intersecção ficção-realidade existente nos programas da nossa teledramaturgia
permite uma reflexão sobre a importância que esses discursos têm na construção de
novas realidades e desejos de consumo. Ao trazer questões de grupos não-hegemônicos,
a televisão se firma como veículo de debates sociais, podendo tanto ser caminho de
afirmação dos estereótipos, quanto de contraestigmatização dos mesmos.
Temos assim, em Suburbia, uma funkeira (Conceição) que não cumpre com o estereó-
tipo, com uma antagonista (Jéssica) que o faz; em Chiquinha Gonzaga, uma feminista que,
em nome de sua carreira e liberdade, abre mão de estar com seus filhos, frequenta rodas
de dança dos escravos, e vende partituras para comprar a carta de alforria de um garoto;
e em Antônia, mulheres que buscam um lugar na sociedade por meio de suas músicas e
que, nessas tentativas debatem, entre outros temas, o lugar de submissão que a mulher
é colocada, a favela, a dificuldade em se recolocar no mercado de trabalho depois de
ser presa. Programas que, ao trazerem essa intersecção, reverberam a sociedade em que
estão inseridos, seja por meio de representações de fatos reais de nossa sociedade, seja
por meio da criação de outros momentos, mas que por serem ficcionais não são menos
representantes da sociedade em que estão inseridos.
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Telenovela e midiatização de classe social
Telenovela and social class mediatization
Rosa na M au ro 1
Resumo: Este artigo propõe uma discussão sobre o papel da telenovela brasileira
na midiatização de classe, com o aporte dos estudos de midiatização, comuni-
cação e classe social. O trabalho traz um estudo sobre a representação de uma
parcela da população, que ascendeu financeiramente e tornou-se conhecida
como “nova classe C”, nas tramas Avenida Brasil (2012) e Cheias de Charme (2012),
produzidas a pela Globo. A análise aponta que o discurso dos trechos escolhidos
trouxe aspectos que condizem com o pensamento hegemônico neoliberal sobre
classe social, bem como elementos típicos da telenovela no modo de tratar o
tema, além de características consideradas inovadoras no sentido de represen-
tarem essa parcela da população de acordo com o que os sociólogos discorrem
sobre ela. A partir desses resultados, este trabalho pretende comentar, de forma
sucinta, o papel da mídia e da telenovela no conhecimento social sobre classes
sociais e contextualizar tal estudo no quadro de pesquisas com enfoque similar
no campo da comunicação.
Palavras-chave: Telenovela. Midiatização. Classe social. Nova classe C. Discurso.
Abstract: This paper suggests a discussion about the role of Brazilian telenovela
in the mediatization of social classes, with the contribution of studies of media-
tization, communication and social class. This work brings a study about the
representation of a portion of the population, who rose financially and became
known how “the new C class”, in the telenovelas Avenida Brasil (2012) and Cheias
de Charme (2012), produced by Globo. The analysis points that the discourses of
the chosen scenes indicate characteristics that are related with the hegemonic
social view, as well as elements connected with the own manner of telenove-
la treat the social classes, beyond aspects that are connected with the reality
commented by sociologists and that indicate changes in the usual way of the
telenovelas portray the social differences. From these results, this paper intends
to discuss, briefly, the role of the media and the telenovela in the knowledge
about social classes and contextualize this study in the researches with similar
focus in the communication field.
Keywords: Telenovela. Mediatization. Social Class. The New C Class. Discourse.
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INTRODUÇÃO
É pertinente ressaltar que foi a mídia jornalística que atribuiu a Avenida Brasil e
Cheias de Charme os papéis de representantes dessa parcela da população brasileira
que ascendeu financeiramente. Matérias de jornais e revistas abordavam o assunto,
indicando o potencial da telenovela em originar pauta para a imprensa jornalística, como
demonstra a pesquisa de Maria Lourdes Motter (2003), e também gerar determinado
conhecimento sobre o que seria essa “nova classe C”.
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Antes da análise discursiva, foi possível identificar aspectos comentados por Ronsini
em Avenida Brasil e Cheias de Charme. Mas, era preciso averiguar as especificidades
discursivas das duas tramas. O que seria puramente midiático? Quais aspectos dialogam
com a realidade social discutida pelos sociólogos e com a visão econômica hegemônica?
E quais aspectos discursivos apontariam para mudanças?
Discutir a midiatização do consumo e do sentido de classe social nesse contexto
nos exigiu considerar a mídia dentro do processo histórico-social da qual faz parte
para entendermos o seu papel na sociedade neoliberal hoje. Como argumenta o teórico
Raymond Williams (2011), os meios de comunicação são meios de produção porque a
comunicação e seus meios materiais são intrínsecos às formas humanas de trabalho e
de organização social. Por esse ponto de vista, este estudo retornou ao materialismo
histórico e à dialética marxista para situar socialmente o homem, sua produção e lin-
guagem a fim de e partir, assim, para a análise discursiva.
METODOLOGIA E RESULTADOS
A metodologia adotada utilizou conceitos do filósofo marxista da linguagem
Mikhail Bakhtin (2002, 2003, 2010), como a concepção de gênero e o signo ideológico;
da Análise do Discurso de vertente francesa, AD; e da Análise do Discurso Crítica de
vertente inglesa, ADC.
Da AD o principal autor adotado foi Dominique Maingueneau (2004) com o conceito
de ethos, reformulado do ethos do filósofo Aristóteles. Trata-se do orador, cuja postura
extrapola o texto em si e situa em seu meio circundante a imagem que este orador quer
construir sobre si mesmo frente a um auditório, desencadeando possíveis reações. Para
o autor, o ethos é como um fiador do que é dito, uma espécie de voz que não está explí-
cita no enunciado e por isso mesmo é eficaz. O ethos pode ser construído pelo público
a partir de um conjunto de indícios.
A ADC, que tem Norman Fairclough (2001) como um dos expoentes, foi utilizada
como estrutura de análise. Segundo Fairclough, o discurso é um modo de ação sobre o
mundo e sobre as pessoas, uma prática social não só de representação do mundo, mas
também de significação dele.
O estudioso considera o discurso em uma relação dialética com a estrutura social,
assim como a estrutura social e a prática social, pois a primeira é uma condição e um efeito
da segunda. Segundo o teórico, o discurso contribui para a construção de identidades
sociais e posições de sujeito, para construir relações sociais entre as pessoas e para a
construção de sistemas de conhecimento e crença. Essas três funções são denominadas
pelo autor, respectivamente, como identitária, relacional e ideacional.
Tais definições passam por transformações ao longo dos estudos deste teórico e
são redefinidas como significações identificacional, acional e representacional, como
apontam comentaristas da obra de Fairclough:
O significado acional focaliza o texto como modo de (inter) relação em eventos sociais,
aproxima-se da função relacional, pois a ação legitima/questiona relações sociais; o sig-
nificado representacional enfatiza a representação de aspectos do mundo – físico, mental,
social – em textos, aproximando-se da função ideacional; o significado identificacional
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Além disso, Resende e Ramalho (2005) argumentam que em obra posterior à Discurso
e mudança social (2001), Fairclough faz uma correspondência entre ação e gêneros,
representação e discurso e identificação e estilos.
O protocolo metodológico foi elaborado com base nesses conceitos citados. Assim,
o significado representacional, que gera sistemas de conhecimento e se relaciona ao
discurso, nos foi possibilitado mediante a análise do significado identificacional – no
qual levantou-se o ethos, que pôde ser apreendido pelo estilo do texto – e a análise do
significado acional, no qual se encontram os elementos do gênero, e que constituem
aspectos especificamente discursivos de maneiras de ação (Resende; Ramalho, 2005).
O protocolo metodológico foi construído da seguinte maneira:
• Levantamento de aspectos da prática discursiva, no que se refere à condição de
produção da telenovela, a enunciação: Descrição geral das telenovelas Avenida Brasil
e Cheias de Charme e suas narrativas, principais personagens e acontecimentos.
• Descrição geral das cenas escolhidas, transcrição dos diálogos.
• Análise textual/dos enunciados selecionados e descritos, de acordo com as signifi-
cações e associações realizadas por Fairclough: correspondência entre significação
acional e gêneros, representação e discurso e identificação e estilos (Resende;
Ramalho, 2005).
• As significações foram aplicadas da seguinte forma:
• Significação acional: foram analisados aspectos atrelados ao gênero discursivo, ou
seja, a estrutura da cena, a linguagem verbal e audiovisual, a interação entre os
personagens e, quando se mostrar relevante, a composição do cenário e as roupas
dos personagens em questão.
• Significação identificacional: de acordo com os levantamentos na análise acional,
os ethé discursivos foram delineados, de forma a entender quais são as vozes por
trás da cena.
• Significação representacional: definição dos discursos principais, mediante os
ethé discursivos. Como esses discursos se relacionam com a prática social, as
ideologias por trás da noção de “nova classe C”.
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social deduzida das teorias do sociólogo Jessé Souza (2012), que aclara o fato da nova
classe trabalhadora não ter tido acesso ao capital cultural da classe média. Na segunda
cena “Jorginho não se lembra de Cadinho”, o que se sobressai é a demonstração das
disposições sociais no seio familiar. Ou seja, a postura popular e o baixo capital cultural
estão atrelados à herança de família e não dizem repeito a atributos individuais. Em
“Muricy reclama de filme indicado por Nina”, tem-se um discurso que exibe a populari-
dade, por um viés cômico, de um gosto estético atrelado ao consumo de bens e produtos
culturais, desvinculados do julgamento cultural considerado legítimo e dominante,
pois os personagens principais da cena apresentam o capital cultural de sua classe de
origem, não conhecem e não reconhecem a cultura dita legítima e exprimem um modo
próprio de ver a obra de arte, no caso os filmes discutidos.
Em Cheias de Charme, a primeira cena se chama “As Marias fazem um pacto”, cujo
discurso remete ao economicismo dominante discutido por Jessé Souza (2012) e ao
personalismo no modo de tratar as diferenças elucidado por Ronsini (2012). Já no tre-
cho “Penha vibra com a casa reformada”, há um discurso popular que mostra a casa
reformada de uma mulher trabalhadora que conseguiu melhorar de vida, apesar das
adversidades, como a malandragem de seu marido. Uma mulher que se mantêm fiel
às suas raízes, que é popular e feliz em sua comunidade, um lugar simples, humilde,
mas animado. Na cena “Sônia e Máslova ficam horrorizadas com as ironias de Penha”
é nítido o tom romântico, semelhante a um conto de fadas, com a inversão de papéis,
na qual as ex-patroas más servem as ex-empregadas boas. Não há referências ao per-
tencimento de classe, a questão é representada pelo viés das relações pessoais. Assim,
na significação representacional, o discurso dessa cena relaciona-se com a ideologia
meritocrática e do desempenho (Ronsini, 2012), pelo ethé individualista e personalista e
pela ironia da inversão de papéis na loja, transmitida de modo idealizado e romântico,
o que é peculiar ao gênero melodramático de um modo geral.
A análise de Avenida Brasil mostrou a predominância do ethos popular e cômico,
vinculado às disposições de origem da família e a um capital cultural de classe popular.
Houve diálogo, de um modo geral, com o que Jessé Souza (2012) atribui às novas classes
trabalhadoras em sua pesquisa. Apesar disso, percebeu-se a reprodução de posições
hegemônicas de um modo geral, na prática discursiva presente na narrativa. Porém, tal
reprodução não se mostrou relevante no discurso analisado em si. É importante res-
saltar que o aspecto popular transmitido em Avenida Brasil se entrelaça à simulação do
gênero primário – diálogos informais e corriqueiros, que constituem gêneros discursivos
mais complexos, como explica Bakthin (2003) – dentro da telenovela, pois, a conversa
informal, trivial e corriqueira foi recorrente nas três cenas e indicaram a familiaridade
e os modos populares dos personagens. As falas altas e ao mesmo tempo reforçam a
informalidade. Acredita-se que, pelos aspectos levantados, há indicações de inovação
na simulação do gênero primário dentro de Avenida Brasil. Ainda que tal afirmação exija
maior aprofundamento, existe a percepção indicativa e sugestiva de tal dado.
Há indícios de que a telenovela inovou no modo de tratar as desigualdades e a
nova classe trabalhadora, como o fato da maioria dos personagens serem do Divino e a
convivência no bairro suburbano ser bastante explorada na trama. Além disso, houve a
inclusão da classe social chamada por Jessé Souza provocativamente de ralé (SOUZA,
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2012), com a representação do lixão, que coloca em cena os indivíduos que vivem da
ritualização do descarte do consumo alheio como lugar social de significação menor.
A oposição entre ricos e pobres de maneira individualista, fora do contexto social, foi
menos marcada nessa telenovela. O enriquecimento da família de Tufão não se fez
central na narrativa. Houve maior exploração do cotidiano da família e dos costumes
populares dos personagens no contexto de classe.
A trama Cheias de Charme, por sua vez, aponta para um discurso mais tradicional
comum à telenovela na representação de classe, sendo Maria da Penha a única das três
empregadas principais que mostra vínculo com a vivência de classe, reforçado pela
comunidade Borralho, o que se relaciona em determinados aspectos com o que Jessé
Souza (2012) argumenta sobre a nova classe trabalhadora.
Apesar disso, Cheias de Charme trouxe à tona a centralidade do emprego domés-
tico em sua trama, o que não é comum nas telenovelas. Porém, a forma narrativa e as
cenas analisadas trouxeram a predominância do individualismo, da supremacia das
relações pessoais e do moralismo no tratamento das classes sociais, e a reprodução das
desigualdades em um tom humanizado (Ronsini, 2012). Tudo isso embalado por um
tom romântico e idealizado. Esses dados corroboram com o modo característico da
telenovela tratar as desigualdades (Ronsini, 2012) e também com o modo individualista
e economicista de enxergar as diferenças sociais (Souza, 2012).
NOVAS REFLEXÕES
A partir desses resultados é possível pensar e discutir o papel da telenovela nesse
processo de midiatização de classe e apresentar uma pequena contribuição a mais ao
trabalho já realizado.
É importante expor que nas duas telenovelas houve elementos que corroboram
com a visão hegemônica de classe social na sociedade capitalista atual, características
comuns à telenovela na forma de tratar as desigualdades e aspectos que partilham da
visão dos sociólogos sobre o que seriam as classes sociais, o que pode ser considerado
como certa inovação. Temos então a telenovela como reprodutora de um pensamento
hegemônico, no sentido discutido por Gramsci (1971), não de forma engessada, mas
como um espaço de lutas, no qual mudanças também podem ser refletidas.
Sugere-se que, como parte de um sistema midiático, as telenovelas aqui expostas
colaboraram, assim, para um tipo de conhecimento do que seria a nova classe trabalhadora
brasileira. Elas cooperaram para a construção de um conhecimento do brasileiro sobre
ele próprio e sua nação, o que corrobora com a visão de José Braga (2006) acerca da
construção da realidade social por meio dos processos interacionais de referência, que
cada vez mais se concentram na mídia.
Temos na pesquisa de Ana Carolina Escosteguy (2013) indicativos de um tipo de
midiatização na qual a telenovela tem papel importante. A autora aborda a produção de
identidades relacionadas à mídia, por meio de uma pesquisa constituída pela coleta de
relatos biográficos de mulheres trabalhadoras do ramo de embelezamento. Tais relatos,
sem referência direta à mídia, revelaram característica do gênero melodramático, como
o processo de heroização, histórias de superação e desfecho feliz.
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No que diz respeito aos estudos de recepção da telenovela com foco nas classes
sociais, o estudo de Veneza Ronsini (2014) é revelador. De acordo a pesquisa da estudiosa
com jovens de diferentes classes sociais, os jovens da classe média tendem a absorver sem
contestação o discurso meritocrático e individualista da telenovela a respeito de classes
sociais; enquanto os jovens da classe trabalhadora apresentam uma leitura mais opositora
nesse sentido, pois tendem a comparar o que é visto com suas próprias vivências e
enxergam, assim, que o discurso dominante da telenovela foge de suas realidades.
É pertinente abordar que outros programas televisivos também podem apresentar,
no Brasil, discursos similares aos quais Ronsini (2014) atribui à telenovela. Na Inglaterra,
há as pesquisas de David Morley (2010) e de Beverley Skeggs (2009). Skeggs aborda
que os reality shows, como os programas femininos de transformação, trabalham no
sentido de universalizar o repertório particular da classe média e desqualificar a classe
trabalhadora. De maneira desconectada com as relações de classe social, o sucesso, do
ponto de vista da classe média, é obtido, no discurso desses programas, por competências
e performances puramente individuais.
A hegemonia do pensamento de classe média poderia ser, no Brasil, uma das expli-
cações para o fato dos jovens da classe trabalhadora da pesquisa de Ronsini (2014)
costumarem contestar determinados elementos da telenovela, quando esses destoam
do seu próprio modo de vida, ao contrário dos jovens de classe média que absorvem
tais mensagens de forma natural.
Seria preciso também, nesse contexto, abordar o papel da televisão no processo de
midiatização de classe, já que estamos tratando de produtos televisivos. Desde o seu
surgimento, a televisão assumiu papel importante como forma de reforçar e difundir
transformações em determinado contexto social, como indica o artigo de Rowan Howard-
Williams e Elihu Katz (2013). Os autores argumentam que o surgimento e a popularização
da televisão no período pós-guerra nos Estados Unidos exerceu papel relevante, de
diferentes formas, no processo de empoderamento feminino.
Os estudiosos discutem que a televisão trouxe imagens e estilos, maneiras de falar
e se comportar que não eram divulgados até então, movendo, de certa forma, assuntos
da esfera pública para a esfera doméstica. O próprio padrão masculino da televisão fez
com que as mulheres se reconhecessem como “minoria” e se engajassem.
A televisão, ao propagar modos de vida e estilos, assim como a telenovela, estaria
em consonância, é pertinente sugerir, com a midiatização indireta discutida por Stig
Hjarvard (2012). O autor aborda dois tipos de midiatização, a direta e indireta. A direta é
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quando uma determinada atividade passa a ser executada de uma forma diferente devido
à mídia, como, por exemplo, jogar xadrez ou fazer transações bancárias pela internet.
A forma indireta se refere à influência cada vez maior da mídia em uma determinada
atividade, mas que não afeta diretamente o modo como as pessoas executam uma tarefa;
trata-se de uma influência mais sutil.
Um exemplo mais complicado de midiatização indireta é o desenvolvimento do discurso
intertextual entre os meios de comunicação e outras instituições da sociedade. Por exemplo,
o conhecimento dos brasileiros sobre os EUA também se deve às narrativas dos meios de
comunicação (fato ou ficção) sobre o país; como consequência, as discussões políticas brasi-
leiras sobre os EUA também estão entrelaçadas com representações midiáticas da cultura,
dos costumes e da história norte-americanos. (Hjarvard, 2012, p. 67).
CONCLUSÕES
Este artigo apresentou alguns pontos da discussão que empreendemos na dissertação
de mestrado Aspectos da midiatização do consumo e do sentido de classe social na telenovela: a
representação da “nova classe C” (Mauro, 2014). Foram apresentadas a preocupação inicial
do trabalho, a metodologia e os resultados alcançados.
As telenovelas analisadas – Avenida Brasil (2012) e Cheias de Charme (2012) – trouxeram
elementos que corroboram a visão hegemônica de classe social na sociedade capitalista
atual por meio dos discursos em que se observam características comuns na forma de
tratar as desigualdades e aspectos que também apresentam mudanças. Levantamos,
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As Telenovelas da Rede Globo
na Cultura da Convergência
The Soap Operas of Rede Globo
in the Convergence Culture
Analú Bernasconi A r ab1
1. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos.
E-mail: analuarab@gmail.com.
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As Telenovelas da Rede Globo na Cultura da Convergência
2. A novela Beto Rockfeller, produzida pela Rede Tupi em 1968, foi a que inaugurou a proposta realista na
produção da telenovela brasileira, contrapondo-se ao estilo fantasioso que dominava a produção dramaturga
até então.
3. Estratégias adotadas pela Rede Globo entre as emissoras de televisão, a partir da década de 70, foram: a
instauração do modelo norte-americano de exploração comercial, inauguração de sucessivas emissoras em
pontos estratégicos do país, divisão dos horários das telenovelas, modernização no nível técnico, locações
especialmente fabricadas, escritores em tempo integral, contratos milionários, manutenção de uma imprensa
especializada (jornais, revistas, programas televisivos), sucesso na exportação da telenovela brasileira e a
produção de uma dramaturgia na televisão baseada em temas e personagens brasileiros.
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As Telenovelas da Rede Globo na Cultura da Convergência
4. Em vista disso, há práticas de distribuição não autorizada de conteúdos televisivos e de apropriação
informal pela audiência, em contrapartida, a programação da televisão passa a ser ofertada via internet por
meio de downloading ou streaming e aplicativos de segunda tela para dispositivos móveis são desenvolvidos
na tentativa de complementar e sincronizar a programação televisiva.
5. Tal ocorrência se localiza principalmente nos grandes conglomerados de comunicação, os quais operam pela
lógica comercial de franquias de entretenimento e possuem interesse nos produtores de mídia, como o cinema,
a televisão, a mídia impressa e nas mídias sociais. Segundo Jenkins (2009), concomitante com a convergência
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As Telenovelas da Rede Globo na Cultura da Convergência
tecnológica, esses conglomerados exploram um produto sinergicamente por suas diferentes empresas,
concretizando um fluxo cross media de consumo por meio de produtos provenientes da franquia de mídia.
6. Quando um conteúdo é derivado de outro conteúdo original dando mais detalhes de uma parte específica.
Como exemplo, pode-se citar a série norte-americana Joey, a qual mostrava a personagem Joey Tribbiani
(Matt LeBlanc) da série original Friends tentando consolidar sua carreira de ator em Los Angeles.
7. A sequência (ou follow-up) é uma narrativa que continua a história de, ou expande, alguns trabalhos
anteriores. Pode estar relacionada com filmes, literatura, teatro, cinema, televisão, música, jogos, entre outros.
8. Inaugurada em 1963, é ainda uma série em produção, tendo intervalos dentre o período de mais de 50 anos.
A escolha por essa série não foi arbitrária, já que ela apresentou na análise de Evans (2011) exemplificações
da utilização do conceito transmídia em seu uso histórico e contemporâneo.
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As Telenovelas da Rede Globo na Cultura da Convergência
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As Telenovelas da Rede Globo na Cultura da Convergência
com o game Surfínia12, atualmente utilizado pelo portal Globo Esporte13. (MEDEIROS,
GONTIJO, 2013, p. 347).
Durante o ano 2010 foi implantada uma nova estrutura de internet, a Globo pro-
duziu o site de todas as suas telenovelas, séries e minisséries. O site Gshow14 é o que
hospeda todo conteúdo relacionado com a programação da TV Globo, incluindo os
sites oficiais das telenovelas. No mesmo ano, os sites das duas principais telenovelas da
Rede Globo, Caminho das Índias e Viver a Vida, “incorporaram diversos blogs, inclusive
de personagens, e opções de interatividade criativa e colaborativa por parte do usuário,
como a produção de vídeos”. (LOPES, 2010, p.170).
Para se inserir no mercado de conteúdo on demand, em 2012, a Organizações Globo
lançou o aplicativo Globo.tv, nele é possível acessar o conteúdo da TV Globo e dos canais
da Globosat. De forma gratuita, oferece a programação disponibilizada em formato de
trechos de vídeos. Para assinantes, oferece a opção de assistir programas prediletos na
íntegra. Já em 2013, outro aplicativo foi lançado com intuito de proporcionar interação
social, o Globo com_vc. Ele oferece informações sobre a grade da programação, notifica-
ções dos programas favoritos e o usuário tem a opção de conectar-se com redes sociais,
como Facebook e Twitter. Essas interações sociais permitem que o usuário convide
amigos para assistir atrações com ele e se comunique com outros usuários do aplicativo.
Como pode ser observado, acompanhar uma telenovela, hoje, ganhou novos sig-
nificados e possibilidades com a televisão transmídia. Neste artigo, pretende-se mape-
ar algumas práticas realizadas pela Rede Globo em suas telenovelas na convergência
midiática. Por se tratar de um cenário extenso, evidentemente, não é possível registrar
todas as ações realizadas, portanto, é necessário um recorte. Ele será delimitado pela
produção de extensões textuais, citadas e incluídas no conceito de conteúdo de televisão
expandido, defendido por Askwith (2007).
12. Surfínia foi um game desenvolvido para a telenovela Três Irmãs. O jogo possui como cenário, seis
praias da ilha, os jogadores podem participar de campeonatos de surfe, responder perguntas sobre a trama
em forma de desafios, ter acesso a conteúdo exclusivo e ganhar prêmios de acordo com seu desempenho.
13. Disponível no link: <http://surfinia.globoesporte.globo.com/>.
14. Disponível no link: <http://gshow.globo.com/>.
15. Estendem o próprio texto principal, proporcionando mais desdobramentos narrativos e enredos,
fornecendo para os espectadores interessados, acesso adicional para o mundo e/ou personagens do
programa de televisão (tradução nossa).
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As Telenovelas da Rede Globo na Cultura da Convergência
16. No ano de 2009 surgem os primeiros exemplos de extensões textuais nos sites oficiais das telenovelas.
17. Disponível no link: < http://caminhodasindias.globo.com/>. Acesso em 24/08/2014.
18. Disponível no link:< http://gshow.globo.com/programas/geral-com/blogdoindra-indra/platb/>. Acesso
em 24/08/2014.
19. Disponível no link:< http://gshow.globo.com/novelas/caminho-das-indias/finais/platb/category/maya-
-raj-e-bahuan>. Acesso em 24/08/2014.
20. Disponível no link: http://viveravida.globo.com/. Acesso em 24/08/2014.
21. Disponível no link: http://tvg.globo.com/novelas/viver-a-vida/sonhos-de-luciana/platb/. Acesso em
24/08/2014.
22. Disponível no link: http://gshow.globo.com/novelas/passione/index.html. Acesso em 24/08/2014.
23. Disponível no link: <http://gshow.globo.com/novelas/passione/index.html>. Acesso em 24/08/2014.
As extensões textuais foram retiradas do site da telenovela, funcionando apenas o link para home page
do site oficial da telenovela.
24. Disponível no link: <http://gshow.globo.com/novelas/insensato-coracao/index.html>. Acessado em
24/08/2014.
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As Telenovelas da Rede Globo na Cultura da Convergência
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As Telenovelas da Rede Globo na Cultura da Convergência
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se pode observar, qualquer que seja a produção de conteúdo de entreteni-
mento terá que sobreviver perante a convergência das mídias e a mudança de compor-
tamento em seu consumo. As narrativas de ficção seriada são as candidatas a se tornar
o conteúdo predileto nesse novo contexto midiático de fusão entre TV e internet, pois
se adequam e atendem às novas demandas do consumo do entretenimento na cultura
da convergência. A digitalização da TV e a sua articulação com outras plataformas
desembocaram o fenômeno da televisão transmídia. Assistir e acompanhar telenovela
não se limita mais ao formato broadcast oferecido pela mídia tradicional da televisão.
Há, a partir do conteúdo principal, uma infinidade de conteúdos dispersos pelas diver-
sas plataformas de mídia. O objetivo aqui foi exemplificar parte dessa complexidade
pelo ponto de vista das extensões textuais das telenovelas em seus sites oficiais. No
entanto, não se pode afirmar que todas as extensões cabem no conceito contemporâneo
de narrativa transmídia de Jenkins (2009) e, sim, fazem parte do complexo cenário da
televisão transmídia.
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As Telenovelas da Rede Globo na Cultura da Convergência
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O sitcom e a claque: as origens do formato e uma reflexão
sobre o desuso do som das risadas da audiência
Sitcom and the laugh track: the origins of the format and a
reflection on the disuse of the sound of audience laughter
Fe r na n da M a n zo C e r e t ta 1
Abstract: this article captures the origins of the sitcom format and its more
traditional features, such as the three-headed monster cameras and the laugh
track, which can be considered the major indication of the sitcom format. The
format remained roughly unchanged for decades, until the twenty-first century,
when the sitcom experienced a moment of upgrade of some of its key aspects.
Being The Office the main corpus of this research, it is possible to understand
what the recent disuse of the laugh track in some productions means and how
the format solved the absense to keep its comic intentions
Keywords: Sitcom. Laugh track. The office.
INTRODUÇÃO
1. Doutoranda e Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Docente na Universidade Anhembi Morumbi. fmceretta@gmail.com
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O sitcom e a claque: as origens do formato e uma reflexão sobre o desuso do som das risadas da audiência
Repetição
O sitcom é um produto audiovisual de entretenimento cuja narrativa de cada episódio apresenta introdução, desen-
volvimento e conclusão, categorizando-a como fechada. Possui curta duração (cerca de 22 minutos). Geralmente
rodado em interiores e com a presença de um público, utilizando cores vivas em uma única locação dividida em
vários cenários fixos que se repetem ao longo de todos os episódios.
Claque
O formato se caracteriza principalmente pela claque, ou seja, o som da reação da audiência, que enfatiza os momen-
tos de humor.
Estrutura
A estrutura narrativa e decupagem: o sitcom tradicional possui sua estrutura em três atos, ficando claras as divisões
entre eles através dos intervalos comerciais. Existe geralmente uma trama principal e uma ou duas tramas adjacen-
tes. Faz-se uso de teaser, um prólogo que, com uma pequena cena, pretende segurar a audiência após o primeiro
corte publicitário e exibição da abertura. Também utiliza-se o tag, pequena cena que acompanha os créditos finais e
traz um último momento cômico do episódio.
Decupagem
Sobre a captação, são usadas três ou mais câmeras, com poucos movimentos, geralmente limitados a plano/contra
plano.
Roteiro
A construção do humor através de piadas por diálogos, imagens e som: é frequente a utilização de técnicas como
a surpresa, o mal-entendido verbal, a mudança de papéis, o engano e a confusão. As personagens falam mais do
que atuam e, sendo assim, a comicidade constrói-se comumente baseada em diálogos. E, finalmente, pela temática
tradicional e personagens baseadas em estereótipos: originalmente a maioria dos sitcoms era centrada em uma
família, como em Father Knows Best (NBC, 1954). Aos poucos, o local de trabalho também ganhou espaço, como em
Mary Tyler Moore Show (CBS, 1970). Os sitcoms foram, através das décadas, moldando a personalidade e a profissão
de suas personagens em referência à cultura da época.
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O sitcom e a claque: as origens do formato e uma reflexão sobre o desuso do som das risadas da audiência
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O sitcom e a claque: as origens do formato e uma reflexão sobre o desuso do som das risadas da audiência
de Tod Browning, acompanhou os sete anos de I Love Lucy no ar. Entre suas criações
está uma iluminação específica que possibilita o uso de câmeras simultâneas sem que
haja diferença de luz entre os diferentes ângulos de captação. Esse jogo de (muitas) luzes
permite o uso do Three-Headed Monster, ou “monstro de três cabeças”, uma alusão às
três câmeras estrategicamente posicionadas à frente do cenário que capturam o diálogo
entre dois ou mais atores, possibilitando o uso de três enquadramentos na edição: um
plano mais aberto, mostrando o conjunto dos atores e duas opções de plano americano
ou fechado, em parte das personagens ou em um ator específico. Essa configuração
mostra que a importância do plano de quem fala é equivalente à importância do plano
de quem reage ao que é dito. Uma piada seguida de reação traz duas possibilidades: a
de deixar clara a estranheza e, portanto, a comicidade do que foi dito e a de gerar duas
risadas em vez de uma (MILLS, 2009, p. 39).
A CLAQUE
É possível reconhecer um sitcom tradicional imediatamente na televisão ao
detectarmos a presença da claque. Esta talvez seja sua característica mais marcante. O
som da risada não é importante apenas porque é a finalidade do gênero, mas também
porque, através do uso da reação do público presente no estúdio e também das risadas
enlatadas, pode-se dizer que o riso faz parte do texto do sitcom (MILLS, 2005).
A claque é considerada por alguns teóricos o substituto eletrônico para a experiência
coletiva (MEDHURST; TUCK, 1982), alinhando o público presente nas gravações com a
audiência em casa. A voz coletiva reage dentro de uma gama de risadas mais discretas,
interjeições de surpresa, gargalhadas e algumas poucas outras opções.
Em Burns and Allen Show (1950-1958), o programa era gravado com duas câmeras
cruzadas, de modo que, em um diálogo entre duas personagens, cada câmera enfatizava
a reação de uma delas. Após a gravação, o episódio era então mostrado a uma audiência
para a gravação das claques. Essa apresentação determinava a edição: se a piada fazia
os espectadores rirem, a segunda câmera mostrando a reação da outra personagem
entrava na edição. Caso contrário não havia o corte e a audiência permanecia vendo o
ator que fez a piada.
Já nos primórdios do sitcom televisionado, a risada “enlatada” também era utilizada.
Gravações contendo o áudio de plateias em reações diversas eram inseridas, em processo
de pós-produção, para forjar a presença de um público presente no espaço por trás
das câmeras, a quarta parede cuja visualização não era permitida aos telespectadores.
Bancos de dados contendo esses áudios são utilizados por produtores até os dias atuais.
Em entrevista para o site On the Media, Joe Adallian, colunista de TV da New York
Magazine, comenta que o motivo pelo qual os produtores passaram a optar pelas risadas
previamente gravadas é que, durante as filmagens, por vezes era necessário refazer a
mesma cena. É bastante comum haver algum erro por parte dos atores, algum imprevisto
técnico ou qualquer outro fator que os fizesse ter que repetir a ação. O público, após
assistir à mesma piada mais de uma vez, não tinha a reação desejada.
As risadas enlatadas, em contrapartida, soam artificiais. Era comum a repetição dos
mesmos áudios em diferentes shows, por décadas. Segundo Adallian, claques gravadas
nos anos 1950 ainda eram utilizadas nos anos 1960 e 1970. Alguém com uma percepção
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O sitcom e a claque: as origens do formato e uma reflexão sobre o desuso do som das risadas da audiência
mais aguçada poderia até pensar: “acho que conheço essa risada!”. Provavelmente já a
ouvira antes mesmo. Produtores brincavam entre si com o fato de que muitas pessoas
já mortas estariam rindo em seus programas.
Na década de 1970, acreditava-se que, se não houvesse o som de risadas, os
telespectadores não iriam rir. Por serem vistas como algo tão primordial na fórmula
dos sitcoms, as claques estavam presentes até mesmo quando não havia um espaço
adequado no texto. Os criadores de M.A.S.H. eram contra o uso das claques, mas foram
vencidos pelas determinações da emissora. É possível perceber, nesse caso, que a inserção
da claque parece inadequada, tanto pelo humor diferenciado do texto quanto pelo
fato de o programa não ter as configurações tradicionais de um sitcom, a começar pela
ambientação, um cenário de guerra. Apesar disso, M.A.S.H foi muito bem-sucedido.
Quando possui claque, o foco do espectador costuma manter-se na história contada,
e o riso cria uma atmosfera cômica, sem que o espectador preste atenção em todos os
momentos em que é possível ouvi-la. A importância da claque na construção do humor
remete a hábitos de consumo de comédia em ambientes anteriores à televisão, como os
teatros. Vladimir Propp procurou entender, em sua obra Comicidade e riso, o porquê de
o riso ser algo contagiante. Para ele, nós rimos quando transferimos nossa atenção do
caráter espiritual para as formas exteriores de manifestação, que por sua vez revelam
os defeitos daqueles que observamos. “O riso é um sinal sonoro desse deslocamento
de atenção” (PROPP, 1992, p. 181). Assim que esse sinal é percebido por outras pessoas,
elas também podem deslocar o olhar, ver o que antes não percebiam e começar a rir.
Sobre o teatro de comédia, Ivo Bender diz: “De fato, o riso coletivo confere ao gênero
a qualidade de celebração ruidosa em que a alegria e a convivência feliz são as marcas
distintivas” (BENDER, 1996, p. 18). Propp afirmava, no entanto, que “o autor não deve
nos transmitir o objetivo do seu relato através de artifícios como uma linguagem que
revele que a intenção é fazer rir” (PROPP, 1992, p. 206). Ou seja: o riso viria da plateia e
contagiaria a própria plateia, sendo um artifício gerado do público para o próprio público.
A claque de sitcoms contraria essa afirmação de Propp, sinalizando o que é engraçado na
cena. Mas a claque funciona há décadas, apesar de novos sitcoms conseguirem provar
que ela não é indispensável para o formato.
Através das décadas, o sitcom mostrou tendências diferentes. O foco do texto transitou
por temas como família, ambiente de trabalho, ascensão feminina, universos fantasiosos
etc. Em contrapartida, suas principais características mantiveram-se as mesmas.
Na década de 1990, o sitcom vivia um de seus momentos mais frutíferos desde o
surgimento da televisão. Programas como Frasier (NBC, 1993-2004) e Friends (NBC, 1994-
2004) consolidaram-se como grandes sucessos e símbolos culturais da época (BONAULT;
GRANDÍO, 2009, p. 47). São apenas dois exemplos que mostram a força e a influência
do gênero no século XX. Quando esses e outros grandes títulos da década de 1990 já
haviam encerrado ou exibiam seus episódios finais, revistas especializadas decretaram
a morte do sitcom. “Não existe nenhum sitcom entre os 10 programas mais assistidos
nos Estados Unidos”, atestava o Daily Telegraph (PILE, 2004). Apesar disso, na mesma
publicação, Robert Thompson, professor de Estudos de Cultura Contemporânea e Mídia
da Syracuse University de Nova York, afirma a resiliência do Gênero:
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O sitcom e a claque: as origens do formato e uma reflexão sobre o desuso do som das risadas da audiência
Quando um meteoro atingir o planeta, duas coisas vão sobreviver: baratas e sitcoms. Quando
estivermos todos em Marte, posso garantir que estaremos assistindo a sitcoms. É uma unidade
gramatical básica da TV norte-americana. Televisão é uma forma artística em um espaço
doméstico, e sitcom é o programa mais amigável aos espectadores de todos os tempos. Você
pode apreciá-lo se estiver meio adormecido ou meio morto. (PILE, 2004, tradução nossa)
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O sitcom e a claque: as origens do formato e uma reflexão sobre o desuso do som das risadas da audiência
“A maioria dos sitcoms atualmente não possui claques, com exceção das produções
da CBS” (ADALLIAN, 2012). Os produtores de Two and a Half Men, Big Bang Theory e
2 Broke Girls afirmam que a claque é proveniente de uma audiência presente no estú-
dio, sem recursos para incrementar essas reações. A única de suas produções que
admite o uso de risadas enlatadas é How I Met your Mother, que, diferentemente das
demais produções de comédia citadas, possui uma maior variação de locações e usos
mais variados de câmera. E este apresenta risadas abrandadas em relação às encon-
tradas nos programas que contam com a audiência presente. How I Met your Mother
é um sitcom que traz inovações sobretudo no que diz respeito ao roteiro, contando
a história a partir de vários pontos de vista (apesar de o ponto de vista do pai, Ted,
ser o principal) e fazendo um intenso jogo com o tempo, rompendo diversas vezes a
cronologia dos fatos.
Mesmo sem admitir as manipulações nas reações do público através da captação,
é possível mudar a percepção dos espectadores em casa, seja com posicionamento de
microfones em relação a plateia ou em relação ao que é dito pelos atores. O quanto
esses ou outros recursos são utilizados na CBS, como diria o próprio Adallian, “apenas
a cabeleireira do estúdio sabe ao certo”. Essa discussão é evitada pelos produtores, pois
pode sugerir que o programa não é engraçado, tornando-se uma espécie de tabu.
Um rompimento ainda maior surgiu com as séries que flertam com a linguagem
documental e de reality shows. The Office, já mencionado no presente artigo, é considerado
um marco dessa hibridização na televisão. Originalmente produzido pela BBC, emissora
britânica, o formato do programa chamou a atenção de produtores norte-americanos
que, sob algumas adaptações, passaram a exibir uma versão estadunidense da série na
NBC em 2005.
Emissoras públicas, tanto da Inglaterra quanto da Austrália, trouxeram novas
propostas de sitcom para suas grades de programação antes dos Estados Unidos. Talvez
pelo fato de não serem tão dependentes de audiência e publicidade, elas possam ter
testado novos formatos com maior liberdade. E não seria apenas o sucesso de The Office
na BBC uma justificativa suficiente para a adaptação do título para televisões norte-
americanas, já que os dois públicos diferem em hábitos e preferências. A afinidade do
formato com o apresentado pelos reality shows que encantavam os norte-americanos
seria uma garantia a mais de que The Office, com uma adaptação textual, pudesse atrair
a audiência.
Michael Schur, co-criador de The Office, ressalta como os programas com decupagem
estilo “câmera única” têm um jeito particular de fragmentar a narrativa. Constantemente,
em outros programas de TV, quando uma personagem, em diálogo, refere-se a algum
evento passado, acontece um corte para um flashback e testemunhamos o evento como
uma inserção. Após o flashback, o plano anterior, ou seja, o tempo presente da narrativa,
é retomado. É comum também que a voz da personagem assuma o caráter de voz over
enquanto o flashback é mostrado. Segundo Schur, essa é a forma pela qual esses shows
contam uma história e dão uma deixa para a risada da audiência em shows como Family
Guy e 30 Rock (VANDERWERFF, 2011). Já em sitcoms como The Office, essa fragmentação
acontece nos confessionários, quando vemos o depoimento das personagens para a
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O sitcom e a claque: as origens do formato e uma reflexão sobre o desuso do som das risadas da audiência
câmera, ou para supostos entrevistadores. Esse rompimento pode ser utilizado para fazer
uma piada, para auxiliar em elipses temporais na história, explicando o que acontece,
ou para mostrar o que uma personagem realmente sente sobre algo, ou finge sentir.
Evidenciar as reações das personagens pode ser encarado, sob determinado
prisma, o substituto para a claque. Se as risadas da plateia procuravam uma conjunção
com o momento do riso nas casas dos espectadores, a reação das personagens, em
sitcoms que utilizam códigos de linguagem factuais, passa a ser o momento em que a
estranheza/surpresa/etc. de quem está na diegese corresponde a uma reação emocional
do espectador, muitas vezes risível. É a pausa narrativa para a “digestão” do momento
cômico ou dramático que acabamos de acompanhar.
No sitcom tradicional, a inserção das risadas de uma audiência (presente ou não) nos
estúdios, dividindo a quarta parede com aqueles que assistem aos programas em casa,
é a proposta de uma experiência coletiva. Bergson afirma que “Não desfrutaríamos do
cômico se nos sentíssemos isolados. O riso parece precisar de eco. [...] algo começando por
um estalo e para continuar ribombando, como o trovão nas montanhas” (BERGSON, 1983,
p. 28). Em The Office, durante a ação, os olhares dos espectadores cruzam com o de uma
personagem em cena. Ela nos olha como quem quer nos dizer “você viu isso?” ou “vê o
que eu tenho que aguentar?”. Além disso, há o privilégio de enquadrar essa personagem
em um canto e ouvir, com exclusividade (em relação às demais personagens), seus
sentimentos e reflexões, em confessionários. Mais à frente, em sua obra “O riso”, Bergson
diria: “o riso oculta uma segunda intenção de acordo, diria eu quase de cumplicidade
com outros galhofeiros, reais ou imaginários” (BERGSON, 1983, p. 28). Esse estilo de
decupagem aproxima o espectador das personagens de tal forma que é possível rir
com eles, ou deles, pois há uma forte identificação com a personagem, sendo que esses
sitcoms possuem a premissa de uma invasão de privacidade. Aqui o cômico fica, portanto,
ligado à familiaridade, à conexão cultural. A responsável por construir essa conexão é
a câmera e o novo papel que ela agora adquire nas comédias televisivas.
Além disso, o ato de espionar alguém, ligado à proposta dos reality shows que
inspiram sitcoms como The Office, costuma ser uma atividade solitária. O privilégio
voyeur de quem vê algo íntimo e exclusivo, no caso o espectador, é incompatível com a
ideia de uma presença coletiva compartilhando os sentimentos e as risadas.
Ao pensar em uma transposição dessa nova forma de fazer sitcom para a tradicional,
é possível perceber que o áudio das risadas e as reações em geral da audiência (claque)
entrariam na montagem no momento em que a personagem esboça uma reação para
a câmera, ou até mesmo quando o enquadramento ressalta uma reação sem que a
personagem enderece à câmera, como também é comum. Ou seja: em vez de uma plateia
– legítima ou não – reagir à piada com os espectadores, uma personagem reage. São
duas formas de trabalhar o mesmo mecanismo desse tipo de comédia. A questão é que a
forma utilizada pelos novos sitcoms parece bastante ligada a linguagem de reality shows.
A reação também é uma das ferramentas de atração que fundamenta o ápice cômico
de situações em inúmeros realities, como Extreme Makeover (ABC) e Queer Eye for the
Straight Guy (NBC). Annete Hill, pesquisadora de audiências da mídia na University
of Westminster, comenta a importância da reação dos participantes em reality shows:
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O sitcom e a claque: as origens do formato e uma reflexão sobre o desuso do som das risadas da audiência
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sitcom tradicional foi criado para ser um entretenimento familiar. O posicionamento
das câmeras, simulando uma audiência, estava ligado ao fato de que, nas casas, famílias
estariam reunidas diante da TV. A claque seria a reverberação da risada de uma audiência
no mesmo lugar dessas pessoas, rindo com elas ou por elas, dando a sensação de uma
experiência coletiva dentro dos lares.
Já sitcoms como The Office, são de um humor voyeur. Adotar características tradicionais
do sitcom, como a claque, não faria sentido, pois o ato de espionar algo ou alguém é uma
experiência geralmente solitária ou bastante exclusiva. Muito do que fazemos na internet,
principalmente nas redes sociais, está ligado a uma forma de espionagem, a um desejo
voyeur. Através de um dispositivo, vemos fotos, vídeos e textos a uma distância segura,
geralmente em anonimato, o que nos deixa confortáveis para espionar ainda mais. Tanto
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O sitcom e a claque: as origens do formato e uma reflexão sobre o desuso do som das risadas da audiência
nos reality shows quanto nos sitcoms mencionados, o anonimato da equipe de filmagem
se confunde com o nosso próprio anonimato.
A ousadia dos produtores de The Office e demais sitcoms que excluiram a claque
representou uma renovação na comédia televisiva e abriu portas para tantas outras
produções que figuram entre as de maior audiência atualmente. Isso acontece,
provavelmente, pela sua maior sintonia com o contexto cultural atual, dada a importância
da identificação para a geração de risadas.
REFERÊNCIAS
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Humor e Qualidade na TV Brasileira:
um contrassenso?
Humour and Quality in Brazilian Televison:
a contradiction?
Gabriel a Borges1
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Humor e Qualidade na TV Brasileira: um contrassenso?
Gabriela Borges
O HUMOR NA TELEVISÃO
A PARTIR DOS anos 1980, a TV Globo exibiu diversos programas humorísticos que
se diferenciaram do panorama audiovisual, tais como Armação Ilimitada (1985),
TV Pirata (1988), Casseta & Planeta, Urgente (1992), entre tantos outros. Estes pro-
gramas foram responsáveis, por um lado, pela renovação do humor que era feito na TV
e, por outro lado, pela inovação no uso dos recursos técnico-expressivos da linguagem
audiovisual. Segundo Júnior (2001, p. 168), Armação Ilimitada se caracteriza pela superva-
lorização das imagens e pela linguagem do cinema e videoclipe, explorando os recursos
gráficos das histórias em quadrinhos. O programa estava muito bem sintonizado com
o momento pelo qual o rock brasileiro estava passando, inclusive incorporando o tra-
balho de várias bandas nas suas emissões. TV Pirata prima pela substituição do humor
radiofônico pelo jornalismo de brincadeira, utilizando os atores cômicos que estavam
brilhando no teatro besteirol e as charges de Laerte e Glauco. Os quadrinhos foram um
traço forte do programa. O programa procurou trazer um novo humor para a televisão,
cujos expoentes eram Chico Anysio e Jô Soares, que trabalhavam mais com a paródia
televisiva. Neste sentido, TV Pirata também incorporou a paródia à linguagem televisiva,
brincando com os clichês e com o que normalmente se fazia na televisão.
Apesar do gênero humorístico na TV ter como herança o rádio e o teatro, Arraes
(apud Junior, 2001, p. 182) relata que o humor que faziam naquele momento ressaltava o
visual, muito mais do que o texto. Eram paródias visuais, pois os humoristas cresceram
assistindo televisão e estavam acostumados a contar histórias com imagens. E Arraes, por
outro lado, foi influenciado pelas chanchadas de Sílvio de Abreu e Carlos Manga. Como
diretor, juntamente com Jorge Fernando, Arraes abrilhantou um pouco as chanchadas
trazendo as suas características estéticas para as novelas de humor do horário das 19h
na TV Globo. Arraes (apud Junior, 2001, p. 179-181) afirma que estava preocupado em
experimentar com a linguagem na produção destes programas nos anos 1980.
Parte dos humoristas que se tornaram redatores de TV Pirata depois formaram o
grupo Casseta & Planeta, levando para a televisão o que consideravam o método editorial
adotado para produzir o jornal nanico que os projetou. A idéia era simples: um deles
contava uma piada, se os outros rissem, a proposta era trabalhada coletivamente.
(Fechine, 2008, p. 34)
Fechine (2008, p. 28), ao estudar a qualidade na produção audiovisual de Guel Arraes,
sugere que a intenção do grupo formado por atores, diretores, redatores e roteiristas
era “desconstruir modelos de representação vigentes no teatro, no cinema, no vídeo,
no jornalismo e na própria televisão, tendo o humor como anteparo crítico e irônico”.
Neste sentido, Fechine (2008, p. 24) enfatiza que Programa Legal e Brasil Legal são dois
dos formatos mais inovadores do Núcleo de Criação do diretor pernambucano, mistu-
rando documentário e jornalismo, humor e ficção. Em 1990 Casseta & Planeta estréia com
a cobertura ao vivo do carnaval carioca e a seguir o grupo escreve e atua em esquetes
cômicos do programa Dóris para Maiores, uma revista eletrônica que mistura humor,
jornalismo e ficção, dirigido por Guel Arraes e José Lavigne. Em 1992 estreia Casseta &
Planeta Urgente!, que foi concebido a partir do teatro besteirol e do “jornalismo mentira,
humorismo verdade” que já era praticado no Planeta Diário e na Casseta Popular. (Fechine,
2008, p. 44)
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Humor e Qualidade na TV Brasileira: um contrassenso?
Gabriela Borges
Nos anos 1990 e 2000 os canais da televisão por assinatura, com destaque para o
Multishow, também investiram na produção de programas humorísticos que mesclavam
a ficção, o jornalismo e o humor e, um pouco mais tarde, começaram a estabelecer um
diálogo bastante profícuo com os humoristas que estavam surgindo nos canais de humor
do Youtube ou nos blogs e vlogs.
Nesta pesquisa fizemos um levantamento de sessenta programas humorísticos
dos canais da televisão aberta e por assinatura no período de 1960 a 2014. No que
diz respeito à TV aberta, observamos que a maioria dos programas encontrados foi
exibida na Rede Globo, mas não só. Entre eles, destacamos na categoria humor-ficção
Praça da Alegria (1960), Chico Anysio Show (1960), Os Trapalhões (1969), Casseta & Planeta
Urgente (1992), Comédia da Vida Privada (1995), Sai de Baixo (1996), Hermes e Renato (1999),
A Grande Familia (2001), Os Normais (2001), Sexo Frágil (2003), A Diarista (2003), Sob Nova
Direção (2004), Minha Nada Mole Vida (2004), Os Aspones (2004), Minha Nada Mole Vida
(2004), O Sistema (2007), Toma Lá Dá Cá (2007), Quinta-Categoria (2008), Dicas de um
Sedutor (2008),15 minutos (2008), Norma (2009), Decamerão – A Comédia do Sexo (2009),
Legendários (2010), Comédia MTV (2010), Tapas & Beijos (2011), Família Trapo (1960), Divã
(2011), Pé na Cova (2013). Na categoria humor-jornalismo destacamos Netos do Amaral
(1990), Dóris Para Maiores (1991), Programa Legal (1991), Brasil Legal (1995), Vida ao Vivo
Show (1998), CQC (2008) e Furo MTV (2009).
Na TV por assinatura destacamos os seguintes programas na categoria humor-ficção
Cilada (2005), Os Buchas (2009), De Cara Limpa (2010), Na Fama e na Lama (2010), Morando
sozinho (2010), Desenrola aí (2010), Os Gozadores (2010), Vendemos cadeiras (2010), Adorável
Psicose (2010), Barata Flamejante (2011), Será que Faz Sentido? (2011), Ed Mort (2011), Muito Giro
(2011), Olívias na TV (2011), Os Figuras (2011), Estranha Mente (2012), Vida de Estagiário (2013),
Surtadas na Ioga (2013), Três Teresas (2013), Vai que Cola (2013), Agora Sim (2013), Se Eu Fosse
Você (2013), As Canalhas (2013), Amor Veríssimo (2014). E na categoria humor-jornalismo
ressaltamos Sensacionalista (2011), Até que Faz Sentido (2011) e Zona do Agrião (2012).
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Humor e Qualidade na TV Brasileira: um contrassenso?
Gabriela Borges
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Humor e Qualidade na TV Brasileira: um contrassenso?
Gabriela Borges
Com a análise dos dados, é possível afirmar que o programa CQC prima pela
criatividade na abordagem de temas relevantes, misturando humor com informação
de forma irônica e bem-humorada. Os indicadores de qualidade do conteúdo que mais
se destacam são diversidade temática, conscientização social e política e também a
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Humor e Qualidade na TV Brasileira: um contrassenso?
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Sensacionalista
O programa exibido no canal Multishow desde 2009 é protagonizado por Betina
Kopp, Márcio Machado, Anderson Freitas, Cristiane Pinto, Elizardo Silva, Larissa Chiben,
Leonardo Luzes. Com um formato que se assemelha a um telejornal, o programa cria
notícias fictícias com tom de verdade. Os âncoras informam as notícias que parecem
reais por serem elaboradas de modo sério e credível, isto é, posicionam-se do mesmo
modo diante da câmera, apresentam a mesma entonação de voz; e as imagens são
editadas do mesmo modo que em um telejornal, intercalando informação no estúdio
e reportagem nas ruas. A/O jornalista faz uma pergunta séria, que é respondida de
modo sério pelo entrevistado e a reportagem é toda construída de forma linear e bem
editada, com a diferença que o assunto tratado é totalmente inverossímil, ou inusitado. O
cenário se assemelha à bancada dos telejornais brasileiros. Dois computadores, um para
cada apresentador. O fundo mostra as pessoas que trabalham nos bastidores do jornal.
Cores em tons de azul e cinza. Os figurinos dos apresentadores também se remeterm
aos figurinos dos âncoras dos telejornais diários.
O nome do programa, Sensacionalista, e o slogan um jornal isento de verdade remete
ao sensacionalismo que é característica cada vez mais marcante do telejornalismo da
TV brasileira, ao mesmo tempo em que subverte este sentido, ao afirmar que é isento
de verdade. O jogo de palavras que propõe desconstrói o sentido do que poderia ser
um jornalismo que se ancora na realidade, mesmo que a espetacularize. Além disso, o
sensacionalismo na chamada imprensa marrom é associado ao grotesco e ao jornalismo
mal feito e de gosto duvidoso, mas o programa apresenta uma estética muito semelhan-
te ao telejornalismo convencional que legitima uma dada representação da realidade.
Neste sentido, podemos afirmar que o Sensacionalista apresenta uma paródia do
telejornal. Para Hutcheon (1989), a paródia é uma imitação cômica de um texto ou
obra artística que inverte o sentido e transgride as normas e convenções sociais. É
concedida certa licença poética ao texto paródico para que possa transgredir os limi-
tes da convenção, mas apenas temporariamente e dentro dos limites autorizados pelo
próprio texto, ou seja, as pessoas precisam ter conhecimento das regras e normas a
serem quebradas, ou cujos significados serão invertidos para que a representação seja
considerada uma paródia.
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Humor e Qualidade na TV Brasileira: um contrassenso?
Gabriela Borges
A principal característica da inversão paródica é o riso cômico que, com uma pitada
de deboche, critica uma concepção de mundo, ao mesmo tempo em que renova e permite
o desenvolvimento da narrativa. Neste sentido, a paródia se processa quando subverte
os clichês e lugares comuns da sociedade midiatizada, tais como os fatos vazios que se
transformam em notícias, e também ao se apropriar dos signos constituintes do tele-
jornalismo que possuem convenções próprias e reconhecidas pelo público. A paródia
expõe as convenções da linguagem televisiva e explicita os seus mecanismos por meio
de um diálogo entre os seus códigos. Este diálogo possibilita novas produções de sentido
que surpreendem o público e promovem um distanciamento crítico entre aquilo que é
produzido e consumido diariamente na televisão e as novas obras que o incorporam.
A ambigüidade da paródia gera elementos que podem contribuir tanto para criticar,
quanto para inovar a produção de obras no panorama audiovisual contemporâneo, que
carece de novas experimentações estéticas.
Na análise dos indicadores da qualidade do conteúdo do programa Sensacionalista,
ressaltamos a escolha dos temas, que são completamente banalizados e inúteis, no
sentido em que não acrescentam nenhuma informação à vida das pessoas. Porém,
fazem parte das pautas dos telejornais diários, mas não com este grau de banalidade.
Alguns dos temas abordados, a título de exemplo, são: Nova profissão vai resolver a difi-
culdade dos casais para terminarem relacionamentos: o finalizador de relacionamentos. A boa
notícia é que já tem no Brasil. Pesquisa divulgada: “avião sempre balança mais quando serve
a refeição”. Todas as escolas do Ensino Fundamental e Médio da capital federal terão aulas de
dança da chuva devido às secas que assolam Brasília. Doutora Aparecida Santos afirma que
tomar até o meio dia 1 litro de cachaça faz bem... para os produtores de cana, de acordo com o
instituto de pesquisa Nupal. O casal sensação da novela das nove Marcelo Pratiasso e Gisele
Rerckman, que namoram dentro e fora das telas, foram vistos ontem atravessando a rua na
Zona Sul do Rio de Janeiro.
Destacamos também a verossimilhança, pois as notícias são exibidas como se
fossem verdadeiras, ou seja, o tom dos jornalistas, a participação dos entrevistados e a
edição de imagens imitam um telejornal convencional. Portanto, apesar dos absurdos
que são ditos, o formato do telejornal é respeitado, fazendo justamente com que a
inversão paródica funcione completamente. Do mesmo modo, o inusitado das notícias
pode levar os telespectadores a refletirem sobre o sensacionalismo presente nos tele-
jornais e no jornalismo de modo geral. Neste sentido os indicadores de diversidade
geográfica e cultural também foram bem pontuados, uma vez que são abordados
temas variados em diversas regiões do país e no exterior. Por outro lado, encontra-se
também certa insistência na abordagem de fatos ocorridos em Portugal que têm como
pressuposto o ponto de vista discriminatório de que o português é burro. Em três
das emissões estudadas Portugal é evocado, sendo que não há referência a nenhum
outro país nas cinco emissões estudadas. Esta observação está relacionada ao indi-
cador estereótipo, que temos percebido nesta pesquisa que é um recurso bastante
utilizado pelos humoristas para que as piadas tenham graça, porque contam com o
reconhecimento do público.
Abaixo, nas tabelas 3 e 4 podem ser verificados os indicadores de Qualidade do
Conteúdo e da Mensagem Audiovisual.
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Humor e Qualidade na TV Brasileira: um contrassenso?
Gabriela Borges
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Humor e Qualidade na TV Brasileira: um contrassenso?
Gabriela Borges
atento à próxima notícia improvável de ser real, mas que foi estruturada de acordo com
os critérios da narrativa jornalística.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O humor na televisão brasileira é um tema ainda pouco estudado, haja vista a
escassa bibliografia existente. Neste sentido, esta pesquisa tem encontrado resultados
surpreendentes sobre os produtos audiovisuais analisados sob a perspectiva da
qualidade. Embora a referência aos estereótipos seja freqüente, muitas vezes com o
intuito de gerar o riso fácil, pois conta com o reconhecimento do público, encontramos
muitas propostas que se diferenciam pela experimentação com a linguagem audiovisual,
como tentamos demonstrar neste trabalho com as análises dos programas de humor-
jornalismo CQC e Sensacionalista. Os dois programas apresentam propostas estéticas
diferenciadas, que experimentam com a linguagem televisual e ampliam o horizonte do
público, promovendo a reflexão. As análises realizadas até o momento neste projeto nos
levam a crer que a relação entre o humor e a qualidade na TV não é um contrassenso,
muito pelo contrário, pois encontramos produtos humorísticos de qualidade e que se
diferenciam no panorama audiovisual brasileiro.
Para finalizar, é importante ressaltar que este trabalho apresentou alguns resultados
do projeto Observatório da Qualidade no Audiovisual, que conta com a participação dos
bolsistas de iniciação científica Danilo Terra, Guilherme Freire Montijo, Hugo Queiroz,
Larissa Garcia, Luma Perobeli, Monalisa Lima, Samantha Anacleto, que fizeram o
levantamento e a sistematização da análise dos dados. O projeto é financiado pela
Fapemig e pela UFJF.
REFERÊNCIAS
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engraçadas: Uma análise sobre o programa “Sensacionalista”. Anais XV Congresso de
Ciências da Comunicação Região Nordeste 2013. Disponível em http://portalintercom.org.
br/anais/nordeste2013/resumos/R37-1110-1.pdf Acesso em 20 mar. 2015.
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Fora: Ed. UFJF.
______ (2008) Discursos de qualidade: a programação da A 2: português (pp. 155-78) In
G. Borges& V. Reia-Baptista (org.) Discursos e práticas de qualidade na televisão, Lisboa:
Livros Horizonte.
Fechine, Y. (2008) Núcleo Guel Arraes: formação, influências e contribuições para uma TV
de qualidade no Brasil. In A. Figueroa & Y. Fechine (Ed.), Guel Arraes. Um inventor no
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Hutcheon, L. (1989) Teoria da paródia. Lisboa: Edições 70.
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São Paulo: Conrad Editora do Brasil.
Multishow. Sensacionalista. Disponível em Março, 20, 2015 http://globosatplay.globo.com/
multishow/v/2452101
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Porta dos Fundos, a TV e as tecnicidades
audiovisuais contemporâneas
Porta dos Fundos, TV and contemporary
audiovisual technicalities
T h i a g o E m a n o e l F e rr e i r a dos Santos1
Abstract: This paper analyzed the mood channel Porta dos Fundos in conjunction
with the television language and the new audiovisual technicalities, contemporary
context characteristics. We observe how this program articulates specific
language of television and audiovisual production available on youtube. For
this, we used the concept of television genre as a cultural category and the map
of mediations made by Martín-Barbero (2008). We concluded that this product,
to convene own possibilities offered by youtube, tensions the television language,
adopting skits lasting two minutes and more responsive editing, for example,
and the summons, to keep the skit structures, one of the formats that set the
mood television genre in Brazil.
Keywords: Technicalities. Porta dos Fundos. Television Genre. Television Mood.
Internet.
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Porta dos Fundos, a TV e as tecnicidades audiovisuais contemporâneas
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Porta dos Fundos, a TV e as tecnicidades audiovisuais contemporâneas
com formas de ver e fazer que caracterizam a produção audiovisual online do Brasil.
Partimos do conceito de tecnicidades, formulado por Martín-Barbero (2008), em que
ele os apresenta como sendo “[...] menos assunto de aparatos do que de operadores
perceptivos e destrezas discursivas” (MARTÍN-BARBERO, 2008, p. 18). Ou seja, ao nos
referirmos a tecnicidades estamos falando de características dos aparatos tecnológicos,
deste novo contexto citado anteriormente, mas nos preocupamos majoritariamente em
como estas tecnologias têm sido operacionalizadas em percepções e discursos por parte
de produtores e consumidores. Estamos sendo ainda mais específicos, já que estamos
nos referindo às tecnicidades audiovisuais contemporâneas nas análises.
As análises das tecnicidades audiovisuais contemporâneas articuladas às discussões
acerca do gênero televisivo são realizadas aqui a partir de dois conceitos metodológicos,
ou seja, que além de caracterizar, pressupõem procedimentos de análise: gênero como
categoria cultural e o mapa das mediações. Apresentamos no tópico a seguir os dois
conceitos e como eles são utilizados neste artigo para que pensemos tanto as tecnicidades
quanto o gênero humor televisivo no Porta dos Fundos. Nosso corpus é composto por 11
vídeos e um especial de Natal, produzidos pelo grupo em dezembro de 2014. A data
foi escolhida de maneira aleatória.
2. “Genres emerge only from the intertextual relations between multiple texts, resulting in common
category” (MITTELL, 2001, p. 6).
3. “Specifically, I contend that television genre is best understood as a process of categorization that is not
found within media texts, but operates across the cultural realms of media industries, audiences, policy,
critics, and historical contexts” (MITTELL, 2004, introdução).
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Porta dos Fundos, a TV e as tecnicidades audiovisuais contemporâneas
início do gênero no Brasil, ainda que permaneçam alguns dos elementos daquele tempo
histórico. Mittell (2004) afirma que os gêneros, por conta disso, podem ser definidos
como uma “estabilidade em fluxo”. Ou seja, ainda que possuam características estáveis
que permitam que eles sejam definidos, eles estão inseridos em um fluxo histórico que
faz com que eles ganhem diferenciações.
Mittell (2004) afirma que seu objetivo ao analisar os distintos discursos sobre
os gêneros não é chegar a uma “[...] definição, interpretação ou avaliação própria do
gênero, mas explorar as formas materiais em que os gêneros são operacionalizados
culturalmente” (MITTELL, 2004, p. 14)4. O que pretendemos aqui, portanto, é explorar
os discursos sobre o gênero humor televisivo na articulação com as novas tecnicidades
contemporâneas. Compreender de que forma este gênero é tensionado, neste primeiro
momento, a partir dos discursos da indústria, dos realizadores do Porta dos Fundos.
Vale ressaltar que fazer esta análise dos discursos não significa abrir mão da análise
dos elementos textuais do Porta dos Fundos, na sua relação com estas novas formas de
ver e fazer.
Problematizamos essa discussão do gênero como categoria cultural, articulando-o
às proposições de Martín-Barbero (2008) sobre o mapa das mediações. Martín-Barbero
propõe um mapa para a análise cultural que ultrapasse uma discussão centralizada
nos meios e que leve também em consideração as mediações. Este mapa deve operar
em dois eixos: o diacrônico – ou histórico de longa duração – e o sincrônico. O primeiro
é estabelecido entre as matrizes culturais (MC) e os formatos industriais (FI), sendo
um espaço de
(...) complexos entremeados de resíduos (Williams) e inovações, de anacronismos e moder-
nidades, de assimetrias comunicativas que envolvem, da parte dos produtores, sofisticadas
“estratégias de antecipação” e, da parte dos espectadores, a ativação de novas e velhas
competências de leitura (MARTÍN-BARBERO, 2008, p. 17).
4. “Our goal in analyzing generic discourses is not to arrive at a genre’s “proper” definition, interpretation, or
evaluation, but to explore the material ways in which genres are culturally operative” (MITTELL, 2004, p. 14).
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Porta dos Fundos, a TV e as tecnicidades audiovisuais contemporâneas
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Porta dos Fundos, a TV e as tecnicidades audiovisuais contemporâneas
5. Sérgio Buarque de Holanda oferece em Raízes do Brasil uma explicação sobre o jeitinho brasileiro a
partir da discussão em relação ao fato de “[...] em toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade
doméstica, naturalmente particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela
família” (HOLANDA, 1995, p. 82).
6. A íntegra do vídeo pode ser vista no link: http://www.portadosfundos.com.br/eu-vou-embora/ (Acesso
em 29 de fevereiro de 2015)
7. Referimo-nos a programas como Zorra Total, da TV Globo, e A Praça É Nossa, do SBT. Ambos estão entre
os programas de humor que há mais tempo estão no ar e que priorizam uma forma de filmagem estática,
sem muitos cortes, como acontece no Porta dos Fundos e mesmo em programas posteriores a ele como o Tá
no Ar: a TV na TV, da TV Globo.
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Porta dos Fundos, a TV e as tecnicidades audiovisuais contemporâneas
individualmente, três vezes por semana. Cada plano dos vídeos dura cerca de dois
segundos. Abaixo um dos planos, em que podemos ver o enquadramento com um ator
no plano e uma atriz no contra-plano:
É importante destacar que vídeos de alta qualidade na internet só podem ser vistos
atualmente por causa da expansão da tecnologia em banda larga. Outra característica
comum em vídeos de humor na internet, no Brasil, é a sua duração – em torno de três
minutos – que, por outro lado, remete aos esquetes dos programas televisivos. Isso ficou
ainda mais evidente com o programa do Porta dos Fundos na TV, quando diversos vídeos
do grupo foram exibidos, como se fossem esquetes sucessivos. Estamos nos referindo a
decisões técnicas que estão articuladas com formas de olhar da recepção, com operadores
perceptivos, portanto tecnicidades, e com alterações tecnológicas e contextuais.
Por vezes, o humor escrachado do Porta dos Fundos se aproxima de outro programa
que pode ser considerado uma matriz cultural do humor televisivo brasileiro: a TV Pirata.
A ironia, a crítica e a edição mais dinâmica do que a realizada pelos programas que
citamos anteriormente – ainda que inferior ao utilizado pelo programa aqui analisado –
são formas de aproximação entre estes programas. Entretanto, diferentemente daquela,
o Porta dos Fundos não tem como única abordagem temática a ironia com a produção
televisiva, ainda que haja vídeos em que eles a ironizam, mas que não fazem parte do
corpus deste artigo.
Os humoristas que compõem o Porta dos Fundos, reiteradamente, ressaltam a
liberdade que a internet possibilita na hora de criar seus vídeos, tanto do ponto de
vista da forma quanto do conteúdo8. Este é um discurso sempre presente em quem
produz na internet, por não possuir, a priori, constrangimentos comerciais. Entretanto,
há outros tipos de constrangimentos, sejam de linguagem, sejam econômicos. O Porta
dos Fundos tem uma parceria com a cervejaria Itaipava que exibe os vídeos produzidos
pelos humoristas um dia antes da exibição no site. Em entrevista publicada no dia 23 de
maio de 2014, no Uol, Gregório Duvivier, um dos criadores da Porta dos Fundos, afirmou
o seguinte sobre a estreia do programa do grupo no canal a cabo Fox: “A proposta da
Fox foi a melhor porque eles não vão alterar em nada nosso conteúdo. Vão exibir tudo
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Porta dos Fundos, a TV e as tecnicidades audiovisuais contemporâneas
Neste especial, podemos ver uma forma de edição que difere dos outros vídeos:
diversas esquetes contando a história do Velho Testamento. Além disso, o tempo total
são 22 minutos e 32 segundos e os esquetes possuem aproximadamente três minutos,
a mesma duração dos outros vídeos do grupo. Antes de cada um deles, aparece um
título (como no quadro acima – “Deus Meu”) e, além disso, inseriram na edição uma
9. Leia mais em “Grupo de Humor Porta dos Fundos enfrenta ira de religiosos por especial de Natal”:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/01/1395628-grupo-de-humor-porta-dos-fundos-enfrenta-
ira-de-religiosos-por-especial-de-natal.shtml (Acesso em 03 de março de 2015)
10. A reportagem aponta a resposta de Gregório Duvivier sobre a polêmica com Renato Aragão. Disponível
em http://noticias.gospelmais.com.br/renato-aragao-critica-polemico-video-porta-fundos-60555.html
(Acesso em 03 de março de 2015)
11. Este vídeo pode ser visto em http://www.portadosfundos.com.br/testemunha-de-darwin/ (Acesso
em 28 de fevereiro de 2015)
12. Este vídeo pode ser visto em http://www.portadosfundos.com.br/especial-de-natal-2014/ (Acesso em
28 de fevereiro de 2015)
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Porta dos Fundos, a TV e as tecnicidades audiovisuais contemporâneas
entrevista com Inri Cristo, um religioso que diz ser a reencarnação de Jesus Cristo (e
cuja legenda utilizada pelo Porta dos Fundos identifica como tal). Ficou a cargo dele
explicar as questões em relação a passagens da Bíblia. Do ponto de vista da linguagem
utilizada por eles, entretanto, não houve grande variação na edição dos esquetes, com
planos e contra-planos, edições agéis. A única diferença foi uma presença maior de
externas, como também mostra o quadro “Deus Meu” da figura acima.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do programa Porta dos Fundos nos permite afirmar que o gênero humor
televisivo está em constante transformação. Para percebermos esta mudança, é necessário,
entretanto, compreender o gênero televisivo como uma categoria cultural, algo que é
definido pelos textos, mas não apenas por eles, também pelos discursos construídos
pela indústria, pela audiência e pela crítica. Esta análise dos diferentes discursos em
torno do Porta dos Fundos nos permite dizer que ele tensiona o gênero aqui analisado,
tanto do ponto de vista da forma, com suas edições mais ágeis, enfatizando o jogo de
planos e contra-planos, menores, quando do ponto de vista do conteúdo, com a inclusão
de ironias e críticas em relação à religião e à esfera privada da vida das pessoas.
Problematizar o gênero humor televisivo enquanto categoria cultural articulando-o
ao mapa das mediações de Martín-Barbero (2008) nos permitiu afirmar que neste
tensionamento, o Porta dos Fundos convoca programas que caracterizam matrizes culturais
deste gênero no Brasil, como a Faça Humor, Não Faça Guerra e o TV Pirata, mas, por outro
lado, se aproxima de algumas inovações do gênero, como o stand-up comedy, forma de
fazer humor que surgiu no teatro e desde os anos 2000 tem ficado mais presente na
televisão brasileira. Estas inovações convocam novas competências da recepção para dar
sentido à rapidez do humor utilizado pelo grupo. O eixo diacrônico reforça compreender
o gênero televisivo enquanto uma “estabilidade em fluxo” (MITTELL, 2004).
Considerar o gênero televisivo como uma categoria cultural nos permite vê-lo
enquanto lugar de disputas. É o que se percebe na discussão em torno dos limites do
humor a partir dos vídeos do Porta dos Fundos em relação a temas religiosos. É ou não
é humor falar de religião? Não nos cabe dar uma resposta a esta questão, mas evidenciar
que o debate em torno dela explicita a compreensão de que o gênero é também definido
pelos discursos de críticos e da audiência. E a resposta dos produtores também entra
nessa disputa, quando os humoristas evocam a liberdade de expressão e a necessidade
de desmistificar as religiões.
Vincular a liberdade de expressão à internet é uma das maneiras de observar
as tecnicidades, já que este é um discurso que parece estar presente em muitos dos
textos de produtos online. Além disso, formas de fazer e ver produtos audiovisuais
na internet – vídeos de aproximadamente três minutos, edição ágil, uso de câmeras
de alta qualidade – também aparecem no Porta dos Fundos, permitindo afirmar que
possibilidades tecnológicas presentes no Brasil mais fortemente desde os anos 2000,
com a internet banda larga, têm sido operacionalizados de formas específicas pelos
produtores na relação com a audiência. Ou seja, são transformações tecnológicas, mas
também culturais.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Porta dos Fundos, a TV e as tecnicidades audiovisuais contemporâneas
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O desafio de “Viver a Vida”: a questão dos estigmas
sociais na novela em que a deficiência é protagonista
“Seize the Day”: the Challenge: social stigmas in
a soap opera with disabilities as main character
Leandro Carabet1
O DESAFIO DA PESQUISA
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O desafio de “Viver a Vida”: a questão dos estigmas sociais na novela em que a deficiência é protagonista
Leandro Carabet
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O desafio de “Viver a Vida”: a questão dos estigmas sociais na novela em que a deficiência é protagonista
Leandro Carabet
“Vale a pena ver de novo”, da Rede Globo e no canal de reprises “Viva”, da Globosat. Outras
sequências foram obtidas nos sites das próprias novelas, no canal online “Globo Vídeos”
ou então na própria rede de compartilhamento de vídeos, o Youtube. Dependendo da
relevância de algumas das novelas, assistimos ao conteúdo em sua totalidade e de outras,
conferimos apenas alguns trechos.
Sendo assim, criamos um banco de dados com 185 sequências, visando tanto com-
preender cada uma das produções, como também fornecer um banco de dados para as
pesquisas futuras que venham a trabalhar com o tema. Algumas dessas cenas foram
escolhidas para serem comentadas neste relatório e aparecem no decurso do texto para
justificar o percurso televisivo realizado. À medida que as sequências são citadas, os links
para visualizá-las na íntegra aparecerão logo abaixo das imagens2 das cenas dispostas no
relatório. As demais cenas estão mantidas no banco de dados, apresentado após a biblio-
grafia do relatório, servindo como elemento de compreensão de algumas das passagens.
Como dissemos, nosso método de pesquisa na primeira parte da pesquisa se pautou
pela horizontalidade. Não poderíamos singularizar e sublimar “Viver a vida” sem antes
constituirmos o longo percurso que a representação e a representatividade da pessoa
com deficiência ocuparam nas telenovelas ao longo dos anos.
Sendo assim, nossa primeira apuração baseou-se na comparação dos aspectos gerais
das produções selecionadas na Tabela 1.
Neste quadro montado ao lado, foram assinalados com a cor vermelha os aspectos
das demais produções que se diferenciam da forma como “Viver a vida” lidou em relação
ao tema da deficiência e a sua inserção na narrativa.
Essa demarcação nos permite verificar que, em pelo menos um aspecto, as outras
novelas de nosso panorama agiram de forma diferente de “Viver a vida”. Porém, consi-
deramos este esquema comparativo pouco suficiente e superficial.
Partimos, então, para a análise detalhada de algumas das sequências de cada uma
das outras produções, sempre procurando estabelecer um diálogo comparativo, rela-
cionando-as à questão dos estigmas sociais como eixo central. Para isso, não pudemos
deixar de considerar também os aspectos relativos ao merchandising social e suas varia-
ções, tão em voga atualmente nas novelas e, em certa perspectiva, o compromisso social
que este produto televisivo vem assumindo ao longo das décadas.
Como esclarecemos desde o início, nossa intenção, em nenhum momento, visou
ao esgotamento, nesta pesquisa, da abordagem de todas as telenovelas que trataram o
tema da deficiência nos últimos tempos, mas sim, uma investigação que permitisse a
constituição de um panorama sobre o tema.
2. As imagens de cenas das novelas que aparecem neste relatório são reproduções e foram capturadas com
recurso de computador e têm a exclusiva finalidade acadêmica.
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O desafio de “Viver a Vida”: a questão dos estigmas sociais na novela em que a deficiência é protagonista
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O desafio de “Viver a Vida”: a questão dos estigmas sociais na novela em que a deficiência é protagonista
Leandro Carabet
a Rede Globo, e por terem sido responsáveis por trazerem o assunto da deficiência com
relevo aos demais recobrimentos midiáticos, em sua diversidade.
Apontamos ainda que nossa observação identificou diferenças constitutivas nessas
três novelas. Assim, ao comparar “América”, “Páginas da vida” e “Viver a vida”, levantamos
os pressupostos a seguir:
1) “América” é a produção, em que a presença da deficiência, mais parece se inserir
na categoria do “merchandising social”, pela sua configuração explícita como campanha
e ação sócio-educativa.
No campo referencial, a novela teve resultados expressivos, já que destacou as
dificuldades encontradas pelos deficientes visuais para circular livremente com seus
cães-guias, apesar do decreto-lei que regulamenta a entrada desses animais em espa-
ços públicos; apresentou ao público o “golbol”, jogo de futebol para deficientes visuais;
discutiu a importância dos semáforos luminosos sonoros e divulgou o projeto Dosvox
– programa para a utilização de computadores por cegos, desenvolvido pelo núcleo de
computação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e popularizou exposições,
danças e balés para deficientes visuais.
Porém, nos perguntamos se, no aspecto teledramatúrgico, a novela foi igualmente
bem sucedida, já que algumas das cenas de Jatobá e Maria Flor tinham uma forte apro-
ximação com a linguagem documental, sobretudo pela presença da voz explicativa que
se sobrepõe à sequência de imagens. Além disso, percebemos que o núcleo da deficiência
destoava muito da ideia central de “América” que, como o próprio nome diz, é direcio-
nada ao drama da personagem Sol (Deborah Secco), que tenta entrar nos Estados Unidos
como imigrante ilegal. O segundo espaço onde mais se davam as ações em “América”
era o ambiente dos rodeios, onde o par romântico de Sol disputava campeonatos. Essas
ambientações, ao que tudo indica, parecem reforçar o aspecto deslocado e descolado
que a localização de Jatobá-Flor-Islene, o subúrbio do Rio de Janeiro, tinha na história.
2) Diferentemente disso, “Páginas da vida” e “Viver a vida” inseriram o assunto no
núcleo protagonista. Porém, a consulta a alguns dos conceitos da bibliografia permitiu-
-nos apontar que o encaminhamento das narrativas, ao revelar a relação entre o perso-
nagem com deficiência e os demais personagens, evidencia mais, em “Páginas da vida”,
os aspectos relativos aos processos de preconceito e estereótipo e, em “Viver a vida”, os
relacionados ao estigma social da deficiência.
Nesse sentido, em “Páginas da vida”, setores da sociedade discriminam e excluem a
personagem Clara de modo bastante evidente e claro. Ela é evitada do convívio à escola
por determinadas diretoras, professoras e até mesmo por outros pais. A trama já começa
com o preconceito da própria avó, Marta (Lília Cabral), que sem ter visto a própria neta,
diz que não a levaria consigo por conta da síndrome de down.
Em “Viver a vida”, a discriminação parece se dar de uma maneira mais indireta.
Luciana, com suas feições de modelo e seus status privilegiado, cria um certo impedi-
mento para que as ações de discriminação por parte dos outros se deem de maneira
explícita. Mas, ao mesmo tempo, o ambiente inadaptado da cidade e, sobretudo, os
olhares de “dó”, “pena” e “compaixão” que os outros lançam sobre ela, sem nada dizer,
parecem lhe exercer uma exclusão psicológica, que desconforta, em um evidente pro-
cesso de estigmatização.
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Além disso, durante os contatos mistos (...), é provável que o indivíduo estigmatizado sinta que está
“em exibição”, e leve sua autoconsciência e controle sobre a impressão que está causando a extremos
e áreas de conduta que supõe que os demais não alcançam. (Goffman, 1978, p. 24).
Figura 1. A capa da edição 525 da revista Minha Novela traz a manchete: “Luciana fica tetraplégica”
4) Outro aspecto tem a ver com o fato de Luciana não ser a protagonista original
de “Viver a vida”. Ela seria mais uma, dentre as várias histórias de “superação”, o tema
da novela, que viriam a aparecer na trama, como a reviravolta da anorexia alcóolica da
personagem Renata (Bárbara Paz) ou ainda, a reestruturação da médica Ariane (Christine
Fernandes), após sua viuvez precoce.
Tradicionalmente, na obra de Manoel Carlos, quem ocupa o lugar máximo de des-
taque na novela são as personagens de nome Helena, em seus conflitos e envolvimentos
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amorosos, isto ocorreu nas novelas “Baila Comigo” (1981), “Felicidade” (1991), “História de
amor” (1995), “Por amor” (1997), “Laços de família” (2000), “Mulheres apaixonadas” (2003) e
“Páginas da vida” (2007). Porém, em “Viver a vida” a personagem Helena, de Taís Araújo,
perdeu progressivamente o destaque do espaço central para Luciana. Tanto que até hoje,
a novela é relembrada como a história do casal “Luciana & Miguel” e não a de “Helena
& Marcos (José Mayer)” ou “Helena & Bruno (Thiago Lacerda)”.
Um indicativo para responder a esta questão também pode se encontrar no fato de
Alinne Moraes, no ano de exibição de “Viver a vida”, ter recebido o prêmio de melhor
atriz, no programa “Melhores do Ano”3 exibido no programa “Domingão do Faustão”.
Alinne Moraes disputou o prêmio com as atrizes da Rede Globo, Juliana Paes e
Lília Cabral. Juliana Paes interpretara a personagem Maya na trama de “Caminho das
índias” (2009), produção antecessora de “Viver a vida”. Como se sabe, a novela “Caminho
das índias”, de autoria de Glória Perez, foi vencedora do Emmy Internacional de 2009
na categoria de “melhor novela”.
A outra concorrente, Lilia Cabral, intérprete de Tereza, mãe de Luciana em “Viver
a vida” também foi indicada ao Emmy Internacional de 2010 e ao Troféu Imprensa na
categoria de “melhor atriz”, sendo premiada no segundo.
Esses aspectos confirmam que a crítica especializada em televisão nem sempre
caminha junto à opinião do grande público. Como se sabe, a votação do Emmy e do
Troféu Imprensa se dão por especialistas e, no “Melhores do ano”, os vencedores são
escolhidos por votos do público obtidos por telefone e pela internet. Desse modo, o fato
de Alinne Moraes ter conseguido vencer as outras atrizes reconhecidas pela crítica,
uma vez mais reforça a pregnância e a penetração de Luciana na memória afetiva das
pessoas em geral.
Não à toa, ao receber o prêmio (imagem ao lado), a atriz discursou fazendo uma
associação a uma reconhecida história do imaginário das pessoas, com uma atualização:
“É muito bacana ver que 15% da população tá muito feliz e tá sendo retratada, [...] pela “Cinderela
da cadeira de rodas”, que é a Luciana.”. Isso reflete a fala de Eco (1994, p. 131) “Quando se põem
a migrar de um texto para outro, as personagens ficcionais já adquiriram cidadania no mundo
real e se libertam da história que as criou”.
AUTORES SOCIAIS
Ao realizarmos, em nossa pesquisa, um apanhado geral das obras mais significativas
de cada um dos autores da Rede Globo, pudemos observar, pelas comparações entre as
produções, que o grau de realismo das tramas é um aspecto que varia substancialmente
de um para outro. Em uma primeira análise, podemos considerar que Aguinaldo Silva é
o que mais se distancia dessa demanda excessiva pelo real, criando personagens, muitas
vezes, caricaturizados. Em uma postura diametralmente oposta, aparece Glória Perez,
que cria histórias impregnadas de elementos do jornalismo e da linguagem documental.
Um certo discurso referencial mistura-se à estrutura da ficção, geralmente, destacando
temáticas sociais, problemas urbanos ou a realidade de minorias.
3. “Melhores do ano 2009” foi exibido em 29/03/2010. O vídeo da premiação de melhor atriz pode ser
conferida no seguinte link: http://goo.gl/bYv2n
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Nesse aspecto, podemos dizer que Manoel Carlos associa-se à Glória Perez no sen-
tido de fazer abordagens próximas às problemáticas do cotidiano. Em Manoel Carlos,
porém, não se notam tão evidentes os elementos de um certo discurso de campanha e
engajamento social que são vistos nas tramas da autora.
Assim, na realização teledramatúrgica de Glória Perez, tem se notado que a temática
social sobrepõe-se muitas vezes à narrativização da trama. Ou seja, em suas produções,
o assunto social selecionado para a abordagem é tão extensivamente propagado, mes-
mo antes de a telenovela começar a ser exibida, que, muitas vezes, não dá chances de
o espectador naturalmente criar um vínculo com a telenovela e envolver-se com suas
histórias. Isto pode, inclusive, servir de barreira para o interesse na história, afinal,
como comentávamos no capítulo anterior, o estigma social é aquela marca que consegue
chamar mais a atenção do interlocutor do que a própria pessoa. A partir do momento
que se enfatiza que a novela abordará tal tópico, reforça-se a ênfase à marca e não à
tentativa de revelar o estigma.
Para citar um exemplo que distancia Manoel Carlos dessa postura, selecionamos
uma das chamadas exibidas antes da estreia de “Viver a vida”. Chamadas de estreia
de uma novela alternam-se ao longo da programação e, geralmente, são variadas. Há
uma central que aborda a história como um todo e os personagens protagonistas e há
outras que comentam outros núcleos para trazer um panorama.
Escolhemos analisar, a seguir, a chamada veiculada que descrevia a personagem
Luciana. Vale enfatizar, uma vez mais, que no momento inicial ela ainda não era a pro-
tagonista da trama, nem se esperava isso dela:
Narrador: Luciana vive a vida sem medo de arriscar
Luciana: Eu vou chegar lá, você vai ver!
Narrador: Uma linda modelo que está conquistando as passarelas
Helena: E de repente a mocinha virou mulher, a aspirante tá virando uma modelo profissional
Narrador: Ela tem uma relação tumultuada com Jorge, seu namorado de muitos anos
Tereza: Uma hora dizem que vão casar, outra hora dizem que se odeiam
Narrador: E não consegue aceitar que seu pai esteja apaixonada por Helena, sua grande
concorrente
Luciana: Você sabe que eu li em algum lugar que se a mulher não pensa no seu marido ou
namorado a cada hora, não está realmente apaixonada
Narrador: Dia 14, estreia a nova novela das 8, de Manoel Carlos, “Viver a vida”
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Mesmo sabendo que sobre ela recairá um papel de relevância social, não há também
um cuidado excessivo para a personagem parecer excessivamente correta e coerente, tanto
que defeitos de Luciana são prontamente citados. Além disso, ela é apresentada como
alguém que tem uma “grande concorrente”, que é justamente a protagonista da novela.
Ou seja, com a trajetória de Luciana, não houve um excesso de zelo desde o início
para sublimá-la à condição de agente do merchandising social, fechando-a em uma redoma
de comportamentos “politicamente corretos”, essa atitude contribuiu para a fluidez da
narrativa e para o menor truncamento e desconfiança com o representante “diferente”.
A ficção fica menos, por assim dizer, “forçada”.
Em geral, ao dizer algo sobre certas características identitárias de algum grupo cultural,
achamos que estamos simplesmente descrevendo uma situação existente, um “fato” do mun-
do social. O que esquecemos é que aquilo que dizemos faz parte de uma rede mais ampla
de atos linguísticos que, em seu conjunto, contribui para definir ou reforçar a identidade
que supostamente apenas estamos descrevendo. (Silva, 2000, p. 93).
Após todo esse processo de proximidade e torcida por Luciana que o envolvimento
com a sua jornada de heroína criaram nos espectadores, cabe-nos concluir este relatório
mostrando como as cenas finais das trama foram fundamentais para consolidar o pro-
cesso de revelação de estigmas sociais para o qual a trama se encaminhou.
No dia 1o de fevereiro de 2009, o ator Mateus Solano, intérprete de Miguel, partici-
pou da gravação do programa “Mais você”, apresentado por Ana Maria Braga. Em dado
momento, a apresentadora lhe pergunta se Luciana voltará a andar no final da trama,
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O desafio de “Viver a Vida”: a questão dos estigmas sociais na novela em que a deficiência é protagonista
Leandro Carabet
ao que o ator responde: “Acho particularmente, como pessoa, que ela não voltará a andar. Essa
seria a grande lição da Luciana. De ser feliz na condição que ela está”.
De fato, o roteiro seguiu por essa direção e Luciana continuou usando cadeira de
rodas no capítulo final, reforçando o status de deficiência como condição de vida e não
doença. Luciana retorna às passarelas desfilando em um cadeira motorizada. Mesmo
com a deficiência, Luciana faz a mesma expressão firme de quando desfilava antes do
acidente, o que revela que, para si, ela está esclarecida e bem resolvida com sua situação.
Como aponta-se entre as funções da narrativa, o herói sempre retorna da batalha
trazendo consigo uma marca que reafirma sua presença no combate e distingue sua
heroicidade. O nome desta etapa? Estigma.
Outro indício de que Luciana assume a deficiência como condição própria e não
como um acessório que em algum dia será removido, dá-se em outra cena que mostra
Luciana regressando da Lua de Mel com Miguel. Ao chegar ao aeroporto, Luciana diz:
Luciana: Sabe o que eu acho? Pra ser feliz completamente só precisava de um favor, só de
um favorzinho de Deus, do destino e de você também que é meu marido...
Miguel: E qual é o favor?
Luciana: (pausa) Engravidar. Se eu puder te dar um filho, não vai me faltar mais nada
nessa vida.
Enquanto se cria a expectativa de que Luciana desejará que lhe seja possível voltar
a andar, ela faz um outro pedido. Ou seja, o maior desejo de Luciana que se lhe for
realizado, fará com que ela se sinta plena, independe da deficiência e sobrepõe-se a ela:
a gravidez.
Para concluir, mostraremos a sequência que encerra o último capítulo antes da
exibição do último depoimento. Este trecho traz uma série de fotos que são “tiradas”
de cada um dos núcleos da novela.
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Na página a seguir, reproduzimos cada uma dessas imagens que mostram os rela-
cionamentos formados durante a novela em suas mais diversas variedades: inter-raciais
(Bruno e Helena), com diferença de idade e etnia (Maradona e Dora), envolvendo viu-
vez (Jorge e Ariane), reconsiderando filhos que tinham se separado da família (Edite e
Sandrinha) e outros casos. Desses destacam-se Luciana e Miguel que, na composição
da foto, para evitar qualquer desalinhamento, apareceram os dois juntos na mesma
posição: sentados.
Para finalizar, como esta pesquisa teve seu ponto de partida a partir de um ques-
tionamento, gostaria de encerrá-la também com uma reflexão:
Muito provavelmente, em uma próxima novela, a presença de uma personagem com
alguma deficiência que venha a ocupar o lugar central durante toda a narrativa pode
ser um fato difícil de se repetir, por parecer imitação de “Viver a vida” ou denotar falta
de originalidade. Sendo assim, daqui a alguns anos, de que forma a deficiência poderá
retornar ao protagonismo na mídia televisiva?
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A Atmosfera Televisual em Filhos do Carnaval
The Televisual Atmosphere in the Show Sons Of Carnival
L i h e m m A . P. F a r a h L e ã o 1
Resumo: Este artigo pretende analisar de que maneira a ênfase visual e estilística
a neotelevisão e a televisão estilo promovem, principalmente a partir dos anos
1980, um direcionamento da ficção televisiva para conteúdos mais “atmosféri-
cos”, os quais levariam a TV a uma experiência e uma espectatorialidade mais
imersiva, e resultaria em um público cada vez mais absorto na representa-
ção. Tais transformações no texto, na linguagem visual e nos demais aspectos
formais, especificamente, da ficção seriada têm aberto possibilidades autorais
bastante importantes, como é o caso da série brasileira Filhos do Carnaval, de
Cao Hamburguer, que este trabalho se propõe a analisar.
Palavras-chave: Televisualidade. Atmosfera. Imersão. HBO.
Abstract: This article intends to analyze the visual and stylist emphasis that neote-
levision and the televisuality promotes, mainly from the 1980s, and how it guides
television through an atmospheric concept and to immersive strategies inside tele-
vision Drama. Those transformation on screenwriting, visual language and moreo-
ver, others formal aspects, just as the case of Brazilian TV Show Sons of Carnival,
from Cao Hamburguer, has increasingly opened new authorship possibilities.
Keywords: Televisuality. Atmosphere. Immersion. HBO.
1. INTRODUÇÃO
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A Atmosfera Televisual em Filhos do Carnaval
3. O zapping é justamente o que aprofunda a relação espectador-televisão, já que o público pode assim
percorrer a todos os canais, na ordem em que quiser e acabar por assistir a nenhum programa integralmente,
se assim o desejar. O referido dispositivo reforça a ideia de consumo individual da neotelevisão, além de
dar ao espectador a liberdade de personalizar a experiência da programação televisiva.
4. Este constitui um período em que a TV tinha um caráter notavelmente pedagógico, marcado pelo
dirigismo da grade e dos programas e pela verticalização da comunicação com o espectador – a televisão
assume um papel de “professor”, em um cenário em que os espectadores seriam alunos. Esse modelo de
comunicação pedagógica é a primeira característica que a neotelevisão vai modificar.
5. A partir dos anos 1980, a TV vai amplificar o estilo, a abordagem estética e o uso de técnicas e modos de
produção novos. Nesse momento, televisualidade muda a aparência e a visualidade da TV e esse marco se rela-
ciona diretamente com as marcas estilísticas das séries da HBO e a visualidade atmosférica que será discutida.
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A Atmosfera Televisual em Filhos do Carnaval
6. Neste artigo, o conceito cunhado pelo trabalho de Mitchell (1994) será atualizado de modo a tratar de
um momento em que se estabelece um discurso visual e que este começa a se distanciar da necessidade
de dependência a um discurso textual, mas a partir das especificidades de um conteúdo narrativo para
TV, em que imagem, forma e texto estão atrelados a uma história.
7. Fato este que remete a todo um histórico do canal HBO com quebra de tabús, ao retratar personagens
violentos, cenas de nudez e sexo, e desfechos polêmicos ou “imorais” para conflitos dos protagonistas das
séries.
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na forma com que estes temas controversos são tratados dentro das tramas principais
e secundárias das séries.
Tais características que singularizam sua programação, especialmente de ficção, foco
desta análise, normalmente residem mais no campo textual do que imagético. Mas elas
estão, sim, claramente ligadas a estratégias de imersão a partir de elementos plásticos
e construção de uma atmosfera visual que deem mais densidade ao universo pictórico,
seja na promoção de afetos e emoções no espectador, ou de experiências sensoriais.
Ambas as abordagens são recursivas e visíveis em Filhos do Carnaval, tanto para tratar
das contravenções envolvendo drogas e jogo do bicho, quanto as cenas de nudez ou de
exploração sensorial da sexualidade.
Um dado importante na análise da série brasileira em questão, no que diz respeito
à sua espectatorialidade, é que, assim como as demais séries da HBO, não há pausas
comerciais entrecortando os atos, ou seja, a leitura do espectador é mais contínua. Não
há inserções publicitárias ou imagens que estabeleçam uma quebra de clima, contrução
de narrativas paralelas ou distanciamento do universo imagético e dramático de Filhos
do Carnaval. E, ainda que a forma de consumo da série seja outra que não a TV a cabo
– DVD, computador, etc – a ausência das marcas dá fluidez à leitura visual e apoia a
imersão8 do espectador.
Essas características singulares à HBO, somadas às especificidades da série Filhos
do Carnaval, conduz esta análise para uma lugar mais situado nos elementos pontuais
da série no que diz respeito às suas estratégias neotelevisivas e suas especificidades
imersivas.
8. Ver Oliver Grau, Arte virtual: da ilusão à imersão, São Paulo: Unesp, 2005.
9. O uso do termo “atmosfera” aqui se relaciona muito com seu uso no trabalho de Inês Gil (2005).
10. Por imersão, nesta colocação, estou trabalhando formas de espectatorialidade nas quais a imagem, o
conteúdo televisivo ou, ainda, a representação absorvem o espectador de modo a borrarem os limites entre
universo real e universo pictórico.
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pictoriais e estratégias crescentemente sensoriais que, segundo Muanis (2013, p.7), cami-
nham para uma visualidade imersiva, em possibilidades que serão tratadas logo adiante.
Ainda com relação aos aspectos técnicos, os equipamentos que amplificam os efeitos
imersivos da televisão estão cada vez mais acessíveis e não somente no que diz respeito
às imagens com cada vez melhor definição11. O som tem cada vez mais preenchido um
crescente número de espaços, acompanhando as imagens dentro do enquadramento,
mas preenchendo também as sonoridades que vêm de fora do quadro e das zonas
acusmáticas12; além disso, o design das caixas de som espalhadas lateralmente também
corroboram a impressão de imersão.
Essa estrutura acústica remonta a experiência das salas de cinema em um âmbito
doméstico e, ao mesmo tempo, se relaciona com as experiências imersivas que a tele-
visualidade possibilitou a partir da década de 1980. A imersão é aqui analisada epelo
viés da sensorialidade e pelo enevoamento do espaço físico que divide espectador e
representação, por isso ela está tão intimamente relacionada à construção de atmosferas.
As novas tecnologias que a televisão vem crescentemente adotando e integrando,
através de diferentes plataformas, evidenciam passos cada vez mais significativos no
sentido de um realismo integral, experimentado através de ferramentas próprias da
imersão na representação e apagamento das linhas que limitam a percepção da atmosfera
onírica. O óculos 3D é uma delas, e pode ainda agregar novas possibilidades imersivas
com o uso de tecnologias cada vez mais avançadas (como operar com um espaço fora do
quadro) – mas cada vez mais vem se buscando a imersão na representação e a criação
de novas possibilidades espectoriais, muitas vezes apoiadas em uma ênfase visual, em
constante transformação, mas perceptível desde a televisualidade.
A televisão nasceu como uma experiência coletiva e vem se tornando por um lado mais
individualista a partir da proliferação dos canais segmentados e dos vídeos sob demanda.
Contudo, por outro lado, reforça sua grade e seu aspecto comunitário, com as novas tecno-
logias digitais e o zapping midiático, reforçado por espectadores que utilizam a internet e
as redes sociais para produzir os discursos terciários em grande volume e durante a própria
transmissão. Ao analisar, entretanto, o caminho pelo qual a imagem televisiva deve seguir,
com os óculos que devolvem e aprofundam as possibilidades do estereoscópio, a televisão
reforça também um aspecto de individualidade, como demonstra o próprio vídeo promocio-
nal da empresa que os fabrica, em que o espectador aparece solitário, deitado e absorto em seu
aparelho, como se estivesse sonhando ou experimentando um transe. (MUANIS, 2013, p. 11)
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de modo a criar um mergulho na representação, essa, marca uma experiência cada vez
mais individual.
A discussão de Muanis (2013) reatualiza o conceito que insere o conteúdo como
elemento integrante do movimento “para dentro da representação”, sendo este composto
por diferentes agentes da expectação – aqui, conteúdo, imagem e som. Essas ferramentas
imersivas da televisão corroboram com outra característica do consumo neotelevisivo
que é a leitura e espectatorialidade marcada por uma experiência mais individual do
que uma experiência conjunta; tal traço é ainda mais enfatizado pelo predomínio das
características neotelevisivas.
No caso da HBO, o drama televisivo utiliza sempre a imagem cinemática, algo que
John Caldwell (1995) considera uma imagem elaborada e característica da televisão estilo,
ao contrário da televisão de intensidade zero, que é uma característica da paleotelevisão.
Essa imagem cinemática, que amiúde assume traços videoclípticos, também está pre-
sente nas produções da HBO Brasil e em Filhos do Carnaval.
Com relação ao texto e à teledramaturgia, Filhos do Carnaval constroi um jogo de
poder que tem como eixo central o personagem de Anésio Gebara (Jece Valadão) que,
dono de escola de samba e banqueiro do jogo do bicho, quer passar os negócios da
família para Anesinho (Felipe Camargo), seu sucessor natural. No entanto, a morte de
Anesinho, ainda no primeiro capítulo da primeira temporada, deixa em aberto qual
dos outros três filhos ficará no lugar do pai. Sucessão familiar em jogos de poder é um
conflito relativamente recorrente em dramas que se aproximam ao mobster13, mas quando
somadas às aproximações com o melodrama familiar e com uma atmosfera psicológica
através do hiperreal, seu universo ganha uma especificidade interessante, a ser mais
detalhado adiante.
Tal explicação acerca do universo dramático da série é metodológico, no contexto
das predominâncias neotelevisivas na evocação ao público e aos dramas do homem
comum, uma vez que o drama familiar tem um enfoque significativo, especialmente
na primeira temporada. Reside neste enfoque, uma abordagem que retoma a vontade
de fidelização de um público que poderá se identificar com personagens à medida que
consegue projetar neles alguns de seus conflitos particulares.
Filhos do Carnaval constroi um Anésio fragilizado com a morte do filho e assombrado
por medos que beiram a paranoia. Mas, trata-se aqui de um banqueiro do jogo do bicho,
uma importante organização criminosa que faz parte do imaginário popular brasileiro,
com problemas e fantasmas ordinários, comuns. Ou seja, há aqui a construção de um
referencial com a vida e os problemas do público expressos através desse homem do
cotidiano. Esse é um traço determinante da neotelevisão, como estratégia para atrair o
público e dar a ele uma experiência de pertencimento.14
Os autores Francesco Casetti e Roger Odin (1990), nesse sentido, categorizam essa
programação da neotelevisão entre os referentes espacial e temporal, tendo o cotidiano
dos espectadores como referencial máximo. O referente espacial pretende aproximar o
13. Narrativas com temática de contravenções, organizações criminosas organizadas e máfia, popularizadas
com histórias que tratavam da máfia italiana nos Estados Unidos.
14. A evocação direta ou indireta do espectador e do universo doméstico é característica que predomina
em talk shows e programa de entrevistas, mas pode ser encontrada também na ficção televisiva.
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espaço dentro da tela da TV aos espaços do cotidiano dos espectadores, como uma sala de
estar ou um café. Ainda, essa referência pode ser temporal, associando a temporalidade
cotidiana dos espectadores à dos programas de TV. Isso se dá, por exemplo, quando
um canal insere conversas de jantar justamente na programação da noite, mantendo os
espectadores na frente da televisão na hora das refeições.
Essa estratégia cria uma aproximação entre o universo pictórico e o cotidiano do
público que assiste aos programas.15
No caso de Filhos do Carnaval, esse referencial se soma a atmosferas não tão natura-
listas e que diversas vezes transbordam o realismo através de recursos estilísticos e de
uma atmosfera visual e sonora mais abstrata, uma vez que a trama é naturalista mas o
tratamento e a linguagem flertam com o fantástico.
Em dita instância, a série se aprofunda nas fraquezas e nas falhas de caráter dos
personagens e no crime organizado, a partir de chaves de linguagem e pressupostos
do gênero policial – a atmosfera concreta aqui é manifesta16, a tensão está no som do tiro,
no carro que acelera, no uso de um contracampo que acentua o suspense, mas todos
os elementos estão dados e muito amarrados ao discurso textual da série, somados aos
componentes visuais e de imersão.
15. A neotelevisão se coloca como espaço do cotidiano, que estaria integrado com o espaço de sociabilidade
que se constitui no entorno do consumo televisivo. Mas a sociabilidade para esse espectador acaba por
estabelecer uma relação que é, sobretudo, um consumo individualizado, ainda que posteriormente aconteça
em grupo, coletivamente. Ou seja, mesmo quando o espectador assiste a um programa em grupo, a sua
relação com o conteúdo não permite que a interação se dê de forma conjunta, ela é particular e pautada
pelas percepções individuais da imagem e do som.
16. Atmosfera que expressa uma semântica marcada, preponderante. Inês Gil (2005) classifica as possibi-
lidades atmosféricas, na análise de uma atmosfera no cinema, a partir do entendimento de que esses são
conceitos que permeiam alguma flexibilidade dentro das muitas possibilidades de expressão, apesar de
defini-los e organizá-los em um quadro objetivo. Ver Ines Gil, A Atmosfera no Cinema: o Caso de A Sombra do
Caçador de Charles Laugthon entre o Onirismo e Realismo, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p.37-38.
17. Me refiro aqui ao primeiro episódio da primeira temporada de uma série.
18. O uso aqui se refere a elementos usados como figuras de repetição que detonam uma alusão, ou sensação
ou acionam epígrafes narrativas.
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que a atmosfera é percebida a partir de critérios pessoais projetados na tela – ainda que
os simbolismos respeitem a alguns códigos previamente estabelecidos em um lugar,
uma cultura, uma língua, etc.
De volta ao gato preto, que surge em diversos momentos do episódio piloto19,
este funciona como elemento de ligação sem função textual atrelada a uma construção
diegética. Ele remete a um imaginário simbólico, um mau presságio para a família
Gebara, e imprime sensações enquanto código, mas também provoca a perceção enquanto
textura, enquanto cor, a partir do movimento da câmera que o acompanha, do entorno
a ele enquadrado e por seu caráter de insert, que promove um tipo de leitura específico.
Desta maneira, se constituiria uma “atmosfera plástica”, a partir da concepção de
que os seus estímulos vão além dos domínios da representação para se completar nos
“espaços” psíquicos e afetivos, ou seja, na percepção20 do espectador. Nesse espectro,
atmosfera é entendida, de um lado por sua tangibilidade material e, de outro, pela
intangibilidade do imperceptível, a partir de uma esfera abstrata e subjetiva. Em outras
palavras, transformações no uso dos elementos formais na série de TV, apontam para
uma televisão cada vez mais sensorial.
Esse comentário pontua a percepção como subjetiva e objetiva. Ela engloba uma
margem de variabilidade de indivíduo para indivíduo, mas contém componentes que
estruturam seu conjunto. A atmosfera perpassa um processo perceptível de diferentes
pequenos estímulos de afeto que é de natureza individual.21
Outrossim, a série brasileira mescla características visuais que flertam com uma
imagem menos narrativa, autorreferente, mas, em geral, essa abordagem surge como
um adorno. De fato, ela apresenta uma estética bem marcada, ritmada, arrisca outras
experiências temporais, mais rápidas ou mais lentas. Contudo, ainda que ela aposte
no ritmo, abuse de inserts imagéticos e sonoros, especialmente em sua primeira tem-
porada, o faz sem se afastar muito de sua estrutura narrativa. O uso da narração como
recurso narrativo é modelar nesse sentido, já que é a voz e o texto que orquestram as
imagens ritmadas.
A premissa para esta discussão é que, mesmo em dispositivos totalmente narrativos,
a imagem e o som podem ser explorados de outras formas. Em Filhos do Carnaval, a
natureza dos conflitos e das personagens é pouco a pouco revelada através do ponto de
vista do personagem Nilo, com o recurso da voice over que narra alguns acontecimentos e
imprime opiniões. Nesses momentos, é comum o uso de imagens e sons não narrativos,
com um ritmo que é ditado tanto pela música de fundo quanto pela fala da personagem.
O quarto episódio da primeira temporada traz momentos específicos de montagem mais
acelerada que o resto do episódio, mesclando imagens com função narrativa e outras
que propõem uma construção mais visual e independente. Há sucessão de planos que
19. Episódio intitulado “Gato: O Bicho Das 7 Vidas”. Todos os episódios da primeira temporada jogam com
os animais do Jogo do Bicho, tanto no título de seus episódios como na construção de suas atmosferas gerais.
20. Tradição filosófica até o século XX distinguia a sensação da percepção a partir de seu grau de
complexidade. A partir deste entendimento dos dois conceitos, a sensação é o que nos dá qualidades
exteriores e inferiores, isto é, qualidade dos objetivos e os efeitos internos dessas qualidades sobre nós.
21. Falar de uma atmosfera televisiva recai na discussão sobre como um meio de apelo comunitário por
seu conteúdo e transmissão possa estar se utilizando de estratégias imersivas e de criação de atmosferas
que se dão por processos intensos de um só observador e, logo, são individuais.
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passam pela rotina de uma manhã de Joel (Jorge Coutinho), pai adotivo de Nilo, e do
próprio Nilo; imagens de cobertura do Rio de Janeiro; meninos jogando bola; uma
urna, com números do jogo do bicho, girando. Essas imagens são ritmadas pela música
pulsante, sons ambientes e inserções sonoras não-diegéticas.
Os enquadramentos e os movimentos de câmera, especialmente nestes voices over,
criam um tipo de imersão22 muito específico, sinuoso, mas a partir de uma chave de
representação23 que não é muito naturalista. Que situar-se-ia, talvez, em uma chave de
hiperrealismo, especialmente no uso de efeitos sonoros- inclusive na voz.
Ou seja, mesmo em epígrafes nas quais o discurso textual predomina para dar anda-
mento à narrativa, a partir de uma atmosfera ativa24, a imagem tem muita força na leitura
do espectador e os elementos que compõem a atmosfera plástica tem grande importância
na experiência sensorial e afetiva da série. A saturação das imagens, o uso planos menos
convencionais, os movimentos de câmera que causam desconforto ou vertigem e o uso
de uma iluminação dramática constroem uma série de ênfase atmosférica, e de grande
impacto visual e sonoro. A imersão e a construção de afeto, visualmente, se dão muito
a partir de, sob um aspecto, da criação da tensão e ritmo a partir de um diálogo forte
entre o campo e o fora de campo, e, sob outro ponto de vista, a partir da imagem cinemática
e com profundidade de campo.
O tratamento imagético da série propõe uma estética mais sombria do que se poderia
esperar de ambientes familiares aos espectadores, como a cidade do Rio de Janeiro ou
uma quadra de escola de samba. O som de cuíca que se repete e é usado quase como
dispositivo de transição entre cenas é uma figura de ligação ou leitmotiv, que assume
uma natureza sombria e cósmica, como um prenúncio mórbido.
No primeiro episódio da primeira temporada de Filhos do Carnaval, o público assume
a perspectiva do sonho de Anésio, sombria e tensa. Porém, a morte anunciada acompanha
não apenas os diálogos do restante do episódio, ela está presente em imagens cheias de
simbolismos, além de extremamente ritmadas, e inserções sonoras que extrapolam a
estética do real e deixam o público esperando a confirmação de um presságio mórbido.
No final do episódio, a atmosfera visual e sonora que compõem o universo do samba
e do carnaval são amarradas a partir de uma musicalização que já insurgia em diversos
momentos da série. Ainda que as imagens fossem narrativas, seus cortes e seu ritmo
obedeciam ao compasso da música, a suas subidas e descidas, e orquestravam uma
atmosfera de ansiedade latente no espectador, que sabe que aconteceu alguma tragédia
e é envolvido na tensão criada pela atmosfera dramática do episódio até que se revele
22. Assim como o cinema, a televisão também caminha no sentido de uma experiência cada vez mais
imersiva, mas através de estratégias próprias da televisão que, a partir de suas singularidades, oferece ao
espectador novas formas e experiências imersivas.
23. A televisão tem possibilidades de quebra de diegese limitadas, uma vez que seria necessário apagar
a imagem da sala, ou do quarto, ou de algum outro cômodo em que se faça uso de um aparelho de TV,
e do limite de enquadramento do suporte que exibe a imagem. No cinema, a tela grande e o controle de
ambiente da sala escura, diminuem a visão daquilo que está entre o observador e a imagem. No mesmo
sentido, os óculos 3D com protetores laterais impedem a visão periférica e favorecem a imersão no filme.
Entretanto, a televisão tem incorporado ferramentas imersivas que já são utilizadas no cinema, como o
óculos 3D em alta definição.
24. Atualizo o cunho “atmosfera ativa”, de Gil (2005), para tratar de uma atmosfera visual que faz avançar
a trama narrativa, neste caso, da série analisada.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Umas das marcas da neotelevisão é a agilidade e o ritmo que se dá não apenas
pelo fluxo e pelos cortes rápidos, mas pela sensorialidade da experiência televisiva.
Na paleotelevisão a comunicação transcorria através de um espaço de conhecimento
e afetividade, onde a televisão era uma experiência de socialização em que as pessoas
aprendiam e vibravam. A referida experiência se dava através de uma comunicação
pedagógica em que a televisão representava uma instituição que tinha a função de
ensinar. Já na neotelevisão, a percepção visual e sonora, eloquente e ritmada, cumpre um
papel de energização que conduz a um consumo individualizado, assim como o fazem
as estratégias de imersão que borram os limites da representação e a ênfase atmosférica
que modula sensações e afetos nos espectadores.
Ainda, a riqueza de detalhes favorece a leitura do texto nas imagens em movimento.
Mas, através de diferentes estratégias imersivas os realizadores podem dar mais destaque
ao que querem que seja primeiramente apreendido pelo público. Do mesmo modo,
uma aposta em uma obra visualmente mais desprendida do discurso textual, ainda
que dentro de um conteúdo narrativo, reatualiza pressupostos da virada imagética de
Mitchell (1995) para a ficção televisiva, estratégia que pode ser percebida na série Filhos
do Carnaval e permite que o espectador perceba mais detalhes da imagem e seja mais
estimulado por elas, a partir de sua vibração subjetiva causada por aquilo que vê e escuta.
Esse mergulho na representação que a televisão tem possibilitado e construído,
especialmente nos conteúdos ficcionais, se dá a partir de uma imagem de cada vez
melhor definição, menos chapada e com mais profundidade de campo, além de todo
um campo de experimentação autoral recém-redescoberto. Essas transformações que
se refletem na atmosfera televisual, a partir de sua imagem, muda a forma como seus
conteúdos são produzidos e demanda um olhar mais atento dos estudos da imagem aos
seus componentes plásticos e de linguagem, e é esse debate que este artigo pretende,
ainda que sumariamente, fazer emergir.
REFERÊNCIAS
BARTHES, Roland. Image, Music, Text. London: Fontana Press. 1977.
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d’Água, 1991.
CALDWELL, John Thornton. Televisuality: style, crisis, and authority in American Television.
New Jersey, Rutgers, 1995.
CASETTI, Francesco; ODIN, Roger. Da Paleo à Neotelevisão: abordagem semiopragmática.
Tradução Henrique Ramos Reichelt. Ciberlegenda. 2012
CHION, Michel. A Audiovisão. Som e Imagem no cinema. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2008.
ECO, Umberto. Tevê: a transparência perdida. In: Viagem na Irrealidade Cotidiana. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
25. A descrição é ainda da cena do episódio piloto, quando o suposto suicídio de Anesinho é evidenciado
por seu corpo morto estirado no chão.
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Análise da Fusão de Linguagens em American Splendor
Analysis of the Fusion of Languages in American Splendor
E d g a r A u g u s t o Va s c o 1
R a f a e l Ta s s i Te i x e i r a 2
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Análise da Fusão de Linguagens em American Splendor
INTRODUÇÃO
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significações’ bem definido não so’ como essencial, mas como essencialmente envolvido
em todas as formas de atividade social e o sentido mais especializado, ainda que tambe’m
mais comum, de cultura como ‘atividades arti’sticas e intelectuais’, embora estas, devido à
ênfase em um sistema de significações geral, sejam agora definidas de maneira muito mais
ampla, de modo a incluir não apenas as artes e as formas de produção intelectual tradicio-
nais, mas tambe’m todas as ‘pra’ticas significativas’ – desde a linguagem, passando pelas
artes e filosofia, ate’ o jornalismo, moda e publicidade – que agora constituem esse campo
complexo e necessariamente extenso (Williams, 2000, p. 13).
A temática proposta por Pekar, quando é levada às telas do cinema, vai na direção
oposta aos estudos que abordam o surgimento da sétima arte, como afirmam Lipovetsky
e Serroy, (2009, p. 11) “o ecrã foi não apenas uma invenção técnica constitutiva da sétima
arte, foi também aquele espaço mágico onde se projetaram os desejos e os sonhos das
massas”.
Tanto o filme pode ser classificado como uma adaptação da HQ American Splendor,
como a história pode ser analisada pelo teor documental da realidade retratada. Apesar
de Pekar ser interpretado no filme pelo ator Paul Giammatti, ele mesmo é filmado como
o locutor de suas próprias experiências.
Inclusive, quando o filme exibe as suas entrevistas no programa Late Show With
David Letterman, é apresentada a gravação original com o Pekar verdadeiro.
Quanto à possibilidade de classificar o gênero de American Splendor pelo viés
documental, acerca das delimitações dos diferentes estilos fílmicos do gênero
documentário, vale lembrar que para Nichols (2005, p. 50) “todo filme e’ uma forma de
discurso que fabrica seus pro’prios efeitos, impressões e pontos de vista”.
Harvey, na maior parte do tempo, narra a história em um estúdio. O fundo infinito
branco utilizado para as cenas em que Pekar está presente, novamente como personagem
dele mesmo, se assemelha ao papel e ao plano de fundo dos quadrinhos. A própria
disposição dos objetos cenográficos lembra as ilustrações das HQs.
Acerca da complexidade dos planos, Bordwell (2008, p. 44) destaca que diretores
talentosos dos anos 1910 “intuíram que o poder de tudo ver não teria sentido sem que,
em certos momentos, apenas as coisas essenciais pudessem ser observadas”.
É nesse momento que o filme documenta novos detalhes íntimos e reais de Pekar,
quando o cartunista e sua esposa Joyce relatam, na forma de depoimentos, algumas de
suas reflexões pessoais.
Quanto ao estilo fílmico, a versão audiovisual também dialoga com a versão da
HQ quando alterna o ator Paul Giammatti com o Harvey Pekar real, pois assim como
ocorre no filme, na HQ o personagem também é representado por olhares de diferentes
desenhistas.
Ainda sobre o estilo fílmico, Bordwell (2008) afirma que:
Sem interpretação e enquadramento, iluminação e comprimento de lentes, composição e
corte, diálogo e trilha sonora, não poderíamos apreender o mundo da história. O estilo é
a textura tangível do filme, a superfície perceptual com a qual nos deparamos ao escutar
e olhar: é a porta de entrada para penetrarmos e nos movermos na trama, no tema, no
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Análise da Fusão de Linguagens em American Splendor
sentimento – e tudo mais que é importante para nós. E já que os diretores são extremamente
cuidadosos no aperfeiçoamento dos meandros de seu estilo, nós nos sentimos compelidos
a mergulhar nos detalhes. Uma discussão completa sobre um filme não pode se deter só
no estilo, mas este deve ser alvo de minuciosa atenção (Bordwell, 2008, p. 58).
Outros títulos ganharam destaque: V de Vingança (2005), de James McTeigue, que foi
adaptado mantendo a estética tradicional do cinema e American Splendor. A escolha pelo
filme de Berman e Pulcini aconteceu devido à participação do Pekar real nas filmagens,
narrando a sua própria história.
Vale lembrar que, além de contribuir para o gênero das adaptações pelos motivos
sobreditos, o filme retrata em sua montagem as etapas de criação das HQs. Essa mistura
de estilos e linguagens utilizada pelos autores, ainda que a utilização de efeitos em pós-
produção seja menos intensa em American Splendor, revela outro grande desafio para as
futuras obras cinematográficas. Segundo Lipovetsky e Serroy (2009):
Em menos de meio século passamos da tela-espetáculo à tela-comunicação, de uma tela ao
tudo-tela. Por muito tempo a tela de cinema foi a única e a incomparável; agora ela se funde
numa galáxia cujas dimensões são infinitas: chegamos à época da tela global (Lipovetsky;
Serroy, 2009, p. 11 - 12).
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Percebe-se no filme que essa oscilação estética dos quadrinhos em alguns momentos
é representada pelos enquadramentos e movimentos de câmera: travelling, panorâmica
e tilt.
2.3 O Filme:
A adaptação fílmica de American Splendor mantém as características referentes à
autobiografia das HQs de Harvey Pekar.
O filme conta a história do escritor, interpretado por Paul Giammatti, que descobriu
que possuía talento para escrever suas histórias pessoais na forma de HQs, graças ao
convívio com seu amigo e cartunista Robert Crumb e à sua intolerância a certas atitudes
humanas.
Ao longo de sua vida tornou-se pessimista, mas conquistou o sucesso e a admiração
do público dos quadrinhos.
Conforme a história se desenvolve, ao longo do filme Harvey narra os fatos em
depoimentos gravados em um estúdio de cinema.
Ao lado de Robert Crumb e outros cartunistas Pekar transforma suas histórias nas
séries American Splendor e Our Cancer Year.
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Análise da Fusão de Linguagens em American Splendor
A aparição desse possível storyboard nas telas dos cinemas ilustra a necessidade dos
traços referenciais, que orientam as perspectivas na construção espacial dos quadrinhos,
assim como determinam a representação fiel dos quadrinhos nos planos do filme, muitas
vezes trazendo algum sentido.
Fica claro em American Splendor, assim como nas outras adaptações fílmicas aqui
citadas, que o cinema é capaz de se expressar e de expressar linguagens propostas
inicialmente para outras mídias, rompendo com algumas especificidades de outras artes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a elaboração do referencial teórico focado nas áreas do cinema e da comunicação,
e seguindo a metodologia proposta para este estudo, a análise da adaptação fílmica
American Splendor revelou que, entre semelhanças e diferenças existentes nas versões do
cinema e das HQs, é possível expressar por meio do cinema as linguagens e os estilos
oriundos de outras mídias e artes, sem prejuízo das especificidades das mesmas.
A análise revela que, mesmo sem ser considerado um cidadão americano exemplar,
Harvey Pekar pode ser destacado como um herói, por possuir um grande número
de seguidores que reconhecem a nobreza de suas obras, encontrando nos fatos mais
simples do cotidiano de um único personagem, de um certo esplendor, a identidade
de uma nação.
As análises realizadas a respeito das especificidades midiáticas do cinema e das
histórias em quadrinhos, referentes ao caso do filme American Splendor, indicam a
possibilidade da utilização de novas linguagens não verbais a serem utilizadas em
futuras adaptações. Da mesma forma, considerando a riqueza e complexidade da
temática das especificidades, sugere-se que mais investigações sejam realizadas.
Os objetivos propostos neste artigo foram tentativamente alcançados, visto que
foram citadas diferentes formas de adaptação fílmica por meio da estética, da composição
dos planos e dos recursos disponíveis durante a pós-produção.
Foram abordados aspectos relacionados à interação do cinema com diferentes mídias,
tendo em vista inclusive as transformações decorrentes da tecnologia e os processos de
significação do texto cinematográfico.
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Foi possível compreender alguns dos efeitos socioculturais do filme, por meio da
interpretação da produção cinematográfica, considerando as diferentes classificações
da obra.
Foram investigadas, também, algumas especificidades do cinema e dos quadrinhos,
que podem contribuir para novos estudos envolvendo o tema.
REFERÊNCIAS
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5579
Teorias dos cineastas: o pensamento de Jean Rouch
Theories of filmmakers: the thought of Jean Rouch
E d u a r d o Tu l i o B a g g i o 1
Abstract: The objective of this paper is to show and systematize aspects of the
thought of Jean Rouch as a theoretical contribution to cinema. My intention
is to understand the thought of this filmmaker while theoretical propositions
capable of increasing the film studies in addition to other traditional lines of
research. I approach the thought of Jean Rouch exclusively from the author
direct sources, such as texts, interviews etc. This is a particularly interesting
object because it can reveal assumptions of intentions - realized or not - one of
the most important directors in film history. The analysis of several texts and
author interviews show some of its key concerns, such as the phenomenological
character of the camera on the set, a simple method of filmmaking and dedication
to the characters of his films.
Keywords: Theories of Filmmakers. Jean Rouch. Filmmaking.
1. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, professor do Curso de Bacharelado em Cinema e
Vídeo da FAP/UNESPAR, baggioeduardo@gmail.com.
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Teorias dos cineastas: o pensamento de Jean Rouch
Portanto, muitas questões colocadas nessa investigação podem ser recorrentes, mas as
respostas surgem de fontes normalmente pouco exploradas.
Tradicionalmente, os estudos cinematográficos tomam como fonte preponderante
os filmes já constituídos, ou seja, trantam-se de estudos que voltam-se para os discursos
fílmicos isoladamente ou organizados em grupos. São relativamente poucas as pesquisas
cinematográficas que tomam como material de pesquisa observações, indícios e
informações oriundas do fazer dos filmes.
O fazer cinematográfico está envolto, necessariamente, por ideias e conceitos que o
cineasta carrega consigo e na forma como ele passa esses valores para os filmes. Talvez
seja possível imaginar que alguns cineastas não pensem, não concebam o que é o cinema
e o que ele representa ao fazerem seus filmes, mas como disse Claude Chabrol: “Um
cineasta só merece esse nome a partir do momento em que sabe o que está fazendo.”
(CHABROL apud AUMONT, 2004, p. 7)
Alguns importantes pesquisadores já se debruçaram sobre o pensamento dos
cineastas, seja na forma de organização dos textos escritos por eles, como fez Ismail
Xavier em seu livro A Experiência do Cinema, que contém reflexões de vários cineastas
como Dziga Vertov, Stan Brakhage, Sergei Eisenstein, Andrei Tarkovski, entre outros
(XAVIER, 1983). Ou em um caso mais específico, o trabalho de Jacques Aumont em As
Teorias dos Cineastas, que apresenta a sistematização do pensamento de vários cineastas
sobre uma série de aspectos delimitados pelo autor (AUMONT, 2004).
Essa dedicação ao pensamento de realizadores do cinema é um caminho muito
pertinente e permite novos olhares sobre os estudos cinematográficos. Mas, de maneira
alguma, tal dedicação surge como proposta substitutiva ou de evolução, trata-se apenas
de mais um percurso que pode ser seguido e que não deve ser negligenciado. É uma
ação no intuito coletivo do aprofundamento constante dos estudos de cinema.
Aumont destacou que “o cineasta que se considera um artista pensa em sua arte
para as finalidades da arte: o cinema pelo cinema, o cinema para dizer o mundo. É essa
obsessão que me pareceu estar no centro da teoria dos cineastas.” (2004, p. 8) Portanto,
o foco desta pesquisa, assim como propôs Aumont, é investigar o pensamento de um
cineasta em suas opções artísticas e em sua relação com o mundo. Também recorro ao
que propôs Aumont quanto à forma de acessar as ideias dos cineastas, pois segundo
ele, todo cineasta pode ser considerado um teórico, mesmo que nunca tenha escrito
uma linha sobre sua arte, no entanto, considera que a melhor opção é se dedicar aos
que escreveram ou emitiram suas ideias verbalmente.
Optei por me limitar à parte verbal da teoria dos cineastas, sem dissimular para mim mes-
mo a arbitrariedade de tal opção. Quando escreve um artigo, participa de uma entrevista,
escreve sua correspondência, um cineasta fornece a si para reflexão a ferramenta mais
comum: a língua. (Aumont, 2004, p. 10)
Na proposição de Aumont, as teorias dos cineastas deveriam ser teorias dos diretores.
Neste sentido, tendo a acreditar em algo mais amplo, pois creio que cineastas são todos os
que participam do fazer fílmico com aportes criativos. Desta forma, roteiristas, diretores
de fotografia, atores, montadores, diretores de arte, entre outros, têm perfil de cineastas.
Porém, no caso desta pesquisa, meu foco é em um diretor, Jean Rouch, que por muitas
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Teorias dos cineastas: o pensamento de Jean Rouch
vezes agiu também como fotógrafo e montador, entre outras atividades fílmicas, diante
do reduzido número de integrantes de suas equipes de filmagem.
As equipes pequenas são uma característica comum na realização de filmes docu-
mentários. E esse é outro foco deste estudo, a compreensão do pensamento de Jean Rouch
a partir do entendimento de sua obra prioritariamente como cinema realista documental.
Jean Rouch chegou a formular um termo, um conceito, que diz respeito ao seu
relacionamento com o mundo que aborda, com as pessoas que filma. Trata-se da
faculdade da ‘distância íntima’ com o mundo e com os homens, essa faculdade que tão bem
conhecem os antropólogos e os poetas, e que me permitiu ser tanto o observador entomolo-
gista e o amigo dos Maîtres fous, o animador e o primeiro espectador de Jaguar... mas sempre
com a condição de não fixar nunca os limites do jogo cuja única regra é filmar quando os
outros e você mesmo têm realmente gana de fazer.2 (Rouch, 1998, p. 156)
2. No original: facultad de ‘distancia íntima’ con el mundo y los hombres, esa facultad que tan bien conocen
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Teorias dos cineastas: o pensamento de Jean Rouch
Ao colocar como uma regra única a ideia de que deve haver a vontade de ambos
os lados, de quem filma e de quem é filmado, Rouch estabelece um pressuposto ético
muito forte e determinado, deve haver uma coincidência – ainda que inicial – de valores
para o ato do filme entre os que estão envolvidos na realização do filme. Esse é um
conceito que Rouch traz da etnografia, ciência à qual dedicou boa parte de seus estudos,
e é justamente por isso que ele vai enaltecer o trabalho de Robert Flaherty, no que diz
respeito à dedicação deste ao conhecimento dos homens e mulheres que filmou. “Desde o
começo, Flaherty se propôs um intento que, desgraçadamente, foi pouco imitado depois.
Cria que para filmar alguns homens pertencentes a uma cultura estrangeira, primeiro
era necessário conhece-los.”3 (ROUCH, 1998, p. 157) Essa é a ética de Rouch, a ética da
“distância íntima”. E para Rouch é fundamental que esse princípio ético seja mantido
quando o filme está finalizado, por isso ele defende fortemente a exibição do filme para os
intervenientes, e que eles devem ser o primeiro público. “É essa procura de participação
total, por muito idealista que seja, que me parece hoje moral e cientificamente a única
atitude possível para um antropólogo; (...)” (ROUCH, 2011b, p. 78). Talvez por deixar claro
que pensa isso como antropólogo, Rouch se afaste do pensamento de outros cineastas,
pois parte de uma outra matriz de pensamento, se bem que esta também é fundamental
ao cinema documentário.
Outros documentaristas vão tratar de suas ideias para filmes como necessidades,
pois suas visões de mundo os impõem certos temas. Rouch é um dos que afirmam essas
necessidades, diz, por exemplo, que Eu, um Negro (1959) lhe apareceu em uma noite de
janeiro de 1957, em uma festa de jovens, quando ele percebeu que a vida em Treichville,
na Costa do Marfim, era ao mesmo tempo o paraíso e o inferno (ROUCH, 1998, p. 156).
los antropólogos y los poetas, y que me ha permitido ser a la vez el observador entomólogo y el amigo
de los Maîtres fous, el animador y el primer espectador de Jaguar… pero siempre con la condición de no
fijar nunca los límites del juego cuya única regla es filmar cuando los demás y tú mismo tenéis realmente
ganas de hacerlo.
3. No original: “Desde el comienzo, Flaherty se propuso un intento que, desgraciadamente, fue poco
imitado después. Creía que para filmar a unos hombres pertenecientes a una cultura extranjera primero
era necesario conocerles.”
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Teorias dos cineastas: o pensamento de Jean Rouch
Apesar das críticas que Rouch faz ao distanciamento de Flaherty no ato das
filmagens, ele reconhece como mérito original deste a abordagem no local e com os
habitantes do local. Rouch chama essa abordagem de “câmara participante de Flaherty”
e diz que foi inspirado nesse processo que filmou Caça ao Hipopótamo (1950) (2011c, p.
93). Posteriormente, Rouch vai defender uma abordagem que mesclava o que ele entendia
serem os méritos de Flaherty e Vertov.
4. No original: “Flaherty supposed that the world is wonderful, and human beings are wonderful. That
was because he was an Irish methodist, or something like that! God’s creation could not go wrong. Because
I have never had any divine revelation, and because of my experience during the war, I have always felt
that the world could be wonderful, but that unfortunately it isn’t.”
5. No original: “Cuando la técnica progresó, este cine se dividió en dos ramas. De un lado, bajo la influencia
de Flaherty, y a pesar de suyo, nació el cine ‘exótico’, un cine baseado en el sensacionalismo y en la extrañeza
de los hombres extranjeros, un cine racista sin saberlo. De otro, del lado de la etnografía, bajo el impulso
de Marcel Mauss, el cine se aventuró por un camino no menos extraño, el de la investigación total.”
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Teorias dos cineastas: o pensamento de Jean Rouch
Para mim, a única maneira de filmar é andar com a câmera, conduzi-la aonde ela for mais
eficaz e improvisar para ela um outro tipo de bailado onde a câmera se torne tão viva como
os homens que filma. É a primeira síntese entre as teorias vertovinianas do ‘cine-olho’ e a
experiência da ‘câmera-participante’ de Flaherty. (Rouch, 2011b, p. 72)
A câmera na mão passa a ser para Rouch algo fundamental, “pois permite adaptarmo-
nos à ação em função do espaço, penetrar na realidade em vez de deixá-la acontecer
diante do observador. (2011b, p. 71). Para ele, quem deixava a realidade acontecer sem
penetrar nela eram os seguidores de Flaherty. Portanto, entre críticas e elogios a Flaherty,
Rouch procura usar a abordagem da “câmera-participante”, mas unida ao “cine-olho”.
Ou seja, ele defende que se esteja no local, com os habitantes, mas também que se
valorize o potencial da câmera de cinema de percorrer os ambientes, de estar presente.
“A câmara, se tu quiseres, é, para mim, aquilo que me permite entrar em todo lado ou
que me permite seguir qualquer pessoa. É uma coisa com a qual podemos viver ou fazer
o que não faríamos se não existisse nenhuma câmara” (ROUCH, 2011c, p. 89).
A partir dessas ideias Rouch teorizou o “cine-transe”, que trata da forma como ele
interagia com seus intervenientes, com proximidade e em plano-sequência produzindo
um tipo muito particular de abordagem. “É sem dúvida por isso que eu não consigo
explicar este tipo de mise-en-scène sem ser pela expressão enigmática ‘cine-transe’.”
(ROUCH, 2011c, p. 128). Esta é uma explicação para o que aconteceu nas filmagens de
Tambores do Passado (1971), filme de onze minutos e apenas dois planos, sendo que um
é um plano-sequência de dez minutos no qual Rouch adentra em um ritual de possessão
na Vila de Simiri, em Zermanganda, na Nigéria.
Rouch argumenta que a abordagem do “cine-transe” só é possível porque já na época
em que passou a usá-la, entre o final dos ano 1960 e início de 1970, todas as pessoas que
ele filmava já estavam
familiarizadas com a câmara, sabem o que ela é capaz de ver e de ouvir e assistiram às
projecções sucessivas dos filmes durante a sua montagem. Reagem perante esta arte do
reflexo visual e sonoro como fazem face à arte pública da possessão ou da arte privada da
magia e da feitiçaria. (Rouch, 2011c, p. 126)
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Teorias dos cineastas: o pensamento de Jean Rouch
Aí encontramos outra divergência com Flaherty, que planejava muito suas filmagens e
que filmava várias e várias vezes a mesma ação. Essa divergência remonta ao ponto já
descrito da diferença das filmagens próximas de Rouch e das filmagens distantes de
Flaherty.
E Rouch passou a considerar que o ideal era trabalhar com imagens em planos
longos, ou mesmo planos-sequência, possibilitados por câmeras leves a partir dos
anos 1960. Substituir os “planos muito curtos” por um “plano-sequência que dura dez
minutos” é uma grande vantagem para o cinema dele. “O tempo é real” (ROUCH, 2011c,
p. 124). Esse encantamento está relacionado à possibilidade de demonstração do tempo
vivido, do paralelo cinematográfico com a vida em curso.
O nosso sonho com o cinema directo era conseguir a exigência do plano-sequencia, isto é,
pôr em cena elementos da vida real, que tivessem um princípio e um fim, passando-se isso
em menos de dez minutos: a unidade de tempo imposta pela bobina! (Rouch, 2011a, p. 55-56)
Rouch propunha que o cinema poderia, em seu uso como descrito acima, fazer o
espectador compreender um língua desconhecida, sentir-se presente em uma cerimônia
estranha, ou reconhecer paisagens nunca vistas antes (ROUCH, 2011b, p. 67). Isso porque
entendia que o grau de presença possibilitado pelo “cinema direto”, com as filmagens
in loco e com os longos planos, era enorme e sem precedentes.
Esse milagre só o cinema pode produzir, mas sem que qualquer estética particular possa
fornecer o seu mecanismo, sem que qualquer técnica especial possa provocá-lo: nem o sábio
contraponto de uma planificação nem o emprego de um cinerama estereofónico causam
tais prodígios. (Rouch, 2011b, p. 67)
Rouch teve a experiência de filmar Crônica de um Verão com Richard Leacock, que
fez a direção de fotografia, mas que é também um importante diretor do documentarismo
em cinema direto norte-americano. Para Rouch o trabalho deles tinha similaridade, mas
também uma profunda diferença quanto à abordagem, porque em Crônica de um Verão,
Rouch e Morin estavam “na frente da câmera, falando com as pessoas, provocando todos
que encontravam. Nos filmes de Leacock, ele segue seus temas, ao invés de envolvê-los.
Assim, ele permanece fora.”6 (ROUCH, 2003a, p. 144)
6. No original: “in front of the camera, speaking to the people, provoking everyone he met. In Leacock’s
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Teorias dos cineastas: o pensamento de Jean Rouch
A imagem, enquanto linguagem, passa por uma questão recorrente e muito importan-
te em filmes realistas, que diz respeito ao uso da cor ou de preto e branco. Essas escolhas
são significativas e, ao mesmo tempo, interferem na ideia de asserção sobre a realidade.
Jean Rouch, apesar de ter feito filmes em preto e branco, quando pôde passou a usar cores
e dizia que “a cor é a vida. O mundo é a cores. Suprimir a cor é sermos o branco que se
refugia por detrás dos seus escritos...” (ROUCH, 2011c, p. 94). Há nas palavras de Rouch
o sentido de o mundo ser visto naturalmente em cores e nada mais óbvio, para ele, do
que filmes que buscam um tipo de ligação estreita com a realidade optem pelas cores.
films, he follows his subjects, rather than engaging them. So he remains outside.”
7. No original: “Para mí hacer un film es una cosa tan especial que las únicas técnicas aludidas son las
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Teorias dos cineastas: o pensamento de Jean Rouch
Essa revolução técnica veio muitos anos depois de Rouch ter descoberto por acidente
que poderia abrir mão de estabilizar constantemente a câmera e obter resultados que
lhe agradecem mais. Ele relata que quando fazia seu primeiro filme, em 1947, no rio
Níger, perdeu o tripé depois de duas semanas e pensou que as filmagens não iam dar
em nada, “porque não se podia filmar sem tripé.” Era um padrão que ele aprendeu a
questionar: “Todas essas ideias, fui continuamente obrigado a revê-las, se calhar porque
simplesmente não tinha aprendido a fazer cinema.” (ROUCH, 2011c, p. 82)
Para Rouch, a aventura cinematográfica “se baseia nessa ideia bastante simples de
que o cinema é uma arte que se pode fazer com um mínimo de recursos.” (2010, 52)
Com a passagem das câmeras de 35mm para as câmeras de 16mm houve um ganho
muito importante para o documentarismo, relacionado à diminuição das equipes para
as filmagens. Isso propiciou diminuição de custos, mas também, e mais importante, deu
agilidade, maior capacidade de interação e permanência nos ambientes de filmagem.
“Foi essa a minha descoberta dos anos 60: de repente podia fazer-se um filme com duas
pessoas em vez de sete.” (ROUCH, 2011a, p. 57).
Pessoalmente, sou – exceto em caso de força maior – violentamente contra a equipe. As
razões são múltiplas. O operador de som tem absolutamente de compreender a língua das
pessoas que se está a registrar: por isso é indispensável que ele pertença à etnia filmada e
propias técnicas del cine: la toma de imágenes y de sonidos, el montaje de la imagen y las grabaciones. Así
que me resulta realmente dificilísimo hablar y sobre todo escribir sobre este tema. Nunca he escrito nada
antes de comenzar un film, y cuando, por motivos administrativos o financieros, me he visto obligado a
redactar un guión, una escaleta o una sinopsis, jamás se han realizado los films correspondientes.”
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Teorias dos cineastas: o pensamento de Jean Rouch
que a seguir seja minuciosamente preparado para esse trabalho. Por outro lado, nas técnicas
atuais do cinema direto (som sincrônico) só o realizador pode ser o operador. E quanto a
mim, só o etnógrafo é que pode saber quando ou como filmar, isto é, realizar. Por fim, e é
sem dúvida o argumento decisivo, o etnógrafo passará muito tempo no terreno antes de
empreender a mais pequena filmagem.” (Rouch, 2011b, p. 69)
Ele complementa dizendo que os longos tempos de imersão são incompatíveis com
os salários de uma equipe de técnicos.
Rouch só relativiza sua negação para com equipes quando pensa na possibilidade
de equipes formadas por habitantes dos locais de filmagem, porque só com “equipas
maioritariamente compostas por indígenas das regiões em que nos fixamos (bastam
quinze dias de treino) é que os autênticos cineastas podem realizar documentos válidos.”
(ROUCH, 2011d, p. 27)
Para que essa relação com quem monta o filme corra da forma como Rouch descreve,
ele diz que o montador nunca deve participar da filmagem: “Resulta que a montagem
entre o autor subjetivo e o montador objetivo é um diálogo duro e difícil, mas do qual
depende o filme.” (2011b, p. 73). É uma maneira de encarar o montador como alguém
que não seja envolvido emotivamente pelo momento da filmagem e que possa agir de
forma crítica no processo de montagem.
Jean Rouch apresenta ainda uma compreensão muito particular do próprio ato de
filmar, pois entende que a partir do momento que “começaram a construir câmaras com
um bom visor” ele passou a ser “o primeiro espectador” do seu próprio filme. Portanto
ele dizia que se ele próprio se “aborrecia nas filmagens, os espectadores a quem o iria
mostrar também se iriam aborrecer.” (2011c, p. 84). Coerente com sua valorização do
momento da filmagem, da interação com o ambiente e intervenientes, chega a dizer que
“o realizador-operador do cinema direto é o primeiro espectador e que quando improvisa
gestualmente na filmagem acaba por ser como uma montagem na filmagem.” (2011b, p. 72)
E após a montagem, os primeiros espectadores deveriam, necessariamente, ser os
intervenientes do filme. Rouch passou a voltar para os locais onde filmava, normalmente
na África, levando um equipamento de 16mm para projetar os filmes aos intervenientes
que foram filmados, por vezes mesmo antes do filme estar terminado. “Algumas vezes
eles diziam que aquilo não valia nada, e se de fato não valia nada, recomeçávamos.”
(ROUCH, 2010, p. 49)
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Teorias dos cineastas: o pensamento de Jean Rouch
Ele relata o caso da primeira projeção do Bataille Sur Le Grand Fleuve (1950), para os
intervenientes, em 1953:
Os aldeões, naturalmente, sentaram-se em redor do projector e do gerador. Esperávamos
pela noite. Depois quando se começou a projectar, toda a gente se aproximou da luz do
projector. Em seguida apareceu uma imagem, não no meio deles, mas à distância, no len-
çol. Eles voltaram-se e em vinte segundos, não mais, perceberam a linguagem do cinema.
(Rouch, 2011c, p. 92)
Nesse sentido, Rouch crê que os aldeãos tiveram tal interação com o filme que não
o julgavam como tal, mas como um poderoso relato de suas próprias ações. Isso era
totalmente diferente de quando ele entregou seus textos, em especial a tese, para os
aldeões: “Lembro-me muito bem da reacção do chefe dos pescadores, a quem eu tinha
oferecido minha tese: arrancara cuidadosamente as fotografias para as colocar nas
paredes da casa, o resto era papel, que usava para o que precisava...” (ROUCH, 2011c,
p. 93).
Rouch muitas vezes evidenciou partes do processo de realização como uma forma
de deixar claro para os espectadores que se tratava de um discurso organizado por
alguém, criando uma relação que acreditava ser mais honesta para com os espectadores
que não estavam envolvidos com o fazer do filme.
Para esses espectadores, Rouch considera que um forte fator de atração são as
informações presentes em um filme realista. Em um de seus primeiros trabalhos, relata
que a sua inexperiência com o cinema e o ato de filmar não o permitiam imaginar o
interesse que um filme que mostrava algo desconhecido poderia causar. Durante a
expedição de descida do Rio Níger, entre 1946 e 1947, que foi a primeira a navegar todo
o curso do rio, uma das filmagens centrou-se na caça do hipopótamo, algo novo para o
público europeu e, mesmo que não tenha sido feito pensado para esse público, chamou
muita atenção, em grande parte pelo que trazia de informações.
O filme sobre a caça ao hipopótamo, por exemplo, tinha começado por ser um registro
de trabalho destinado a utilização futura, nossa e de alguns etnógrafos. Mas esse filme
tecnicamente pouco seguro, com fotografia muito imperfeita, acabou por revelar um valor
documental que o tornava interessante para um grande público. (Rouch, 2011d, p. 26)
Rouch fala que gradativamente foi tendo mais informações e conhecimentos sobre os
Dogons – povo africano que vive em uma remota região no interior da África Ocidental,
ao leste do Rio Níger – e que assim conseguiu evoluir em seu acesso à cultura desse
povo que passou a recebe-lo melhor. Desta forma, ele passa a mostrar, na sequência de
filmes sobre os Dogons, mais informações sobre estes, como os segredos do ritual Sigui,
presente no quarto filme, Sigui 1970 – Les clameurs d’Amani (1970). Portanto a sequência
desses filmes apresenta uma evolução no acesso a informações por parte de Ruch que
as coloca nos filmes e apresenta aos seus espectadores. (ROUCH, 2011c, p. 112)
O cinema de Jean Rouch sempre teve, para as plateias europeias e do restante do
mundo, esse impacto do relato realista dos que estão distantes, dos povos africanos. E
para com estes, sempre foi um cinema de diálogo, de relação com o outro em busca dos
momentos que o “cine-transe” pode propiciar.
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Teorias dos cineastas: o pensamento de Jean Rouch
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As memórias e a espacialidade em Seguindo em Frente
The memories and spaciality in Walking
Mari Sugai1
Abstract: We intend in this work to analyze the feature film “Walking” (2008),
directed by Hirokazu Koreeda. We will investigate how the issue of memory is
linked not only to the film plot, but it is also represented in the physical / scenic
place (the family residence of the characters) in which the story takes part, in
addition how the “pillow shots” are filmed and how camera frame them. For
this purpose, the theoretical framework will be based on the works of Gaston
Bachelard and Shuichi Kato with regard to space, Maurice Halbwachs on the
theme of memory, Kiju Yoshida and Denilson Lopes Silva for the camera shots.
They will serve to help us to conclude that the memories are present in the
rooms and props that are present in the home of the protagonists of the film,
and the images framed by the “pillow shots” have narrative function and not
only serve of connection between one scene and the following.
Keywords: Memory. Spatiality. Walking. Film analysis. Film language.
INTRODUÇÃO
1. Graduada em Cinema pela FAAP (1998); Mestre pela USP (FFLCH – Cejap [2010]); Doutoranda da UFPB.
Docente efetiva na UnP (2011) e substituta na UFRN, produtora de eventos culturais e projetos audiovisuais
(Cinema, Publicidade e TV). E-mail: msugai@gmail.com
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O filme objeto de nosso texto apresenta alguns dos pontos acima citados, como por
exemplo, o já mencionado cotidiano, que no cinema japonês possui um nome específico
para este gênero, conhecido por shomingeki3; além da impressão do espectador participar
como um voyeur ou um convidado que presencia a intimidade dos Yokoyama; bem
como possuir uma linguagem próxima ao documental, cuja estética pode ser consi-
derada como notada também pela utilização de planos “mortos” e tatami (conforme
explanaremos abaixo).
O filme tem a duração de pouco mais de um dia, e se passa em grande parte nas
áreas internas e externas do lar dos Yokoyama, localizado em Yokosuka (província de
Kanagawa), cidade beira mar próxima à Tóquio. A película não situa em qual época
a história se passa, informa somente que acontece em dias quentes do verão nos dias
contemporâneos.
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4. Localidade interna, edificada dentro do ambiente fechado da residência, próxima à porta de entrada
onde se deixa o sapato e coloca-se o chinelo (seja em espaços residenciais como em alguns profissionais),
entretanto é também considerada uma extensão do espaço exterior.
5. Local referente à varanda no ocidente, intermediário entre o interior e exterior da casa.
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lembrança “dentro dos períodos de tensão ou de crise – e lá, às vezes, ela torna-se “mito”
(HALBWACHS, 1990, p. 14), o que no caso desta obra fílmica, pode ser considerado
como o falecimento do integrante da família. Outro conceito que o autor trata é o da
memória como um “ponto de referência” (HALBWACHS, 1990, p. 14), que serve como
um marco de partida para nos situar na experiência coletiva histórica, sendo neste caso,
referente aos protagonistas. Em Seguindo em frente, um destes desdobramentos seriam os
assuntos familiares pendentes, como o “abandono” do lar por parte de Ryota, quando,
na juventude, muda para Tóquio e decide estudar Artes, sendo que, consequentemente,
não deu prosseguimento à carreira de seu pai, ademais as inevitáveis comparações entre
ele e o primogênito, resultando em situações de conflito.
É notável que em algumas sequências, o avô, que se mostra incomodado em meio
à invasão bárbara que tomou conta de sua casa, encontra refúgio em seu antigo local de
trabalho, que parece preservado desde a época em que ali funcionava o seu consultório
médico. Sobre estes recintos, Gaston Bachelard (2008, p. 145) menciona: “Todo canto de
uma casa, todo ângulo de um quarto, todo espaço reduzido onde gostamos de encolher-
nos, de recolher-nos em nós mesmos, é para a imaginação, uma solidão, ou seja, o germe
de um quarto, o germe de uma casa”.
Esta área trata-se, portanto, do espaço em que Kyohei se recolhe, permanecendo
à parte das pessoas e do que ocorre no restante da casa, e cuja permanência de outros
personagens neste local só ocorre a partir de sua devida autorização.
Paul Ricoeur (2007) cita o termo dos “testemunhos não escritos”, “que dependem
igualmente da observação histórica, a saber, os ‘vestígios do passado’ que fazem a
felicidade da arqueologia: os cacos, as ferramentas, as imagens pintadas ou esculpidas, o
mobiliário, os objetos funerários, os restos de moradias, etc.” (RICOEUR, 2007, p. 181). Para
Seguindo em frente podemos pensar não somente no espaço de atividade profissional do
avô, mas na predominância contida na casa em si, nos objetos pessoais dos personagens,
que não se tratam ou apresentam valor de documentos oficiais, entretanto possuem sua
relevância a partir do momento em que validam e contam a história da família.
Sobre a incapacidade de se separar destes materiais, Halbwachs cita:
Por que nos apegamos aos objetos? Por que desejamos que não mudem, e continuem a nos
fazer companhia? Afastamos toda consideração de comodidade ou de estética. Nosso entorno
material leva ao mesmo tempo nossa marca e a dos outros. Nossa casa, nossos móveis e a
maneira segundo a qual estão dispostos, o arranjo dos cômodos onde vivemos, lembram-nos
nossa família e os amigos que víamos geralmente nesse quadro. (HALBWACHS, 1990, p. 131)
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sua utilidade por não ser mais o provedor da família, e sim requisitado somente para
as aquisições de produtos de consumo doméstico.
O pensador Bachelard (2008) aponta os “objetos-sujeitos”, em que alguns móveis
como o armário e suas prateleiras, escrivaninha e suas gavetas, o cofre e seu fundo
falso são portadores de nossa vida secreta, portanto objetos mistos, já que permitem
certa intimidade, além de não se abrirem para qualquer pessoa e conterem os nossos
tesouros que serão dados para outras pessoas, ou seja, “O passado, o presente, um
futuro nele se condensam” (BACHELARD, 2008, p. 97), trazendo o passado desgastado
e a temporalidade impregnada.
Os armários são um dos objetos cênicos enquadrados com destaque na obra cine-
matográfica, dentre eles, o de remédios no consultório do avô, que em uma das cenas
são observados atentamente pelo “novo” neto; e do aparato que a avó retira uma das
gavetas, da cena da sequência mencionada a seguir. Este móvel, de acordo com Bachelard:
[...] Só um pobre de espírito poderia guardar uma coisa qualquer. Guardar uma coisa qualquer,
de qualquer maneira, em um móvel qualquer, indica urna enorme fraqueza da função de habi-
tar. No armário vive um centro de ordem que protege toda a casa contra uma desordem sem
limite. Nele reina a ordem, ou antes, nele a ordem é um reino. A ordem não é simplesmente
geométrica. A ordem recorda nele a história da família [...]. (BACHELARD, 2008, p. 91, 92)
OS PLANOS “MORTOS”
Alguns objetos cênicos são visualizados em destaque durante Segundo em frente,
como o assoalho quebrado do chão do banheiro (Fig. 1), o armário e a gaveta faltante
(Fig. 2), e um ramo de flor em um vaso (Fig. 3). Trata-se de planos sem a presença de um
personagem, conhecidos como planos “mortos”, ou seja, caracterizados pela ausência
de atores no cenário diegético.
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Apesar de o autor fazer referência ao trabalho de Yasujiro Ozu, a citação pode igual-
mente ser aplicada ao filme corpus de nosso texto, pois apesar destes espaços internos
estarem “vazios”, os do filme estão “contaminados” pelo passar do tempo, seus desgas-
tes físicos e por reterem e conservarem as histórias dos personagens que ali viveram e
vivem , além de servirem de testemunha para estas situações.
Esta relação com o trabalho de Ozu não está presente somente no plano “morto”.
Em alguns momentos, a fotografia do filme de Koreeda faz uso da herança do realizador
conterrâneo e seu plano tatami6 (imagem abaixo). A respeito deste campo de visão da
câmera presente na obra do diretor de Era uma vez em Tóquio7, Lucia Nagib e André
Parente (1990) destacam a câmera baixa8, praticamente imóvel, uma lente objetiva de 50
mm9, e pouco uso de close-up10.
6. Trata-se de um tipo de “tecido” de palha entrelaçada, usado como tapete ou revestimento no piso em
alguns cômodos dos lares japoneses.
7. Título original: TOKYO MONOGATARI. Direção: Yasujiro Ozu. 1953.
8. Tipo de enquadramento próximo ao chão.
9. Lente de câmera cujo campo de visão é a mais próximo do olho humano
10. Plano que enquadra o rosto do personagem.
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Ozu deve, possivelmente, considerar esta leitura óbvia por estar inserido nesta
tradição, diferente dos praticados no ocidente. Ainda sobre as semelhanças entre ambos
os cineastas, outro ponto regularmente apontado por críticos e estudiosos é o uso do
cotidiano familiar11 como a temática principal de seus filmes.
Retomando o objeto central de nosso texto e as imagens anteriormente apresentadas
(figuras 1 e 2), durante o filme, os Yokoyama apresentam também momentos de conflito
e desgaste nas relações. O azulejo quebrado, que pelo diálogo entre os personagens,
encontra-se neste estado há certo tempo, não é consertado pelo avô, e nem pelo genro que
sempre promete fazê-lo a cada visita, mas acaba esquecendo. O armário fica com uma
das gavetas vagas após a avó retirá-la para mostrar fotos e outros objetos que remetem
à infância dos filhos. É a casa que necessita de manutenção, mas tal qual as resoluções
das relações intrapessoais, vão sendo postergadas. Conforme afirma Merel van Ommen
(2014), os filmes de Koreeda encorporam o tempo que se passa no esquecimento, e o
modo como os protagonistas tentam parar ou alterar esse processo fazendo uso das
lembranças e de desejos. O próprio diretor reforça quando menciona que:
11. Era uma vez em Tóquio trata da visita que os pais fazem aos filhos que vivem na capital japonesa, além
de outras obras do cineasta abordarem o mesmo assunto.
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Durante todo o dia de Seguindo em frente existem pequenos sinais: o azulejo que está quebra-
do, a dobradiça no banheiro. Você vê sinais do que vai acontecer no futuro. Você vê sinais
de morte, do processo de envelhecimento. Eu sabia desde o começo que queria retratar uma
situação cotidiana. Não há eventos, nada muda, nenhum dos personagens cresce ou sofre
alterações. O motivo pelo qual não é chato de assistir é porque, naquele dia muito comum
você pode ver os resultados de coisas que aconteceram no passado, e você também pode
ver “premonições” das coisas que acontecerão no futuro. E acho que isso é o que a vida
cotidiana é. (KOREEDA apud REICHERT12)
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CONCLUSÃO
Koreeda parece ter predileção por histórias “sem drama” e personagens comuns. Em
seus longas-metragens, podemos identificar os protagonistas, todavia, não o tradicional
antagonista, podendo este ser os fatos corriqueiros da própria vida.
Durante a duração de pouco mais de um dia, os personagens percorrem espaços
internos (lar) e externos da residência (jardim da residência, ruas, pontes, escadarias
e outros), e através de diálogos, da relação dos Yokoyama com os espaços exibidos, e
do manejo de objetos cênicos, acabam por fornecer ao espectador, informações sobre o
passado, memórias e desejos dos integrantes da família em questão.
O que deveria ser um encontro para lembrar a morte do parente morto, o foco se dá
nas lembranças, desejos não realizados, e antigas cobranças. As lembranças e memórias
s são trazidas à tona fazendo uso somente do diálogo e da interação com objetos cênicos,
já que se trata de materiais que marcaram as vidas destes que os manipulam.
A direção de fotografia de Seguindo em frente faz uso dos planos “mortos”, e a apre-
sentação destas imagens “vazias” não têm como função principal servir de conexão para
a próxima cena, como normalmente aconteceria e o público assim poderia compreender,
entretanto, remetem a um significado mais relevante, até mesmo de um “personagem”
presente no enredo.
Seguindo em frente faz uso “minimalista” de recursos cinematográficos, e apre-
senta nos detalhes cenográficos a complexidade das relações familiares e lembranças
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nm0466153
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Mitologia Trash: Um estudo das transposições
cinematográficas de H.P. Lovecraft
Trash Mythology: A study of H.P. Lovecraft’s
cinematographic transpositions
Yu r i Ga r c i a 1
Abstract: Since its beginning, cinema uses literature as one of its main source of
inspiration. Within the uncountable cases of dialogues between these mediums
which we can point, we find one that raises particular interest among the others
for this study: the work of H.P. Lovecraft in films. The author, who has been
known in his past as a mediocre writer, is seen nowadays as one of the greatest
masters of the horror genre and taken in the academic field as a figure worthy
of important works. However, his cinematographic incursions are emblematic
and famous for appearing often in pieces of “trash” horror. Would this be just
a phase that the author that has already proved to be capable of more profound
rereading is passing? Or an eternal state in which his mythology, so famous in
pop culture (and nowadays finding its space in the so-called “erudite culture”)
is plastered? The present paper intends to make an analysis of the lovecraftian
transpositions to cinema e try to understand its connection with trash movies.
In other words, we will try to understand how the narrative structuring of
Lovecraft’s tales and its audiovisual appropriations are established.
Keywords: Lovecraft. Cinematographic transposition. Cinema. Literature. Trash.
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Mitologia Trash: Um estudo das transposições cinematográficas de H.P. Lovecraft
Yuri Garcia
INTRODUÇÃO
“Atmosphere, not action, is the great desideratum of weird fiction.”
H. P. Lovecraft
2. Nesse sentido, é possível especular que seu impacto na cultura contemporânea (por exemplo, em formas
de literatura esotérica popular ou na vertente de “Eram os Deuses Astronautas”, de Erik Von Däniken) foi
ainda maior do que se poderia pressupor à primeira vista. Ver a curiosa tese de Jason Colavito “The Cult
of Ancient Gods: H. P. Lovecraft and Extraterrestrial Pop Culture” (2005).
3. “HPL succeeds in taking the notion of humanity’s insignificance relative to a nonconscious mechanic
universe and localizing it in the life of a given fictional character.” (TAYLOR, 2004, p.54)
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Mitologia Trash: Um estudo das transposições cinematográficas de H.P. Lovecraft
Yuri Garcia
concepção4. Não satisfeitos, reproduzimos essa mitologia dando vida a essa ficção e
criando novos produtos midiáticos baseados no imaginário Lovecraftiano.
Desse modo, ao abordarmos essa relação de permanência, devoção e reprodução
do mito de Lovecraft, nos deparamos com múltiplas questões que valem ser destacadas.
Inicialmente, percebemos que, após sua morte, inaugura-se um processo que muito se
assemelha às fan-fictions tão popularmente manifestadas na contemporaneidade. Aqui,
nos deparamos com um novo paradoxo. Em Lovecraft, o fenômeno “cult”5 atinge toda
sua potência, manifestando-se como uma adoração divina do autor e do tratamento
de sua obra como escritura sagrada, porém essa obra sagrada é continuada por seus
seguidores que tentam superar a original (num processo que talvez até mesmo extrapole
os mecanismos da “angústia da influência” de Harold Bloom6).
Entretanto, o foco aqui seria um recorte mais específico, preocupando-se com o
diálogo que sua obra tem com o cinema. Mais especificamente, suas transposições
cinematográficas que se iniciam na década de 60 e atingem seu ápice na década de 80 com
as produções de Stuart Gordon. Atualmente, o fenômeno de apropriação da literatura
lovecraftiana para o cinema continua forte, principalmente se pensarmos que vivemos
um momento em que cada vez mais filmes estão sendo feitos. A necessidade de grandes
investimentos e grandes indústrias por trás da criação fílmica está sendo substituída por
uma realidade em que a facilidade de produção se destaca7. No entanto, é interessante
perceber, que mesmo após mais de 60 anos de transposições cinematográficas, Lovecraft
continua figurando entre um nicho mais específico de produções. Nesse caso, o principal
interesse deste trabalho é tentar compreender o porquê de sua relação com o cinema
ocorre em um âmbito tão marcado pela cultura “trash” e por filmes B.
DIÁLOGOS INTERMIDIÁTICOS
Para pensarmos nessa relação intermidiática estabelecida entre as obras do autor
e seu diálogo com outras mídias, podemos compreender o fenômeno da Cauda Longa
(ANDERSON, 2006) como um importante agente ao possibilitar um crescimento da
produção de produtos considerados mais de nicho, assim como também podemos evocar
o termo “Remediation” cunhado por Jay Bolter e Richard Grusin (2000) para refletir sobre
as novas versões baseadas nos escritos de Lovecraft e de sua mitologia.
4. A esse respeito, ver o ensaio de Michel Houllebecq “H. P. Lovecraft: Against the World, Against Life”
(2005) sobre o inventor do mito de Cthulhu.
5. O termo possui uma significação muito ampla, porém nesse estudo adotaremos a obra de JANCOVICH;
et al. (2003) como referência.
6. A “angústia da influência” é uma teoria desenvolvida pelo crítico literário Harold Bloom, segundo o
qual todo autor “tardio” (belated) sente o peso de seus precursores e assim se vê obrigado a confrontar-se
com sua obra “deslendo-a” (misreading) e reelaborando-a. Para mais detalhes ver: Bloom, 2002.
7. Embora não sejam exemplos de filmes extremamente fáceis de produzir, com pouco custo e pouca
propaganda, a entrega do Oscar de 2014 (ocorrida em Março de 2015) foi marcada por uma enorme
quantidade de filmes independentes entre os concorrentes à melhor filme (“Birdman”, “Grande Hotel
Budapeste”, “Boyhood”, “A Teoria de Tudo”, “O Jogo da Imitação”, “Whiplash” e “Selma”) sendo apenas
“Sniper Americano” um filme feito por um grande estúdio (Warner Bros).
Ainda reforçando tal idéia, possuímos uma série de filmes feitos com um custo realmente baixo nos últimos
anos sendo responsáveis por lançar grande diretores. Podemos pegar como exemplo “El Mariachi” (1992) de
Robert Rodriguez; “O Balconista” (1994) de Kevin Smith e “Following” (1998) de Christopher Nolan. Outros
diversos filmes de baixo orçamento também povoam o cinema com mais freqüência a cada dia que passa,
todavia não iremos nos ater ao assunto citando aqui filmes mais desconhecidos e/ou de menos repercussão.
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Mitologia Trash: Um estudo das transposições cinematográficas de H.P. Lovecraft
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O livro de Bolter e Grusin possui o subtítulo “Understanding New Media” que ape-
nas reforça a inspiração McLuhaniana de que as novas mídias trazem elementos (não
só em sua gramática e linguagem como também nos produtos) de mídias anteriores
ao prestar uma homenagem ao seu mais famoso livro “Understanding Media” tradu-
zido como “Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem” (2007). No livro
“Estendendo McLuhan: da Aldeia à Teia Global” (2011) de Vinícius Andrade Pereira,
o autor destaca “[...] um meio porta um outro meio no seu interior, como maneira de
se apresentar e se traduzir para um usuário” (p.142) e discute a relação entre ambas
as obras no item 7.2 e 7.3.4 do capítulo 7. Pereira refere-se mais à questão gramatical
mesmo, entretanto uma parte da obra de Bolter e Grusin é destinada aos conteúdos,
tomando como exemplo uma onda de transposições fílmicas de obras de Jane Austin
já a partir da década de 90.
Dessa forma, como um suporte teórico inicial para pensarmos as transposições
cinematográficas Lovecraftianas, percebemos que o diálogo em si é algo extremamente
comum com todas as mídias, sobretudo o cinema. Entretanto, podemos sublinhar aqui
que a própria mudança de suporte já traz por si só um problema de adequação que faz
com que algumas alterações sejam feitas. Talvez a linguagem do autor, suas criações,
suas narrativas estejam destinadas a apropriações para o cinema “trash”. Obviamente
não podemos tomar como uma regra definitiva ou desenvolver uma equação matemática
(Lovecraft + cinema = filmes “trash”), contudo podemos perceber que a maioria de suas
incursões se enquadra nesse padrão. O autor, ainda, traz uma mitologia que é altamente
consumida em nossa cultura contemporânea de forma indireta.
Atualmente, não apenas encontramos suas obras adaptadas para diversas mídias
como cinema, histórias em quadrinho e videogames, mas também é possível detectar
a penetração de elementos da sua complexa mitologia em ambientes midiáticos. Que
baste, por hora, mencionar as referências ao célebre tratado ficcional “Necromicon”,
referenciado em filmes como “Evil Dead” (Sam Raimi, 1981), ou o “Asilo Arkham”, parte
integral do universo de quadrinhos da DC. Ou seja, além de a literatura Lovecraftiana
povoar a cultura “pop” atravessando diversas plataformas e veículos, a mitologia criada
pelo autor se faz presente na forma de citações e reelaborações, bem ao gosto de uma
estética pós-moderna.
Lovecraft produziu uma profunda reformulação da noção tradicional de mito,
elaborando um panteão de deuses monstruosos inteiramente indiferentes ao homem
(Cf. LUDUEÑA, 2013). Esse conjunto de mitos e narrativas, que, além de tudo, poderia
ser qualificado como uma espécie de trabalho colaborativo nos moldes da atual cultura
digital, recebeu de August Derleth a designação de Cthulhu Mythos. “Criando suas visões,
então, Lovecraft estabeleceu as lendas de Cthulhu, uma de suas mais famosas e mais
populares criações imaginárias.” (KUTRIEH, 1985, p.41)8 Dessa forma, o autor traz a
ideia de mito na modernidade com uma nova face, a do horror inumano. Seus mitos
estão muito distantes das clássicas narrativas de esperança e salvação que Deus (ou os
deuses do politeísmo) costumavam prometer à humanidade. Em vez disso, a Lovecraft
8. Todas as traduções nesse texto, quando não apontadas o contrário são de nossa autoria. “In creating his
visions, then, Lovecraft has established the Cthulhu legends, one of the best-known and most popular of
his imaginative creations.” (KUTRIEH, 1985, p.41).
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Mitologia Trash: Um estudo das transposições cinematográficas de H.P. Lovecraft
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9. Utilizamos aqui a palavra “prequel” em inglês devido a uma ausência de uma palavra que possua o mesmo
significado e seja usado da mesma forma no vocabulário cotidiano no português. A palavra “prequela”
serviria inicialmente, porém é utilizada no português lusitano e não possui registro no site da Academia
Brasileira de Letras (site: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=23). Outras
possibilidades seriam as palavras “prólogo”, “prelúdio”, “prefácio”, “preliminar”, “preâmbulo” e “proêmio”,
contudo são frequentemente utilizadas na música, teatro, literatura e esportes, ficando marcadas pelas suas
utilizações mais comuns. “Introdução”, embora mais simples, não abarca exatamente a ideia necessária.
10. Ver: <http://www.deltorofilms.com/wp/forum2/viewtopic.php?f=4&t=454> e <http://omelete.uol.com
.br/nas-montanhas-da-loucura/cinema/nas-montanhas-da-loucura-guillermo-del-toro-diz-que-
prometheus-matou-projeto-de-adaptacao/#.Uh544dJ_7AI>
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Mitologia Trash: Um estudo das transposições cinematográficas de H.P. Lovecraft
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enquadra perfeitamente nos moldes das diversas outras produções feitas pela parceria
Price/Corman e é considerado um bom filme de horror para a época (com uma nota 6,8
no internet movie database11 e 71% de aprovação no Rotten Tomatoes12, dois dos principais
sites de filmes da internet). Não é exatamente parte do cinema “trash”, mas o interessante
dessa obra não é tentar avaliá-la como uma possível (ou não) exceção de transposição
lovecraftiana que não faça parte dessa gama. Aqui vale destacar que, embora seja baseado
em um conto de Lovecraft, foi vendida como mais uma adaptação de uma obra de Edgar
Alan Poe e até hoje é assim conhecida.
Figura 2. The Haunted Palace (Blu-ray) Figura 3. The Haunted Palace (Cartaz 2)
11. http://www.imdb.com/
12. http://www.rottentomatoes.com/
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Mitologia Trash: Um estudo das transposições cinematográficas de H.P. Lovecraft
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Os motivos que permeiam essa decisão? Por que alimentar tal farsa? Por que
vender um produto que pode ser facilmente desmascarado? E por que a insistência em
manter isso mesmo em um momento em que Lovecraft é reconhecido por seu talento e
está impregnando a cultura midiática de uma forma mais massiva do que Poe? Talvez
algumas sejam perguntas sem respostas que apenas acrescentam o ar de estranheza
ao universo lovecraftiano, todavia o que se sabe é que a decisão veio da produtora
American International Pictures contra a vontade do diretor e também produtor Roger
Corman. Segundo a Wikipédia o motivo seria para dar uma idéia de continuidade à
série de filmes sobre obras de Poe13.
Podemos levantar uma possibilidade de não querer se associar ao nome de Lovecraft
em uma época em que não possuía o mesmo prestígio que atualmente e realçar que
atrelar o filme hoje em dia a seu nome poderia atribuir uma caráter “trash” não desejado
às obras de teor um pouco mais clássico feitas pela dupla Vincent Price e Roger Corman
(necessário destacar que tal possibilidade serviria apenas para os dois artistas juntos,
pois separados já haviam se envolvido com alguns filmes B). Porém essa hipótese seria
meramente especulativa, ainda que sirva para sublinhar a ligação de Lovecraft com
o cinema “trash”. Dessa forma, utilizamos aqui apenas como uma remota (ou não?)
possibilidade de explicação para um fato estranho e curioso.
Se o nome de Lovecraft poderia causar má publicidade ou não ao filme de Corman
não esta em cheque, o fato é que a partir daí, suas transposições têm sido mais associadas
ao cinema “trash”. Mas haveria algum motivo para isso ocorrer? Seriam seus contos feitos
quase “sob medida” para esse nicho específico? Sim e não. Na verdade, não foi possível
(pelo menos não por enquanto) encontrar uma resposta satisfatória. O que podemos é
pensar na obra e no autor e tentar evidenciar algumas possibilidades.
O especialista na vida e obra do autor, S. T. Joshi publicou a biografia de Lovecraft
intitulada “A Dreamer and a Visionary: H. P. Lovecraft in his Time” (2001). A tradução para
português foi feita sob o pobre título “A Vida de H. P. Lovecraft” (2014), entretanto nos
mostra que o autor foi um pequeno gênio desde seus primeiros anos de vida. Sua paixão
por leitura e poesia, seu grande conhecimento científico (para a época), seus estudos
sobre mitologia e suas fortes opiniões sobre os mais variados assuntos nos apresenta
um intelectual que deveria figurar como um importante personagem da chamada
“cultura erudita”14. O autor cria um mundo de extrema complexidade e é influenciado
por diversos autores, filósofos e até cientistas e demais acadêmicos. Mesmo assim, sua
obra não fora devidamente reconhecida durante muito tempo.
Devemos nos lembrar, no entanto, que mesmo que uma complexidade mitológica e
filosófica possa ser encontrada em sua obra, o autor foi um escritor amador e publicou a
maior parte de seus contos em revistas “pulp”, um gênero que era, no início do século XX,
próximo aos filmes de baixo orçamento, “trash” e B em que vemos suas transposições.
Além disso, o gênero do horror e do fantástico dialoga com o “pop” e “trash”, prin-
cipalmente no período em que Lovecraft escrevia seus contos. O autor também possuía
13. http://en.wikipedia.org/wiki/The_Haunted_Palace
14. Esse trabalho não possui a menor intenção de retornar aos antigos moldes dicotômicos entre cultura
Erudita e Cultura de Massa, a utilização de tais termos serve apenas para ilustrar a aceitação do autor e
sua influência na cultura.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Mitologia Trash: Um estudo das transposições cinematográficas de H.P. Lovecraft
Yuri Garcia
CONCLUSÕES
Esse artigo é o início de um projeto mais ambicioso sobre o autor. Aqui, tentamos nos
ater apenas às suas transposições fílmicas. Contudo, Lovecraft nos traz cada vez menos
respostas e apenas acresce nossas dúvidas. Podemos aproximá-lo de um pensador que
nos fornece material para percebermos que nossa ignorância é maior do que imaginamos.
Nesse sentido, pensar sobre Lovecraft nos coloca na posição de seus heróis que acabam
enlouquecendo. De um trabalho iniciado com algumas perguntas, fechamos com poucas
respostas e mais perguntas.
O que é possível concluir com esse trabalho é que a fronteira entre “trash” e erudito
é mais tênue do que achamos. Na verdade, podemos perceber que talvez ela não exista
de fato, seja apenas mais uma dicotomia que nossa cultura ocidental insiste em instaurar.
Lovecraft pode ter sido também nesse sentido, um visionário, como o título original
de sua biografia destaca. Um messias (para podermos utilizar uma palavra de cunho
religioso para um mitógrafo inovador) que deturpa as clássicas polarizações entre o
popular e o erudito através de obras que complexificam tais barreiras.
A mitologia trash de H. P. Lovecraft é uma mitologia altamente refinada, filosófica e
poética. Sua obra apresenta tudo misturado e nos profetiza um futuro para a humanidade.
Os deuses irão despertar e aniquilar a espécie humana, reinando em um mundo onde
nossas dicotomias não existam.
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Mitologia Trash: Um estudo das transposições cinematográficas de H.P. Lovecraft
Yuri Garcia
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O audiovisual nas mídias sociais: a centralidade
do protagonismo e do mundo compartilhado
M au ro Wi lton de Sousa1
INTRODUÇÃO
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O audiovisual nas mídias sociais: a centralidade do protagonismo e do mundo compartilhado
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O audiovisual nas mídias sociais: a centralidade do protagonismo e do mundo compartilhado
dado mais do que conquistado, dinâmica que lhe é assegurada sob diversos ângulos:
ora pela multiplicidade e pluralidade de dispositivos técnicos disponibilizados, ora
pelo reconhecimento de seu lugar e atuação simbólica na criação de novos mecanismos
da interação social e de comunidades, ora pela sua presença no espaço público social
mais do que no político, proporcionando razões para fazer da visibilidade da imagem
técnica e dos dispositivos audiovisuais expressão de consolidação de um certo mundo
comum. Essa dinâmica possivelmente pode ajudar a compreender como uma utopia
em desenvolvimento se dá em seu tempo histórico e contextual, politico-cultural atual
a um só tempo articulando mundos em construção inovadora.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O audiovisual nas mídias sociais: a centralidade do protagonismo e do mundo compartilhado
O debate sobre o lugar da técnica tem inúmeros pontos de vista que se reportam
ao advento do rádio e da televisão, indicando a não autonomia desses suportes mas
destacando seu poder de regulação, não apenas no tempo e no espaço interativo na vida
cotidiana, mas exercendo de fato um poder disciplinar, propiciando um isolamento e
neutralização dos indivíduos e a consequente indisponibilidade para uma interativi-
dade não regulada pela mesma técnica.O advento e uso generalizado dos dispositivos
que possibilitam a internet e as redes sociais na contemporaneidade romperia com esse
confinamento em múltiplas dimensões, indicando o potencial do agente protagonista,
seu poder de escolha e uma individualidade compartilhada, uma experiência de uma
sociabilidade mediada pela técnica e perpassando a virtualidade sem fronteiras de um
conflito necessário desses mundos da realidade. Crarys (2014, p.130) reconhece o que
tantos outros já indicaram, ou seja, que as fases do capitalismo neoliberal contempo-
râneo estão desde sempre associando técnica e sociedade pelo viés da comunicação,
elementos que interpõem e que são fundamentais para se considerar a não autonomia
da técnica, mas também dos atores que se colocam como receptores mediáticos desde
sua conectividade, mas adverte:
“ Se o objetivo é a transformação social radical, as mídias eletrônicas em sua forma atual, amplamente
disponíveis, não são inúteis, mas apenas quando são subordinadas a lutas e encontros que ocorrem em
outros lugar. Se as redes não estão a serviço de relações já existentes, forjadas a partir de experiências
compartilhadas, apenas reproduzirão e reforçarão as segregações, a opacidade, as dissimulações e o
interesse próprio inerentes a seu uso. Qualquer turbulência social cujas fontes primárias estejam no
uso de mídias sociais será de modo inevitável, historicamente efêmera e inconsequente”.
Traduz-se aqui a relação que hoje se coloca visível e conflituosa desde a rua e o
mundo virtual, as formas de interação envolvendo não mais a diluição de fronteiras
entre o público e o privado, o individual e o coletivo, o comum e a comunidade, onde o
protagonismo não confunde mais esses mundos e não se limita mais ao ato de escolha,
mas à perda do medo de si mesmo e de sua objetivação e de que fala Castells (apud
Werneck, 2014): “ internet é a liberdade, o medo de perdermos o medo juntos... Viver
na internet tem um perigo: nós mesmos”.
Essas advertências vêm em abono de uma informação já consagrada em tantos
estudos indicando que a não autonomia do processo comunicacional social não significa
delimitá-lo dependente da técnica, ou limitá-lo a um processo artificial de preenchimento
do vazio do ser humano (Flusser, 2007, p.88).
2. O COMUM COMPARTILHADO
O tema do compartilhamento, o ato mesmo de compartilhar, em acepções que
perpassam o ato de dividir, repartir, comungar está presente mais do que nos espaços
publicitários, e se introduz como uma marca conceitual distintiva que busca situar e
propor para as pessoas para além de uma individualidade confinada em sí mesma ou
no uso dos mídias, ou mesmo nas organizações e no consumo, a busca de uma atua-
ção que se confunde com o pressuposto de um comum que aglutina e que se traduz
em comunidades.Termos e conotações advindos das ciências sociais e revisados ou
aplicados hoje de forma generalizada têm em suas diversas acepções o pressuposto do
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O audiovisual nas mídias sociais: a centralidade do protagonismo e do mundo compartilhado
estar juntos, motivados por ideais e causas aglutinadores, ainda que não materializados
necessariamente no espaço de territórios físicos, mas em uma territorialidade simbólica
passível de articulação de materialidades e valores de referência.
Quéré (1991, p.76-77) na perspectiva da ação social advoga a comunicação como
um processo de de publicização voltado à construção de um mundo comum ou seja:
“atividade conjunta de construção de uma perspectiva comum, de um ponto de vista compartilhado,
base de inferência e de ação...definição que se aplica tanto à comunicação habitual como à comunicação
social no cenário público ( ou a construção de uma perspectiva comum sobre os acontecimentos é o
objeto de uma ação coletiva).
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O audiovisual nas mídias sociais: a centralidade do protagonismo e do mundo compartilhado
Entende-se então a afirmação de Toro & Werneck, (apud Mafra. 2006, p.34): Essa
perspectiva política do protagonismo como um processo de negociação de valores, para
além de apenas uma inserção pontual em grupos e comunidades físicas e virtuais, se
traduz no consequente envolvimento participativo, de mobilização e atuação por aquilo
que como causa e valor justifica o estar junto nessa dimensão mesma de comunidade.
“mobilização social é muitas vezes confundida com manifestações, com a presença da pessoas em uma
praça, passeata. concentração.A mobilização ocorre quando um grupo de pessoas, uma comunidade ou
uma sociedade decide e age com um objetivo comum, buscado quotidianamente, resultados decididos
e desejados por todos”.
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O audiovisual nas mídias sociais: a centralidade do protagonismo e do mundo compartilhado
Mafra (2006, p. 34) aprofunda essa proposição salientando que a mobilização pode
ser reconhecida como um ato de comunicação, porque envolve o compartilhamento de
discursos, visões e informações, e, por isso, exige ações de comunicação em seu sentido
amplo. “Convocar vontades” e compartilhar “sentimentos, conhecimentos e responsa-
bilidade” pressupõe conversa, troca, partilha intersubjetiva, interação”
O protagonismo em comunicação se delineia, pois, como atividade e estratégia polí-
tica de negociação da presença participativa no universo simbólico e cultural mediado
também pelos mídias , uma atividade político-cultural.Tem sentido as observações de
Castoriadis ( apud Miège 2009,p.9)“Mas o conjunto técnico ele mesmo está privado de
sentido, técnico ou qualquer que seja se o separamos do conjunto econômico e social”
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Interatividade na TV Brasil: vivenciando o Dango Balango
Interactivity in TV Brasil: experiencing Dango Balango
Sa maisa dos A n j o s X av i e r H e n r i q u e 1
1. INTRODUÇÃO
A TELEVISÃO NÃO domina mais em posição isolada a atenção das crianças e ado-
lescentes como o era há alguns anos, no entanto, mesmo com o desenvolvimento
e a rápida absorção da internet na vida moderna, o que traz para o assunto os
jogos eletrônicos, as redes de relacionamento e as brincadeiras online, a telinha continua
presente na maioria dos lares brasileiros, onde se torna parte do cotidiano familiar e
elemento importante para o
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Interatividade na TV Brasil: vivenciando o Dango Balango
2. El audiovisual es una de las vias más importantes para formar conciencia e fomentar una cultura de
paz, que es decir uma cultura de derechos.
3. A Carta sobre Televisão para Crianças foi apresentada por Anna Home, Diretora de Programação Infantil
da BBC Television, na Primeira Cúpula Mundial sobre Televisão e Crianças, realizada em Melbourne, na
Austrália, em março de 1995. A Carta foi revista e adotada em Munique, em maio de 1995.
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Interatividade na TV Brasil: vivenciando o Dango Balango
6. Verbas suficientes deverão estar disponíveis, para que esses programas tenham o melhor
padrão de qualidade possível.
7. Os governos e as organizações de produção, distribuição e financiamento deverão reco-
nhecer tanto a importância quanto a vulnerabilidade da televisão para as crianças indígenas,
e tomar medidas no sentido de protegê-las.
2. DISCUTINDO QUALIDADE
A relação intensa que as crianças, cada vez mais em sua tenra idade, estabelecem com
as mídias disponíveis em seu contexto social despertou e continua a despertar o olhar
para que tipo de mídia é essa e como é o desenrolar dessa relação, que permite trocas,
que favorece o imaginário, a associação de palavras, gestos, situações, valores. Um dos
pontos importantes sobre essa relação é a qualidade que essa mídia, seja ela expressa
em produtos audiovisuais, sonoros, impressos, se dispõe a ter e efetivamente demonstra
ter para chegar às mãos, ouvidos, olhos e emoções das crianças. Entretanto, a definição
de qualidade escapa por entre os dedos, se moldando à cultura, as normas e hábitos
midiáticos da população do país em que é pesquisada, ao momento histórico-social,
aos parâmetros de quem julga. Mulgan (apud MACHADO, 2000), após enumerar sete
acepções diferentes para a palavra qualidade, que incluíam conceitos como diversidade,
mobilização popular, compreensão das demandas da sociedade e a técnica, ressaltou que
a riqueza e a ambiguidade dessa palavra podem ser “uma virtude e não um problema”.
Assim, para Machado (2000, p. 25), uma televisão de qualidade, levando-se em conta
a amplitude de tal conceito, definido como elástico e complexo, “deve ser capaz de
equacionar uma variedade muito grande de valores e oferecer propostas que sintetizem
o maior número possível de ‘qualidades’”.
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Interatividade na TV Brasil: vivenciando o Dango Balango
4. Didáctica sin entretenimiento no tiene sentido. Texto disponível em: <http://web.ua.es/es/
comunicacioneinfancia/documentos/doc-grupo-invest/articulos/indicadores-de-calidad-en-los-contenidos-
audiovisuales-en-televisi-n-dirigidos-a-la-infancia.pdf>.
5. Manual da Classificação Indicativa, 2006. Página 26.
6. Ibid. Páginas 27 a 29.
7. Pueden reconocer su propio mundo o seguir sus sueños y anhelos, son tomados en serio y no ajustados,
y amaentrados para la futura existencia de adultos.
8. Cualquier filme que resulte inteligible e interesante para los ninõs, es un buen filme infantil. Un filme
para ninõs ha de orientarse primordialmente en los intereses y las necesidades de esta clase de espectadores
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Interatividade na TV Brasil: vivenciando o Dango Balango
identidade – também por meio da mídia. O que as crianças precisam, então, não é apenas
prazer e identificações imaginárias visando ao mero entretenimento. Elas também querem
aprender e construir seu sentido de pertencer a uma sociedade – muitas vezes, por meio de
conteúdos de mídia dramáticos. Além disso, elas muitas vezes querem se identificar com
crianças que sejam semelhantes a elas.
E, como a televisão é “o meio que mais tem produzido para o público infanto-juvenil
ou que, pelo menos, mais visibilidade e mais impacto tem gerado a esse nível” (PEREIRA,
2009, p.24), é necessário que em seus programas, as crianças encontrem o que querem,
o que precisam. E sejam ouvidas sobre esses quereres e necessidade. E levadas a sério.
9. Trecho do Boletim publicado no dia 6 de abril de 2010 no site da TV Brasil anunciando a “Hora da Criança”.
Disponível em : <http://tvbrasil.org.br/novidades/?p=439>.
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Interatividade na TV Brasil: vivenciando o Dango Balango
suas relações de amizade, por exemplo, contando também com aventuras e assuntos
relacionados à natureza. Entre os quadros do programa (alguns foram sendo modificados
ou substituídos ao longo das temporadas), destacamos:
- Ares e Lugares: Crianças apresentam em vídeo com técnica caseira (mas acom-
panhados de uma câmera com qualidade técnica maior) algum lugar, hábito da
sua vida cotidiana.
- Mil e uma coisas: Quadro em que um processo é mostrado, por exemplo, a sepa-
ração de cartas nos Correios, como acontece o tratamento da rede de esgoto, etc.
- É só brincadeira: Crianças explicam como se faz uma brincadeira específica. Uma
criança é destacada para dar explicações práticas (quantas pessoas precisam,
quais são as regras), enquanto imagens do grupo brincando são exibidas.
- Risque e Rabisque: Artistas desenham, pintam em frente às câmeras até chegar
ao resultado final.
- As sombras são: Teatro de sombras brinca com as formas e com os sons.
- Troca de truques: Mágicos realizam truques com lenços, flores, cartas, sem
narração.
- Charadas: o personagem Charada propõe adivinhas para o público.
- Pílulas: momentos em que crianças respondem às perguntas (que não são ouvidas)
relativas ao tema tratado no episódio.
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Interatividade na TV Brasil: vivenciando o Dango Balango
10. Hudson Viana (ex-diretor do programa Dango Balango) [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por
<samaisa.anjos@gmail.com.br> em 27 de maio de 2011.
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Interatividade na TV Brasil: vivenciando o Dango Balango
Logo, o olhar da pesquisa nutriu uma atenção maior para o momento em que esses
quadros eram exibidos e as reações das crianças se davam de forma mais intensa. As
tentativas de adivinhar o que aconteceria, quais as imagens estavam surgindo eram
acompanhadas de muita animação e conversas sobre experiências próprias com tru-
ques de mágica, desenhos, brincadeiras de montar peças coloridas e objetos diferentes.
Durante as oficinas, a relação das crianças com os quadros que propunham uma cons-
trução crescente do produto final, assim como de cenas em que havia uma proximi-
dade com as vivências cotidianas, os assuntos corriqueiros do público específico dos
encontros foi se constituindo e fortalecendo. A cada parada em frente ao equipamento
televisivo para ouvir e interagir com os personagens e, especialmente, com as outras
crianças que participavam dos quadros com narrativas pessoais, os participantes das
oficinas demandavam atenção para as próprias histórias que tinham para contar, para
a possibilidade de serem ouvidos – neste caso pela pesquisadora – com atenção pelo
que viviam, pensavam, queriam. Assim, detalhes sobre a casa, a família, os momentos
de lazer, a ida à escola eram organizados em narrativas que dialogavam com os temas
dos episódios vistos.
Um ponto interessante a ser percebido e, posteriormente, aprofundado é a relação
das crianças com dispositivos como smartphones, computadores, câmeras. Apesar de
afirmarem usar os equipamentos dos pais, irmãos em casa, a curiosidade em usar para
produzir algo – como os vídeos que as crianças dos quadros do Dango Balango faziam,
excitava a turma de meninos e meninas de cinco anos. Dessa demanda, surgiu a desti-
nação de um dos encontros para que elas usassem a câmera e gravassem vídeos falando
e mostrando o que quisessem. Assim, durante a 4ª oficina, foi proposto ao grupo, que era
composto por seis crianças naquele momento, que gravassem o que quisessem na escola.
Ao escolher locais fora do prédio da escola, como o parquinho, a piscina, a horta, a rua
(ou o limite entre a escola e o lado de fora), as crianças indicavam como os momentos de
lazer, de vivência fora da sala de aula tinham importância dentro do ambiente escolar e
do universo que constituíam para si mesmas. Durante os vídeos, a maioria das crianças
olhava diretamente para a câmera, explicando com clareza aquilo que estava mostrando,
algumas se apresentavam no começo (assim como as crianças do quadro “Ares e Lugares”
fazem), outras queriam participar do vídeo dos colegas.
Um aspecto que tocou a mim e, possivelmente, às crianças durante os poucos
minutos que passaram com a câmera em punho pelo espaço de passagem e de lazer da
escola foi o olhar do outro, daqueles que estavam do lado de fora da nossa atividade,
do espaço de convivência que havíamos estabelecido ao longo dos encontros. Assim, a
chegada da coordenadora incita uma das crianças a informar que eles estavam fazendo
um filme. O modo com que os pais que ali passavam para buscar os filhos observavam
a cena de crianças de cinco anos com câmeras de vídeo nas mãos, falando para a tela de
modo desenvolto e o olhar das crianças de outras classes (tanto maiores, quanto menores
do que eles) que misturava curiosidade e vontade de participar chamou a atenção para o
papel que o grupo estava tomando para si, como uma afirmação da participação naquele
processo, parte do percurso de construção de si mesmo naquele ambiente cotidiano
que ganhava novos elementos. Após o manuseio da câmera, a fala diante da lente, o
olhar através do visor, as crianças do grupo queriam ver o resultado. Ao exibir o vídeo,
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Interatividade na TV Brasil: vivenciando o Dango Balango
todas as crianças e a professora foram chamadas para assistir, permitindo que aquele
momento fosse compartilhado por aqueles que convivem diariamente e constroem
juntos cotidianamente uma relação de cooperação. A atenção silenciosa voltada para o
aparelho de televisão é rapidamente substituída por risadas, braços ansiosos apontando
os colegas e dizendo quem estava aparecendo a cada segundo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendemos, diante da experiência de pesquisa e vivência com as crianças, o pro-
grama e os processos de relação e produção com dispositivos como a própria TV e a
câmera, que há de se voltar a atenção para a produção de programas que em seus conte-
údos constituam um espaço de convivência para as vivências das crianças, legitimando
sua voz, suas experiências, suas opiniões, possibilitando a promoção do respeito por
si mesmo e pelos outros, permitindo que a educação aconteça, sem precisar cair nos
conteúdos didáticos ou que respondem ao conteúdo programático da educação formal.
Entende-se que a proposta do programa Dango Balango tem potencial para dialogar
com a educação pensada na convivência, na cooperação, pois a presença de crianças
em seus espaços de convivência diários, como escolas, parques, praças e ruas, assim
como a escuta de suas opiniões e experiências permite que se estabeleça uma em que
a criança também se torna coautora do conteúdo do programa, em uma cooperação.
Como explicam Feilitzen e Butch (2002, p.80), as razões, o quê e como as crianças vivem
o processo de construção de sentido e resignificação a partir de como usam a mídia,
dependem “de suas necessidades, intenções, experiência própria, filiação grupal, idade,
gênero, etnicidade, estilo de vida, origem sociocultural, contexto de vida e da situação
específica de recepção”. Assim, entender o contexto e as demandas, desejos e caminhos
que essas crianças articulam para si são pontos essenciais para a produção responsá-
vel e consciente. Conhecer e perceber realidades diferentes daquelas que vivem é um
processo essencial para que a criança se respeite, podendo assim respeitar seus pares,
legitimando-os e abrindo o espaço para a convivência.
A experiência de produzir conteúdo com uma câmera e um discurso construído a
partir do local de convivência diária, a possibilidade de compartilhar o que faz parte
do cotidiano vivenciado durante as oficinas ressaltou itens já citados da Carta sobre
Televisão para Crianças (1995) e da Lista de Desejos (1996), em que são abordadas as
necessidades de que as crianças se expressem, falem sobres suas experiências de vida,
comunidades, famílias e que possam saber o que as outras crianças estão fazendo. A
Lista de Desejos (1996) ainda termina com uma frase que une a proteção dos direito
das crianças, presente no discurso de diversos pesquisadores que abordam o tema
da qualidade televisiva, mas deixa claro a necessidade de olhar e escutar aqueles que
estão envolvidos como parte integrante e essencial no assunto: as crianças com suas
vozes e olhares, suas vontades, necessidades e diferenças culturais, suas inteligências
e vivências: “7. Escutem-nos. Levem-nos a sério. Apoiem estes programas e protejam
nossos direitos” e desejos.
A partir das experiências com o grupo participante das oficinas, podemos enaltecer
a necessidade da realização de pesquisas com os públicos-alvo seja repensada, princi-
palmente pelas TVs públicas, pois tal processo contribui para a compreensão de como
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Interatividade na TV Brasil: vivenciando o Dango Balango
6. REFERÊNCIAS
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Segunda Tela na TV Digital Brasileira:
um estudo dos processos midiáticos interativos
Second Screen on Brazilian Digital TV:
a study of interactive media processes
Gleice Bernardini1
Maria Cristina Gobbi2
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Segunda Tela na TV Digital Brasileira: um estudo dos processos midiáticos interativos
1. INTRODUÇÃO
3. Prazo dado pelo Governo Federal para o switch-off, ou desligamento do sinal analógico no país.
4. As características da interatividade podem ser consultadas no artigo “Interatividade: um conceito além
da internet”, publicado na Revista GEMInIS, ano 4, n.2, v.1.
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Segunda Tela na TV Digital Brasileira: um estudo dos processos midiáticos interativos
2. TV DIGITAL NO BRASIL
A televisão no Brasil, como veículo de comunicação, surge em 1950, pelas mãos de
Assis Chateaubriand, fundador da TV Tupi, um dos maiores nomes da imprensa no
país5. Depois dele, outras personalidades das empresas de telecomunicação vieram
construindo e ampliando o setor televisivo brasileiro, tais como Paulo Machado de
Carvalho, da TV Record; Roberto Marinho, da TV Globo; Silvio Santos, do SBT etc.,
se somaram a um contingente enorme de pessoas que ajudaram a criar o que é hoje o
veículo de maior alcance no país, com 97% das residências cobertas pelo sinal, segundo
pesquisa de domicílios (Pnad) do IBGE de 20116.
Para os brasileiros, a televisão não é apenas um meio de comunicação utilizado
para se informar, mais igualmente para entreter, divertir, fazer companhia etc., estando
presente nas residências, perfazendo mais de 191 milhões de aparelhos em todo o país7.
A TV que sempre foi vista como meio agregador, por proporcionar uma experiência
coletiva no simples ato de ver televisão, agora se reinventa, porém mantem essa
característica de integração social.
Gobbi (2010) afirma que com o advento das novas tecnologias, ocorre um proces-
so de mudanças significativas para o ato de “assistir televisão”, alterando a forma de
comunicação, entre meio e público, especialmente nos grupos mais jovens, pois, as
gerações anteriores estavam acostumadas com uma aparente passividade. Muitas vezes,
considerado como o momento de não fazer nada, de não pensar, mas de simplesmente
“vegetar” e “descansar” o cérebro, o ato de assistir televisão passa agora por alterações
e ganha espaços para interagir, trocar, produzir e participar.
Podemos dizer que essa mudança no cenário, com a valorização dos espectadores,
agora consumidores ativos (e participativos) de informação, aumenta a qualidade da
audiência e atrai novos setores para a mídia. Há necessidade, não só de novos produtores
midiáticos, mais também de criação de novos meios, aplicações e formatos para a
programação, de maneira que se possa abastecer essa crescente demanda. Ainda que
em diferentes graus de participação e influência, os telespectadores configuram um
novo tipo de consumidor, ativo e participante, interessado em não mais apenas receber
um fluxo de notícias e informações, mas em ter outras experiências, como novas formas
de recepção e construção de conteúdo. Porém algumas questões ainda precisam de
respostas, como por exemplo, se a população brasileira está pronta e possui conhecimento
5. MORAIS, F. (1994). CHATÔ, o Rei do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
6. Pesquisa nacional por amostra de domicílios (Pnad) 2011, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), Volume Acesso à Internet e Posse de Telefone Móvel Celular para uso Pessoal.
7. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pesquisa nacional por amostra de
domicílios 2012, Volume Brasil. (Rio de Janeiro, IBGE, 2012)
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9. LTE é sigla de Long Term Evolution (em português “Evolução a em Longo Prazo”) cujo significado se refere
a uma tecnologia de telefonia móvel também conhecida como 4G (quarta geração).
10. Quarta Geração (em inglês: Fourth Generation) de telefonia móvel, amplia a velocidade, permite a
mobilidade e mantém a qualidade do sinal.
11. Disponível em < http://www.ofluminense.com.br/print/134899>, acesso em mar de 2015.
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Segunda Tela na TV Digital Brasileira: um estudo dos processos midiáticos interativos
espectador nas duas telas, sem que ele se perca com o fluxo de informações e nem se
desinteresse pelo programa que está sendo exibido na TV, abandonando a experiência.
Pesquisas mostram que quando a experiência é pensada levando em conta a parte
comunicacional e tecnológica da segunda tela, a aplicação se torna um diferencial,
conquistando usuários.
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Segunda Tela na TV Digital Brasileira: um estudo dos processos midiáticos interativos
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa buscou compreender as mudanças que acontecem no setor televisivo e
comunicacional, potencializando a interatividade recorrente na segunda tela, demons-
trando como a TV Digital e seu canal de retorno, a internet, podem trazer diversas
possibilidades, renovando as audiências, ampliando o faturamento das emissoras e
modificando de vez a forma de se interagir com a televisão através dos novos disposi-
tivos móveis e da segunda tela.
Espera-se que essa nova forma de comunicação integrada, entre televisão e internet,
resulte numa TV que acentue o caráter democrático desse meio de comunicação de
massa e reforce o vínculo social da própria televisão, levando mais informação para os
espectadores de forma a mais atender esse público participante.
Porém, fica o alerta de que não podemos somente criar aplicativos e tecnologias
surpreendentes, mas como poucas funcionalidades ou complicadas no quesito usabili-
dade. As tecnologias existem citando, por exemplo, imagem de alta definição ou em 3D,
multiprogramação, televisão em fluxo ou on demand, aberta ou por assinatura de pacotes,
mobilidade de ver televisão no carro, no trem, no ônibus. Assim, como dispositivos
que permitem carregar a televisão no bolso, acessar a internet e estar conectado com
as novidades, comentários dos amigos, compartilhamento de informações e sincroni-
zação de programas através da segunda tela. O que falta é a aplicação, a produção de
conteúdo, de novos modelos e estudos para desenvolver outras experiências para este
espectador atuante e desejoso de novidades. Modelos de negócios, estudos de recepção
e de experiências sensoriais com as tecnologias são os melhores caminhos para que
consigamos criar novas maneiras de ampliar a audiência e consequentemente manter
os meios produtores. O novo espectador tem o poder, de opinar, de divulgar, de criar e
de manter, nós, temos as ferramentas, basta saber utiliza-las.
5. REFERÊNCIAS
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5640
Sobre novas formas de manipulação do tempo na televisão
(ou Redefinindo a noção de TV “ao vivo” via redes sociais)
On new forms of manipulation of time on television
(or, Redefining the concept of ‘live’ TV via social networks)
C a rl o s E d u a r d o M a r q u i o n i 1
C a r o l i n e C ava l c a n t i de Oliveira2
Abstract: The use of the Internet definitely did not kill the television: it can be
said that this use has made the medium livelier than ever. In the past the use
of recording technologies enabled the ability to “re-live” (Scannell) contents,
establishing a kind of manipulation of time by both broadcasters and audience.
On the other hand, in the contemporaneity the use of digital social networks has
complexified the televisual ability to “re-live” contents, making it possible to infer
a potential new “live effects” (Fechine) – maybe including a transformation of
televisual experience. The article discusses such phenomenon analyzing posts
on Twitter during the airing of the reality show MasterChef Brazil, suggesting
reflections related to a possible redefinition of ‘live’ TV concept.
Keywords: Television. Social networks. Decodification. ‘Live’ aspect. Televisual
experience.
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Sobre novas formas de manipulação do tempo na televisão (ou Redefinindo a noção de TV “ao vivo” via redes sociais)
INTRODUÇÃO
3. O termo ‘resultado’ não é usado para sugerir que a experiência televisual esteja sedimentada ou seja
estável. De fato, por ser constituída culturalmente, tal experiência está permanentemente em reconfiguração.
O termo é utilizado, então, para indicar relação de efeito, mas não de conclusão.
4. O ethos aristotélico seria “produto do hábito” (Livro II, 1, p. 67), e não uma virtude moral “engendrada
pela natureza” (Livro II, 1, p. 67). Ao afirmar a potencial existência de uma espécie de ethos televisual os
autores procuram indicar que o ato de assistir TV, culturalmente estabelecido e vinculado ao “fluxo” e ao
aspecto de ‘ao vivo’, definiria a experiência mesmo enquanto hábito da audiência. As citações a Aristóteles
referenciam o livro e o capítulo em que o trecho é apresentado em Ética a Nicômaco (ARISTÓTELES, 2009).
5. Entende-se neste artigo que o (ii) aspecto de ‘ao vivo’ é uma característica própria do meio (conforme
argumentação a seguir). A exposição da audiência a essa característica, em conjunto com o “fluxo”, proporciona
a experiência de TV, particularmente de ‘ao vivo’: é esta experiência que passa pela reconfiguração abordada
no presente trabalho.
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Sobre novas formas de manipulação do tempo na televisão (ou Redefinindo a noção de TV “ao vivo” via redes sociais)
tornou “habitual, nos estudos de mídia, [de] pensar [conteúdos] gravados como o oposto
de ‘ao vivo’” (SCANNEL, 2014, p. 95). A redefinição experiencial tratada no presente
trabalho em relação à TV remete particularmente a como a experiência de ‘ao vivo’ é
adaptada com o uso das tecnologias digitais, independente de artifícios tecnológicos
utilizados no passado para “instaurar efeitos de ‘ao vivo’ tanto numa transmissão direta
quanto numa gravada” (FECHINE, 2008, p. 26)6.
Para organizar as análises, este artigo é dividido em duas seções, além desta
Introdução e das Considerações Finais. Tal divisão foi elaborada procurando evidenciar
que o uso das redes sociais digitais, concomitantemente ao ato de ver TV, constitui uma
adaptação na experiência, mas não caracteriza a ‘morte’ da televisão: efetivamente a TV
“não está ‘batendo na’ ou ‘perdendo para’ novas mídias em uma batalha cósmica de
tecnologia; ao invés disso, a televisão é uma parte intrínseca das ‘novas’ mídias” (GRAY;
LOTZ, 2012, p. 03). A seção Vivendo e re-vivendo a vida ‘ao vivo’ na TV (ou breves reflexões
culturais acerca do ‘ao vivo’ na TV) apresenta um breve panorama dos usos e possibilidades
resultantes dos recursos, habilitados a partir do videoteipe, que confeririam à gravação
uma experiência ‘ao vivo’. A seção As redes sociais digitais e a transformação do conteúdo vivo:
o caso MasterChef Brasil ilustra como o uso das redes sociais na Internet tem influenciado
o fazer e o ver televisão, particularmente promovendo transformações na experiência
de ‘ao vivo’, usando como objeto empírico a primeira temporada da edição brasileira da
franquia do reality show MasterChef, veiculada pela Rede Bandeirantes (Band) durante
o segundo semestre de 2014.
6. No entendimento dos autores deste artigo, aquilo que Fechine chama como “efeitos de ‘ao vivo’”
corresponderia à noção de ‘ao vivo’, englobando tanto o aspecto ‘ao vivo’ (que é inerente ao meio) quanto a
experiência (a sensação) resultante no público.
7. “O que é uma transmissão direta na televisão? [...] antes de mais nada, um fato técnico. Trata-se de uma
operação que permite a produção, a transmissão e a recepção de um programa de modo simultâneo. Para
os profissionais de TV, tudo o que é levado ao ar através de um procedimento operacional como esse é,
sem distinção, chamado de ‘ao vivo’” (FECHINE, 2008, p. 26).
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Sobre novas formas de manipulação do tempo na televisão (ou Redefinindo a noção de TV “ao vivo” via redes sociais)
Avançando em relação à característica factual das imagens de TV, outro fator que
parece contribuir para essa percepção talvez seja o fato de que a captação das imagens
tende, via de regra, a ser realizada a partir de situações do cotidiano: a relação que a TV
permite estabelecer com elementos da vida ordinária (corriqueira) é evidente. De fato, “a
instauração do ‘ao vivo’ na TV depende do modo como os discursos se organizam para
produzir determinados efeitos de sentido. Daí ser possível a instauração de efeitos de
‘ao vivo’ tanto numa transmissão direta quanto numa gravada” (FECHINE, 2008, p. 26).
Mas vale destacar que o cenário pode ser complexificado: ocorre que as tecnologias
de gravação, por um lado, não limitam a experiência de ‘ao vivo’ – inclusive em função
do uso de recursos que podem eventualmente ‘ofuscar’ as marcas de continuidade que
tipicamente permitem ao público constatar, durante a transmissão, se está assistindo a
uma transmissão direta ou gravada, fazendo com que em alguns casos seja “praticamente
impossível para o espectador, apenas a partir do que vê na tela, dizer se aquilo que
está assistindo na TV é ou não uma transmissão direta” (FECHINE, 2008, p. 34). Em
contrapartida, o videoteipe habilita o estabelecimento de uma sofisticada memória
televisual, no sentido em que não apenas possui a capacidade de ser re-vivida, ao ser
gravada e posteriormente transmitida, mas também assume aspecto de ‘ao vivo’ ao
ingressar novamente no “fluxo”, conforme argumentação do aspecto de ‘ao vivo’ inerente
à TV abordado anteriormente.
Desta forma, apesar de a noção de ‘ao vivo’ ser “entendida como especialmente
relacionada a tecnologias que permitem a transmissão e a gravação de eventos,
performances, discursos, música no exato momento de sua enunciação, o momento
vivo no qual se manifestam” (SCANNELL, 2014, p. 42), entende-se ser necessário reiterar
que uma transmissão gravada não deveria ser considerada simplesmente como o oposto
de outra ‘ao vivo’, uma vez que o recurso tecnológico do videoteipe “grava a vida e
tempos do presente, preservando-os em uma cápsula do tempo [...]. Os arquivos do
rádio e da televisão estão agora começando a ser vistos e entendidos como o que são, um
arquivo” (SCANNELL, 2014, p. 54). Particularmente no caso do Brasil, que historicamente
enfrentou dificuldades (evidentemente ainda não superadas) relativas ao letramento por
alfabetização, é fato que é proporcionada, a partir de “arquivos privados das emissoras,
nos quais se guarda especialmente a memória da TV brasileira, [...] boa parte da memória
nacional” (KILPP, 2008, p. 105).
Enquanto o aspecto do acesso posterior ao conteúdo televisual confere caráter de
registro histórico, é importante destacar ainda que o mesmo acesso aos conteúdos
dos programas gravados habilitou, a partir da disponibilização de dispositivos para
gravação doméstica8, a possibilidade de a audiência manipular o tempo em função do
“fluxo” planejado, inclusive proporcionando uma forma de pertencimento através do
reconhecimento e compartilhamento de conteúdos com indivíduos próximos. Este uso
teria auxiliado, então, no estabelecimento de “comunidades imaginadas” (ANDERSON,
2011) a partir dos conteúdos veiculados – ainda que eventualmente tais conteúdos
não estivessem sendo assistidos simultaneamente, em “fluxo”. Assim, mesmo que na
8. Como exemplos de tecnologias para gravação doméstica podem ser citados a fita de videocassete, os
DVDs graváveis e, mais recentemente, recursos técnicos utilizando set up boxes.
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Sobre novas formas de manipulação do tempo na televisão (ou Redefinindo a noção de TV “ao vivo” via redes sociais)
perspectiva das emissoras “as gravações de som e imagem tenham sido procuradas
não para substituir a transmissão ‘ao vivo’, mas para dar-lhe maior flexibilidade”
(SCANNELL, 2014, p. 176), a rigor o uso dessa tecnologia permitiu estabelecer registros
históricos e auxiliou com uma sensação de pertencimento.
A possibilidade de estabelecer uma forma de “‘[r]essurreição – repetidas vezes –
[...] [e ainda] jogar com o tempo, com o passado-presente-futuro do agora imediato em
qualquer momento instantâneo” (SCANNELL, 2014, p. 96-97) não teria ferido, então, a
espécie de ethos televisual mencionado anteriormente (apenas reconfigurado a experiência
televisual); a rigor, teria possibilitado “re-viver o momento vivido, através da combinação
do caráter ao vivo da emissão televisiva e suas tecnologias de suporte para gravação”
(SCANNELL, 2014, p. 164).
Em outros termos, o uso de alguns recursos tecnológicos por parte das emissoras
permite pensar na criação de uma espécie de tempo de terceira ordem9, e as tecnologias
de gravação doméstica habilitam ainda outra forma de tempo (mas que também pode
ser considerada como de terceira ordem10). Nesse cenário, o que tem sido possível
observar com o uso das redes sociais digitais é o estabelecimento de uma nova forma
de temporalidade, na qual mesmo conteúdos efetivamente gravados (e que são facilmente
percebidos como gravados) são tratados (tanto pela audiência quanto pelas emissoras)
como quase-‘ao-vivo’, em uma espécie de transformação que redefine a experiência
televisual. Trata-se de variação aparentemente sem precedentes. É desta transformação
que trata a próxima seção.
9. O uso dos recursos parece constituir um tempo que não é aquele efetivamente vivido pela audiência
(o que se considera aqui o tempo de primeira ordem) uma vez que se refere – por exemplo no caso da
veiculação de um conteúdo gravado –, ao tempo no qual a imagem foi capturada (e que constituiria um
tempo de segunda ordem). Seria, então, de terceira ordem, por ser efetivamente constituído como associado
aos outros dois em função da veiculação (a partir do momento no tempo em que o conteúdo é assistido,
articulado com o momento em que o conteúdo foi gravado).
10. Neste caso, valem as mesmas observações da nota anterior, apenas com a ressalva de que o tempo no
qual o conteúdo é assistido difere daquele no qual houve a veiculação em “fluxo” – o que, eventualmente,
constituiria ainda um novo momento/tempo que necessita ser articulado para compreensão do ato de
acompanhar o conteúdo ao qual se assiste.
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Sobre novas formas de manipulação do tempo na televisão (ou Redefinindo a noção de TV “ao vivo” via redes sociais)
11. A rigor, a popularização das redes sociais digitais, o uso de dispositivos móveis e o aumento do acesso
à Rede no Brasil constituem os fatores tecnológicos, ainda que esse último também tenha um viés social
associado, como é o caso do aumento do acesso aos dispositivos em função de um período recente de
crescimento econômico e aumento do potencial de compra por parte da população com menor poder
aquisitivo no país.
12. Há que se observar que não se trata de fenômeno exclusivo no Brasil. A menção explícita ao país é
relativa ao fato de que as análises realizadas no artigo são limitadas ao sistema de TV brasileiro. Vale o
destaque, no entanto, de que o que foi observado pelos autores constitui um fenômeno global (conforme
abordado pelo quadro teórico utilizado neste artigo).
13. Este artigo aborda, em seguida, tal redefinição na experiência considerando o uso da rede social Twitter
durante a veiculação do programa MasterChef Brasil, particularmente o uso concomitante daquela rede
enquanto a audiência acompanha a veiculação do programa na TV. Contudo, é importante destacar que a
redefinição na experiência não é limitada a programas de entretenimento e ao Twitter, assim como também
não se restringe ao uso das redes sociais digitais no momento em que um programa está sendo veiculado.
Como exemplo pode ser citado o caso do perfil no Facebook do telejornal diário Jornal Nacional, veiculado
pela Rede Globo – a referida página na rede social continua recebendo comentários por parte da audiência
inclusive depois que o programa encerra sua transmissão diária. Trata-se, então, do estabelecimento de um
complexo sistema operando de forma integrada que permite classificar como simplificadora a suposição
de que a Internet ‘mataria’ a TV: os usos são mais complexos do que meras decisões binárias (como acessar
a um ou outro ambiente, em relação de exclusividade mútua).
14. Há vários ‘cortes’ muito evidentes no programa: como exemplos podem ser citados a incompatibilidade
entre a duração da veiculação e o tempo de preparo dos pratos e os depoimentos dos participantes,
intercalados em ambiente distinto daquele no qual ocorre a preparação dos pratos designados, mas enquanto
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Sobre novas formas de manipulação do tempo na televisão (ou Redefinindo a noção de TV “ao vivo” via redes sociais)
ocorre a preparação dos pratos (neste último caso, a não continuidade fica evidente pois o mesmo indivíduo
deveria estar em dois lugares simultaneamente).
15. Um dos autores do artigo analisa o que vem chamando de convites diretos à interatividade em programas
de TV aberta no Brasil, considerando que ocorre um convite direto à interatividade quando um apresentador
de TV informa oralmente, durante a veiculação de um programa, a possibilidade da audiência interagir com
o conteúdo. Enquanto anteriormente era tipicamente referenciado um número telefônico para interação,
especialmente a partir dos anos 2000 os convites diretos passaram a indicar o site na Internet do programa
em exibição como alternativa para interatividade.
16. Todas as imagens utilizadas neste artigo foram obtidas na Internet através dos websites <youtube.com>
ou <entretenimento.band.uol.com.br/masterchef> – acessos entre 02 jan. 2015 e 19 fev. 2015.
17. Para informações em relação à dinâmica geral do programa, consulte (MARQUIONI; OLIVEIRA, 2014).
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Sobre novas formas de manipulação do tempo na televisão (ou Redefinindo a noção de TV “ao vivo” via redes sociais)
18. Parte fundamental da proposta do modelo de processo comunicativo sugerido por Stuart Hall (no-
meado Codificação/Decodificação), que concebe tal processo “em termos de uma estrutura produzida e
sustentada através da articulação de momentos distintos, mas interligados” (HALL, 2006, p. 365). O modelo
foi elaborado a partir de analogia com o processo de trabalho proposto por Marx ainda na Introdução [à
Crítica da Economia Política] e, posteriormente, n’O Capital, e considera que o “consumo ou a recepção da
mensagem da televisão é, [...] também ela mesma um ‘momento’ do processo de produção no seu sentido
mais amplo” (HALL, 2006, p. 368). Assim, em “um momento ‘determinado’, a estrutura [uma emissora de
TV, por exemplo] emprega um código [um gênero televisual estabelecido] e produz uma ‘mensagem’ [realiza
uma codificação]; em outro momento determinado, a ‘mensagem’ desemboca na estrutura das práticas
sociais pela via de sua decodificação” (HALL, 2006, p. 368). Em linhas gerais, a codificação constitui então
o momento no qual a mensagem é gerada, enquanto a decodificação corresponde ao momento no qual
ela é recebida e, em uma situação ideal, compreendida conforme o esperado no momento da codificação.
Tal compreensão é evidentemente condicionada por estruturas de sentido e referenciais de conhecimento
pela audiência que possibilitem um entendimento ao menos próximo daquele desejado no momento da
codificação da mensagem – o entendimento esperado constitui uma “leitura preferencial” (HALL, 2006, p.
352). Assim, uma referência anterior pode ser útil no sentido de possibilitar minimizar incompreensões
em relação a um conteúdo veiculado.
19. Os gêneros são considerados neste artigo como uma forma de definir “tipos relativamente estáveis de
enunciados” (BAKHTIN, 1997, p. 279, grifo no original; negrito nosso).
20. A jornalista e apresentadora da primeira temporada de MasterChef Brasil, Ana Paula Padrão (2014), em
entrevista concedida aos autores deste artigo comentou, de forma didática, o que considera como diferenças
gerais entre MasterChef e Big Brother: “os programas são incomparáveis. A única semelhança entre eles é
que são realities [reality shows]. Não, nem isso: um é um reality [show], o outro é um talent [show]. Um reality
é um programa onde as pessoas ficam confinadas, seguidas por câmeras o tempo inteiro. Um talent é uma
competição: eles não estão confinados, eles saem daqui [...], não têm câmera atrás deles o tempo inteiro”.
MasterChef seria o representante de um “formato que, para os parâmetros atuais do entretenimento na TV
aberta brasileira é inocente. [...] Quem está ali cozinhando, está ali para cozinhar”. Finalmente, em relação
ao formato MasterChef, mencionou que se trataria de “um produto que é novo e ninguém conhecia [sic]
no Brasil, na [TV] aberta”. De fato, é provável (em função de a franquia ter sido veiculada anteriormente
exclusivamente em canais de TV por assinatura) que apenas parcela da audiência de TV aberta no Brasil
conhecesse o programa antes do início da veiculação da edição brasileira pela TV Bandeirantes.
21. No momento em que iniciou a transmissão ‘ao vivo’ do último episódio da primeira temporada, o
contador indicava a realização de 257.188 mensagens postadas no Twitter; ao final do programa (cerca de
12 minutos depois), este número era de 299.814.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5649
Sobre novas formas de manipulação do tempo na televisão (ou Redefinindo a noção de TV “ao vivo” via redes sociais)
Figuras 7 e 8. Início da transmissão ‘ao vivo’ e último frame da final de MasterChef Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reconfiguração do ato de assistir TV é um fato; associadas a ele, mudanças na
experiência de ‘ao vivo’ evidentemente podem ser constatadas ao acompanhar o “fluxo”
televisual de um programa que pressupõe uma audiência que use as redes sociais, e
reitera esse pressuposto ao realizar convites à interatividade via esse ambiente.
Ao enviar ao programa comentários via redes sociais – no caso de MasterChef Brasil,
especificamente através do Twitter –, o público está reproduzindo em relação à TV um
comportamento adotado previamente nos ambientes virtuais. No momento em que o
espectador/internauta, habituado ao formato de interação no Twitter, não apenas retwe-
eta textos de contas que segue, como registra os próprios apontamentos sobre os mais
diversos temas, e, do mesmo modo, opina livremente sobre textos, imagens e links com-
partilhados no Facebook, por exemplo, ocorre uma espécie de transferência dessa conduta
própria das redes sociais para o “fluxo” televisual. Desse modo, pode-se perceber que, de
fato, a reconfiguração no ato de assistir TV – dada com a simultaneidade de seu uso com
a Rede – evidencia a relevância do meio, ao contrário do que se supôs com o advento da
Internet. A rigor, se “a comunicação não fosse reduzida à técnica, se fossem levadas em
conta suas dimensões sociais e culturais, ninguém pensaria que as novas tecnologias
pudessem conduzir ao desaparecimento da televisão” (WOLTON, 2003, p. 129).
Evidentemente, por se tratar de uma reconfiguração que tem características culturais,
não é possível identificar um momento axial no qual a adaptação ocorrera: de fato, ela
vem se constituindo na longa duração. Em termos de programas televisuais, no caso do
Brasil, pode-se considerar que quinze edições da franquia Big Brother (veiculadas pela
emissora de TV aberta com maior audiência no país, até o momento em que esse texto
é escrito) proporcionaram ao público certo entendimento do formato da reality television
(especialmente a pressuposição de participação do público para o desenvolvimento
do programa). Complementarmente, a facilidade de manuseio proporcionada pelos
dispositivos móveis, e mais especificamente, os usos praticados com esses dispositivos
durante o ato de assistir TV, constituem elementos que devem continuar provocando
novas adaptações na experiência televisual – possivelmente ainda modificando a noção
do ‘ao vivo’ na TV.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5650
Sobre novas formas de manipulação do tempo na televisão (ou Redefinindo a noção de TV “ao vivo” via redes sociais)
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Wolton, D. (2003) Internet, e depois? Porto Alegre: Editora Sulina.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O culto no universo fandom: dinâmicas afetivas e
sociais em comunidades de fãs no ciberespaço
Cult in fandom universe: affective and social
dynamics in communities of fans in cyberspace
A d r i a n a C o rr ê a S i lva P o r t o 1
Abstract: The purpose of this article is to show the ways and search results
completion of the Masters Course author, presented in 2014 at UERJ, and
investigating the affective and social dynamics surrounding the cult of fans on
a digital platform, as well as motivations and consequences of such a practice.
The work is a case study from a discussion forum on the Internet, on the
american audiovisual series Game of Thrones. Supported by the reception studies,
we observed some results, such as the interference of material supports in
understanding of plot and the behavior of fans when faced with the unexpected
in the narrative. In an environment of differences and disputes over social
capital, messages indicate that fans seeking more than consuming the story,
they want to live it, revealing a dynamic that is, in short, a micro indicator of
social phenomena.
Keywords: Cult. Fans. Community. Cyberspace. Reception.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5652
O culto no universo fandom: dinâmicas afetivas e sociais em comunidades de fãs no ciberespaço
INTRODUÇÃO
2. Saiba mais no livro CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix, 1992.
3. A série teve início com Star Wars, lançado em 25 de maio de 1977. A seguir vieram duas sequências,
The Empire Strikes Back, lançada em 21 de maio de 1980, e Return of The Jedi, lançada em 25 de maio de
1983. Dezesseis anos depois da exibição do último filme, teve início uma nova trilogia, mais uma vez
lançada em intervalos de três anos. Em 2008, a soma da bilheteria arrecadada pelos seis filmes Star
Wars totalizava aproximadamente U$ 4,41 bilhões, fazendo desta a quarta série cinematográfica com
maior bilheteria de todos os tempos. A franquia toda soma mais de 30 bilhões de dólares, o que faz dela
a franquia mais lucrativa da história. A série ainda tem previsão de expandir-se com o lançamento do
Episódio VII, com lançamento anunciado para 2015 pela The Walt Disney Company.
4. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/blogs/emcartaznaweb/posts/2013/04/05/brasil-o-segundo-
pais-com-mais-fas-de-game-of-thrones-492315.asp>. Acesso em: 23 jun. 2013.
5. Palavra de origem inglesa (Fan Kingdom). Refere-se ao conjunto de fãs de um determinado programa
de televisão, pessoa ou fenômeno em particular.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O culto no universo fandom: dinâmicas afetivas e sociais em comunidades de fãs no ciberespaço
PROPOSTA METODOLÓGICA
A proposta metodológica consiste em descrever os elementos analisados dentro de
suas próprias dinâmicas, apropriações e lógicas, delimitando amostras e observações
a fim de fornecer um recorte mais preciso do objeto de estudo. Sob a perspectiva da
internet como artefato cultural, buscamos observar a inserção da tecnologia na vida
cotidiana, assim como suas interferências nos modos de recepção e apropriação dos
indivíduos. Assim, a rede de relacionamentos tecida nas comunidades virtuais é consi-
derada um elemento da cultura e não uma entidade à parte. Nesta visão, o objeto pode
ser compreendido como um local de interseção, onde as fronteiras entre o online e o
offline são fluidas e atuam uma sobre a outra (FRAGOSO, 2011).
Para fazer um recorte mais preciso, delimitamos como atores os usuários das comu-
nidades de fãs, os suportes tecnológicos eleitos por eles para o contato com a narrativa
– especialmente a internet e a televisão – e o próprio espaço no qual interagem sob a
mediação do computador. São analisadas as conexões expressas dentro dos tópicos de dis-
cussão sobre a série audiovisual, divididos por temas e episódios, propostos pelos próprios
participantes. A pesquisa foi realizada durante a exibição dos episódios finais da terceira
temporada da série de TV – etapa em que observamos um aumento no engajamento dos
fãs e da participação no fórum de discussão. A intenção era obter maior quantidade e
diversidade de material para o estudo. A partir desta análise, tentamos identificar de que
maneira esses elementos sensibilizam o público e contribuem para alterar costumes e
crenças na comunidade, além de confirmar ou refutar a hipótese da pesquisa.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5654
O culto no universo fandom: dinâmicas afetivas e sociais em comunidades de fãs no ciberespaço
Para a análise das subcomunidades do fórum Ice and Fire, elegemos a netnografia –
etnografia aplicada a ambiente digitais – e a observação participante (PERUZZO, 2006, p.
136). Para obter acesso integral à ação dos usuários no fórum em questão, foi necessário
ao pesquisador tornar-se membro da comunidade. Contudo, nunca houve a pretensão de
interferir nas discussões observadas. A intenção era investigar, por meio da observação,
o tipo de relação estabelecida com os elementos de culto na narrativa fantástica, a fim de
compreender como eles são percebidos e em que medida fomentam novas apropriações
e usos sociais da mídia. Para garantir uma consistência à pesquisa, foi realizado ainda
um levantamento bibliográfico prévio sobre os temas a ela relacionados.
A pesquisa ainda levou em conta a perspectiva dos Estudos Culturais, que situa o
conceito de cultura “no espaço social e econômico dentro do qual a atividade criativa
é condicionada” (ESCOSTEGUY, 2010, p.156). Fazemos uso desta abordagem, por acre-
ditar que o estudo da cultura integrado aos das realidades sociais nas quais existem e
se manifestam, pode nos ajudar a refletir sobre o papel dos meios de comunicação na
constituição de identidades e lançar luz sobre as motivações e usos sociais oportunizados
pelos produtos de entretenimento contemporâneo.
Presumindo que “quando uma tecnologia surge com novas possibilidades impor-
tantes, sempre gera alguma reestruturação na sociedade” (SHIRKY, 2011, p.183), estudar
de que forma esses fenômenos ocorrem pode ser útil para compreender o estabeleci-
mento de novas formas de sociabilidade e organizações sociais (RECUERO, 2009). Sua
relevância social está ligada a compreensão do processo de recepção e apropriação, a
partir do uso de meios materiais e imateriais de comunicação. Da mesma forma, o estudo
da narrativa – um dos nossos mecanismos cognitivos primários para a compreensão
do mundo (MURRAY, 2003) – determina um dos modos fundamentais pelos quais nos
organizamos e construímos comunidades.
Ao longo do trabalho, a perspectiva material se fez presente, influenciando as aná-
lises e os recortes realizados. A ideia era pensar a narrativa levando em conta a sua
forma física, já que a sua assimilação e interpretação está condicionada a aquilo que
conseguimos apreender por meio de uma dada estrutura material. Um bom exemplo
disso são as diferentes interpretações que os usuários do fórum fazem de um mesmo
acontecimento da história, quando leem o livro e assistem a cena audiovisual.
Importa-nos destacar neste contexto, como o uso de diferentes mídias cria novas
composições de relações interpessoais, alterando a sua expressividade conforme a mate-
rialidade. Certamente, quando a narrativa muda de suporte, ela também se transforma.
Abrem-se portas e surgem interferências de origens diversas (os atores, a direção da
cena, a trilha sonora, a direção de arte, a fotografia, a linguagem empregada e outros),
que atingem os interlocutores de diferentes formas. Essa maneira de consumo que requer
cada vez mais habilidades (cognição requerida para acompanhar jogos e narrativas
complexas) e oferece “poderes”, na medida em que uma nova fronteira em uma dada
mídia narrativa é ultrapassada, chama a nossa atenção enquanto pesquisadores. A este
respeito, interessa-nos de forma especial a dinâmica criada pelos atores em ação e as
novas práticas sociais que emergem da interação entre eles.
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O culto no universo fandom: dinâmicas afetivas e sociais em comunidades de fãs no ciberespaço
ANÁLISE DA PESQUISA
De 20 de maio a 10 de junho de 2013, período no qual concentramos os esforços desta
pesquisa, analisamos a troca de mensagem entre os usuários que se manifestaram em
quatro tópicos ou salas de discussão: Valar Dohaeris (episódio 1), Seconds Sons (episódio
8), The Rains of Castamere (episódio 9) e Mhysa (episódio 10). Os quatro versam sobre
episódios da terceira temporada da série audiovisual. O fórum Ice and Fire possui cinco
grandes divisões temáticas: Gelo e Fogo; Série Game of Thrones; Livros; Fan Área e
Off Topic. Apesar de considerarmos a sua estrutura e as informações como um todo,
delimitamos a área ‘Série Game of Thrones’ como foco da pesquisa.
Durante o período da pesquisa, foram contabilizadas 109 postagens de 30 usuários
diferentes. A maior parte dessas manifestações (40,36%) é sobre o episódio nove: The
Rains of Castamere ou O Casamento Vermelho. Este foi o elemento surpresa da temporada,
que alterou mais uma vez e, drasticamente, os rumos da série audiovisual, obrigando
os espectadores a repensarem o que já haviam visto até então. Isso porque a morte
dos principais representantes da Casa Stark – até então os favoritos na preferência do
público e que estiveram em primeiro plano no enredo – e a pulverização dos demais
membros da família, que passaram a integrar novos núcleos, forçaram alguns fãs a
redirecionarem a sua torcida a outros personagens que continuam na disputa pelo
domínio dos sete reinos.
Sobre esse aspecto, observamos alguns fenômenos. Por exemplo, o fato de o episódio
nove ser o alvo das discussões de significativa parcela dos fãs, que se manifestaram
neste período, indica que o ato de ser surpreendido ou ter que lidar com o inusitado,
a revira-volta narrativa, ocasionada pelo rompimento do modelo da Jornada do Herói,
os afetou de alguma maneira. Por sua vez, essa afetação pode oscilar a intensidade
conforme o receptor e o contexto e, ainda, ser de ordem positiva ou negativa.
Neste período, encontramos 21 spoilers indicados como tais nas mensagens anali-
sadas – conforme orienta o fórum. O que equivale a dizer que em 19,26% das postagens
havia antecipação de algum acontecimento da série de TV, geralmente realizada pelos
leitores dos livros. No entanto, também verificamos spoilers sem identificação, ou seja,
fora das caixas que devem mantê-los ocultos até que o usuário, ciente do que se trata,
decida ler. Segundo os administradores do site, a sinalização do spoiler é obrigatória.
Essa norma possibilita que somente aqueles que queiram, leiam a antecipação dos
acontecimentos, eliminando o risco de alguém ser surpreendido contra a vontade. A
observância deste fato revela que as regras do espaço não são integralmente cumpridas
por todos, tampouco os administradores conseguem vigiar e punir os infratores. Essas
observações nos mostraram ainda que o número de spoilers é superior ao indicado na
pesquisa. Entretanto, não é possível dimensionar a quantidade exata sem conhecer o
universo literário que deu origem à produção televisiva9.
9. Palpites, hipóteses e antecipações de acontecimentos (spoilers) nem sempre são colocados de forma clara.
Por esse motivo, embora a intenção inicial fosse apenas observar o desenrolar dos acontecimentos da
trama relacional que investigamos, fomos levados a participar de algumas discussões, com o propósito
de esclarecer o conteúdo de determinadas mensagens e o contexto das interações. Os breves momentos de
participação do pesquisador não incluíram a defesa de qualquer ponto de vista e serviram, estritamente,
para compreender o sentido das mensagens e o uso de siglas, gírias e expressões típicas do universo
cultural dos fãs de GOT.
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O culto no universo fandom: dinâmicas afetivas e sociais em comunidades de fãs no ciberespaço
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O culto no universo fandom: dinâmicas afetivas e sociais em comunidades de fãs no ciberespaço
previsões, elaborar teorias e desvendar os mistérios por trás da obra, mas também em
confrontar ideias que podem levá-los a se destacar na comunidade.
É possível visualizar isso nos relatos disponíveis no fórum. Ao discutir a morte de
Robb e Catelyn Stark no episódio nove, uma fã compartilha a teoria de que “o Casamento
Vermelho foi, provavelmente, a eliminação de personagens que se tornaram problemá-
ticos e redundantes pra desatar o ‘nó górdio’ da narrativa” (Estrelisia, 9 jun, 2013, via
fórum) 12. O comentário é seguido por outros13 que contestam a validade dos argumentos
apresentados.14 As postagens dos fãs refletem disputas por prestígio, que são travadas
com a demonstração de conhecimento e a capacidade de análise dos participantes. Isto
é, quanto mais conhecimento você demonstra, melhor será a sua reputação na comuni-
dade. O mesmo vale para a acuidade intelectual, a originalidade e a clareza nas análises,
que são valorizadas pelo grupo. Vale mencionar que não verificamos nas discussões
ofensas e desrespeito entre os usuários. Em todo caso, segundo as regras do fórum, os
participantes que se comportarem de tal maneira terão a postagem ofensiva retirada do
ar e poderão ser suspensos pelos administradores do site. Em caso de recorrência, pode
haver exclusão do perfil e bloqueio do e-mail utilizado para acessar o fórum.
Sobre a linguagem, podemos observar que não há uma preocupação rígida com o
emprego da ortografia e gramática correta da língua portuguesa. No geral, os membros
expressam preocupação com o conteúdo das mensagens, mas não com a forma como
elas são escritas. A linguagem da internet e do próprio universo de GOT são visíveis
nas postagens. Abreviações, gírias e linguagem coloquial são amplamente utilizadas.
Sob o amparo do internetês15, ainda encontramos um usuário que opta por não fazer
uso de qualquer tipo de acento gráfico em suas mensagens – fato que não implica,
necessariamente, que ele tenha uma imagem negativa dentro do grupo.
Prosseguindo na análise da pesquisa, encontramos quatro links externos (3,66% das
mensagens), que redirecionam o internauta a outros sites com informações e notícias
relacionadas ao seriado. Há ainda referência direta à série de livros em 44 comentários,
o que equivale a um resgate à obra original em 40,36% das postagens. A maioria delas
são comparações de cenas, personagens e eventos da história nos dois suportes – livro
e televisão.
Nas manifestações dos usuários, intuímos uma frequente busca pela coerência da
história e da trajetória dos personagens. Falhas e lacunas são identificadas e apontadas,
oferecendo oportunidade a todo o grupo de participar da discussão. Os que encaram o
embate de ideias e argumentos e se mostram mais atentos, bem informados e críticos,
recebem em troca respeito e credibilidade da comunidade fandom. Tal prática é reflexo
da complexificação do entretenimento, ensejado pelas recentes tecnologias digitais. É
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O culto no universo fandom: dinâmicas afetivas e sociais em comunidades de fãs no ciberespaço
sob esta ótica que também nos parece factível a ideia do entretenimento como lingua-
gem, segundo a qual diversão, envolvimento emocional, prazer, informação, geração
de experiências e ativação de sentidos se misturam em um processo comunicacional
lúdico (PEREIRA, 2013).
Dentro desta lógica, os meios materiais podem interferir na compreensão da história,
nas experiências vividas a partir da narrativa, no envolvimento, na imersão e até na
empatia com a obra ou algum dos seus aspectos em particular. É o que percebemos no
relato do usuário que destaca sua falta de empatia por um personagem do livro, mas
que a série audiovisual foi capaz de mudar no episódio The Rains of Castamere. “Quanto
ao episodio, gostaria de ressaltar a excelente atuaçao da Michelle Fairley, eu odeio a Cat
dos livros, mas não tem como nao se impressionar com a atuaçao dela [da atriz que faz
a personagem na TV], transmitando sua dor e emoçao com a perca de tudo que mais
ama” [sic] (Ironborn, 6 jun. 2013, via fórum) 16.
Ainda comparando a história nos diferentes suportes, os fãs demonstram o seu
favoritismo por uma família ou personagem: “O Casamento Vermelho não chegou a ser
impactante como o do livro até porque sou time Lannister na série, mas mesmo assim
não deixei de me sentir emocionado pela morte da Cat e pelo que o CV representa (...)”
(Ferraro 7 jun. 2013, via fórum) 17. Eles também comemoram as conquistas e sofrem as
adversidades impostas aos seus ‘eleitos’: “Eu quase fechei o arquivo do episódio para
não ver o final. Até hoje eu só li o POV da Catelyn, que contém o Casamento Vermelho,
uma vez. É traumático demais para mim.” (Luder 3 jun. 2013, via fórum)18. Na sequ-
ência, outro usuário comenta: “vi ontem mesmo e ainda não consigo escrever sobre o
episódio, nem ler o que a galera postou. cara, que sofrimento” [sic] (Estrelisia, 4 jun.
2013, via fórum)19. A devoção aos personagens e famílias está presente ao longo do
desenvolvimento do fórum e concentra-se nas três principais casas: Stark, Tagaryen e
Lannister. Nesta dinâmica em que os atores se deslocam e são deslocados, impactando
uns aos outros e a rede como um todo, buscamos entender como se dão os fenômenos
relacionados ao culto e de que forma eles são conduzidos ao longo da trajetória analisada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao refletirmos sobre os avanços desta pesquisa, chegamos à conclusão de que há
mais fatores capazes de interferir no fenômeno culto do que supúnhamos inicialmente.
A combinação desses fatores, de um certo modo e em um determinado contexto, é o
que parece desencadeá-lo. Porém, a ativação e o recrudescimento do culto não tem uma
trajetória única que possa ser reproduzida da mesma maneira independente do tempo
ou do contexto. Ao longo da investigação que empreendemos, constatamos que a imersão
na história, a experiência material, a estratégia narrativa e a quebra das convenções
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O culto no universo fandom: dinâmicas afetivas e sociais em comunidades de fãs no ciberespaço
têm papel importante neste processo. Também são fundamentais neste panorama as
comunidades virtuais, a cultura fandom e as formas de interação e organização que se
formam no interior destas. No entanto, nenhuma dessas ocorrências, sozinhas, surtem
o mesmo efeito sobre o fenômeno cult. Logo, é um conjunto de fatores, em um dado
contexto, o responsável por dar contornos visíveis ao culto.
Já sabemos que a manutenção do culto não está condicionada a vida útil da obra
cultuada20, tampouco ao sucesso da mesma junto ao grande público21, mas estas podem
contribuir para a continuidade e ampliação do fenômeno. Diante disso, a pergunta que
nos fazemos é: qual dentre os fatores que incidem sobre a prática do culto tem maior
peso ou importância? A pesquisa nos revelou que não há uma resposta precisa para
essa pergunta, uma vez que trata-se de uma dinâmica. Isto é, o contexto22 muda a cada
momento, assim como os demais atores envolvidos e as ações destes uns sobre os outros.
Contudo, o que chama a atenção nesta conjuntura é justamente este movimento, o
fluxo, as mudanças em curso, não o que ou quem as desencadearam. Tal como a ideia
de rede, presente no pensamento de Latour (2012), algo que suporta diversos pontos de
vista e, por isso, é considerada complexa e intrincada. Queremos dizer com isso que
a dinâmica afetiva e social, criada pelos inúmeros atores em questão, nos parece ser
o caminho para esmiuçar as nuances desse fenômeno. Porque é ela quem organiza,
expande, relaciona, ou seja, movimenta a rede que sustenta a prática do culto.
Enfatizando agora os avanços da pesquisa, chegamos a confirmação de que a quebra
das convenções narrativas pode aumentar o culto em torno de uma obra. Todavia, o
estudo de caso nos revelou também que este acontecimento depende de outros elementos
concomitantes. Associados, eles formam a dinâmica social e afetiva na qual a prática do
culto se desenvolve. Cada um desses elementos age como conector para outros eventos
e interagentes, que vêm de diferentes tempos e espaços (LATOUR, 2012). Quanto aos
impactos provocados pela ação dos atores observados, a pesquisa apontou que estão
relacionados às formas de recepção e apropriação da narrativa. A recepção depende do
repertório individual de cada espectador (experiências, grau de conhecimento, visão
de mundo, crenças, preferências e etc.) e daquilo que nos é dado a compreender através
dos meios materiais e da habilidade/afinidade com cada uma dessas mídias. Já a apro-
priação observamos na incorporação de fotos e/ou do nome do personagem favorito no
perfil do usuário (completo ou parte dele) 23, também por meio de fanfictions e fanarts
disponíveis no fórum e do relato de cosplays24 e encontros presenciais de fãs da série.
Ainda observamos apropriações na defesa apaixonada de um personagem ou família
20. Como exemplo, podemos citar a obra Harry Potter, que, mesmo tendo o seu último filme lançado em 2011,
ainda hoje mantém uma dezena de fóruns em língua portuguesa dedicados às histórias dos personagens
de Hogwarts – mesmo que em menor número na atualidade do que dois anos atrás.
21. Neste caso, podemos citar os longas metragem Flyboys (2006), Eragon (2006) e Clube da Luta (1999) -
fracassos de bilheteria que encontraram um público de fãs cativos. Entre as séries de TV, temos The Fallen
(2007), da HBO, e Alcatraz (2012), da FOX.
22. Entenda como contexto aquilo que fazem os atores comportarem-se de determinada maneira e, ao
mesmo tempo, aquilo que está sendo feito pela resposta do ator (LATOUR, 2012, p. 245).
23. Há diversos membros do fórum que adotam o nome ou sobrenome de um personagem da série. Como
exemplo podemos citar os usuários: Adriano Baratheon, Felipe Stark, Gabb Lannister, Eddard, Aryan,
Maethyus Targaryen, Rachel Snow, Edmyn Tully e Sandor Clegane, entre outros.
24. Refere-se à atividade lúdica de disfarçar-se ou fantasiar-se de algum personagem real ou ficcional, na
tentativa de interpretá-los.
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O culto no universo fandom: dinâmicas afetivas e sociais em comunidades de fãs no ciberespaço
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25. Há diversos casos em que a ação dos fãs cria possibilidades de negócios, mobiliza pessoas e fomenta
ações inovadoras. Como exemplo, podemos citar os torneiros de quadribol pelo mundo, que chegaram
inclusive ao Brasil. A prática esportiva dos bruxos representados nos livros e nos filmes da série Harry Potter
ganharam até um torneio internacional. Disponível em: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2011/07/
quadribol-dos-trouxas-esporte-da-serie-harry-potter-tem-adeptos-no-rio.html. Acesso em: 5 mar. 2014.
Sobre esse assunto, vale destacar ainda o caso do livro Cinquenta tons de cinza, inspirado em uma fanfiction
que imaginava os personagens da saga Crepúsculo em situações picantes. Posteriormente, foi trabalhado pela
autora E. L. James na forma de uma série de livros originais (2011), alcançando grande sucesso no mercado
editorial. É possível conferir esse e outros casos de apropriação dos fãs no endereço: http://natelinha.
ne10.uol.com.br/colunas/2013/10/14/nt-internacional-o-poder-dos-fas-nos-rumos-dos-programas-pelo-
-mundo-67100.php. Acesso em: 4 mar. 2014.
26. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=78juOpTM3tE>. Acesso em: 4 mar. 2014.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5661
O culto no universo fandom: dinâmicas afetivas e sociais em comunidades de fãs no ciberespaço
FELINTO, Erick; ANDRADE, Vinícius. A vida dos objetos: um diálogo com o pensamento
da materialidade da comunicação. Rio de Janeiro: Revista Contemporânea, v.3, nº 1, p.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5662
Produto audiovisual televisivo em diálogo com o ambiente
digital: repercussões de Once upon a time na internet
Audiovisual product of television in dialogue with digital
environment: Once upon a time repercussions on the internet
Fernanda Elouise Budag1
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Produto audiovisual televisivo em diálogo com o ambiente digital: repercussões de Once upon a time na internet
INTRODUÇÃO
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Produto audiovisual televisivo em diálogo com o ambiente digital: repercussões de Once upon a time na internet
uma vez”, a clássica frase inicial de contos de fada, justamente porque adota como uni-
verso ficcional o Reino Encantado, integrando personagens e elementos icônicos: Grilo
Falante, Gepeto, Pinóquio, Bela, Chapeleiro Maluco, Caçador, Chapeuzinho Vermelho
e a Vovozinha, maçã envenenada, entre tantos outros. Ou melhor, a narrativa inicia aí
no Reino Encantado, com o casamento de Branca de Neve e Príncipe Encantado, mas
uma maldição da Rainha Má transporta os personagens para um lugar onde suas vidas
e lembranças seriam roubadas, sem mais finais felizes: o Mundo Real. Assim sendo,
estão todos presos em uma cidade chamada Storybrooke e aí a estória se desenrola pelo
intercalar dos dois mundos e a batalha contra a maldição.
Assumimos aqui serialização enquanto “[...] um conjunto de sequências sintag-
máticas baseadas na alternância desigual: cada episódio repete um conjunto de elemen-
tos já conhecidos e que fazem parte do repertório do receptor, ao mesmo tempo em
que introduz algumas variantes ou até mesmo elementos novos (VILCHES, 1984 apud
MACHADO, 2005, p. 89, grifo do autor)
Serialização – tanto em blocos quanto em capítulos/episódios – que é, por sua vez,
adotada pela televisão em virtude de uma variedade de fatores (MACHADO, 2005, p.
85-87), como: (1) as condições de produção – para alimentar continuamente a grade de
programação da TV ela se viu obrigada a adotar um modelo industrial que permite a
serialização e a repetição – ; (2) as condições de recepção – a TV, estando no ambiente
domiciliar, concorre a atenção com inúmeras outras atividades, exigindo a serialização
para que o receptor a acompanhe adequadamente –; (3) as razões, obviamente, de
ordem econômica – o intervalo comercial que reparte surge em função da necessidade
de financiamento da televisão; e também (4) por exercer uma função de natureza
organizativa, permitindo, ao receptor, um tempo de absorção do conteúdo e, ao produtor,
uma exploração de momentos de tensão.
Seccionando o relato no momento preciso em que se forma uma tensão e em que o especta-
dor mais quer a continuação ou o desfecho, a programação de televisão excita a imaginação
do público. Assim, o corte e o suspense emocional abrem brechas para a participação do
espectador, convidando-o a prever o posterior desenvolvimento do enredo. (MACHADO,
2005, p. 88)
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Produto audiovisual televisivo em diálogo com o ambiente digital: repercussões de Once upon a time na internet
Mesmo que não de forma genuína, podemos ver uma prevalência em Once upon a time
da terceira tendência das narrativas seriadas, pois a série trabalha várias tramas paralelas
com uma extensa quantidade de personagens – só na primeira temporada, identificamos
a entrada de um novo personagem quase que praticamente a cada novo episódio. E se
considerarmos o fato de cada um desses personagens (ou a maioria deles) ter uma vida/
personalidade no Mundo Real e outra no Reino Encantado, duplicamos a quantidade de
papéis, complexificando ainda mais a trama central. E mais, para figurar concretamente
como a terceira tendência, observamos ainda em Once upon a time a interligação entre
os vários personagens: se não estabelecem relações num mesmo mundo (seja Real ou
Encantado), interligam-se entre os mundos (por intertextualidade, um personagem em
um mundo faz referência a outro em outro mundo). E assim podemos defender que Once
upon a time vai inovando ao instituir uma construção narrativa sua, ímpar.
Jost (2012) realiza um exame da produção ficcional televisiva que nos ajuda a pensar
sobre suas narrativas e o porquê de seus êxitos. No geral, o autor se questiona sobre os
benefícios simbólicos que os telespectadores encontram nas séries americanas. Segundo
o pesquisador, apreciamos séries que nos são familiares. Familiares em termos de mobi-
lizarem, não necessariamente de forma extremamente fiel, elementos que fazem parte
de nosso universo. E um dos recursos citados para que a ficção torne-se familiar que
queremos destacar é o que Jost chama de “universalidade antropológica” (2012, p. 30), que
se refere ao fato de que, mesmo uma série trabalhando com fatos que não pertencem à
concretude do cotidiano de uma maioria dos telespectadores, os problemas sentimentais
dos personagens os aproximam desses sujeitos da audiência.
O sucesso das séries resulta da abrangência de dois desejos discordantes: explorar
um novo continente, mas ao mesmo tempo encontrar nele a familiaridade de nossa
realidade (JOST, 2012, p. 32)
A força das séries americanas advém da contemplação de duas aspirações contraditórias: o
desejo de explorar o novo continente, de ir rumo ao desconhecido, de descobrir o estrangeiro
e, ao mesmo tempo, de encontrar nesses mundos construídos a familiaridade reconfortante
de uma atualidade que é também a nossa, as contradições humanas que conhecemos e,
enfim, os heróis que, como o telespectador, chegam à verdade mais pela linguagem do que
pelo contato direto. (JOST, 2012, p. 32)
Aliás, uma narrativa do tipo realista tem um discurso marcado não pela exatidão
do mundo, mas pela impressão que causa. “[...] realismo é um tipo de discurso que obe-
dece a regras estritas, não se pautando pela exatidão ou a conformidade com o nosso
mundo, mas pela impressão que causa de ser proferido por um narrador que conhece
o seu ofício (JOST, 2012, p. 42)
Portanto, deparar-se com um modo de narração com o qual o sujeito se identifique –
com o qual já esteja familiarizado –, mais do que uma reprodução exata e rigorosa do real
é o que o fascina em relação às séries. De qualquer forma, as séries ficcionais de estilo
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Produto audiovisual televisivo em diálogo com o ambiente digital: repercussões de Once upon a time na internet
mais realista respondem a uma aspiração dos sujeitos por saber. Sobretudo pelo “saber-
-ser” (JOST, 2012, p. 45), pois abastecem-nos com conhecimento sobre os comportamentos
possíveis em certas situações da vida particular e social. E, portanto, a “[...] impressão de
aprender com a realidade cotidiana [...]” (JOST, 2012, p. 47) explicaria a atração.
Enfim, entre suas conclusões, Jost defende que “o sucesso das séries explica-se
menos pela sua capacidade de refletir de forma realista sobre o nosso mundo do que
por suas condições de fornecer uma compensação simbólica.” (2012, p. 69). Ou seja,
os sujeitos procuram numa série elementos da realidade, sim, mas mais do que isso,
buscam outras possibilidades para além da realidade, para equilibra-la. E talvez a
narrativa de Once upon a time seja feliz nesse sentido, pois mescla o universo realista
com o universo fantástico.
O fã é concebido, não mais como doente, mas como receptor ativo – fazendo menção
aos estudos de recepção. Uma grande parcela dos fãs, de fato, limita-se ao consumo;
porém temos uma parcela deles que vai além e produz conteúdos a partir do que a
mídia propaga. O autor então defende a noção de “fã-artista” (FREIRE FILHO, 2007, p.
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Produto audiovisual televisivo em diálogo com o ambiente digital: repercussões de Once upon a time na internet
6), termo que tem relação com fãs que criam novas histórias para produtos midiáticos
oficiais ou novos personagens para universos ficcionais já existentes. “Os fãs-artistas
confeccionam desenlaces distintos da conclusão conhecida de filmes, histórias em
quadrinhos ou romances, inventam personagens, criam um passado para aqueles já
existentes e elaboram situações totalmente novas” (FREIRE FILHO, 2007, p. 6).
Ou seja, estamos no terreno das fan fictions, produções ficcionais produzidas por
fãs. Entre elas, Freire Filho (2007) explora mais os chamados fan films que, segundo
o pesquisador, [...] constituem, provavelmente, a forma mais elaborada que os fãs
possuem para expressar tudo que imaginam ao consumir um artefato da indústria do
entretenimento” (Freire Filho, 2007, p. 6).
Geralmente sem fins comerciais, essas produções de fãs mostram-se como
grandes investimentos de tempo, de emoção e, por ventura, de recursos monetários.
E se anteriormente à evolução digital já existiam essas produções, hoje elas têm muito
mais alcance – ou ao menos têm a possibilidade para tal. A internet “[...] aumentou
exponencialmente a facilidade, a velocidade e a visibilidade da produção e difusão das
intervenções criativas dos fãs” (FREIRE FILHO, 2007, p. 14).
A propósito, os fãs foram precursores em descortinar todo o potencial das plataformas
interativas emergidas com a internet, que viabilizariam, enfim, um relacionamento mais
ativo de sua parte com o objeto de admiração.
Graças ao notório empenho afetivo para usufruir de um maior controle sobre o seu objeto
de admiração, as comunidades de fãs são apontadas como principais catalisadoras e grandes
beneficiárias desta emergente sociedade da interatividade (essencialmente democrática, não-
-hierárquica, descentrada, favorável ao diálogo e à participação) (FREIRE FILHO, 2007, p. 2-3).
A ABORDAGEM METODOLÓGICA
Conforme já situamos, nossa inspiração metodológica vem de Kozinets (2014) e
suas diretrizes metodológicas para a realização de netnografia. Convém situarmos,
primeiramente, que a pesquisa netnográfica – ou a netnografia – corresponde à
apropriação da etnografia para a esfera da cibercultura. Antes de ser uma metodologia,
ou uma abordagem, a netnografia é uma postura do pesquisador para entender o
comportamento do consumidor na internet, ou o comportamento das pessoas mediado
pela internet. Tal postura está preocupada, pois, em estudar as práticas sociais virtuais
procurando marcadores verbais e não verbais na internet.
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Produto audiovisual televisivo em diálogo com o ambiente digital: repercussões de Once upon a time na internet
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Produto audiovisual televisivo em diálogo com o ambiente digital: repercussões de Once upon a time na internet
2. ONCE upon a time – série (2015). Recuperado em 21 de março, 2015, de: https://www.facebook.com/
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Produto audiovisual televisivo em diálogo com o ambiente digital: repercussões de Once upon a time na internet
3. ONCE upon a time – série (2015). Recuperado em 21 de março, 2015, de: https://www.facebook.com/
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Produto audiovisual televisivo em diálogo com o ambiente digital: repercussões de Once upon a time na internet
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fechando nossas análises, o que verificamos em termos das categorias de práticas
e produções levantadas apresentam-se com graus diferentes de trabalho produtivo e
criativo da audiência. Mais ou menos na linha como conclui Gitlin (2003), ao tratar do fã
enquanto postura adotada frente a produtos da cultura da mídia e defender que temos
variações de envolvimento de um fã:
Interesse cultural compartilhado não é a mesma coisa que profundo compromisso. Um
fã não é um servo, um empregado nem um seguidor. Estrelas não são líderes ciumentos.
Você pode ser fã de mais de uma estrela, ao mesmo tempo ou em série. Você pode ser um
fã moderado ou volúvel. Você pode ficar um pouco excitado ao ver uma estrela na rua, mas
logo seguir em frente (GITLIN, 2003, p. 181).
4. ONCE upon a time – série (2015). Recuperado em 21 de março, 2015, de: https://www.facebook.com/
OnceSerie/photos/a.513847325351766.1073741907.247448465324988/769843309752165/?type=1.
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Produto audiovisual televisivo em diálogo com o ambiente digital: repercussões de Once upon a time na internet
digital sobre a Once upon a time para ampliarmos nosso ponto de vista em relação à
série que é nosso objeto de estudo em tese de doutorado em andamento estritamente
focada na parte da construção narrativa dessa obra audiovisual. E as contribuições
desta nossa inserção no ambiente digital, observando o polo da recepção, de fato ser-
virão para (re)pensar, posteriormente, novas abordagens para a pesquisa concentrada
no polo da produção.
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A tecitura temporal na minissérie “A Teia”
The weaving time in “A Teia” miniseries
L e t i c i a P a s s o s A ff i n i 1
INTRODUÇÃO
1. Doutora, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho, affini@faac.unesp.br.
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A tecitura temporal na minissérie “A Teia”
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A tecitura temporal na minissérie “A Teia”
RESULTADOS
A Rede Globo de Televisão veiculou a minissérie “A Teia” uma vez por semana, às
terças-feiras, durante dois meses e meio, o que totalizou, aproximadamente, sete horas de
exibição. A história foi construída a partir de três tramas essenciais. A trama principal
da minissérie foi a conduzida por Macedo, no decorrer da investigação do assalto até a
prisão de Baroni. As outras tramas entrelaçam-se, expondo a vida pessoal do policial
Macedo e apresentando detalhes da trajetória de Baroni e sua quadrilha.
Cada episódio tem uma duração média de 42 minutos, divididos em: vinheta de
abertura, resumo dos episódios anteriores, episódio, resumo do próximo episódio e
vinheta de encerramento com os créditos. Essa composição só não foi observada no
primeiro episódio, pois não havia resumo dos episódios anteriores, e no último, já que
não haveria resumo do próximo episódio. As vinhetas de abertura e enceramento foram
as mesmas e tinham a duração de 28 segundos. A vinheta de abertura foi exibida em
seis episódios (3º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º), depois do resumo dos episódios anteriores; o 4º e
5º episódios anteciparam o resumo; e no 1º e 2º foi apresentada no meio do episódio.
O resumo do episódio anterior apresenta, em ordem cronológica, as principais ações,
facilitando-se, assim, a compreensão da trama.
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A tecitura temporal na minissérie “A Teia”
DISCUSSÃO
O processo de narrativa proposto pela minissérie centraliza-se na manipulação
do tempo, principalmente na ordenação diferenciada das ações para cada uma das
três tramas, que se combinam e entrelaçam-se em uma história. Segundo Bordwell
(2005), há esquemas cognitivos edificados pelas narrativas audiovisuais que condu-
zem o receptor pela história. O modelo mais difundido e aceito é o do cinema clássico
hollywoodiano, no qual a ordem das ações na história oferece possibilidades narra-
tivas óbvias, já que apresenta as condições causais para, em seguida, desenvolver ou
projetar um conjunto de efeitos sobre os acontecimentos desencadeados pela trama,
em ordem cronológica.
A minissérie “A Teia” começa, no entanto, quebrando esse padrão ao inverter a
relação de causa-efeito proposta pelo modelo clássico na trama polícia-bandido. Logo
na abertura, é apresentado ao público um efeito de causas que serão narradas com
o andamento da minissérie. Expôs-se o efeito por meio de um flashforward e, assim,
alteraram-se os pressupostos de uma narrativa linear. Bordwell (1996) aponta que essa
ruptura com o modelo clássico instiga a curiosidade e o suspense no telespectador,
forçando-o a avaliar cada nova informação apresentada sob a perspectiva dos
acontecimentos previamente exibidos. Por isso, a trama polícia-bandido passa, a partir
da segunda sequência do primeiro episódio, a apresentar as causas, cronologicamente,
até no final do nono capítulo, quando reapresenta a sequência que abre a minissérie.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A tecitura temporal na minissérie “A Teia”
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A tecitura temporal na minissérie “A Teia”
Para mantener claras la líneas principales de la acción y asegurarse de que se emiten hipóte-
sis adecuadas, la narración de bereiteirar las coordenadas causales, temporales y espaciales
más importantes de la historia. La repetición puede elevar la curiosidad y el suspense, abrir
o cerrar lagunas, dirigir al espectador hacia las hipótesis más probables o hacia las menos
probables, retardar la revelación de soluciones y asegurar que la cantidad nueva información
sobre la historia no es excesiva (BORDWELL, 1996, p.80).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A narrativa complexa ocupa cada vez mais espaço na programação televisiva; o
receptor está saturado de assistir histórias previsíveis, nas quais predomina a estrutura
narrativa clássica. No contexto contemporâneo, o “como contar a história” passa a ser
mais importante do que a história contada. No presente objeto de estudo, a utilização da
disjunção temporal, através do Flashback e do Flashforward, imprimia à história destaque
no aspecto estético do discurso televisual. Apesar de a narrativa não ser original, a
recombinação, sua reelaboração por meio das ações no tempo da fabulação, transforma
a sua aparência em algo novo, aprimorando o senso estético do receptor.
Destaca-se o desenvolvimento de novas formas narrativas, onde associações
conotativas simbólicas substituem a lógica da causalidade. Assim, o autor roteirista
seleciona as ações mais relevantes e as organiza de modo anacrônico dentro do tempo
da fabulação, cabendo ao receptor preencher as lacunas resultantes da complexidade
textual, caracterizada por linhas narrativas entrelaçadas, reviravolta, desvio e retrocesso
na progressão da personagem.
A narrativa é construída a partir do salto no tempo diegético. Tem-se, assim, um
ponto fundante e, a partir dele, toda a narrativa passa a ser construída, as linhas narrati-
vas se cruzam e se alteram, culminando em um conjunto formal estruturado. A mesma
cena ou sequência tem seu significado alterado, dependendo da cena ou sequência que a
sucede. O significado está na sequência, e não na ação em si, no que acontece posterior-
mente à cena, ou seja, na cena subsequente. Assim, o significado é construído a partir
da ligação entre duas ações.
Conclui-se que a atenção dedica à narrativa complexa é muito maior do que a
habitualmente dedicada à televisão. Fecha-se a análise com a resposta à questão: será
que a televisão aberta é o veículo ideal para o consumo de narrativa complexa? Não,
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A tecitura temporal na minissérie “A Teia”
seu consumo está mais próximo da televisão paga ou sob demanda. Sabe-se que a
redundância e a iteração são características da linguagem televisual, uma vez que o
consumo de televisão “(...) se dá em espaços domésticos iluminados, em que o ambiente
circundante concorre diretamente com o lugar simbólico da tela pequena, desviando a
atenção do espectador” (MACHADO, 2000, p. 87). Na narrativa complexa, o receptor é
convocado a participar ativamente do processo de construção do sentido; para tal, deve
dedicar atenção redobrada ao conteúdo. As informações são dadas em pequenas doses,
o receptor tem que estar atento, associa-las e ressignificá-las em um consumo ativo.
REFERÊNCIAS
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A caracterização das personagens
masculinas na minissérie Capitu
The male characterization of characters miniseries Capitu
R a fa e l a B e r na r da z zi1
Abstract: This paper aims to analyze the production of meaning in visual nar-
rative miniseries Capitu (Globo, 2008) through the study of the costume of the
character Bento and Escobar. Seeks to analyze the characterization of characters
along the audiovisual work, identifying the color palette of the garments and
costumes characteristics presented in the course of the plot. Authors such as
Newcomb (2010), Leite e Guerra (2002) assis to address this study clothing as
device communication. It is understood the perception of colors and their phy-
siological and psychological effects when inserted in the audiovisual context.
Hirsch (2011), and Bastos, Farina and Perez (2011) support the study of visual
sensations and chromatic experience. The analysis takes into account the full
miniseries with the intention of observing the construction of narrative and
your senses from the articulation of narrative strategies constituted by both the
costume and its colors as the verbal discourse. The study of discourse takes into
account the Bakhtin’s work on language.
Keywords: Costume Design. Serial fiction. Miniseries Capitu.
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A caracterização das personagens masculinas na minissérie Capitu
Rafaela Bernardazzi
INTRODUÇÃO
2. Minissérie exibida em 2001 pela Rede Globo, autoria de Maria Adelaide Amaral e colaboração de Vincent
Villari e João Emanuel Carneiro.
3. Minissérie exibida na Rede Globo, em 2010, com roteiro de João Paulo Cuenca, Cecília Giannetti e Michel
Melamed.
4. Minissérie exibida na Rede Globo, exibida em 2012, autoria de Paulo Lins.
5. Telenovela exibida na Rede Globo, exibida em 2014, uma novela de Benedito Ruy Barbosa.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A caracterização das personagens masculinas na minissérie Capitu
Rafaela Bernardazzi
Nesse processo de produção, cada profissional traz seu conhecimento e sua arte
para um grande projeto feito a várias mãos. “São notórios os benefícios que uma equipe
bem afinada pode trazer para a organização. Primeiro, porque uma equipe é formada de
pessoas, que trazem consigo histórias de vida e competências diferentes, mas que se rela-
cionam” (Mariano & Abreu, 2008, p. 6). A minissérie apresenta-se como uma aproximação
do texto original Dom Casmurro6, escrito em 1899. Cabe ainda ressaltar que a minissérie
integrou o projeto Quadrante7, cuja premissa era buscar a valorização do imaginário e
da cultura como fatores imprescindíveis para o fortalecimento da identidade brasileira.
COMPOSIÇÃO DE PERSONAGEM
A composição dos figurinos das personagens de obras audiovisuais atua como
instrumento da narrativa, sendo pensadas desde o a concepção do roteiro ou construção
base das personagens, refletindo como vão se comportar, suas nuances de personalidade,
suas evoluções ao longo da narrativa. A intenção é fazer com que o espectador tenha
informação mesmo quando não há diálogo verbal, como afirma Newcomb (2010).
É verdade, obviamente, que a descrição e a narração na prosa trazem consigo um peso ideoló-
gico similar. Mas a força das mídias visuais está no fato de que num único quadro podemos
encontrar camadas de conteúdo ideológico apresentados instantaneamente com as relações
situadas, antes de que a ação ou o som comecem a sugerir as respostas (Newcomb, 2010, p. 372).
6. O romance Dom Casmurro é uma obra de Machado de Assis publicada em 1899. A história começa a ser
contada em 1857 e é ambienta no Rio de Janeiro durante Segundo Império no Brasil.
7. Idealizado por Luiz Fernando Carvalho com propósito de adaptar obras da literatura brasileira para
a televisão, o Projeto Quadrante selecionava obras literárias de escritores e produzia uma releitura para
a televisão a partir de produções realizadas no estado de origem do em que o autor da obra escolhida.
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A caracterização das personagens masculinas na minissérie Capitu
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CORES
As formas de classificar as cores são diversas, mas para iniciar esse estudo é preciso
diferenciar as possíveis fontes de cor. As cores-luz são formadas na natureza ou por
fontes de luz artificiais. São cores aditivas, ou seja, ao se encontrem elas se mesclam e
adicionam uma a outra e ao misturar as cores primárias de síntese aditiva a cor obtida é a
luz branca. Suas cores primárias são: vermelho, verde e azul (RGB). Já as cores pigmento
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são as substâncias, a mistura de suas cores primárias (vermelho, amarelo e azul) gera
uma cor próxima ao cinza escuro, aproximando-se do preto. Focamos nossos estudos na
síntese aditiva, formada pelas cores básicas vermelho, verde e azul, por serem cor-luz. Os
três elementos identificados na percepção das cores são: tom ou matiz, a luminosidade
ou brilho e a saturação ou pureza da cor. Em softwares de edição de imagem é possível
achar a sigla HSL (hue, saturation e lightness) para designar esses três elementos. Tom ou
matiz seriam as cores (vermelho, laranja, amarelo, verde etc.), são definidas a partir do
comprimento de onda (Aumont, 1993, p. 25) de cada uma. O brilho ou luminosidade é
medido pela presença de luz no matiz, quanto mais luz mais próximo do branco estará
a cor, quanto menos presença de luz estará mais próximo do preto. Saturação ou chroma
pode ser designada como a intensidade da cor ou sua pureza. A intensidade da cor é
maior quanto mais pura ela for. “Quanto mais estreita a faixa dos comprimentos de
onda, mais pura a cor. Forte, cores vivas são referidas como cores saturadas. [...] Quando
diferentes comprimentos de onda estão presentes, diz-se que a tonalidade é mais fraca,
ou não saturada” (Hirsch, 2011, p. 8, tradução nossa8).
Conhecida também como densidade e concentração da cor, a saturação está ligada
com a pureza da cor. Os estudos de Farina, Bastos e Perez (2011) apontam que a saturação
ocorre “quando em uma cor não se adiciona nem o branco, nem o preto, mas ela está
exatamente dentro do comprimento de onda que lhe corresponde no espectro solar”
(Farina; Bastos; Perez, 2011, p. 71). A partir da variação da saturação na imagem haverá
a alternância da vivacidade e da pureza das cores. As imagens saturadas apontam
uma maior expressividade e criam uma sensação de maior realidade. A partir dessa
contextualização iniciamos o desenvolvimento da análise das personagens Bento e
Escobar ao longo da narrativa da minissérie.
8. Texto original: “The narrower the band of wavelengths, the purer the color. Strong, vivid hues are
referred to as saturated colors. […] When different wavelengths are present, the hue is said to be weaker,
or desaturated” (Hirsch, 2011, p. 8).
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BENTO
A personagem Bento que será analisada no presente artigo não é o narrador Bento
Santiago, também nomeado de Dom Casmurro, da obra literária, mas sim a personagem
que ganha vida na minissérie. Nossa análise o acompanha desde sua fase adolescente,
quando aparece como Bentinho, até a sua fase adulta, quando se casa com Capitu e,
posteriormente, torna-se pai.
Cronologicamente, a primeira aparição de Bento, como personagem e não como
o narrador Dom Casmurro, na minissérie é uma lembrança do dia de seu casamento,
ao lado de sua recém-esposa, Capitu. Bentinho é apresentado pelo narrador ainda na
infância, com roupas claras e um sorriso inocente no rosto. O primeiro episódio da
minissérie é utilizado para apresentação da situação e personagens. Assim, o principal
foco é o início do romance entre Capitu e Bentinho. Destaca-se nesse episódio a promessa
que sua mãe fizera para que ele se tornasse padre e, por conseguinte, a não aceitação
por parte da família do amor entre os dois jovens. É a partir da primeira aparição da
personagem que o público começa a localizá-lo na narrativa e a construir sua significação.
Tanto a atuação quanto o cenário e a caracterização fazem parte dessa construção inicial.
Nesse quadro “o figurino caracteriza mais do que somente o visual, ajuda a construir
o caráter e a identidade dos personagens numa esfera muito mais ampla em termos de
localização do espaço e tempo” (Wajnman & Arruda, 2008, p. 6). Entre os principais
elementos da caracterização da personagem nesse momento da história são os calções
bege, e coletes com derivações do azul. A gravata também varia entre cores claras como o
bege e marrom claro. Os sapatos na parte da infância são brancos e há uma medalhinha
presa na gola do colete. Observamos calções e meias até o joelho juntamente com sapatos
brancos, “os calções até os joelhos continuaram sendo usados, conservando a mesma
forma haviam tido em 1790” (Köhler, 2009, p. 482).
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Assim, no segundo episódio há um Bentinho que vive o amor pela primeira vez e
se torna homem, as cores se tornam mais presentes em sua paleta de cores. A derivação
do azul é muito presente nos coletes, as calças derivam entre bege e branco, muitas
vezes as colorações entre esses matizes ocorrem por causa da iluminação e tratamento
das cenas. Há também a presença do marrom e no final o preto aparece pela primeira
vez de maneira tão intensa, marcado por uma exigência de um uniforme do seminário.
O terceiro episódio se inicia com a apresentação de Escobar, que no futuro irá se
tornar confidente e melhor amigo de Bentinho. O figurino, a partir desse momento da
história, terá a presença marcante o uso da batina no seminário de São José, no qual
Bentinho está estudando. As vestes são formadas por uma peça única preta que cobre
seu corpo por inteiro, a batina, por baixo é possível ver uma blusa branca de mangas
longas. Cabe ressaltar que a batina é uma veste religiosa e por si só já é um “figurino”,
pois caracteriza uma pessoa em meio a uma estrutura religiosa e hierárquica. “Nas
cerimônias religiosas ou místicas, a vestimenta dos participantes cumpre o papel de fio
condutor por onde passa o transcendente. O traje induz à incorporação de “personagens”
dentro do círculo ritual” (Leite & Guerra, 2002, p. 62).
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O episódio termina com Bentinho vestindo a batina iluminado por uma luz ver-
melha. A presença da personagem no seminário faz com que a paleta de cores desse
episódio seja maior. A cor preta, principalmente, aparece com maior frequência. Em
casa, contudo, Bentinho continua usando um traje com derivações do bege e do azul.
No começo do quarto episódio, ainda em tons de bege e azul, Bentinho escuta um
pedido de desculpas de Capitu por causa de seu ciúme com a amada. Os principais
adereços em seu traje são a medalhinha na lapela do colete e uma correntinha de prata
que guarda no bolso. Ao retornar ao seminário Bentinho veste novamente batina preta
com camisa branca. Nessa sequência Bentinho troca confidências com Escobar e conta
sobre seu romance com Capitu, assumindo que não tem pretensão de se tornar padre.
Pouco tempo depois a personagem volta a visitar a família, usando trajes da saída
do seminário. Um terno e calças pretas, com colete e gravata também pretos. Uma carac-
terística das mangas na época é que “eram tão justas quanto possível, mas chegavam
somente aos punhos. A abertura das longas e estreitas abas começava no meio do peito,
de tal modo que o casaco não mais podia ser abotoado” (Köhler, 2009, p. 502).
Graças à manobras de José Dias, um agregado de sua família, Bentinho não se orde-
na padre, saindo do seminário com pouco mais de 17 anos de idade, quando a família
decide que ele deve estudar Direito, em São Paulo. Bentinho continua usando roupas
escuras. Na linha narrativa é sua última aparição como jovem. Aos 22 anos de idade se
torna bacharel em Direito, e ficamos sabendo que mesmo com o problema da distância
entre Rio e São Paulo, ele não deixou de se comunicar com Capitu por meio de cartas.
Ao retornar ao lar, Bentinho se apresenta com caracterização diferente. Trajado com
roupas escuras cobertas por uma capa longa, pouco abaixo da cintura, e com cabelos
mais curtos. Quando pediu licença, a sua mãe, para casar com Capitu, Bentinho vestia
cinza e usava uma gravata com matiz azulado. Outro elemento que se fará presente
nessa nova fase de Bento é a cartola, na mesma cor da capa que traz nos ombros. Em
seguida a cartola volta a aparecer nas vestimentas de Bento. Sua caracterização mostra
elementos mais escuros como o smoking, cartola e colete pretos. Na gola da camisa
branca um lenço branco completa o figurino.
Observa-se que diferentemente de parte da infância na qual os ternos era justos
ao corpo, agora a costura da casaca aparece mais reta, essa “chegou aos poucos a sua
posição natural, e ainda que por algum tempo o casaco se tenha conservado justo, as
concepções de conforto da classe média terminaram por triunfar” (Köhler, 2009, p. 499).
A última cena do quarto episódio mostra Bento indo visitar José Dias com Capitu. O
colete estampado ainda com a cor azul, o terno cinza aparenta uma coloração marrom
por causa da iluminação amarelada.
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O quinto episódio começa com Bentinho e Capitu, já casados há dois anos. Bentinho
tem vestimentas cinza claro e o casal aparenta felicidade na união. A cena seguinte
mostra Bentinho e Capitu em um baile – para a ocasião Bento veste um smoking preto
com blusa, gravata, luvas e colete brancos. De acordo com Köhler (2009, p. 512), “nos
bailes e nas grandes ocasiões os homens usavam gravatas de cetim branco. Para o dia-
a-dia, eram feitas de tecido mais escuro e barato e não tinham laço na frente”.
Diferente das roupas claras de infância que usava, Bento agora se veste constan-
temente com terno e colete preto e seu sentimento de ciúme e desconfiança aumenta.
A primeira cena em que aparece com o filho, Bento volta a usar um traje mais claro.
Trata-se de um terno cinza com gravata em tons de azul e roxo. No entanto, logo em
seguida, a próxima cena já o traz novamente em um terno preto com gravata cinza. Os
cortes são rápidos, mas percebe-se a troca de figurinos entre as cenas. Em seguida há
a cerimônia de batizado de Ezequiel, Bento e Escobar estão juntos na cena. O terno de
Bento é cinza e a gravata cinza.
Nesse momento da história há um salto de cinco anos na narrativa. Ezequiel já está
crescido e Bento brinca com o filho usando trajes semelhantes aos vistos na sequência
anterior – terno preto com gravata cinza e sapatos e meias pretas. Na sequência,
observamos um Bento que volta a usar a cor azul, repetindo um colete azul estampado
usado em sua volta de São Paulo.
Pouco tempo depois da cena anterior, Bento recebe a notícia que Escobar havia
afogado e falecera. No velório do amigo, Bento aparece usando um colete com tons
azulados e gravata cinza. Já na sequência, ocorre o enterro de Escobar, no qual Bentinho
veste preto, com exceção da camisa, tem um colete preto estampado, gravata larga preta,
capa e cartola também pretas. Nessa cena, a tristeza de Capitu à beira do caixão faz com
que o ciúme de Bento aflore novamente. Após a morte do amigo, Bento volta a alimen-
tar a ideia da semelhança entre Ezequiel e Escobar, e isso afeta sua relação tanto com
Capitu quanto com o filho, imaginando que o filho seja fruto da traição de Capitu com
seu melhor amigo. Bento passa a ser frio e mal humorado a ponto de Capitu perguntar
sobre seu comportamento arisco. Nessa etapa do episódio, Bento usa tons escuros de
azul e cinza. Bento e Capitu acabam brigando e ela vai morar na Europa com o filho.
Esse fato seguido da morte de sua mãe faz com que a personagem mantenha a paleta
de cores nos tons escuros.
Próximo ao fim da história, Bento fica cada vez mais parecido com o narrador, Dom
Casmurro, mas apesar das desconfianças continua usando a aliança de casamento na
mão esquerda. Desse momento até o final da narrativa Bento vai se tornando Dom
Casmurro, recolhido da vida social. Ezequiel retorna da Europa para visitar o pai, Bento
se apresenta com roupas pretas e gravata com tons azulados e ao final se transforma
definitivamente no Dom Casmurro, o narrador.
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ESCOBAR
Escobar é uma personagem que não faz parte da narrativa desde o início do enredo.
Ele entra na história a partir do momento que Bentinho passa a estudar no seminário.
Sua apresentação na trama acontece na primeira cena do terceiro episódio da minissérie.
Filho de comerciante, Escobar é três anos mais velho que Bentinho.
Seu figurino é o mesmo do usado pelos colegas de seminário, uma batina preta
de mangas longas. A veste tem uma fileira de botões, segundo a tradição católica 33
botões, e uma camisa branca por baixo da peça única. O detalhe de sua caracteri-
zação é uma pulseira no braço direito e o cabelo dividido para o lado. “A batina de
Escobar [...] tem uma saia com diâmetro propositalmente maior – equivalente a uma
saia feminina – para tornar os movimentos do personagem mais sedutores na visão
de Bentinho. Para fazer prevalecer a unidade da obra, foi abolido o ângulo reto nas
roupas” (Memória Globo9).
Nas cenas seguintes Escobar visita Bentinho em sua casa e aparece de terno e calça
cinza claro, blusa branca e sapato e capa preta. “A capa longa não era mais fechada na
frente com uma ou duas fileiras de botões e casas; em vez disso, largas faixas de tecido,
presas nas extremidades dianteiras da capa, traziam, de um lado, os botões e, do outro,
as casas” (Köhler, 2009, p. 514-515). O detalhe de seu figurino é a gravata a cor vinho,
elemento que irá se repetir em diversos momentos da caracterização dessa personagem.
“Um simples acessório pode fazer muito por um personagem e, sutilmente, pontuar
momentos decisivos em sua trajetória” (Memória Globo, 2007, p. 23).
Escobar aparece novamente na minissérie no quarto episódio, quando Bentinho
retorna ao seminário. Durante uma breve conversa, os dois trocam confidências e Escobar
relata que também não tem intenção de se tornar padre, sua verdadeira paixão seria o
comércio. A amizade dos dois se fortalece e Escobar volta a visitar a casa de Bentinho.
Novamente percebe-se a presença do elemento em cor vinho na gravata, enquanto o
restante do traje é uma derivação do cinza. Enquanto Bentinho vai estudar Direito,
Escobar se torna negociante de café. Em uma visita a Dona Glória, mãe de Bentinho,
Escobar veste roupas escuras com uma gravata vinho e capa preta.
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Desde o enterro de Escobar, onde Capitu chorou por sua morte, Bento havia voltado
com as suspeitas de traição de sua esposa com seu amigo. A convivência com seu filho
Ezequiel o fez questionar a paternidade, pois o achava cada dia mais parecido com
Escobar. Agora em seus pensamentos imaginava o falecido amigo sempre que pensava
em na possibilidade de infidelidade. Trajando as mesmas vestes de seu enterro, Escobar
aparece nas visões de Bento. Anos depois, quando Ezequiel vai visitar o pai, Bento volta
a ter visões do amigo falecido, sendo essa a última aparição de Escobar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise realizada, foi possível identificar o uso das cores das vestimentas
como elementos que se articulam na construção de uma narrativa audiovisual complexa
que alia elementos de diversas linguagens para contar a história de um dos maiores
clássicos da literatura brasileira, o romance Dom Casmurro.
Observa-se que ao longo da narrativa a caracterização das personagens se altera
conforme a história se desenha, na infância e na vida adulta as personalidades se
modificam, assim como o figurino. Por exemplo, a figura 9 organiza todas as vestimentas
apresentadas na sua ordem cronológica, dessa maneira vê-se que do primeiro ao quinto
episódio as vestimentas de Bento vão escurecendo e perdendo as cores.
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Figura 9. Paleta de cores da personagem Bento Santiago ao longo dos cinco episódios.
Figura 10. Paleta de cores da personagem Escobar ao longo dos três últimos episódios.
REFERÊNCIAS
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A telenovela brasileira e a
crítica-processo de Artur da Távola
The Brazilian soap opera and the
critical-process of Artur da Távola
M a r i a I g n ê s C a rl o s M a g n o 1
Abstract: Considering the social processes and the media in which the produc-
tions were conveyed, and thinking that, simultaneously to literary and film pro-
ductions, the soap opera was consolidated from the year 1963/64 as a significant
part of Brazilian culture, I intend to present a study on the soap opera criticism
in Brazil, especially the criticism produced by Artur da Távola. The focus of
the research is the fictional production and criticism produced in the 1970-1990
period. Collaborate with the critical studies in the area of audiovisual media,
particularly the soap opera criticism, are the expected results of this research.
Keywords: criticism, Brazilian soap opera, audiovisual communication.
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A telenovela brasileira e a crítica-processo de Artur da Távola
meios de comunicação. Hoje, ela é presença obrigatória, no mais das vezes considera-
da indispensável, em todas as classes sociais” (BACCEGA, 2000:37), e a telenovela se
transforma no que Ortiz, citado por Freire (2005:30) chamou de um “produto prime-time
para onde convergiam todas as atenções (de melhoria do padrão de qualidade e dos
investimentos)” (ORTIZ, 1988:45). A partir dos anos 1960, a televisão se torna o “suporte
do discurso, ou dos discursos, que identificam o Brasil para o Brasil” (BUCCI, 2000:104)
e a telenovela se torna um lugar possível para mostrar e discutir questões e problemas
suscitados numa época em geral e no Brasil em particular.
A título de exemplos: entre 1965/66 a telenovela trouxe novos e diferentes sujeitos e
temários. Sob o ponto de vista temático, as telenovelas investiram no humor, no desquite,
no aborto. No tocante aos sujeitos, apareceu pela primeira vez a figura do imigrante
representado pelo Cara Suja de Walter George Durst e Somos Todos Irmãos de Benedito
Ruy Barbosa. Nesse período houve também um deslocamento dos eixos geográficos
e de interesses. A cidade, os grandes centros urbanos passaram a ser os cenários e,
embora as lutas de classes não fossem o centro das tramas seriadas, os problemas e os
espaços dessas classes foram. Já os anos de 1967/68/69 se destacaram dos anteriores e
a telenovela discutiu o momento histórico, as experiências e os problemas das classes
sociais. A classe operária, a classe média e uma fração da burguesia e a figura do
empresário apareceram pela primeira vez na ficção seriada. Como classes protagonistas
ou paralelas, ainda que dentro da estrutura narrativa em que o amor e do ódio eram
os fios condutores das histórias, estes sujeitos e temários entraram nas casas e levaram
para dentro das salas, questões de ordem política e de um cotidiano aparentemente
distante, situado fora daqui e de mim.
Quatro telenovelas merecem destaque nesse período: O Morro dos Ventos Uivantes,
de Lauro César Muniz; A Operária de Walter George Durst; Os Rebeldes de Geraldo
Vietri e Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso. Em O Morro dos Ventos Uivantes, por exemplo,
os personagens assumem verdades relacionadas à história do Brasil e a ascensão do
personagem principal era o retrato das classes desfavorecidas ameaçando a aristocracia.
Durst trouxe uma operária como foco da trama, enquanto o português Antonio Maria
aparecia na figura do empresário que, naqueles anos, despontava como um dos principais
sujeitos da história e do Brasil. A classe média foi discutida sob dois aspectos e enfoques:
nos rebeldes estudantes e no ser-não-ser do vendedor Beto da rua Teodoro Sampaio
travestido do milionário Rockfeller na rua Augusta. A primeira, ao fazer da sala de
aula o espaço para debater os problemas de uma história e geração, foi censurada e teve
seu final apressado. A segunda revolucionou a estrutura da telenovela e desnudou os
conflitos de uma classe sem identidade e sem projeto.
Com abordagens diferentes, as classes sociais protagonizaram e abriram
possibilidades para novas reflexões sobre a ficção e a realidade. Basta pensarmos que,
no final dos anos 60, os historiadores estavam às voltas com os estudos e análises sobre
o papel da classe operária como condutora do processo histórico. A avaliação de sua
atuação e significado era o centro das discussões na esquerda no sentido de tentar
compreender sua derrota na conjuntura de 1964. Fechando os anos 60, Geraldo Vietri
e Dias Gomes investiram no personagem Nino, o Italianinho e mudaram radicalmente
o discurso na telenovela. Em 1969, Dias Gomes, sob o pseudônimo de Stela Calderón,
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A telenovela brasileira e a crítica-processo de Artur da Távola
alterou o rumo de A Ponte dos Suspiros, transformando-a numa via de acesso para
apresentar e debater os problemas do Brasil.
Os anos de 1970 precisam ser buscados e apreendidos numa outra perspectiva. O
Estado se apresentava como sujeito único e condutor máximo do processo histórico.
Sendo que, a partir de 1975, o Estado passa a interferir diretamente na produção cultural.
Quanto à produção seriada, o que encontramos é uma situação aparentemente
contraditória. Enquanto a ficção prendia o espectador para ver a luta e a vitória do bem
contra o mal, no Brasil dos generais, o Estado e as emissoras proporcionaram à televisão
e à telenovela um alto padrão tecnológico. Como gênero, a telenovela ganhou contornos
inesperados e ricos na medida em que percebeu e trouxe em textos e imagens, sujeitos e
temários nascidos ou aprofundados no processo iniciado em 1964. Entre tantos títulos,
podemos tomar alguns significativos exemplos da produção seriada: o garimpo em
Irmãos Coragem e a cidade fictícia que foi destruída por um temporal e se transformou
em notícia de jornal. A luta pelo poder em: Os Deuses Estão Mortos, quando monarquistas
e republicanos lutam pelo poder e mostram a sociedade em crise com a abolição da
escravatura. O novo rico do regime em O Cafona; o bicheiro em Bandeira 2; a ilusão e
as angústias nos grandes centros urbanos com O Espigão. Em Fogo Sobre Terra, a figura
invisível de um Estado, que através da construção de obras faraônicas, impunha seu
domínio, bem como seu preço social e ecológico foram os focos centrais na ficção de
Janet Clair. Em O Homem Que Deve Morrer a trama e o personagem Ciro Valdez, alegoria
da figura de Cristo, que enfrentava Otto Von Muller, vilão de estilo nazista, foram
totalmente censurados.
A censura foi outra personagem constante em muitos momentos das telenovelas
produzidas na década de 70. Em 1973, por exemplo, a telenovela de Walter Negrão Cavalo
de Aço, teve vários capítulos censurados. Primeiro, a questão da reforma agrária e em
seguida o problema da droga. Em 1975, a telenovela Escalada de Lauro César Muniz
teve uma sequência inteira proibida: o encontro de A. Dias e o governador Ademar de
Barros na chegada a Brasília. O nome do Juscelino Kubitschek não podia ser mencionado.
Outro exemplo de censura ocorreu com a novela O Rebu de Bráulio Pedroso. A novela
não podia fazer críticas à polícia, as cenas de homossexualismo foram censuradas, os
finais de cada capítulo deviam ser positivos para o delegado que investigava o caso.
Entre outras censuras sofridas, os atores tiveram que regravar o final. Por ordem do
DCDP – (Divisão de Censura de Diversão Pública), o final foi alterado (CIMINO, 2014)
Como foi censurada a telenovela O Berço do Herói, de Dias Gomes. Peça teatral de sua
autoria, “dez anos depois sob o nome de Roque Santeiro essa novela viria a ser uma das
maiores audiências dos anos de 1980” (REIMÃO, 2004:24). A telenovela, que desde o
início dos anos 70 encarou o Brasil, seus personagens e problemas, teve a censura como
sua mais fiel espectadora. A partir de 1975 a censura estabeleceu os seus padrões para
a produção seriada.
Esses foram alguns exemplos de telenovelas em que podemos perceber nas temáticas
apresentadas as inter-relações entre a produção ficcional e a realidade. Exemplos trazidos
para entendermos o crítico Eugênio Bucci quando dizia: “Às vezes, tenho a sensação de
que, se tirássemos a TV de dentro do Brasil, o Brasil desapareceria” (2000, p:105) e Maria
Aparecida Baccega quando nos explica porque:
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A telenovela brasileira e a crítica-processo de Artur da Távola
Nesse discurso narrativo, nesse contar histórias, ficção e realidade se mesclam. Telejornais
e documentários, teoricamente o lugar dos discursos sobre o real, utilizam-se de procedi-
mentos de narrativa ficcional para conquistarem a atenção do telespectador, enquanto as
telenovelas e seriados, lugar da ficção, trazem o cotidiano vivido para a discussão no universo
ficcional. Mais do que isso, essa inserção da realidade na ficção passa a constituir-se como
uma das características da telenovela brasileira desde final dos anos de 1960, chegando ao
que já foi denominado de “novela intervenção”, como é o caso de Rei do Gado, de Benedito
Rui Barbosa, veiculada pela Rede Globo, no horário das 20h 30min, de 17 de junho de 1996
a 15 de fevereiro de 1997 (2000:49).
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A telenovela brasileira e a crítica-processo de Artur da Távola
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A telenovela brasileira e a crítica-processo de Artur da Távola
que relações podemos estabelecer entre a crítica de telenovela com as discussões que
ocorriam nas demais áreas do conhecimento no período de 1970/1990.
Mário Pedrosa (1957) alertava para o fato de que, se no esforço de dar às obras um
sentido e significado no mundo, o crítico engendra uma série de atos intelectuais capazes
de distinguir, discriminar qualidades, estabelecer escalas de valores, esses mesmos atos
estão ligados à experiência do crítico. Portanto, a linguagem crítica não é uma, mas
aquela que a época lhe propõe. Nessa perspectiva, interessa acompanhar, mesmo que
não na sua totalidade, o fazer crítico de Artur da Távola.
A partir das questões levantadas por Artur da Távola sobre a existência e a função
da crítica de TV, escolhi para esse encontro, as telenovelas: O Rebu (1974), de Bráulio
Pedroso; Gaivotas (1979), de Jorge Andrade; Água Viva (1980), de Gilberto Braga e Manuel
Carlos, e Cobras e Lagartos (2006), de João Emanuel Carneiro e Antonio Pellegrino, para
mostrar como o crítico olhava para as obras e estruturava suas análises.
Sob o título: O Rebu. Um convite para o debate, escrito no jornal O Globo (1974), Artur
da Távola inicia a crítica com uma provocação: “Não aguento mais” receber tantas
cartas, pareceres, palpites, ibopes, telefonemas, e observações sobre a novela O Rebu.
Eram cartas e observações sutis e inteligentes retornos sobre a trama. “Particularmente
as cartas e alguns papos pessoais, a mostrar que Bráulio conseguiu atingir o ideal de
tirar o telespectador de sua passividade fruidora e digestiva e jogá-lo a participar critica-
mente de uma obra”. Para o crítico, isso era um mérito porque o autor tinha conseguido
sacudir o gênero. Dizia ainda que apesar da audiência ter caído porque muitas pessoas
não conseguiam entender a história, Bráulio devia estar satisfeito porque “o verdadeiro
Rebu estava se dando entre os telespectadores, ouriçadíssimos com sua obra”. Após
o relato das manifestações dos telespectadores sobre a novela, o crítico apresenta as
suas indagações. Para ele, o que estava efetivamente em questão na obra de Bráulio
Pedroso era “se o andamento tradicional das novelas em capítulos de três partes diá-
rias, bem como sua estrutura de duração, gera um “tempo dramático” que se coaduna
com o “tempo” do gênero policial suspense”. E a outra questão colocada pelo crítico se
referia à ação externa. Perguntava: “É ou não é passível telenovela apenas com ritmo
interior, sem acontecimentos expressos através da ação física dos personagens? É? Não
é?”. Em vista a tudo que o Rebu provocou, o crítico propõe um debate com “os meninos
da Globo” (Bráulio Pedroso, Daniel Filho, Homero Sanches e o diretor Jardel Mello), o
público e a imprensa. Colocava-se como mediador porque acreditava que “um debate
assim mostraria definitivamente a enorme importância cultural da telenovela (apesar
de lhe negarem status) e contribuiria para esclarecer muita coisa”. O mais importante
para o crítico ao propor esse debate era o fato de estarem inaugurando uma prática
saudável e cultural.
A crítica da telenovela Gaivotas (1979), escrita por Jorge de Andrade e exibida pela
TV Tupi é outro exemplo interessante da análise realizada por Artur da Távola. E aqui
vale recuperar a sinopse da trama para entender o olhar e a escolha do crítico para
sua análise. A trama é a seguinte: a personagem Daniel, reúne trinta anos depois
seus amigos de colégio em sua mansão, com o intuito é desvendar os mistérios que
envolveram tragicamente a formatura de 1949, onde ele saira como principal suspeito
e fora humilhado pelos colegas de classe, acusado de ser o responsável pela morte de
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A telenovela brasileira e a crítica-processo de Artur da Távola
uma professora. O antigo menino pobre que estudou de graça num externato para ricos
tornou-se um dos maiores milionários do estado de São Paulo. Trinta anos depois, como
estarão seus amigos? O suspense ronda a trama pelo desconhecimento dos reais motivos
que levaram Daniel a querer reunir os amigos de colégio. Seria amor, ódio, vingança, ou
apenas vontade de tentar ensinar a eles como subir na vida, o que aconteceu com ele?
A novela contava com 31 personagens, mas o crítico escolhe a personagem Lídia,
vivida por Cleide Yaconis para analisar. Sob o título: “Não são agradáveis as verdades
ensinadas pela Lídia de Cleide Yaconis!”,publicada na Revista Amiga, em 08 de agosto de
1979, Artur da Távola elabora uma reflexão sobre o ato de envelhecer, ou melhor, sobre
a consciência do ato de envelhecer. Nessa crítica, o autor inicia o texto com a frase:
“Envelhecer é uma dor que só pode ser entendida por quem envelhece”. Depois fala sobre
a novela em si e a mudança dos padrões que a obra de Jorge de Andrade representava
para a TV Tupi naquele momento. Em seguida, passa a analisar a personagem Lídia.
Na novela Lídia era uma coroa com mais de sessenta e tantos anos, cheia de plásticas
que lutava contra o envelhecimento, e principalmente, contra o tempo. Casou-se quatro
vezes, ficou sozinha e curtia jovens e motos. Escrevia ele sobre a personagem e atriz:
essa personagem salta da tela e invade a vida de todos nós na qual as máscaras do teatro,
a significar, em suas expressões extremas, a íntima relação entre a comédia e a tragédia de
viver. Por isso, aliás, o teatro é simbolizado por duas máscaras com reações extremas. A
máscara é o símbolo da representação humana. E cada pessoa em sua vida real vai formando
uma carapaça de defesas que funcionam sobre o seu verdadeiro eu como uma máscara. É o
eu extremo também chamado persona, expressão que deu origem à palavra personagem,
isto é, a representação externa do indivíduo, aquela com a qual ele se defende do mundo
e tenta enganar a todos os demais, a começar por ele próprio, que acaba acreditando que
é o que representa ou que representa o que é. Entre rir e chorar divide a sua preipécia de
viver. Para morrer. (Távola, 1979)
A crítica da novela Água Viva (1980), de Gilberto Braga escrita em colaboração com
Manuel Carlos ganhou o seguinte título: Mais que água, um elenco em carne viva, publicada
no Jornal O Globo (10-08-1980). Diferentemente da crítica anterior quando o crítico faz
uma leitura intimista da personagem, em Água Viva, a construção do elenco é o foco
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A telenovela brasileira e a crítica-processo de Artur da Távola
central de sua análise. Nessa crítica, analisa os três tipos de personagens existentes na
novela: os atores solos, os atores que chama de elenco de apoio e aquelas personagens
que ficam na memória do público. Para Artur da Távola, não se deve efetuar uma análise
crítica de atores em função apenas dos solos, brilhantes ou dramáticos, mas também
em relação a capacidade de levar adiante o cotidiano da telenovela, no qual a criação e
a vivência profunda de um personagem passam a ser tão importantes quanto os solos
de maior intensidade. Outro grupo que merece estudo segundo o crítico, é o elenco
de apoio, que chama de elenco sacrificado, e um terceiro, que independe de qualidade
de interpretação, ou de “Criação”, são as personagens que ficam na memória. Essa
permanência, dizia, não é razão direta da qualidade da criação ou da interpretação,
mas está ligada ao outro polo da comunicação: o telespectador. Chama a atenção do
espectador para a falta de tempo “para ensaios e ritmo industrial de gravações”, para o
esforço de cada uma das personagens na trama e a “difícil tarefa de transformar seres
de ficção em seres de carne vida”, e inicia sua análise propriamente dita. E o foco é a
criação da personagem, “a base, o dia a dia, o carregar o piano da telenovela. Cenas
enormes, intensas, diárias, “quilômetros” de instantes no ar, tudo dentro da criação da
personagem”. Base que é tão importante como a presença, ou os grandes solos isolados,
e que quase nunca é levada em conta pela crítica, argumenta o autor. Dito isso, analisa
todas as personagens e como foram se constituindo no dia a dia, no cotidiano da novela.
Destaca ainda o que chama de presença, ou “uma forma de classificar certas atuações
que tanto se destacaram nos solos dramáticos como na carga intensa levada pelo ator ao
personagem ainda que em momentos distantes dos grandes solos”. Finaliza sua análise
falando da antipresença, especialmente, da magnifica criação da atriz Aracy Cardoso
no papel apagado da mãe de Janete (Lucélia Santos), e sua “capacidade de se anular
em cena” para engrandecer a personagem. Em Água Viva, em oito parágrafos, o crítico
ensina como efetuar uma análise crítica de elenco.
Para fechar esses exemplos da crítica praticada por Artur da Távola, elegi uma
crítica de 2006 sobre a novela Cobras e Lagartos, escrita por João Emanuel Carneiro com
a colaboração de Antonio Pellegrino. A escolha se deu por dois motivos: as telenovelas
apresentadas datam dos anos 1970-80, portanto, um momento específico da televisão e
das telenovelas brasileiras, e, o outro, está exatamente na possibilidade de acompanhar,
as mudanças ocorridas nas temáticas e formatos das telenovelas, e o olhar do crítico
sobre esses novos formatos e produtos.
O crítico, como quase sempre, inicia sua análise fazendo uma introdução ao tema
e a abordagem que fará da novela. Com Cobras e Lagartos não foi diferente, diferente foi
o teor da introdução. Começa falando da sua função de crítico e analista de telenovelas
em jornais e revistas, de seus estudos sobre televisão e comunicação e sobre seu livro
específico sobre a telenovela brasileira. Escreve, em seguida, que nesses quarenta anos
(desde 1968), “tentando entender o fenômeno, analisar, aprofundar o olhar crítico e até
realizar uma semiologia dessa mídia, até hoje nenhuma telenovela fundiu a minha cuca
mais do que Cobras e Lagartos. [...] confesso meu fracasso”. Exposto o espanto que a novela
lhe causou, inicia a análise crítica. E aqui o foco primeiro foi o gênero telenovela. Para ele,
Cobras e Lagartos não tinha nada do gênero. Podia ser conto de fadas, chanchada, besteirol,
psicodrama de hospício, mas uma coisa ele tinha certeza, era “uma obra corajosa e
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A telenovela brasileira e a crítica-processo de Artur da Távola
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomando as quatro telenovelas analisadas e a maneira como o crítico estruturava
suas críticas ou crônicas como preferia dizer, e recuperando o alerta de Mário Pedrosa
(1957) para o fato de que, se no esforço de dar às obras um sentido e significado no mundo,
o crítico engendra uma série de atos intelectuais capazes de distinguir, discriminar
qualidades, estabelecer escalas de valores, esses mesmos atos estão ligados à experiência
do crítico, gostaria de chamar a atenção para alguns aspectos de sua crítica sempre
em diálogo com o meio, com o público e principalmente com a obra. Na crítica de O
Rebu a preocupação com o gênero, com o fato de a obra ter provocado discussões entre
telespectadores, mesmo quando produzida para um meio de grandes audiências, como
a televisão, esse o verdadeiro rebu para o crítico. A preocupação teórica com a estrutura
dramática, com a ação dramática no formato das telenovelas da época, e o que entendia
como crônica, porque o cronista vê junto e podia interferir, no caso, chamar para um
debate público, os autores, o público e a imprensa, porque entendia o debate sobre uma
obra uma atitude saudável, e essencialmente porque o produto telenovela tinha um
significado fundamental na cultura brasileira.
Em Água Viva como apontei, entre outros aspectos, é a fala do crítico para os críticos,
ou, sobre a necessidade do crítico de ampliar seu olhar para a telenovela em si, e em
especial, para a formação do elenco e a construção das personagens no cotidiano de
uma telenovela. Cobras e Lagartos merece destaque não só a autocrítica do cronista sobre
seu próprio exercício, mas sua atualização. Apesar do susto e por causa do susto que o
formato lhe causou tanto na estrutura narrativa, como na construção de personagens e
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A telenovela brasileira e a crítica-processo de Artur da Távola
roteiro, considerou a telenovela uma obra pós-moderna. Mesmo tendo preferido ficar com
a sua segunda hipótese, se dermos uma busca na classificação do gênero, encontramos:
comédia, drama, romance. Esse não é o único aspecto de sua crítica que merece nossa
atenção, mas um deles para pensarmos.
A crítica da telenovela Gaivotas foi deixada para o final desse estudo inicial sobre
a crítica de Artur da Távola porque, a meu ver ele realiza, nessa crítica, uma síntese de
todas as suas preocupações e análises. Em Gaivotas o crítico não escolheu a temática
da telenovela, mas elege um tema específico e uma personagem da trama: o tema do
envelhecimento e a recusa desse envelhecer, representado na trama pela personagem
Lídia e interpretado pela atriz Cleide Yaconis. Sobre o tema e a forma como Jorge de
Andrade trouxe para a telenovela, o crítico diz que, além de Jorge ter marcado uma
mudança no padrão da Rede Tupi, “há uma personagem, a Lídia, representada por essa
grande atriz Cleide Yaconis, que nos traz e joga na cara todo o absurdo de envelhecer”.
E por meio dessa personagem, o crítico tece sua análise sobre construção de personagem,
explicando não só sua verossimilhança ou adequação na história, mas a importância
da escolha da atriz que pudesse compor a personagem e, principalmente, a busca da
profundidade que a personagem requer para mostrar a “íntima relação do teatro com
a vida, a arte de representar com a arte de ser. E a mistura profunda dos dois planos, o
da representação e o da realidade”. E aqui finalizo o texto com mais uma observação:
essas e outras reflexões do crítico foram escritas nas páginas do Jornal O Globo e na
Revista Amiga, nada mais popular na época. Relendo esses textos nos dias atuais, fica a
vontade de “ver de novo” as telenovelas, agora com outros olhos.
REFERÊNCIAS.
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Outras Leituras. São Paulo: Senac/Itaú Cultural
BUCCI, Eugênio.(2000). A Crítica de televisão. In: MARTINS, Maria Helena (Org). Outras
Críticas. São Paulo: Senac/Itaú Cultural
COSTA, Alberto Coelho Gomes. (2005). Telenovela e os dramas cotidianos. In: FREIRE,
Denise de Oliveira, A Crítica de Telenovela. Apontamentos para uma história. Monografia
apresentada em Jornalismo Cultural do Programa de Comunicação Jornalística da
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
FERNANDES, Ismael. (1987). Telenovela Brasileira. São Paulo: Editora Brasiliense.
FREIRE, Denise de Oliveira. (2005). A Crítica de Telenovela. Apontamentos para uma histó-
ria. Monografia apresentada em Jornalismo Cultural do Programa de Comunicação
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PRIOLLI, Gabriel. (2005). Crítica da Televisão. In: FREIRE, Denise de Oliveira, A Crítica
de Telenovela. Apontamentos para uma história. Monografia apresentada em Jornalismo
Cultural do Programa de Comunicação Jornalística da Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo.
REIMÃO, Sandra. (2004). Livros e Televisão. Correlações. Cotia, São Paulo: Ateliê Editorial.
TÁVOLA, Artur da. (1975, 07 de dezembro) O Rebu. Um convite para o debate. In: Jornal O
Globo.
_______ . (1976, 29 de outubro). Existe mesmo a crítica de TV? In: Jornal/Revista: O Globo.
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A telenovela brasileira e a crítica-processo de Artur da Távola
_______. (1979, 08 de agosto). Não são agradáveis as verdades ensinadas pela Lídia de Cleide
Yaconis. In. Revista Amiga, Rio de Janeiro, n. 481.
_______ . (1980,10 de agosto). Mais que água, um elenco em carne viva. In: Jornal O Globo.
VIVEIROS, Virgínia. (2005). A TV Não se esquece. In: FREIRE, Denise de Oliveira, A Crítica
de Telenovela. Apontamentos para uma história. Monografia apresentada em Jornalismo
Cultural do Programa de Comunicação Jornalística da Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo.
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Era uma vez Windeck: apropriação do modelo brasileiro
de narrativa de telenovela na teleficção angolana
Once upon a time Windeck: appropriation of the Brazilian
model of soap opera narrative in the angolan fiction
A n a Pa u l a G u e d e s 1
Abstract: The purpose of this study is to analyze how the writers of the angolan
soap opera Windeck used the narrative strategies created by Brazilian playwri-
ghts as structural model to tell a story that takes place in a context of Latin
American. There has been all chapters, selecting those that had social merchin-
dising and scenes on the angolan reality. Tables were created to identify and
separate the different scenarios so that it was possible to see the structure of
the narrative in small cells with the profiles of the characters and their family
relationships \ affective and social theme. Windeck follows the narrative scheme
of Brazilian soap operas, with multiple plots developed in parallel to the main
plot, independently and interdependently; also uses the social merchindising
and common resolutions to Brazilian productions.
Keywords: Soap opera. Model. Screenplay. Brasil, Angola.
INTRODUÇÃO
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Era uma vez Windeck: apropriação do modelo brasileiro de narrativa de telenovela na teleficção angolana
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Era uma vez Windeck: apropriação do modelo brasileiro de narrativa de telenovela na teleficção angolana
a 22 de fevereiro de 2013, e em Portugal, foi exibida pela RTP1 entre 8 de abril de 2013 e
31 de dezembro de 2013. Em 10 de novembro de 2014, Windeck começou a ser exibida
para os brasileiros pela TV Brasil, no horário de 23hs e e foi acrescentada ao seu nome
Todos os Tons de Angola. A produção angolana ganhou notoriedade internacional por
ter concorrido em 2013 ao Prêmio Emmy de Televisão junto com as telenovelas globais
Avenida Brasil e Lado a Lado, que foi contemplada com o prêmio.
O tema principal da telenovela Windeck é a ambição sem limites, o que as pessoas
são capazes de fazer para ter sucesso na vida mediante golpes desonestos e muitas
armações ilícitas e imorais. Toda a história gira em torno do cotidiano dos funcionários
e empresários da glamurosa revista de moda Divo, localizada em Luanda. A trama prin-
cipal envolve o casal de protagonistas, o filho do dono da Divo, Kiluangi, e a fotógrafa
Ana Maria, que foram atormentados pelas vilãs, a irmã da heróina, a malévola Vitória,
e a diretora de moda da revista e igualmente mal caráter, Rosa. Os demais funcioná-
rios conviviam entre o mundo fútil de faz-de-conta da Divo e suas vidas particulares,
localizadas em suas respectivas casas ou associadas a outros personagens dos núcleos
mais pobres, localizados no buffet Mufet ou na Igreja Global Novo Horizonte.
Windeck4 foi produzida pela Semba Comunicação, cujo proprietário é Paulino
dos Santos, filho do presidente de Angola. A equipe de roteiristas foi chefiada pela
portuguesa Joana Jorge, o que também demonstra a circulação no espaço lusófono
entre profissionais de ficção, e ela atualmente é uma das colaboradoras da telenovela
Boogie Oogie, exibida às 18hs pela Rede Globo desde agosto de 2014. Uma grande parte
das cenas fechadas da telenovela foi gravada numa produtora de vídeo localizada nas
proximidades de Lisboa, a capital portuguesa. Os roteiristas de Windeck seguiram o
modelo narrativo brasileiro, ou seja, múltiplos enredos que se desenvolvem em paralelo
à trama principal, de forma independente e também interdependente. (FILHO, 2001)
Naturalmente, não há a quantidade de núcleos dramáticos comuns às produções mais
contemporâneas brasileiras, mas há várias tramas paralelas de modo que os telespec-
tadores possam acompanhar diferentes histórias, incluindo, é claro, a principal. Além
disso, discutiram pelo menos sete temas atuais e muito presentes especialmente nas
sociedades ocidentais, tais como a homossexualidade, a violência doméstica contra as
mulheres e os jovens, alcoolismo, adoção, divórcio, entre outras temáticas.
A partir do fluxo e refluxo de produção de telenovela no espaço lusófono, relati-
vamente ao trânsito Brasil, Portugal e Angola, este artigo propõe uma análise do uso
e adequação das estratégias narrativas e modelo estrutural das telenovelas brasileiras
em Windeck. A ideia é analisar de que modo a equipe de criação da telenovela angola-
na, roteiristas portugueses e angolanos, utilizaram elementos que são específicos dos
folhetins brasileiros, tais como a narrativa multienredada (presença da trama principal
e outras várias paralelas); o marketing social ( discussão de temas sociais polêmicos no
mundo ocidental, como a homossexualidade); e associação com o tempo o cotidiano real
dos telespectadores (presença de artistas e situações do mundo real).
4. A telenovela Windeck tem um site oficial que traz informações sobre sua história, as personagens,
bastidores e curiosidades. Disponível em http://windecktv.com/. Acesso em 01-01-2014.
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Era uma vez Windeck: apropriação do modelo brasileiro de narrativa de telenovela na teleficção angolana
5. Os capítulos da telenovela Windeck estão numa única página do youtube. Disponível em: https://www.
youtube.com/user/windecktv. Úlltimo acesso em 10 de março de 2015 .
6. As dez missões da TPA assim como outras informações relativas à sua administração, história e
programação estão disponíveis no site oficial da emissora. Disponível em: http://tpa.sapo.ao/. Acesso em
19/06/14.
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Era uma vez Windeck: apropriação do modelo brasileiro de narrativa de telenovela na teleficção angolana
às personagens e às temáticas sociais. Eis abaixo tabelas criadas a partir dos perfis e
suas respectivas relações com as temáticas que vivenciam. Em alguns assuntos, os
personagens se relacionam com outros que não estão diretamente associados ao pro-
blema social discutido, mas sofre a consequência, a exemplo do cobrador do transporte
particular (a kombi do motorista Sansão), Paulo, que enfrenta o problema do alcoolismo
e constantemente é ajudado pela família do seu amigo e pelo falso pastor da Igreja
Global Novo Horizonte.
Principais locações (cenário das ações)- a Revista Divo e a mansão dos Voss
Resolução: as duas vilãs são presas e têm de conviver juntas, uma situação ruim para ambas já que se odeiam.
Xavier é assassinado acidentalmente por sua cunhada Ofélia. Todos são punidos, com exceção de Henda que foge e
continua a aplicar golpes do baú em mulheres ricas.
Kiluanji Voss Protagonista, bom caráter, Irmão de Luena Voss, Não há tema para o
(filho do dono da revista ingênuo, facilmente apaixonado por Ana personagem, além da luta
Divo, rico, bonito) enganado pelas mulheres, Maria, mas envolve-se pelo amor.
as vilãs Vitória e Rosa. com a vilã Vitória.
Ana Maria Protagonista-heróina, Irmã mais velha da vilã Não há tema para o
(fotógrafa da revista Divo) bom caráter, discreta, mei- Vitória, melhor amiga de personagem, além da luta
ga, ingênua e simples. Mariza e apaixonada por pelo amor.
Kiluangi.
Vitória A grande vilã, mal caráter, Irmã mais nova de Ana A luta pelo dinheiro e o
(assistente na Divo- interesseira, manipuladora Maria. Seu comparsa poder por meio de golpes
golpista) e golpista. nos golpes é o jornalista e armações contra a
Henda Salvador. família Voss.
Xavier Voss Atua como um vilão. Pai de Kiluangi e Luena, Luta pelo dinheiro e o
(Dono da Divo) Mal caráter, arrogante, esposo da desaparecida poder de forma ilícita.
manipulador, machista e Isaura e irmão do honesto
autoritário. Wilson.
Isaura Voss Calculista, forte, determi- Mãe de Luena e Kiluangi. Busca vingança contra seu
(Esposa do dono da Divo) nada e muito centrada Esposa de Xavier, que marido e justiça para seus
nos objetivos. surge após muitos anos filhos. Não há tema social
desaparecida. para ela.
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Principais locações (cenário das ações)- a Revista Divo, a mansão dos Voss, a casa de Artur e cenas de externa (bar e rua)
Abordagens: liberdade para assumir a orientação sexual; homens casados que têm relações homoafetivas em segre-
do; inseminação artificial para casais homossexuais.
Resolução: o casal Luena e Tchyssola assume publicamente o romance, pois o pai Xavier, quem proibia a relação,
morre. Já Artur, inicia um novo relacionamento com um homem solteiro homossexual.
Nadir Alegre, extrovertida, fútil, Tem ótima relação com Vítima de violência pelo
(recepcionista da revista ingênua e amigável. todos na Divo. Envolve-se namorado, não consegue
Divo) com Fernado. sair do ciclo de violência.
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Era uma vez Windeck: apropriação do modelo brasileiro de narrativa de telenovela na teleficção angolana
Paulo Alegre, bom amigo, mas é Funcionário e amigo de Sofre com o alcoolismo,
(cobrador na kombi de viciado em alcool. Sansão. Também interagi mas não aceita que está
Sansão) com Iuri e Nazaré. doente.
Yuri Massano Dedicado aos pais, muito Adotado por Nazaré e O tema é adoção.
(sócio do buffet Muffet e responsável, maduro para Sansão e filho biológico Descobre que é filho de
modelo famoso) sua idade. É um jovem de Ofélia, é amigo de Ofélia e precisa lidar com
romântico e de bem com Giorgio e apaixonado por uma nova mãe em sua
a vida. Luena. vida já na fase adulta.
Nazaré Massano Mãe e esposa dedicada, é Mãe adotiva de Yuri e Adoção e o medo de
(sócia e cozinheira do amada por todos. Ajuda esposa de Sansão. Tem perder o filho para a mãe
buffet Muffet) os amigos, como o alcoo- uma relação maternal biológica.
latra Paulo e o garoto Jair. com Jair.
Ofélia Voss Fútil, interesseira, extra- Esposa de Wilson e mãe Preconceito contra mãe
(dona-de-casa e socialyte) vagante, grosseira, mal- de Lweiji, Lukeny e Yuri. solteira. Deu o filho para a
-educada e autoritária. Sua companheira é a adoção para não enfrentar
empregada doméstica o preconceito e a censura
Sila, quem a ajuda em da família rica do seu
suas armações. marido.
Wilson Voss Bom caráter, calmo, Irmão mais novo de Sofre a consequência do
(diretor da Divo) amigável, fiel a esposa, Xavier, esposo de Ofélia e segredo da maternidade
atencioso com as pessoas. pai de Lweiji e Lukeny. clandestina de sua esposa.
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Era uma vez Windeck: apropriação do modelo brasileiro de narrativa de telenovela na teleficção angolana
Giorgio Alegre, bom cozinheiro, Apaixonado por Mariza Conflitos geracionais com
(italiano sócio do buffet responsável e dedicado e muito preocupado om o filho adolescente.
Mufet) ao trabalho e à sua esposa Pedro. Seu melhor amigo
e o filho. é Yuri.
Mariza Simpática, alegre, cari- Apaixonada pelo marido, Conflito de relação entre
(maquiadora da Revista nhosa com os amigos e tenta conviver bem com madrasta e entiado ado-
Divo) dedicada ao trabalho. Pedro. É amiga de Ana lescente.
Maria.
Pedro Acostumado com a vida Filho de Giorgio, é amigo Conflitos geracionais com
(adolescente, filho de em Lisboa, é um rapaz de Lukeny e namorado de o pai, quem não convivia
Giorgio) questionador e decidido. Lweiji. há muitos anos.
Lweiji Jovem alegre que sonha Namora Pedro e tem uma Conflitos geracionais com
( adolescente, filha do em se tornar uma modelo ótima relação com seu a mãe Ofélia, que não dá
casal Ofélia e Wilson Voss) famosa. É muito cosumis- irmão Lukeny. nenhum tipo de liberdade
ta e fútil como sua mãe. a garota.
Lukeny Divertido e um ótimo dan- Seus amigos são Pedro e Conflitos geracionais com
( adolescente, filho do çarino de kuduro, é mais Lweiji, quem sempre lhe a mãe Ofélia, que não dá
casal Ofélia e Wilson Voss) ousado e corajoso que a dá cobertura nas suas nenhum tipo de liberdade
irmã e desobedece a mãe travessuras. a garota.
às escondidas.
Ajudante do pastor Homem mais velho, auxiliar do falso pastor e É vítima de um golpe de
honesto e bondoso. amigo de Elizabete. um falso pastor.
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Era uma vez Windeck: apropriação do modelo brasileiro de narrativa de telenovela na teleficção angolana
algumas cenas aéreas da cidade ou aos passeios na Kombi de Sansão. Portanto, a maior
localização da história ao lugar, no caso Luanda, acontece pela caracterização visual
das personagens, que usam figurinos, inclusive com uma forte identidade étnica, com
roupas coloridas e modelos que retratam a moda angolana. Naturalmente que o falar,
o ritmo, o sotaque da lígua portuguesa também é angolano já que a grande maioria do
elenco é formada por atores angolanos.
O discurso geral da telenovela é o da globalização, da abertura de mercado, do cos-
mopolitismo e do consumismo baseado no padrão do mundo ocidental. Uma mensagem
bem interessante quando se pensa na evolução histórica do país, a disputa interna entre
os três principais partidos nacionalistas pela obtenção poder estatal. O nacionalismo, o
discurso de pertecimento na telenovela é totalmente esvaziado e substituído pelo dina-
mismo do espaço lusófono. Pode-se constatar claramente tal mensagem na personagem
Luena Voss, interpretada pela atriz angolana Edusa Chindecasse, uma executiva bem-
-sucedida, homossexual, rica, inteligente, bonita e emancipada, que chega de Londres
para assumir a direção da Revista Divo. Capítulos depois, sua namorada portuguesa
(branca), que vivia também em Londres chega à Luanda. Londres é mostrada como
uma cidade, onde os ricos angolanos podem viver de forma liberada.
Portugal e Brasil também figuram no espaço lusófono criado em Windeck. A maquia-
dora angolana Mariza, por exemplo, é casada com o italiano Giorgio, que tem um filho
adolescente (Pedro) com sua ex-mulher portuguesa, que vive em Lisboa. O adolescente
tem de passar uma temporada com o pai e a madrasta quando a sua mãe precisa viajar
aos Estados Unidos, e com o passar do tempo (nos capítulos finais), o adolescente decide
não voltar à capital portuguesa, pois construiu uma nova vida em Luanda. O Brasil surge
na figura do diretor criativo Gabriel Castro (vivido pelo brasileiro Rocco Pitanga), que
trabalha para a empresa japonesa Skylight, e entra na história por alguns capítulos para
fazer par romântico temporário com a protagonista, a fotógrafa Ana Maria. Portanto,
constrõe-se em Windeck uma Luanda que olha para fora, além de suas fronteiras em
direção à Europa (Inglaterra e Portugal), à Ásia (Japão) e a América do Sul (Brasil), mas
pouco olha para si, para suas reais necessidades internas, para o cotidiano da capital.
Luanda aparece de forma muito tímida na telenovela, há poucas cenas apresentando
pontos turísticos, as ruas mais movimentadas e principais, o cotidiano da cidade em si.
As cenas externas são pricipalmente usadas para fazer transição entre ações, passagens
de tempo curtas (dia-noite) e para mostrar o trabalho do motorista Sansão, que dirige
uma kombi azul, fazendo transporte privado-coletivo na cidade.
A cultura de Luanda, por vezes, ressurge, no discurso de algum personagem, como
o adolescente Lukeny Voss, que é fã do estilo musical nativo kuduro. Nos capítulo 96 e
97, Lukeny e sua irmã Lweji vão a um show de kuduro, onde são mostrados jovens de
idades próximas e uma diversidade de estilos de roupas e aparência física, trazendo
mais o olhar do telespectador aos tipos urbanos existentes nas ruas de Luanda. Os
artistas que se apresentam no show são populares entre os jovens angolanos, como o
músico Cabo Snoop, que canta a canção de abertura de Windeck no primeiro capítulo.
A equipe de roteirista apostou na técnica brasileira de inserir no universo ficcional
artistas do mundo real, numa tentativa de aproximar os telespectadores ainda mais
da história.
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Era uma vez Windeck: apropriação do modelo brasileiro de narrativa de telenovela na teleficção angolana
REFLEXÕES FINAIS
Windeck segue o modelo de produção de telenovela brasileiro já que sua equipe
de roteiristas, predominantemente formada por portugueses, adotou o esquema
narrativo multienredado, com temáticas sociais atuais. Do outro lado da tela, estão os
telespectadores também acostumados aos folhetins brasileiros, mas que pareciam desejar
uma produção mais culturalizada, ou seja, mais próxima da realidade de Luanda, do
cotidiano dos moradores do país. Entretanto, de uma forma geral, as temáticas foram
tratadas de maneira mais distanciada da sociedade angolana, além de os personagens
serem mais caricaturas de que propriamente modelos ficcionais, com os quais os
telespectadores angolanos poderiam se identificar. Aproximavam-se das construções
mais melodramáticas, desprovidas de psicologismos e muito presentes nas telenovelas
de língua castelhana (NEGRÃO, 2004)
Os capítulos da telenovela não traziam questionamentos sobre o papel do Estado
ou qualquer mudança a partir das transformações da ordem social vigente. Não havia
um discurso de mudança social ou mesmo queixa sobre algum problema urbano. Ao
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Era uma vez Windeck: apropriação do modelo brasileiro de narrativa de telenovela na teleficção angolana
produzir em 2014 uma telenovela mais próxima da cultura local, Jikulumessu, palavra
da língua nacional Kimbundo, que significa “abre os olhos” e narra a trajetória de amor
e vingança de Joel Kapala, que na adolescência sofre com alguns colegas uma persegui-
ção agressiva na escola, o bullyng, e jura vingança. A história foi dividida em duas fases,
o começo da juventude dos protagonistas, em 1998, e depois a vida adulta, em 20147.
A ficção angolana ainda é muito recente quando comparada com o percurso da tele-
dramaturgia no Brasil ou mesmo em Portugal. Windeck é uma experiência do processo
de desenvolvimento de um produto nacional e representa uma escola para a equipe
técnica, independente da origem desse profissional (brasileiro, angolano ou lusitano) uma
vez que o desafio transcende a adoção de um modelo de estrutura narrativa; constitui
também a busca pela alma angolana, pela identidade nacional, que já foi vivida pelos
roteiristas e produtores brasileiros e portugueses, naturalmente em décadas diferentes.
Esses três países lusófonos integram um triângulo de intercâmbio de conhecimento na
area da teleficção que se configura na exportação do modelo de narrativa, no caso o
Brasil influenciou os produtores angolanos e portugueses; no trânsito de profissionais
especializados que atravessam o Antlântico num fluxo de idas e vindas intercontinentais
(fluxo e refluxo entre América Latina, Europa Sul e África); e finalmente em parcerias de
co-produção estabelecidas entre emissoras dos três países e na própria exportação das
telenovelas de língua portuguesa que circulam por todo o espaço lusófono, como as pro-
duções da Rede Globo ou mesmo Windeck, que já foi exibida em Portugal, Moçambique,
Cabo Verde e atualmente apresenta-se entre os brasileiros com a mudança no seu nome
para Windeck-Todos os Tons de Angola na TV Brasil.
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O espectador decifrador: reflexões acerca da
produção de sentido do filme “Matou a Família
e foi ao cinema” (1969) de Júlio Bressane
The decoder spectator: reflections on the meaning
production of the film “Killed the Family and went
to the movies “ (1969) by Júlio Bressane
A na B e at r iz B uo so M a rc e l i n o1
Abstract: This study aims to examine some of the meaning production processes
generated by visual and narrative elements contained in the movie “Killed the
Family and went to the Movies” (1969) by Júlio Bressane, comes from the pur-
pose of so-called Marginal Cinema. However, the complexity of the narrative
and aesthetic elements in the film, mainly characterized by fragmentation of
both, narration as its form, comes to affect the linear understanding of actions
bringing up the idea of a possible decoder posture of the viewer screen in the
message transmission, generating clues and suggesting possible significance
paths guided by structuralist and ethnological analysis of the viewer eye.
Keywords: Reception ; Sense ; Marginal Cinema; Júlio Bressane .
INTRODUÇÃO
“M
ATOU A família e foi ao Cinema” é um filme que representa uma forma
complexa e inovadora de se fazer cinema, seja por seu caráter precário
de produção, marcado muitas vezes por uma estética tosca, ou mesmo
pela adoção de uma narrativa fragmentada que acabam por desafiar o entendimento
do telespectador, marcas estas, peculiares e características do Cinema Marginal ou
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O espectador decifrador: reflexões acerca da produção de sentido do filme “Matou a Família e foi ao cinema” (1969) de Júlio Bressane
underground brasileiro. Contudo, o olhar de Bressane entra aqui em conflito com o olhar
do espectador, e mergulhando-se no universo de significações propostas pelo filme,
tem-se a possibilidade de sistematizar os processos de produção de sentido presentes,
que acabam por se desdobrar em rotas variadas de significação através da análise de
seus elementos audiovisuais e narrativos, ampliando-se as possibilidades de fruição.
Para tal iniciação, entretanto, torna-se pertinente entender a complexidade contex-
tual que abarca a época em que o filme foi produzido. Em meio a um cenário explo-
sivo cultural marcado por fortes conflitos políticos e ideológicos, como a Tropicália2 e
demais movimentos engajados, o Cinema Marginal aparece como uma nova vertente
do cinema brasileiro moderno, considerado outra fase do Cinema Novo, nitidamente
inspirado no cinema underground americano aliando a invenção estética ao debate polí-
tico, somando-se a outras tradições como o cinema de Mário Peixoto, Orson Welles,
Godard e a Chanchada, junto à literatura de Lima Barreto e Machado de Assis, além
do cancioneiro popular dos anos 30. Tal ousadia gerou um rompimento radical com
o público, acostumado ao distanciamento do espetáculo, com o exclusivo objetivo de
provocar e promover o ato reflexivo para um espectador que tenta juntar peças de um
quebra-cabeça a princípio sem nexo.
O impulso emergente de artista experimental de Júlio Bressane, entretanto, questiona
a própria forma de fazer cinema, um suposto cinema de invenção (Ferreira, 2000),
acentuado pelo ajuste formal e o tratamento dado às cenas que indica ao telespectador
o avesso de soluções, prejudicando um entendimento linear das ações, direcionando
caminhos de leitura e apreciação, um estilo marcado pela heterogeneidade e disjunção
(Xavier, 2012), uma espécie de “olhar corrosivo” que percorre livremente os espaços e
cria seu próprio interesse. Assim, esta dialética de fragmentação intenciona a suspeita de
uma possível crise formal, pois o olhar da câmera de Bressane é como uma máquina que
tudo observa a seu próprio tempo, uma câmera que está longe de ser “tranquila”. Suas
imagens trazem uma dimensão polêmica, intertextual, e a recusa de envolvimento sob
uma imobilidade que pode ser considerada dialógica. A liberdade da câmera de Bressane
traz à tona uma diegese, enunciadora de um espaço off de reflexão independente das
ações, com um olhar amplificador enriquecido pela disjunção. A parataxe, entretanto,
aparece como elemento crucial para a diacronia das cenas. Sem encadeamentos ou
subordinações, as séries são descontínuas e nem sempre olhar e objeto se encontram.
Sendo assim, cada sequência é um recomeço através da liberdade do olhar a princípio
sugerindo ser arbitrário, mas que no conjunto da obra produzirá sentido. Dessa forma,
o fluxo de estímulo das ações é desencadeado fazendo com que o espectador tome uma
postura ativa, de decifrador da mensagem.
O OLHAR BRESSANEANO
Júlio Eduardo Bressane de Azevedo, nascido no Rio de Janeiro em treze de fevereiro
de 1946, é considerado um dos principais nomes do cinema nacional, de reconhecimento
internacional. Iniciou sua carreira com a segunda geração do Cinema Novo, e foi
precursor do Cinema Marginal ou Cinema underground brasileiro. Seu primeiro trabalho
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O espectador decifrador: reflexões acerca da produção de sentido do filme “Matou a Família e foi ao cinema” (1969) de Júlio Bressane
foi em 1965 como assistente de direção de Walter Lima Jr no filme “Menino de Engenho”
e, em 1966, produziu seus primeiros curtas metragens: “Lima Barreto”, “Bethânia bem
de perto” e “Elis Regina” (inacabado), todos em gênero documental.
Nos anos seguintes une-se a Rogério Sganzerla – outro importante nome do cinema
brasileiro, para germinar os principais conceitos do Cinema Marginal e em 1970, fundam
a Belair filmes, produtora responsável pela confecção de filmes marginais, capaz de
executar seis longas-metragens em apenas seis meses, denunciando assim o caráter
precário e improvisado deste novo estilo.
Neste ano, Bressane é convocado pelo Regime Militar para interrogatório e ameaçado
de prisão por ser considerado subversivo e por seu suposto vínculo com o guerrilheiro
Carlos Marighella. É exilado na Europa por três anos, elaborando quatro filmes durante
esse período, sua maioria em Londres, retornando ao Brasil em 1973, dando continuidade
a sua produção. Nas décadas seguintes, o cineasta desenvolve um rico acervo de filmes,
e é reconhecido por seu caráter inventivo, poético e ensaísta, ganhador de diversos
prêmios nacionais e internacionais, além de importantes indicações em eventos sobre
cinema que se seguiram ao longo dos anos até os dias de hoje.
Um olhar fragmentado
A ousadia de Bressane em romper com o olhar hegemônico e domesticado do público
(Xavier, 2014) teve como precursores os pensamentos de Jean-Luc Godard, Jean-Marie
Straub, e Bertold Brecht, que propuseram o rompimento total da quarta parede, elegendo
as ações cotidianas da realidade dentro de um laboratório estético como matéria-prima
para a criação, fazendo com que o espectador se tornasse ativo e em exercício contínuo
de reflexão.
Tal caráter marcado pela experimentação fez com que Bressane questionasse a
própria forma de se fazer cinema, bastante semelhante à atitude de Marcel Duchamp, nas
artes visuais e o movimento anti arte3, no início do século XX. Tal invenção acentuada
pelo ajuste formal e o tratamento dado às cenas indica ao telespectador o avesso de
soluções, prejudicando um entendimento linear das ações, como nos aponta Xavier
(2012, p. 330): “Bressane recusa a expressividade da câmera entendida como um imitar
emoções, chegar perto para abraçar valores das personagens. Está ausente a fusão entre
consciências: personagens, autor, espectador.” O autor também argumenta que o mundo
diegético de Bressane é fragmentado, atingindo um nível radical de resíduos:
A câmera, em Bressane, diverge. (...) Mesmo quando mais encorpado, ele não “segura” a
câmera, pois esta busca outras paragens e produz material para interpolações (...). Ela peram-
bula, cria seu próprio interesse, ou se assume como extensão do corpo. (Xavier, 2006, p. 9)
3. O conceito anti-arte apoia-se na ideia dadaísta da determinação do valor estético não como procedimento
técnico, mas como um puro ato mental, uma atitude diferente em relação à realidade: “Com suas intervenções
inesperadas e aparentemente gratuitas, o Dadaísmo propõe uma ação perturbadora, com o fito de colocar o
sistema em crise, voltando para a sociedade seus próprios procedimentos ou utilizando de maneira absurda
as coisas a que ela atribuía valor.” (Argan, 1999, p. 356). O estilo inventivo e provocativo de Duchamp chamou
a atenção da crítica pelo caráter enigmático de suas obras, consideradas quebra-cabeças desafiadores a
estudiosos e o grande público: “Precisa-se apenas de virar o caleidoscópio da interpretação para descobrir
que os fragmentos da vida de Duchamp e da sua obra, formaram um novo padrão.” (Mink, 2000, p.8).
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O espectador decifrador: reflexões acerca da produção de sentido do filme “Matou a Família e foi ao cinema” (1969) de Júlio Bressane
Assim, Bressane nos dá outras possibilidades de olhar sobre novas perspectivas, com
base num movimento de liberdade de pensamento, como uma espécie de espectador
interativo e coautor do sentido de sua obra.
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O espectador decifrador: reflexões acerca da produção de sentido do filme “Matou a Família e foi ao cinema” (1969) de Júlio Bressane
Alguns sentidos
Matou a família e foi ao cinema possui uma série de características cruciais ao olhar
sensível e ativo do espectador. Uma delas, bastante pontual, é a narrativa fragmentada,
que acaba confundindo todo o processo de apreciação e entendimento da história. Júlio
Bressane trabalha com essa ruptura de modo escancarado, fazendo com que o espectador
se admire ao ver aos inesperados assassinatos brutais, em debate através da ironia
provocada por outros elementos presentes do filme, como os efeitos sonoros utilizados,
sempre sugerindo sentidos ambíguos, como uma alegre marchinha de carnaval para
um corpo assassinado.
Dessa forma, mergulhando-se no universo estrutural dos planos podemos traçar um
mapa de itinerários possíveis. Na cena em que o filho manipula a navalha, encenando o
assassinato dos pais, por exemplo, ele passa a lâmina afiada em seu rosto, nos olhos, na
língua, gerando um efeito de sentido de provocação sinestésica ao espectador, como a
aflição, ou medo. A câmera nesta cena está posicionada por trás da porta, evidenciando
seu caráter voyeur, e depois em close up, de modo a enfatizar as emoções. O silêncio
acentua o tom realista e de suspense, enquanto o personagem se vê no espelho – cujo
reflexo curiosamente não aparece – denotando a ambiguidade de sua personalidade.
Enquanto o ator gesticula a navalha com o sinal da cruz, aparece em seguida um plano
com um quadro de Jesus pregado na parede, sugerindo ironicamente paganismo e
subversão, temas pertinentes ao cenário político e ideológico da época.
No plano sequência do assassinato dos pais, o filho caminha lentamente por trás
do sofá, passa a mão sobre a cabeça do pai, puxa seu cabelo e lhe deflagra a navalha
no pescoço. O pai grita curtamente. Depois o filho sai do enquadramento e ouve-se em
off um grito de horror feminino, sugerindo a morte da mãe. Com a tomada em close
up, sempre perambulando, a câmera segue o personagem que limpa a navalha suja de
sangue no sofá e sai do enquadramento, o sangue traça uma linha vertical ao escorrer
lentamente pela superfície, acentuando a dramaticidade da ação. Toda sequência de
planos aparece ao som da TV, produzindo o sentido de ironia. No plano que segue, o
personagem caminha na rua até parar, comprar um bilhete e entrar num cinema.
Na narrativa seguinte, Márcia aparece sentada cabisbaixa num ambiente externo,
junto ao marido que manipula uma de suas armas de fogo, atirando para um alvo
enquanto comenta sobre sua viagem de negócios. Pensando-se na simbologia pode-se
afirmar que a arma representa a extensão do falo, o poder relacionado ao marido da
qual a esposa está farta. Na sequência, Márcia aparece em outro plano com expressão
séria, ouve-se o ruído do avião a decolar, denotando sentido de algo desagradável que
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O espectador decifrador: reflexões acerca da produção de sentido do filme “Matou a Família e foi ao cinema” (1969) de Júlio Bressane
A mãe resmunga sobre os fuxicos dos vizinhos em relação a sua filha, ameaçando
castigá-la, se necessário. Na sequência, ambas, mãe e filha, aparecem sentadas numa
mesa comendo. A mãe questiona a filha que retruca e leva um tapa na face. A câmera
que estava posicionada na porta do cômodo se distancia em travelling out até sair do
cômodo e focalizar em close up um vaso com flores artificiais de papel, sobre uma
mesinha. Essas flores, entretanto, denotam certo valor simbólico, como algo que difi-
cilmente se estraga – diferente das flores naturais, de durabilidade limitada – além de
estarem associadas à ideia de feminilidade e de resistência do relacionamento entre
as meninas.
No plano seguinte em plongé de 50º, as meninas são focadas conversando ao pé da
porta de fora da casa, gerando o sentido de pressão e achatamento da imagem, assim
como a situação entre elas. Na sequência aparece uma composição equilibrada com
uma pequena janela destacada, em meio à parede negra, estão as duas meninas se
acariciando enquanto a iluminação cai numa escuridão total. Esse recurso tonal sugere
que o romance está às escuras. No plano seguinte a mãe deflagra o romance entre as
duas adolescentes, ao entreabrir a porta do quarto, voltando e abaixando sua cabeça. Na
sequência um corte para a cena em que a filha estrangula a mãe, batendo sua cabeça no
chão, enquanto a amiga aparece sentada numa cadeira, atrás da ação, lixando sua unha.
A mãe desfalece e surge uma música carnavalesca de Carmem Miranda cuja estrofe
diz “Oh, que terra boa pra se farrear...”. A música é tocada na íntegra adentrando uma
cena marítima, com um homem sentado folheando um jornal. O mesmo joga o jornal
e sai do enquadramento. O jornal é levado pelo vento em meio ao trânsito do cenário
urbano, como se as notícias ali pautadas estivessem soltas, vulneráveis e disponíveis
aos olhos de qualquer leitor.
Inicia-se agora uma sequência de cenas que descrevem a farra das duas amigas na
casa de veraneio, as mesmas nadam, cantam, dançam em ritmo frenético, ao som de
um foxtrot, simulam alegoricamente tocar instrumentos. Ambas finalizam adentrando
cenicamente as cortinas fechadas de um cômodo, abrem-na e depois fecham juntamente
com o tom final da música.
Bressane une esse sentido de “entre cortinas”, como algo obscuro, vedado, com o
plano seguinte da tortura de um homem, amarrado seminu numa cadeira, posicionada ao
centro de uma sala obscura, cuja claridade centra-se apenas nele, seu torturador apaga o
cigarro em seu corpo, já com a respiração ofegante e o sangue escorrendo por seu corpo é
esbofeteado por outro homem enquanto uma silhueta de outro homem ao fundo observa
tudo. Os poucos claros e muitos escuros escancarados intensificam o caráter dramático
das ações. Depois, amarrado a uma mesa horizontal, o torturado recebe choques até
desfalecer. A composição horizontalizada da cena lembra o significado da morte, algo
que já não pode mais ficar ereto. Seu corpo aparece no plano seguinte agonizando no
chão, em posição fetal, com a boca e nariz congestionados pelo sangue. A sequência toda
ao som de gritos e gemidos que tencionam a sensação de dor e aflição ao espectador.
A câmera focaliza novamente a mesa de tortura com os três torturadores ao redor do
corpo exausto do homem, em contra-plongé, engrandecendo a postura dos torturadores
que executam a última ação até que o homem perde seus sentidos.
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O espectador decifrador: reflexões acerca da produção de sentido do filme “Matou a Família e foi ao cinema” (1969) de Júlio Bressane
4. No mito grego as Três Graças ou Cárites aparecem mais frequentemente pelo trio: Tália, a que faz brotar
flores, Eufrosina, o sentido de alegria e Aglaia, a claridade, representam o encanto, gratidão, prosperidade
familiar, sorte, concórdia. No renascimento se tornaram símbolo da idílica harmonia do mundo clássico. Nas
representações aparecem jovens, sempre juntas, dançando ou de mãos dadas, ora vestidas, ora desnudas,
ou seminuas como em “Primavera” (1482) de Sandro Botticelli.
5. Apelido dado por Glauber Rocha ao Cinema Marginal.
6. Tragédia mitológica escrita por volta de 342 a.C. que conta o assassinato mútuo dos filhos de Édipo,
Etéocles e Polinices, em busca do reinado de Tebas.
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O espectador decifrador: reflexões acerca da produção de sentido do filme “Matou a Família e foi ao cinema” (1969) de Júlio Bressane
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em meio à complexidade apresentada pela obra, tais apontamentos de sentidos
sugerem alguns caminhos de significação através da apreciação dos elementos
audiovisuais e narrativos presentes neste filme, capazes de apontar possibilidades
de produção de sentido, fazendo com que as peças fragmentadas da(s) narrativa(s) se
encaixem num todo, metonimicamente, somando itinerários de significação e clarificando
as possíveis conclusões de um espectador sensível, ativo e pensante, digno e decifrador
da mensagem. Sendo assim, o filme de Bressane nos parece passar pelo filtro de um
caleidoscópio, quantificando um exponencial semântico ao espectador, investindo em
sua elaboração perceptiva, crítica, sensível e inteligível.
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O espectador decifrador: reflexões acerca da produção de sentido do filme “Matou a Família e foi ao cinema” (1969) de Júlio Bressane
REFERÊNCIAS
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Chauí, Marilena (1988). Janela da Alma, Espelho do Mundo. In Novaes, Adauto (1988). O
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Ferreira, Jairo (2000). Cinema de invenção. São Paulo: Limiar.
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Rodrigues Coracini. São Paulo: Ática.
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Xavier, Ismail (1014). O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo:
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Xavier, Ismail (2006). Roteiro de Júlio Bressane: apresentação de uma poética. Alceu 6(12),
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Ossos (1997): a dor trágica de Pedro Costa
A n a F l áv i a de A n d r a d e F e rr a z 1
Abstract: The proposal of this article is to rethink the borders between the
tragedy and the tragic, although at some moments they seem blurred, at others
they suggest an autonomous way for the tragic experience. We reflect, through
the analysis of Ossos (1997), by the Portuguese filmmaker Pedro Costa, about
the possibility of both in the contemporary art. “In the movie, there is some-
thing very sick that starts invading everything” (free translation); with these
words, Pedro Costa presents his first movie of the Fontainhas trilogy. To enter
this territory, we will seek reference in the Poetics of Aristotle and the analysis
about tragic art promoted by Raymond Williams (2002), where we start from
the archaic to elucidate the contemporary tragic Poetics, allowing us to provide
a look at the construction of the current tragic heroes and their destinies, in a
narrative where there is no more land for gods and oracles, opening possibilities
for the disclosure of the human being from personal tragedies.
Keywords: portuguese cinema, Pedro Costa, tragic poetic.
CAMINHOS DO TRÁGICO
Dos mortais, não há um só homem que seja feliz.
Pode, se sobrevier a prosperidade, ser um mais bem sucedido
do que o outro; mas feliz, não é nenhum.
Eurípides, Medeia, v. 1.228-1.230
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Ossos (1997): a dor trágica de Pedro Costa
A TRAGÉDIA, QUE se inicia na Grécia antiga, em 334-330 a.C, ampliou-se e não mais
se restringe à dramaturgia de Ésquilo, Eurípides e Sófocles. Embora se admita
a impossibilidade da configuração da tragédia grega nas sociedades modernas,
isso não impede que encontremos reatualizações dos conflitos trágicos na atualidade.
Da Antiguidade, passando por Shakespeare, Racine, Corneille, a tragédia sobrevive e
se coloca como gênero. No século XX, dramaturgos, cineastas e escritores revisitaram
os tragediógrafos gregos com a proposta de trazer os mitos milenares para discussão
da sociedade contemporânea. No cinema, Pasolini talvez seja a personagem principal
destas releituras. Nos anos 60, o diretor leva para o cinema os textos gregos Édipo Rei
(1967) e Medeia (1969) e faz uma releitura da obra de Ésquilo em Notas para uma Oréstia
Africana (1970). O cineasta grego Michael Cacoyannis também reconta os mitos gregos
através das películas Electra (1962), As Troianas (1965) e Iphigenia (1977). O polêmico dina-
marquês Lars Von Trier leva para a televisão o mito da feiticeira da Cólquida, Medeia,
em 1985. E esses são apenas alguns exemplos.
Porém, se na essência a originalidade do conceito de tragédia se constituiu como
um gênero dramático que floresceu na Grécia antiga, atualmente ele compreende um
vasto campo de conhecimento. Tragédia e trágico são, portanto, palavras que evocam
uma pluralidade de sentidos e percepções. Ainda que as primeiras narrativas trágicas
tenham sido encenadas nas Dionisíacas Urbanas, a tragédia transformou-se, ao longo
do tempo, em uma categoria que ultrapassa a sua designação primeva. Da Grécia antiga
à contemporaneidade, o termo veio sofrendo modificações a ponto de distanciar-se
completamente da definição aristotélica, daí considerarmos hoje como tragédia toda
sorte de acontecimento doloroso.
Se em épocas atuais a reprodução da tragédia tal qual se encenava na Grécia antiga é
impossível, seja pela descrença do homem moderno em deuses e na punição sobrenatural
(WILLIAMS, 2002), seja pela cisão entre o mítico e o racional − algo inconcebível para
os gregos antigos −, incompatível com a tragédia, ou por vivermos numa época em que
a morte é banalizada (KOSIK, 1996, p. 4-5), o trágico como experiência está cada dia
mais em voga. Um breve passeio pelos noticiários repletos de guerra, mortes, crimes
passionais, comprova que as narrativas trágicas não morreram com os poetas áticos.
Dessa forma, como afirma Lesky, “A noção de que o nosso mundo é trágico em sua
essência mais profunda é bem mais antiga que a nossa época, mas compreende-se que
especialmente esta se sinta dominada por ideias desse tipo” (2010).
Essa resistência do sentido trágico demonstra a possibilidade de sua existência no
mundo contemporâneo. Daí a importância de sua análise na obra de arte, visto que é
por meio das expressões artísticas que os sujeitos criam formas poéticas para traduzir
seu mundo particular. No cinema português encontramos poéticas trágicas na obra do
realizador Pedro Costa. Esse trabalho pretende analisar como a estética costiana traduz
a tragicidade presente na obra Ossos, de 1997.
Nesta perspectiva, pretendemos repensar as fronteiras entre a tragédia e o trágico que,
embora em alguns momentos se apresentem borradas − demonstrando a inexistência do
segundo sem sua forma objetiva −, em outros se estabelecem mais fortemente, sugerindo
um caminho autônomo para a poética trágica. Refletiremos, por meio da análise da obra
do cineasta português, sobre a possibilidade de ambos na arte contemporânea.
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Ossos (1997): a dor trágica de Pedro Costa
Em seu cinema, Pedro Costa, traz a periferia lisboeta para as telas, ressaltando os
conflitos e dificuldades vividos pelos imigrantes cabo-verdianos, pobres e negros no
cenário do bairro periférico das Fontainhas. Ossos mostra os conflitos, a fragilidade, o
desamparo, o destino trágico dos pobres, negros e periféricos em Portugal e Cabo Verde.
A tragédia, aqui, é fruto da experiência social, política e econômica, cuja tragicidade se dá
através da desigualdade, injustiça e privações, geradas pela sociedade atual, permitindo-
-nos, assim, lançar um olhar sobre a construção do herói trágico atual e seu destino.
Nesta narrativa não há mais lugar para deuses nem oráculos, abrindo possibilidades
para o desvelamento do ser humano a partir de suas tragédias pessoais.
Atualmente tornou-se comum designar determinado fato desagradável como sendo
uma verdadeira tragédia, ou considerar algum desfecho fora de parâmetros previsíveis
como sendo de proporções trágicas; com isto, queremos afirmar que situações desa-
gradáveis ou catastróficas, ou ainda estados de solidão ou angústia, não são elementos
suficientes para a caracterização do trágico, porquanto “este se dá [...] através da sucessão
de acontecimentos, como que numa reação em cadeia” (CABRAL, 2000, p. 15). Como
afirma Lesky:
Há algo, sem dúvida, que podemos afirmar com inteira segurança: os gregos criaram a
grande arte trágica e, com isso, realizaram uma das maiores façanhas no campo do espíri-
to, mas não desenvolveram nenhuma teoria do trágico que tentasse ir além da plasmação
deste no drama e chegasse a envolver a concepção do mundo como um todo (2010, p. 27).
Com isso podemos assegurar que trágico e tragédia não são sinônimos, embora se
relacionem, já que a tragédia é a objetivação, em forma de obra de arte, da tragicidade e
onde “o trágico – o princípio da tragicidade − encontrou uma das suas expressões mais
grandiosas” (ROSENFELD, 2010, p. 14).
O curioso é que o termo grego tragikon tem significados diversos dos que comumente
aplicamos. Pode significar o mesmo que esplêndido, magnífico, arrogante, a depender da
situação em que é usado, porém sempre de uma forma negativa. Dificilmente é aplicado
a situações e acontecimentos tristes. “Em síntese, tragikon descreve, na maioria das vezes
pejorativamente, algo ou alguém que excede, ou especialmente quer exceder, as normas
humanas comuns aplicadas a todos os outros” (MOST, 2001, p. 23). A palavra indica,
portanto, algo que ultrapassa os limites, que excede, que é fora do normal.
O conceito de trágico estudado por Peter Szondi em Ensaio sobre o Trágico também
merece atenção. Szondi diferencia a poética da tragédia (desenvolvida e inaugurada por
Aristóteles) da filosofia do trágico (iniciada por Schelling). Embora haja relação entre
ambos, em linhas gerais, a filosofia do trágico ocupa-se do fenômeno do trágico e não do
efeito ou elementos constitutivos da tragédia, da poética da tragédia e sua configuração
como gênero artístico.
Nesse caso, uma poética filosófica investiga as tragédias como exemplos a partir dos
quais se pode extrair a concepção do trágico que, em vez de apenas determinar um
gênero poético, diz respeito à relação dialética entre o absoluto e o individual, entre o
divino e suas manifestações, entre o universal e o particular (SUSSEKIND, em SZONDI,
2004, p. 17).
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Ossos (1997): a dor trágica de Pedro Costa
Este trabalho busca elementos que nos permitam analisar o trágico plasmado na
poética da arte cinematográfica de Pedro Costa, entendendo como essa tradição teatral
migrou para o cinema e como o cinema a reflete, o que deteve e o que rechaçou nesta
transição. Pois,
[...] hoje em dia nossos teatros quase não produzem novas tragédias, mas nossas estradas as
produzem todo fim de semana. Agora o trânsito é ‘trágico’, não o mito. Portanto, enquanto a
palavra ‘trágico’ pretende definir o estado do homem no seu caráter permanente e imutável,
não é de fato difícil entender sua invenção como um sintoma característico da modernidade.
Pois a vida só pode parecer trágica quando, por um lado, nós ainda mantemos a expectativa
de que o mundo deveria ter sentido, mas, por outro, não estamos mais certos de que há um
deus que garanta o seu sentido. (MOST, 2001, p. 35).
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Ossos (1997): a dor trágica de Pedro Costa
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Ossos (1997): a dor trágica de Pedro Costa
Foi com Ossos que o cineasta português descobriu a atmosfera do bairro das
Fontainhas, comumente chamado pelos portugueses de bairro de lata4, na periferia de
Lisboa, onde habitam pessoas pobres. No filme também percebemos uma das marcas
do cinema de Costa: a metáfora. O título da película faz alusão à visibilidade dos corpos
que resistem, mas colocam à mostra as situações extremas que experimentam.
‘Os ossos são a primeira coisa que se vê nos corpos’, disse Pedro Costa numa entrevista.
Mas são também a última coisa que resta deles. O que mais me espanta neste espantoso
filme é que ele vai, incessantemente, osseamente, brancamente, do mais exposto ao mais
oculto, da evidência básica da nossa imagem à da desaparição dela. É um filme de corpos
vivos atravessado pela morte ou por aquilo que na morte implica o desaparecimento dos
corpos. (COSTA, J.B., 2010, s/p).
4. Favela.
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Ossos (1997): a dor trágica de Pedro Costa
É talvez essa uma das principais ‘tomadas de poder’ (e daí sua possível ligação com o
cinema dito moderno) dos filmes de Pedro Costa: a possibilidade de morrer, de agir sobre
si mesmo fatalmente, de fazer-se imagem apesar de tudo, de causar a própria morte, pois
essa parece a única possibilidade de vida para aqueles personagens de quem já se tomou
tudo (GOMES, 2010, s/p).
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Ossos (1997): a dor trágica de Pedro Costa
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Ossos (1997): a dor trágica de Pedro Costa
sobre o mal que os homens infligem entre si. Imagina, portanto, que o que Mizoguchi
quis dizer com o fechar de portas no final da película foi: “A partir daqui esse filme não
é mais possível, vai se tornar tão insuportável que talvez não haja mesmo um filme”
(COSTA, P., 2010, p. 150). E é isso o que ele faz também com Tina. Ossos fecha essa porta,
esconde algumas coisas, diz “que você pode sentir dor, mas não lhe diz tudo” (COSTA,
P., 2010, p. 152). Assim, como afirma Viegas, para Costa,
Fechar a porta é uma metáfora para a relação entre o espectador, o ecrã e as personagens,
um ponto de vista filosófico, uma ideia de cinema sobre aceder ou não às imagens, ao
que se passa dentro, expondo, deste modo, o olhar intrometido do espectador (através da
câmera, através do cineasta, através do ecrã) deste modo se criam n dimensões de acesso
á realidade: não há um só ponto de vista mas o ponto de vista exposto pelo cineasta pode
ser paradoxal- pode esconder, pode estar fora de campo. (VIEGAS, 2012, p. 93).
O cinema de Pedro Costa não abre todas as portas. Como ele mesmo afirma, seu
cinema “é uma porta fechada que nos deixa a imaginar” (COSTA, P., 2010, 147). Um cine-
ma de cenas longas, onde o foco narrativo se dispersa e dilui; uma arte, como já afirmou
Rancière, “pouco preocupada em contar histórias”. Nas palavras de Costa: “[...] ao começar
a pensar num filme, seja sempre a pensar a partir de alguém, real, um rosto, uma maneira
de andar, um sítio, mais do que uma história” (COSTA, P., em (MOUTINHO, 2005, p. 29).
Mas isso não significa que seja um cinema puramente contemplativo. Algo fica e
perdura. Pode-se chamar de uma arte antiaristotélica, anticartártica. Pedro Costa afirma
que “ver um filme significa não chorar quando chora um personagem” (COSTA, P., 2010,
p. 151). Percebe-se então que o cineasta não busca a empatia, tão apregoada pelo filósofo
grego, e que por tanto tempo pautou não apenas o teatro, mas a dramaturgia de um
modo geral. Uma arte causadora de piedade e medo, sentimentos típicos da tragédia
ática. Com a finalidade de purificação ou expurgação desses sentimentos, a catarse,
alcançada através da experiência artística, deveria acalmar as paixões do espectador.
Ora, o que Pedro Costa quer é exatamente o contrário. Quer que seu filme dure. Quer o
prolongamento, mas também o conflito. Quer fechar a porta, quer vetar a possibilidade
de os espectadores se verem na tela e, com isso, sentirem prazer. Quer, assim,
[...] um espectador que se posiciona contra mim, talvez mesmo contra o filme, mas ao menos
estará, assim espero, desconfortável e em guerra. Ou seja, esse espectador estará situado na
dificuldade do mundo. Não é bom que alguém se sinta confortável o tempo todo. (COSTA,
P., 2010, p. 153).
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Ossos (1997): a dor trágica de Pedro Costa
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Naify.
Filme
Ossos
Portugal/França/Dinamarca | 1997 | 35mm | cor | 94’
Direção e argumento: Pedro Costa
Produção: Madragoa Filmes
Coprodução: Gemini Films, Zentropa Productions
Produtor: Paulo Branco
Fotografia: Emmanuel Machuel (AFC)
Montagem: Jackie Bastide
Som: Henri Maikoff
Edição de som: Jean Dubreuil
Música: Wire, Os Sabura
Elenco: Vanda Duarte, Nuno Vaz, Maria Lipkina, Isabel Ruth, Inês Medeiros, Miguel Sermão,
Berta Susana Teixeira, Clotilde Montrond, Zita Duarte, Beatriz Lopez, Luísa Carvalho,
Aresta, Ana Marta, Iuran, Ricardo Tavares, Carolina Eira.
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Cine de epidemias: pestes y virus
en la imaginación de la catástrofe
Epidemics cinema: pests and viruses
in the imagination of catastrophe
Baldomero Ruiz Ortiz1
CINE DE EPIDEMIAS
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Cine de epidemias: pestes y virus en la imaginación de la catástrofe
A partir de una exploración de filmes en los que se pone en escena una epidemia
catastrófica (o la amenaza de ésta) hemos elaborado una clasificación a partir de la
procedencia de las enfermedades infecciosas que aparecen en las películas. Esto permitió
observar que los agentes de infección pueden tener uno o varios de los siguientes
orígenes: laboratorio, militar, extraterrestre, territorio o persona extranjera, contacto
con animales, fenómeno sobrenatural, contacto sexual, contaminación (ambiental, de
los alimentos) y desconocido.
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Cine de epidemias: pestes y virus en la imaginación de la catástrofe
provoca gran destrucción tienen como antecedente diversas historias de influjo romántico
como la del aprendiz de brujo de Goethe, la novela Frankenstein o el moderno Prometeo de
Mary Shelley o la leyenda de Fausto. En todas estas narraciones el problema principal está
relacionado con el mal y la calamidad que provoca el deseo desmedido de conocimiento
así como la transgresión que se comete cuando los seres humanos intentan dominar
las fuerzas que lo exceden. De forma parecida a estas historias, en muchas películas de
ficción las enfermedades de laboratorio tienen un poder destructor que, al ser liberadas
o salirse de control, se vuelve contra los seres humanos que intentaron dominarlas.
Algunos ejemplos de los filmes en los que se muestra la creación de una enfermedad
en un laboratorio y que por, alguna razón, se sale de control o es liberada intencionalmente
son los siguientes:
007 Al servicio de su majestad (John Barry,1969) Un científico loco intenta liberar una enfermedad para controlar
el mundo
Shivers (David Cronenberg, 1975) Error científico (un científico intenta eliminar una enfermedad
que ha creado, pero se produce una epidemia después de que
el hombre se suicida)
Rabid (David Cronenberg, 1977) Error científico (resultados inesperados en una operación médi-
ca experimental)
Misión Imposible 2 (John Woo, 2000) Falla de seguridad (un empresario farmacéutico crea un virus
mortal y el virus es robado por un grupo de criminales)
Anthrax: Terror biológico (Rick Stevenson, 2001) Falla de seguridad (intromisión de activistas a un laboratorio)
Soy leyenda (Francis Lawrence, 2007) Error científico (resultados inesperados en un tratamiento
contra el cáncer)
Exterminio 2 (Juan Carlos Fresnadillo, 2007) Falla de seguridad (contacto entre una persona sana y una
enferma en cuarentena)
H1N1: Virus X (Ray Stevens Harris, 2010) Enfermedad se sale de control (una empresaria farmacéutica y
un científico malvado intentan diseñar un virus altamente letal)
El planeta de los simios. Revolución (Rupert Wyatt, Error en el laboratorio (un asistente de laboratorio inhala una
2011) droga experimental)
Una parte importante de las películas de epidemias no sólo exponen que las enfer-
medades provienen de un laboratorio sino de centros de investigación militar que buscan
desarrollar armas biológicas. En estas películas también se suele exponer una situaci-
ón en la que los agentes de infección se salen de control o en la que el uso (accidental
o deliberado) de armas biológicas trae consecuencias catastróficas. Las películas que
ubicamos en este rubro se enumeran en la siguiente tabla:
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Cine de epidemias: pestes y virus en la imaginación de la catástrofe
El último hombre sobre la Tierra (Ubaldo Ragona, 1964) Guerra bacteriológica entre Estados Unidos y China
La última esperanza (Boris Sagal, 1971) Guerra bacteriológica entre Estados Unidos y China
Virus (Kinji Fukasaku, 1980) Liberación accidental de un virus diseñado por el ejército
norteamericano para disuadir a la Unión Soviética
Epidemia (Wolfgang Petersen, 1995) El ejército de Estados Unidos mantiene oculta la existencia
de una enfermedad similar al ébola y hace un arma biológi-
ca con el virus
Resident Evil, el huésped maldito (Paul W.S. Anderson, Liberación accidental de un arma biológica diseñada por
2002) una empresa que hace armamento
V de venganza (James McTeigue, 2005) Un partido de extrema derecha libera un virus en Inglaterra
para llegar al gobierno y ejercer el poder de forma totalitaria
El peor de los miedos (Chris Gorak, 2006) Ataque terrorista a la ciudad de Los Ángeles
Planeta Terror (Robert Rodríguez, 2007) Militares y contrabandistas disputan el control de un arma
biológica
El día del apocalipsis (Breck Eisner, 2010) Accidente de un avión militar norteamericano
Aislados (Carl Tibbetts, 2011) La armada británica hace experimentos con presidiarios y
uno de ellos se escapa
3. Por ejemplo, este autor relata que en 1793, durante la guerra entre Francia e Inglaterra por los territorios de
América del Norte, el general británico Geoffrey Amherst ordenó propagar la viruela entre las poblaciones
indígenas que se resistían al dominio inglés. (Oldstone, 2002, pp. 52-53).
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Cine de epidemias: pestes y virus en la imaginación de la catástrofe
Por otro lado, una lectura crítica de los filmes que presentan enfermedades
infecciosas como armas de guerra requiere identificar el contexto social y político en
los que se realizaron las producciones. Por ejemplo, una aproximación analítica de filmes
como V de venganza (James McTeigue, 2005) y El peor de los miedos (Chris Gorak, 2006)
puede tomar el contexto de alarma internacional producida por los ataques terroristas
en ciudades norteamericanas y europeas durante los primeros años del siglo XXI.
En cuanto a los filmes que tratan sobre microorganismos extraterrestres que
invaden la tierra y ocasionan graves enfermedades en los seres humanos encontramos
los siguientes títulos: La invasión de los ladrones de cuerpos (Don Siegel, 1956), X-7 Space
Master (Edward Bernds, 1958), Más allá de la barrera del tiempo (Edgar G. Ulmer, 1960), La
amenaza de Andrómeda (Robert Wise, 1971), Los usurpadores de cuerpos (Philip Kaufman,
1978), Invasores (Oliver Hirschbiegel, 2007). Estas películas constituyen una variante del
cine de invasiones extraterrestres que tuvo especial auge en los años de la Guerra Fría
y que tuvo como una de sus inspiraciones la carrera espacial entre Estados Unidos y
la Unión Soviética.
El cine de epidemias presenta otro tipo de invasiones provenientes de un lugar
ajeno al “nuestro” en las películas donde las epidemias surgen en un país extranjero.
En estas películas parece hacerse manifiesto el problema de la otredad y de la identidad
nacional. La peste en Nosferatu (Friedrich Wilhelm Murnau, 1922), por ejemplo, es un
mal que llega junto al vampiro, procedente de un territorio extranjero:
Otra forma en la que se manifiesta el poder de Nosferatu es la peste, epidemia con la que
no está familiarizada Bremen y que provoca la muerte de sus habitantes. En esa época los
alemanes habían firmado el Tratado de Versalles, quedando sin posibilidades de tener ejér-
cito y completamente desarmados, el mal provenía del exterior (Erreguerena, 2007, p. 127).
Las películas que encontramos en las que las enfermedades infecciosas proceden
de una persona o territorio extranjero son las siguientes:
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Cine de epidemias: pestes y virus en la imaginación de la catástrofe
26. El vector es un organismo hospedero o intermediario que permite la transmisión de una enfermedad
entre un sujeto enfermo y uno sano. La rabia, por ejemplo, tiene como vectores a los perros, roedores,
murciélagos y tlacuaches (Pérez, 2000, p. 41). Cabe mencionar que la asociación de la peste con las ratas y
la influenza con los cerdos y aves tiene un antecedente histórico ya que, efectivamente, estos animales han
transmitido o facilitado la transmisión de estas enfermedades al ser humano.
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Cine de epidemias: pestes y virus en la imaginación de la catástrofe
4. Perret; et al. (2001) sostienen que la quinta y sexta plaga de Egipto tienen una descripción similar a la
del carbunco o ántrax.
5. La enfermedad de las vacas locas forma parte de un grupo más amplio de patologías conocidas como
encefalopatías espongiformes las cuales, en sus diferentes variantes, afectan a los seres humanos (la
enfermedad de Creutzfeldt-Jakob) y a otras especies como las ovejas (enfermedad de scrapie). En los años
ochenta y noventa del siglo pasado, el brote de esta enfermedad en vacas de granjas inglesas y el posterior
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Cine de epidemias: pestes y virus en la imaginación de la catástrofe
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Cine de epidemias: pestes y virus en la imaginación de la catástrofe
que provoca la catástrofe como el que permite llegar a una solución. Se puede decir
que las imágenes fáusticas y prometeicas de la ciencia son las caras complementarias
de una misma moneda que frecuentemente el cine de ficción hace girar para el entre-
tenimiento de su público.
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Cultura Económica.
de la ciencia ha sido un tema de varias investigaciones. En un estudio sobre el periodismo científico, Dorothy
Nelkin (1990) encontró que la prensa de los Estados Unidos tiende a mostrar una actitud ambivalente
hacia la ciencia ya que las publicaciones periodísticas edifican sus imágenes en términos paradójicos.
Desde el punto de vista de las representaciones sociales, Berruecos (2000) analiza un corpus de artículos de
divulgación científica sobre la clonación de la oveja Dolly y encuentra proyecciones valorativas asociadas
a los mitos de sacralización y satanización de la ciencia y los científicos. Por otro lado, Martha Tappan
(2008) encontró que en la película El sexto día (Roger Spottiswoode, 2000) también se edifican este tipo de
imágenes ambivalentes de la ciencia.
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A representação do menor infrator no cinema
e na imprensa: o caso de De Menor (2013)
The representation of the young offender in film
and press: the case of Underage (2013)
Caio L amas1
1. Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e professor das Faculdades Integradas Interamericanas
(FAITER/Oswaldo Cruz). E-mail: caiolamas@uol.com.br.
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A representação do menor infrator no cinema e na imprensa: o caso de De Menor (2013)
Caio Lamas
INTRODUÇÃO
2. A respeito de Pixote, publiquei em parceria com o Prof. Dr. Antônio Reis Junior artigo em que analisamos
seu processo de censura, juntamente com algumas das sequências que sofreram cortes. Cf. REIS JUNIOR,
Antonio; LAMAS, Caio. A infância aniquilada sob censura em Pixote: o cinema brasileiro entre interdições
e liberdades. Revista Brasileira de História da Mídia. Vol. 3, n. 2, p. 91-100, jul./dez. 2014.
3. Além de ter sido selecionado para os festivais de San Sebastián (Espanha), Toulouse e Biarritz (França).
4. Disponível em http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/01/13/tragedia-em-tom-menor/. Acesso em 14 jan.
2015.
5. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/09/1510297-critica-de-menor-rejeita-
formula-facil-e-da-folego-ao-cinema-nacional.shtml. Acesso em 14 jan. 2015.
6. Disponível em http://oglobo.globo.com/blogs/juridiques/posts/2014/09/09/de-menor-filme-548586.asp.
Acesso em 14 jan. 2015.
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A representação do menor infrator no cinema e na imprensa: o caso de De Menor (2013)
Caio Lamas
en la práctica constituye lo que podríamos llamar el núcleo cognitivo del prejuicio, es decir, el
conjunto de las informaciones y creencias respecto a una cierta categoria de objetos, reela-
borada en una imagen coherente y tendencialmente constante, en condición de sostener y
reproducir el prejuicio frente a ellos. (MAZZARA, 1999, p. 14)
Há assim, nas lutas simbólicas traçadas pela manutenção desse “equilíbrio instável
de poder”, uma ação generalizante e homogênea típica da configuração dos estereótipos,
quando
o grupo estabelecido tende a atribuir ao conjunto do grupo outsider as características ‘ruins’
de sua porção ‘pior’ – de sua minoria anômica. Em contraste, a auto-imagem do grupo
estabelecido tende a se modelar em seu setor exemplar” (ELIAS, 2000, p. 22-23).
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abastada mesmo depois da promulgação do ECA. De acordo com Marino, Brasiliense (2007)
e Espíndula (2006), essa cisão permanece, tanto no senso comum como na imprensa, pro-
vando a rigidez que o estereótipo do menor pobre adquiriu na cultura ao longo dos séculos.
Esse estereótipo pode ser visto abundantemente na televisão, como por exemplo-
9
em reportagem veiculada no Fantástico em 2009 a respeito da internação de três jovens
infratores de 15 anos em Cuiabá, capital de Mato Grosso10.
A narrativa principia com imagens de câmeras de segurança de assaltos cometidos
pelo grupo, enquanto na locução ouvimos: “por que jovens agem com tanta brutalidade?
Qual a responsabilidade da família?”. Como na maioria das reportagens televisivas,
somos guiados pela didática locução do jornalista, que procura ligar elementos disper-
sos em um eixo lógico argumentativo, de modo a deixar os fatos o mais claro possível.
As imagens de câmeras de segurança são abundantes, de diferentes ângulos, e o
destaque da narrativa vai para os momentos de violência, sobretudo aqueles em que as
vítimas se mostram desprotegidas, cooperando com os assaltantes, que mesmo assim as
agridem fisicamente. Juntam-se imagens de silhuetas, rostos desfocados, vozes distorcidas,
corpos recortados pela câmera, que omite a imagem integral dos acusados. São ouvidos
os jovens – com uma participação mínima na narrativa- os policiais, as vítimas, espe-
cialistas, culminando no arrependimento dos pais e em um pedido público de perdão.
Há assim a preservação da ordem: o ciclo de violência se encerra com a prisão dos
jovens, juntamente com o arrependimento e a humilhação em cadeia nacional deles e de
seus familiares, na tentativa de redimir as infrações reveladas no início da reportagem.
A ordem, entretanto, não está completa: questiona-se, evidentemente, a impunidade que
recairia sobre os jovens, uma vez que estariam abaixo da idade para assumirem pena-
lidades legais mais severas de acordo com o ECA. A legislação aparece, assim, como a
barreira entre a ordem e a desordem.
Traça-se dessa forma o perfil do outro estigmatizado, monstruoso, desordeiro e,
finalmente, pobre: fica claro que os jovens tem baixo poder aquisitivo – usavam o dinhei-
ro dos roubos para frequentar lan houses, comprar cigarros e isqueiros. A aparição dos
cigarros na fala de um dos jovens indica o uso de drogas, citadas também ao longo de
outros depoimentos. Em todo esse desenrolar, as explicações e a própria tessitura da
narrativa são construídas de fora: jamais a câmera adentra na realidade direta dos jovens,
explorando as condições que os levaram a cometer os crimes, a não ser pelo discurso
dos especialistas e policiais.
Fecha-se, assim, um ciclo: uma narrativa didática, que elimina contradições e ambi-
guidades, representando os jovens como monstruosos e desordeiros – portanto, outsiders
estigmatizados – e que tem, pela variedade de imagens e de depoimentos que utiliza,
um certo tom totalizante, abrangente, como se evidenciasse a verdade dos fatos a partir
de todos os lados a serem escutados da história.
9. Escolhemos este exemplo por considerá-lo simbólico da abordagem frequentemente empregada em
programas jornalísticos a respeito do tema do menor infrator. Há que se considerar, evidentemente, outras
abordagens que também existem, mesmo no telejornalismo. Podemos citar ao menos uma: aquela em que
uma ou duas crianças tem seus percursos na Justiça aproveitados como eixo central da narrativa. Há aqui
uma proximidade com os sujeitos, mas que cai para a espetacularização e sensacionalismo. Cf. programa
Repórter Record sobre o tema: https://www.youtube.com/watch?v=qIs_DHn8tkg. Acesso em 16 jan. 2015.
10. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=gkQEqZh9uUw. Acesso em 15 jan. 2015.
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A representação do menor infrator no cinema e na imprensa: o caso de De Menor (2013)
Caio Lamas
DE MENOR : A CONTRA-REPRESENTAÇÃO DO
MENOR INFRATOR DA IMPRENSA
De Menor conta a história de Helena (Rita Batata), uma advogada recém-formada
que trabalha como Defensora Pública de crianças e adolescentes no Fórum de Santos.
Realiza os atributos de sua função em sessões no Fórum diante dos jovens que defen-
de, do Promotor (Rui Ricardo Diaz) e do Juiz (Caco Ciocler), com os quais, apesar de
apresentar certa rivalidade em uma primeira impressão, tem uma relação pessoal e
próxima. No Fórum, vemos como com que frequência ela tem que defender crianças e
jovens pobres e negros, fatalmente enquadrados no estereótipo do menor infrator tal
qual exposto ao longo deste artigo. Há no exercício de sua função algo de maternal: se
o Promotor e o Juiz demonstram-se sempre severos, em tom intimidador diante dos
infratores, Helena se mostra mais compreensiva, sempre procurando convencer o Juiz
a considerar atenuantes dos casos e adotar penas mais flexíveis.
Ao mesmo tempo, Helena é irmã do jovem Caio (Giovanni Gallo), e é responsável
legal não só por ele como pela casa em que vivem, uma vez que seus pais vieram a fale-
cer recentemente. Logo nos momentos iniciais do filme, a montagem dá especial ênfase
aos momentos de convivência dos irmãos: na praia ou na sala da casa, colocada à venda
por problemas financeiros, temos acesso ao cotidiano de proximidade e cumplicidade
dos dois, marcado pelo frequente contato físico e por brincadeiras pueris. Não há aqui
qualquer fato extraordinário: ao contrário, a impressão que se tem é até de uma certa
monotonia, resultado também da temperatura elevada – estamos, afinal, em uma cidade
litorânea – e do tipo de situação corriqueira abordada.
O filme assim se divide entre essas duas facetas da vida de Helena, a profissional
e a pessoal. Em ambas, vemos uma mulher jovem, bastante dedicada e comprometida
com suas responsabilidades. O tom de proximidade estabelecido com seus colegas de
trabalho e com seu irmão mais novo é revelador da dimensão privada, reduzida, de
poucos personagens, frequente em outros filmes do cinema brasileiro contemporâneo
como Contra Todos (Roberto Moreira, 2003), O Céu de Suely (Karim Aïnouz, 2006), O
Som ao Redor (Kleber Mendonça Filho, 2012), Um Céu de Estrelas (1996) e Hoje (2011), os
dois últimos dirigidos pela mãe de Caru Alvez de Souza, a cineasta Tata Amaral. Há
claramente nesse aspecto uma característica central na narrativa de De Menor: seu eixo
é construído sempre a partir da perspectiva de Helena. Não temos acesso, assim, a
situações que fogem do conhecimento ou da participação da personagem. Esse é um
dado de especial importância, que retomaremos mais adiante na análise.
Entretanto, essa dimensão privada convive, no caso de De Menor, com o tema de que
trata o filme, de cunho evidentemente social. Assim, percebemos como Helena parece
realmente se importar com o destino dos jovens cuja defesa lhe é incumbida, a ponto
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Caio Lamas
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Caio Lamas
Dessa maneira, está dito de maneira implícita em De Menor que o filme não é uma
reportagem; não aborda os fatos da mesma perspectiva; não coaduna com a opinião do
senso comum a respeito do menor infrator; e, sobretudo, de que não há como estabelecer
certezas inequívocas a respeito do tema. Trata-se, logo, de uma contra representação da abor-
dagem jornalística, que procura ocultar ou ao menos problematizar sua abordagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estigmas atravessam o tempo: quanto mais profundamente arraigados em
uma cultura, mais dificilmente são esquecidos ou sofrem modificações substanciais.
Permanece, assim, o estigma do menor infrator, a despeito de alterações em seu estatu-
to legal. Prolongam-se no tempo, dessa forma, as marcas de um estereótipo, difundido
sobretudo pela grande imprensa, que aponta sempre os menores infratores – os outsi-
ders – como sendo pobres e negros, distantes da classe média – os estabelecidos – que
os telejornais buscam representar.
A existência de um filme como De Menor, entretanto, aponta para a permanência de
disputas não só ideológicas, mas propriamente narrativas a respeito do tema. Há nesse
conflito algo próximo do que Coetzee denomina guerra de representações, ou a tentativa
das narrativas de se sobrepujarem umas às outras.
Finalmente, é importante notar que, mesmo com todas essas diferenças, há ainda um
traço que liga De Menor e a reportagem do Fantástico: ambas as perspectivas são ainda
externas ao menor infrator, ainda que com distâncias opostas. Falta ainda, no conflito
simbólico que se deflagra no horizonte, ouvir a voz daqueles que ocupam o lugar do
estigma do menor infrator em nossa cultura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Fluminense, 18, 1-21.
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ELIAS, N.; SCOTSON, J. L. (2000). Os Estabelecidos e os Outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
ESPÍNDULA, D. H. P.; ARANZEDO, A. C.; TRINDADE, Z. A.; MENANDRO, M. C. S.;
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adolescentes em conflito com a lei em material jornalístico. PSIC: Revista de Psicologia
da Vetor Editora, 7 (2), 11-20.
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e diferença. Rio de Janeiro: Petrópolis, Vozes.
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O Qualquer ou um Céu De Possibilidades
The Anyone or a Sky Of Possibilities
Felipe Diniz1
Abstract: This text aims to raise problems about the individuation processes
of anonimous characters marked in the cinema by the anyone figure. At cros-
sing Deleuze and Peirce concepts of singularity, individuation and identity, we
intend to understand how this figure is foregrounded by a cinematographic
space situated on the terrain of diference and multiplicity. Such prerrogatives
will be contextualized having as background the characters of Sergio Borgers
documentary “The Sky on the Shoulders” (Brasil, 2011), who move themselves
between the singularity of a potencial energy and the rigidity of an identity
full of clichê.
Keywords: Anyone. Singularity. Cinema.
E STE TEXTO visa problematizar as operações de individuação que se dão nos per-
sonagens anônimos, marcados no cinema pela figura do qualquer. Para tanto,
conceitos de singularidade, individuação e identidade serão confrontados a partir
das teses de Deleuze e Peirce. Como pano de fundo traremos à tona os personagens do
documentário O Céu Sobre os Ombros2, sobre os quais pesarão as teorias desfiladas no
decorrer do texto. Acreditamos que ao cruzarmos as teorias de Deleuze e Peirce sobre
singularidade e individuação com o modo com que os personagens são evidenciados
na tela no filme específico, podemos encontrar a sutileza de um corpo ambíguo em
eterno devir. Personagens que transitam entre a singularidade de uma energia em
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O Qualquer ou um Céu De Possibilidades
Felipe Diniz
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O Qualquer ou um Céu De Possibilidades
Felipe Diniz
Deleuze em seu texto Los Signos del Movimiento y el Tiempo (2011) retoma a
classificação das imagens3 desenvolvida por Peirce (primeiridade, secundidade e
terceiridade) para desenvolver as relações entre a imagem e o signo. Tal categorização
se mostra relevante para compreendermos a natureza do domínio da singularidade
nos processos de individuação do sujeito. Identificamos a natureza deste processo na
passagem da primeiridade para secundidade. Por esta razão nos deteremos mais na
composição destes dois arranjos, deixando a terceiridade para um outro momento.
Segundo os critérios de categorização estabelecidos por Peirce, a primeiridade
pode ser entendida como um modo de ser sem referência. Apresenta-se como a cate-
goria do possível. Espaço de onde emergem as qualidades puras, não atualizadas em
estados de coisas. Não são realidades, mas possibilidades percebidas pelo que o autor
chama de consciência imediata. Tais qualidades preenchem um espaço opaco, pré-
-individual. Neste terreno encontramos as singularidades. A secundidade expressa o
espaço de uma qualidade atualizada em um estado de coisas4. Faz parte da categoria
do real, de uma consciência qualificada. Uma qualidade que não é mais pura, e sim
relacionada a um objeto.
Na conexão destes dois polos identificamos os processos de individuação. A pri-
meiridade expressa a possibilidade pré-individual e a secundidade atualiza uma qua-
lidade, que passa a ser individuada em um estado de coisas. No campo pré-individual
encontramos as singularidades. Segundo Deleuze (2011, p.131) “o possível é um potencial
singularizado que se distingue de toda realidade individuada”. Aqui, na esteira de
Deleuze e Peirce marcamos a diferença crucial entre a singularidade e a individualidade.
As singularidades existem no campo da energia potencial em instâncias pré-individuais.
“Há uma singularidade da qualidade antes de que haja uma individuação em um
estado de coisas que atualiza a qualidade (...) as qualidades não são generalidades, são
singularidades” (DELEUZE, 2011, p.130).
Ao retomar a teoria de Simondon5, Deleuze (2011) coloca as singularidades em
instâncias pré-individuais, situadas como energias potenciais. Para cada campo
específico podemos considerar uma infinidade de potências (qualidades) prestes a serem
atualizadas em um estado de coisas. No exemplo do cinema, temos condições de elencar
uma série de qualidades que existem em potência: o violento, o alegre, o triste, o corajoso,
o medroso e etc. Qualidades singulares do campo cinema, que como primeiridade
mudam de natureza quando atualizadas em corpos ou objetos, passando, assim, para
o domínio da secundidade. Personagens violentos, heróis, homens, mulheres, crianças
3. Para Peirce imagem é aquilo que aparece. É o aparecer, e se aproxima da ideia de fenômeno, aplicado ao
conceito de faneron . Para o teórico americano as imagens são o estudo dos fanerons. O faneron é o aparecer,
é o luminoso, o que aparece a luz. (DELEUZE, 2011)
4. Segundo Deleuze (2011) o estado de coisas é o meio determinado por um espaço e por um tempo
determinados por onde se atualizam as qualidades puras. O vermelho de uma rosa, por exemplo, é um estado
de coisas, porque este vermelho desta rosa implica um meio para se atualizar. A qualidade “vermelho”é
considerada atualizada em um objeto, a rosa. Assim todo estado de coisas é individuado, e pertence,
portanto, ao domínio da secundidade, em termos peirceanos.
5. Segundo Gilbert Simondon a individuação se dá sempre em um campo pré-individual que ela supõe. “O
campo pré-individual é um campo que a física designa como potencial. A física fala de energias potenciais.
Não são corpos individuais, são energias potenciais. Estes potenciais são as singularidades do campo.”
(DELEUZE, 2011, p.129)
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Felipe Diniz
6. Considerado um marco no cinema documentário universal, o filme Nanook do Norte, de Robert Flaherty,
causou um enorme impacto ao ser lançado em 1922. Ao exibir na tela imagens da vida de um esquimó
canadense e sua família, representados sob propostas claras de mise em scene, o diretor apontava para o
surgimento de um novo gênero.
7. Mencionamos Nannok como o primeiro “qualquer” da história do documentário, pois se considerarmos
a história do cinema em geral, teremos que incluir neste sistema os anônimos que se movimentavam pela
cidade nas películas dos irmãos Lumiere.
8. “O campo dos Estudos Culturais surge, de forma organizada, através do Centre for Contemporary
Cultural Studies (CCCS), diante da alteração dos valores tradicionais da classe operária da Inglaterra
do pós-guerra(...) As relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas culturais,
instituições e práticas culturais, assim como suas relações com a sociedade e as mudanças sócias, vão
compor o eixo principal de observação do CCCS” (Escosteguy, 2001, p.21).
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Felipe Diniz
9. Guatarri (1999, p.74)) afirma que a “ideia de devir está ligada a possibilidade ou não de um processo se
singularizar”. O autor dá o exemplo da reivindicação de minorias pelo reconhecimento de sua identidade:
o feminismo não existe como um modelo, um quadro identitário que representa a mulher em determinado
contexto histórico e social, mas é “portador de um devir feminino” (p.73), que não toca apenas às mulheres,
mas os homens e as crianças. O feminismo, neste sentido, não se enquadra a uma identidade enclausurada
inserido em um modelo pré-estabelecido, mas a uma possibilidade de existência, a uma energia potencial
pronta para ser atualizada em diferentes corpos ou movimentos.
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O Qualquer ou um Céu De Possibilidades
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10. http://blogs.estadao.com.br/luiz-zanin/o-ceu-sobre-os-ombros/
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O Qualquer ou um Céu De Possibilidades
Felipe Diniz
anônimos, cuja adequação à figura do qualquer não é marcada pela indefinição, pelo
vazio de personalidades, pela ausência de afetos ou de ações, entretanto traduz-se como
movimento permeados pela invenção. Personagens submersos em uma narrativa cujas
atualizações atravessam imagens que se desdobram em mundos desconhecidos, até
mesmo pelos sujeitos da enunciação.
O qualquer como singularidade (qualidade pré-individual), sobrevoa a individuação
dos corpos no filme. Um qualquer que não se assemelha ao ordinário. A singularidade
“é neutra. Em compensação não é ‘ordinária’: o ponto singular se opõe ao ordinário”
(DELEUZE, 2003, p.55). Uma condição neutra quando confrontada com modelos.
Qualidades não ordinárias, mas esmagadas por possibilidades. Um corpo fugidio que
transpira ambiguidades.
Aquilo que o qualquer acrescenta à singularidade é apenas um vazio, apenas um limiar.
Qualquer é uma singularidade, mais um espaço vazio, uma singularidade finita e todavia
indeterminável segundo um conceito. Mas uma singularidade mais um espaço vazio não
pode ser outra coisa, senão uma exterioridade pura, uma pura exposição. Qualquer é neste
sentido o acontecimento de um fora. (Agamben, 2013, p.64).
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O Qualquer ou um Céu De Possibilidades
Felipe Diniz
O filme mais de uma vez se utiliza do recurso do plano geral panorâmico da cidade.
As imagens são comumente apresentadas em silêncio. O movimento da câmera é lento,
de modo que o que observamos é uma cidade que se revela aos poucos. Nada pode ser
identificado a não ser a possibilidade de muitas existências. No plano não escutamos
nenhuma voz, a não ser a que ecoa a diferença e a multiplicidade. Vemos milhares de
janelas, onde reflexos apontam para sujeitos que não conhecemos. Assim como Lwei,
Evelyn e Murari, personagens cuja existência acompanhamos por algumas horas, mas
que permanecem anônimos. Permanecem indefinidos no que toca uma identidade fixa,
mas definidos na figura do qualquer.
Evelyn está deitada semi-nua em sua cama. Fuma um baseado. O ventilador ligado
ameniza o calor do conjugado que habita. Ela está em silêncio. Uma música reverbera
do rádio. Nada mais acontece, apenas o tempo agindo sobre a ação. Um tempo que
parece pesar sobre a cena. Um tempo que não se mostra atenuante de movimentos, não
se mostra como pausa, mas como cúmplice de uma dada multiplicidade de possíveis,
prestes a se atualizarem naquele corpo, que paradoxalmente se encontra inerte, sem
nunca tornar-se definitivamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGAMBEN, Giorgio. A comunidade que vem. São Paulo: Autêntica, 2013.
DELEUZE, Gilles. A lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 2003.
______. A ilha deserta. São Paulo: Iluminuras, 2008.
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HALL, Stuart. A Identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
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ZANIN, Luiz. O Céu Sobre os Ombros. São Paulo, 18 nov. 2011. Disponível em http://
blogs.estadao.com.br/luiz-zanin/o-ceu-sobre-os-ombros/ Acesso em: 27 jul. 2014.
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Leopoldo Torre Nilsson e o percursso rumo
à modernidade cinematográfica
E s t e vã o G a r c i a 1
Abstract: In the context of argentinian cinema in the turn of 1950’s to 60’s,the most
prominent figure was Leopoldo Torre Nilsson, who paved the way to the contem-
porary and modern cinema in Argentina: the Nuevo Cine Argentino or Generación
del 60. Nilsson had a pivotal role in the transition from classic to modern cinema
in his country and was one of the pioneers of modern latin-american cinema. In
national or continental perspective he has been considered a director of transition.
Through a formal analyses of one of his films: El Secuestrador (1958), our goal is
to detect or find out the characteristics that made him a so called Transitional
Movie Maker, between classic and modern.
Keywords: Classic cinema. Modern cinema. Argentinian cinema, Leopoldo Torre
Nilsson. El secuestrador.
PRECURSORES OU PIONEIROS
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Leopoldo Torre Nilsson e o percursso rumo à modernidade cinematográfica
Estevão Garcia
2. O crítico italiano Lino Micciché define e singulariza os Cinemas novos em relação ao cinema clássico
por meio de cinco categorias ou níveis: estruturas narrativas, procedimentos rítmicos, fílmico, mensagens
ideológicas e estruturas produtivas, ver (MICCICHÉ, 1995, 25-30).
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Leopoldo Torre Nilsson e o percursso rumo à modernidade cinematográfica
Estevão Garcia
estúdios, compreende além dos dois filmes acima citados, Días de odio (1953), La tigra
(1953), Para vestir santos (1954) e El protegido (1956). A segunda etapa é considerada a mais
“frutífera e experimentadora” e também é singularizada pela colaboração com a escritora
Beatriz Guido, sua esposa. Abarca Graciela (1955), La casa del ángel (1957), El secuestrador
(1958), La caída (1959), Fin de fiesta (1959), Un guapo del 900 (1960) e La mano en la trampa
(1960). O terceiro período é o que se inicia com o “bergmaniano” Piel de verano (1961),
passa por La terraza (1962) e se caracteriza pelas frustradas coproduções, primeiro com
Columbia Pictures e depois com o produtor porto-riquenho André Du Rona. Logo após
essa etapa, Nilsson flerta com o cinema histórico espetacular, se escorando em certa
literatura consagrada e na história oficial, com o claro objetivo de estabelecer uma sinto-
nia com a ditadura do general Juan Carlos Onganía. Pertencem a esse momento Martín
Fierro (1968), El santo de la espada (1969) e Güemes, la tierra en armas (1971). Por fim, a sua
última fase compreende uma trilogia sobre os anos 1930 argentinos, também conhecidos
como a “década infame”: La máfia (1971), Los siete locos (1972) e El Pibe Cabeza (1974), como
também uma adaptação a Aldolfo Bioy Casares: La guerra del cerdo (1975) e um retorno
à obra literária de sua companheira Beatriz Guido: Piedra libre (1976).
No entanto, dentro de uma obra cinematográfica tão ampla e complexa, nos con-
centraremos em um filme de sua segunda fase: El secuestrador. O fato de que este filme,
como apontamos, seja considerado um dos precursores do cinema latino-americano
moderno e um demarcador da passagem entre o cinema industrial e o cinema de autor
na América Latina justifica a nossa escolha, uma vez que objetivamos analisar os pontos
que qualificariam Torre Nilsson como um cineasta da transição entre o cinema clássico
e o moderno. Antes, porém, revisaremos brevemente algumas características do cinema
clássico e do moderno para tentarmos compreender a possibilidade da coexistência
entre ambos em El secuestrador.
O CLÁSSICO E O MODERNO
A narrativa clássica apresenta personagens psicologicamente coerentes cujo per-
curso é marcado pela procura da resolução de problemas claramente indicados ou pela
busca de objetivos definidos. Em seu périplo, o personagem terá que enfrentar uma
série de dificuldades, motivadas pelo conflito estabelecido com outros personagens
ou por circunstâncias externas. A história se conclui com uma vitória retumbante do
protagonista, com o desmanche do nó principal ou com a culminação de seus objetivos
perseguidos. O que aqui se torna evidente é que o personagem protagonista é o principal
meio causal da história, em outras palavras, o motor que a faz andar. Construído como
um ser especial, distinto dos demais que circulam em seu entorno, é formado por uma
série coerente de características pessoais, condutas e objetivos. É em torno dele que
surge o problema principal, um estado de perturbação que altera a ordem natural das
coisas e que por isso mesmo precisa ser combatido para que tudo volte à normalidade.
A estrutura do argumento clássico pode ser assim resumida: uma situação de paz e
harmonia é alterada por uma perturbação, logo, surge, por meio do protagonista, a luta
contra essa perturbação e a sua posterior eliminação.
Na armação clássica de uma história a causalidade é o principal elemento uni-
ficador. As relações de causa e efeito se configuram como principio organizativo.
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Estevão Garcia
EL SECUESTRADOR
O filme nos introduz a um bairro afastado e miserável de Buenos Aires onde mora
Berto (Leornado Favio), um adolescente de 16 anos, filho de uma quitandeira. O pro-
tagonista é líder de uma pequena quadrilha composta por um pré-adolescente e duas
crianças, os irmãos Gustavo (Carlos López Monet) e Pelusa (Oscar Orlegui) que, por sua
vez, carregam o caçula Bolita, um bebê de um ano de idade. Aos poucos, a narrativa
nos faz entender que a mãe dos garotos é alcoólatra e que, impossibilitada de cuidar
de seu filho por conta do vício, o deixa sob os cuidados dos irmãos. A família é ainda
3. Segundo Bordwell (1996, p.209) podemos entender como comentário autoral aberto quando o ato narrativo
interrompe a transmissão da informação da história e enfatiza o seu papel. Isso pode acontecer por meio
de um ângulo incomum, um corte acentuado, um movimento de câmera surpreendente, uma alteração
não realista na iluminação, uma disjunção na banda sonora ou qualquer outra interrupção do realismo
objetivo não motivada pela subjetividade dos personagens. Todos esses efeitos podem ser compreendidos
como um comentário da narrativa.
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composta por um pai bêbado e agressivo e por Flávia (María Vaner), tia materna dos
meninos e namorada de Berto. O espaço do bairro é logo no inicio desenhado e estru-
turado de forma coerente. Sabemos que está localizado próximo a um pântano – que
futuramente será importante para a história –, dos trilhos de um trem de carga e de um
porto. Os ruídos que emanam tanto do trem como dos navios serão significativamente
presentes na banda sonora.
Tendo sido feita a apresentação dos personagens e de seu entorno, logo podemos
pensar que se trata de um filme de inspirações neorrealistas. Constatamos aqui a prepon-
derância de cenas filmadas em locações – apesar de o filme ser produzido pela Argentina
Sono Film –, a presença de crianças e o retrato das classes populares e humildes. No
entanto, com a exceção das crianças, todos os demais atores são atores profissionais. A
representação do povo, ao contrário da grande maioria dos filmes neorrealistas, não
é idealizada. Temos a presença de um mundo cruel e violento onde o meio apresenta
notável reverberação no comportamento e na maneira de pensar de seus habitantes.
Na cena em que os meninos entram pela primeira vez na casa, vemos um breve plano
inclinado não motivado pelo ponto de vista dos personagens e sem nenhuma outra
explicação “realista”. Esse efêmero plano já nos indica a despreocupação do realizador
com o realismo e a sua ênfase acima de tudo no estilo.
O seu estilo, como no cinema clássico, está a serviço da história, mas não só. Há
aqui a presença de comentários autorais abertos. A sequência da quermesse se encerra
com o detalhe do que parece ser um cartaz de filme onde visualizamos um casal se
abraçando. Perguntamo-nos o que o narrador pretendeu nos indicar com a ênfase em
um objeto do cenário que nos planos anteriores nos pareceu irrelevante. O uso da música
vanguardista e dodecafônica, composta pelo músico erudito Juan Carlos Paz, confere ao
filme um universo sonoro inovador e também pode ser entendido como um comentário
autoral, uma vez que causa um notável estranhamento.
A transição entre as sequências são demarcadas de maneira funcional: fusões suaves
concretizam a passagem de um segmento para o outro. Porém, apesar da construção
temporal ser linear, a narrativa é episódica. Temos a noção dos dias transcorridos e da
delimitação dos dias e das noites, no entanto, as situações são expostas em bloco. Não
há aqui um objetivo concreto a ser alcançado. As motivações do protagonista estão
concentradas entre articular um novo golpe e conseguir levar a sua namorada para a
cama. Os garotos também apenas vivem o seu cotidiano: cuidam irresponsavelmente
do bebê, brincam e sonham em possuir um carrinho de algodão doce. Essa maneira de
organizar as situações expostas e a indeterminação dos personagens traz ao filme um
inevitável tom de crônica.
Berto, o protagonista, fracassa em todas as suas ações. Tenta orquestrar um primeiro
roubo de grande monta, mas, ao propor o negócio a Banano, é agredido por este que
decide o excluir e empreender o roubo à borracharia com a sua própria gangue. Depois,
quando finalmente convence Flávia a fazer sexo e arranja um local para concretizar o
coito – um panteão abandonado em um cemitério – é surpreendido por dois homens
que, além de golpeá-lo, estupram a sua namorada. Posteriormente, ao tentar se vingar
de seus algozes, mais uma vez vê os seus planos serem frustrados. Os homens arrancam
a espingarda que levava e novamente o derrubam com violência. A sua impotência e
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incapacidade de realizar seus desejos faz com que Berto esteja longe de ser um protago-
nista clássico. Porém, ele tampouco encontra espaço para desdobrar os seus problemas
existenciais. Esses são levemente sugeridos. O protagonista masculino envolvido em
seus dilemas pessoais aparecerá em filmes posteriores de Torre Nilsson: Fin de fiesta
(1960), Piel de verano (1961) e El ojo que espía (1967). Curiosamente, todos os protagonistas
desses filmes pertencem à alta burguesia. Será que crises existenciais se configuram
como privilégio das classes abastadas? Ou será que é o meio que não permite Berto a
ter subjetividade?
Veremos o meio se expressar com todas as suas forças na última parte do filme.
Da cena do estupro de Flavia em diante, Bolita será devorado por um porco selvagem,
Flavia tentará o suicídio e um menino de sete anos será assassinado acidentalmente por
Gustavo e Pelusa. Antevendo a polêmica que essas fortes cenas suscitariam, Torre Nilsson
publica um texto no dia 24 de setembro de 1958, véspera da estreia de El secuestrador, no
jornal El Mundo em que afirma: “o cinema não é uma guloseima para satisfazer imbecis,
nem um sedante para curar dores de cabeça. O cinema deve ser um dedo acusador, o
descobridor de uma chaga, um vociferador da verdade”. E se dirigindo diretamente aos
seus interlocutores: “E vocês, espectadores, não devem ir a ele para esquecer as suas
preocupações e sim para encontrar refletidas, por cima das pequenas preocupações
diárias, as grandes preocupações do mundo. Dessas preocupações sublimadas está
escrita a melhor história do homem4.” (NILSSON, 1985, pp.153-154)
Torre Nilsson utiliza esse espaço na imprensa para falar como autor e não como
um simples artesão ou fazedor de filmes. O realizador expõe a sua visão do cinema e
do mundo ao afirmar veementemente o que o cinema é e o que ele não é. Ele também
orienta os espectadores de como fazer um bom uso da experiência cinematográfica: não
convertê-la em simples diversão ou escape e sim em instrumento reflexivo. A totalida-
de das críticas publicadas na época da estreia de El secuestrador, mesmo as negativas,
enxergaram Torre Nilsson como um diretor renovador e capaz de cumprir o objetivo de
tirar o cinema argentino da mesmice5. Deste modo podemos concluir que o próprio
realizador, a crítica e a maior parte do público compreendiam o seu trabalho artístico
como um projeto autoral. Ao mesmo tempo, Torre Nilsson era um diretor contratado
da Argentina Sono Film desde 1954.
A contradição em ser simultaneamente um reconhecido autor cinematográfico e um
funcionário de um grande estúdio o coloca entre um modelo produtivo “antigo” e um
paradigma novo. Em uma resenha publicada em Crítica no dia 26 de setembro de 1958,
afirma-se como características negativas de El secuestrador o fato de a narrativa deixar
alguns nós soltos e a aparência supérflua de determinados diálogos. Como apontamos,
a estratégia de deixar problemas não resolvidos e de transmitir informações aparente-
mente desimportantes para o andamento da história é inerente ao cinema moderno. O
crítico adotou como parâmetro de sua análise as regras do cinema clássico e enxergou
4. “El cine no es una golosina para empalagar imbéciles, ni un sedante para calmar dolores de cabeza.
El cine debe ser un dedo acusador, un descubridor de una llaga, un vociferador de la verdad. Y ustedes,
espectadores, no deben ir a él para olvidar sus preocupaciones, sino para encontrar reflejadas, por encima
de las pequeñas preocupaciones diarias, las grandes preocupaciones del mundo. De esas preocupaciones
sublimadas está escrita la mejor historia del hombre”. (A tradução é nossa).
5. Ver (Guevara, 2011).
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esses desvios como um defeito. Outra característica moderna do filme que podemos
destacar é a sua ambiguidade. Conforme nos indicou Guevara (2011) em seu trabalho
sobre a recepção crítica a El secuestrador, os comentaristas se dividiram e se divergiram
em torno a três debates principais. O primeiro deles diz respeito se o filme é realista ou
irrealista e simbólico. O segundo se relaciona com as questões morais do bem e do mal
e suas representações e finalmente, o terceiro se refere à chave interpretativa do final:
trata-se de um final otimista ou pessimista? Percebemos que todos eles se originaram
por conta do signo da ambiguidade.
De fato, o filme não exibe uma demarcação clara entre o bem e o mal. Ambos estão
misturados e diluídos no comportamento de seus personagens. Atos perversos e nocivos
muitas vezes são realizados de maneira inconsciente. A linha divisória que separa o certo
do errado está apagada e logo a sua inclusão no campo de visão dos personagens está
impossibilitada. Como havíamos dito anteriormente, o realizador não está comprometido
em mimetizar a realidade e sim com o seu estilo e com a forma adotada para narrar a
história. O que lhe interessa é a imagem e não a realidade. O filme não critica ou denun-
cia instituições concretas e sim apenas mostra um conjunto de situações que caberá ao
espectador interpretar e julgar. Compreendemos que o final de El secuestrador não nos
permite uma leitura que o classifique como “feliz” ou “otimista”. O fato de vermos Gustavo,
Pelusa, Berto e Flavia aparentemente felizes andando em um carrinho de algodão doce
não pode ser interpretado de maneira isolada e sem levar em conta certas eleições formais
que compõem a cena. Os dois meninos estão anestesiados e presos em uma fantasia. O
casal adolescente adere ao jogo infantil na tentativa de camuflar a experiência traumática
que acabaram de sofrer. O cruzamento entre o carrinho de doces e o carro fúnebre que
leva o corpo do menino assassinado pelos dois irmãos sublinha a crueldade inconsciente
dos personagens e a dimensão trágica do entorno em que todos estão inseridos. A música
que escutamos na banda sonora não emite nenhum significado de felicidade, harmonia
ou tranquilidade. A sensação de caos, confusão e desconexão persiste.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos concluir que em El secuestrador estão presentes características próprias
do cinema moderno do segundo pós-guerra coexistindo com estratégias do cinema
clássico. O filme pode ser enquadrado para fins promocionais em um gênero cinema-
tográfico definido e se escora em atores famosos para atrair o grande público. Adere
ao ímpeto comunicativo do cinema clássico e constrói o espaço e o tempo de maneira
coerente. Não temos o espaço fragmentado do cinema moderno e o tempo é disposto
de forma linear. Ao mesmo tempo nos defrontamos com uma narrativa episódica e
não direcionada à resolução de um problema concreto ou de um objetivo definido. As
relações de causa e efeito são imprecisas, os traços psicológicos do protagonista não
são totalmente definidos e todos os seus desejos são frustrados. Encontramos também,
localizados em certos momentos, comentários autorais que evidenciam o processo for-
mal e a presença do narrador. A ambiguidade, ponto central do cinema moderno, é aqui
uma constante. Está presente no conteúdo exposto na história e na forma em que ela
é estruturada e narrada, ampliando assim a necessidade interpretativa do espectador
em sua relação com o filme.
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Leopoldo Torre Nilsson e o percursso rumo à modernidade cinematográfica
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Fernando Gabeira: o repórter-escritor nas narrativas
de seu programa televisivo homônimo
Fernando Gabeira: the reporter-writer in your
narratives of television program namesake
B r u n o Te i x e i r a C h i a r i o n i 1
I. INTRODUÇÃO
O CAMINHO DAS águas. Corrente, fluída, viva. O azul cristalino. Já é possível dizer:
terra à vista. O píer, a mata verde intenso, a neblina que encobre a montanha.
A bordo do barco, milhares de turistas se dirigem ao cenário que se apresenta
paradisíaco e, então, surge no vídeo a figura de um homem: cabelos brancos, óculos
escuros, colete, marcas de uma trajetória, do tempo. Ele carrega uma pequena câmera
na mão esquerda e se prepara para descer no porão de um navio. Eis um repórter à
moda antiga.
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Fernando Gabeira: o repórter-escritor nas narrativas de seu programa televisivo homônimo
Uma trilha serena, pontual, externa à diegese, dá o tom às imagens pontuadas por
uma voz pausada, bem característica, e texto informal. “Hoje, vamos dar um passeio na
Ilha Grande. Uma ilha no sul do Estado do Rio de Janeiro, que se transformou em um
centro turístico internacional. As pessoas vão e vêm da Ilha Grande e não percebem
que existe um pedaço de história do Brasil por aqui. História, sobretudo, dos presídios”
(GLOBO NEWS, 2014).
A sequência que abre este artigo compõe um dos episódios da primeira temporada
do programa homônimo de Fernando Gabeira, veiculado no canal a cabo Globo News.
Depois de décadas na política, Gabeira decidiu voltar a se dedicar exclusivamente ao
jornalismo, uma de suas paixões. Em novembro de 2012, ele passou em revista a carreira
ao lançar a autobiografia Onde está tudo aquilo agora? Minha vida na política, e estabeleceu:
“no momento em que escrevo, ainda estou vivo. Quero dizer que não esgotei meus papéis
históricos. Cinquenta anos de vida pública. Não pretendo concluir, apenas fechar um
ciclo” (GABEIRA, 2012, p.7).
No ano seguinte, em setembro de 2013, Gabeira estreou seu programa de TV semanal,
com entrevistas e reportagens. Exibido aos domingos, a cada edição, um novo tema,
ligado a interesses de brasileiros de todas as classes sociais e regiões do país. As pautas
são variadas: os andarilhos da Via Dutra, rodovia que liga São Paulo ao Rio de Janeiro;
os percalços e os improvisos dos candidatos à presidência de partidos menores – Gabeira
foi o homem da linha de frente do Partido Verde; o naturismo como fonte de turismo em
cidades litorâneas – movimento que ele engajou como luta política; a grande seca que
assola a produção agrícola; os mineiros do sonho americano – país que está proibido de
entrar por ter participado do sequestro do embaixador Charles Elbrick – e a viagem de
volta à Ilha Grande, onde ficou preso na ditadura militar, episódio em análise neste artigo.
No programa televisivo, Gabeira confidencia:
Eu estou aqui no porão do navio Tenente Loretti (figura 1). Um navio mítico, porque leva-
va todos nós, prisioneiros, à Ilha Grande. Não há um prisioneiro que tenha passado pela
Ilha Grande que não se lembre do Tenente Loretti, agora em estado de degradação. Ele
está sendo recuperado para integrar o museu da Ilha Grande. Eu vou à Ilha Grande, não
no Tenente Loretti, porque ele não consegue mais viajar, mas vou me encontrar com um
preso que está lá e que decidiu, apesar da implosão do presídio pelo Governo, morar lá.
Continuar ao lado do presídio. Nós vamos conversar sobre essa história, inclusive sobre o
destino de tantos cachorros que existiam no presídio e foram jogados no mato no momento
da implosão (GLOBO NEWS, 2014).
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Fernando Gabeira: o repórter-escritor nas narrativas de seu programa televisivo homônimo
Anos mais tarde, Roland Barthes, em Mitologias, também avança os estudos acerca
do jornalismo, ao refletir que o mesmo está “totalmente voltado para a tecnocracia [...]
a opinião do especialista é mais requerida do que a do sábio universal” (BARTHES,
2013, p.127), quando não muito para o fenômeno chamado fait divers, a informação que
“constitui um ser imediato, total, que não remete, pelo menos formalmente, a nada de
implícito” (BARTHES, 2013, p.59).
Em O grau zero da escrita, Barthes busca um outro horizonte ao estabelecer um
ensaio sobre a relação de Proust e os nomes, onde se ocupa da força do Nome Próprio para
destacar que ele pode ser definido “como a história de uma escrita” (BARTHES, 2004,
p.143), ou melhor, uma escritura, uma vez que para compor Em busca do tempo perdido,
“o próprio Proust conheceu, na vida, esse traçado iniciático” (BARTHES, 2004, p.145).
O tema central da obra não é propriamente o retrato da sociedade francesa do fim do
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Fernando Gabeira: o repórter-escritor nas narrativas de seu programa televisivo homônimo
século XIX, “e sim a luta do espírito, da atividade criadora, contra o tempo, diante da
impossibilidade de se encontrar na vida real um ponto fixo de referência ao qual o nosso
eu possa se prender. O tema essencial de Proust é o encontro desse ponto de referência
na obra de arte” (PY, 2014, p.12). Assim, destaca-se que “o Nome Próprio é de certo modo
a forma linguística da reminiscência” (BARTHES, 2004, p. 147).
Ao compreendermos um programa de TV como “texto” – e tratarmos a narrativa
“como uma hierarquia de instâncias” (BARTHES, 2013, p.27) – é possível encontrar
no discurso televisivo de Fernando Gabeira as reminiscências de uma escritura. A
escritura como a escrita de um escritor. Assim, tem-se a escritura de Gabeira. Do
escritor. Do repórter.
Na atração da Globo News, ele é o retrato do homem livre que retorna a temas de sua
jornada, em passagens que remetem às escrituras de sua autobiografia – ponto central
desta análise – e também de toda sua obra ficcional e não-ficcional, composta por outros
13 títulos, publicados ao longo de mais de três décadas, em uma clara identificação entre
o repórter e o caminhante; o escritor e as circunstâncias; o político e os enfrentamentos;
o brasileiro e as histórias anódinos do cotidiano. Sob essa ótica, conforme diz Barthes:
“avançar pouco a pouco nas significações do nome é aprender a decifrar as essências”
(BARTHES, 2004, p.158).
Nas páginas de Onde está tudo aquilo agora? Minha vida na política, mas que também
poderia ser Fernando Gabeira por Fernando Gabeira, em alusão à autobiografia de
nome duplo, escrita por Roland Barthes, ele escreve sobre a Ilha Grande, onde ficou
preso durante o regime militar: “estávamos numa cela vizinha da solitária onde os
presos cumpriam seu castigo. Havia choro, reclamação; um preso paralítico passou a
noite pendurado nas grades pelas algemas” (GABEIRA, 2012, p.83).
No episódio televisivo, o repórter Fernando Gabeira é também caminhante. “Como
prisioneiros, viajamos neste porão. Ao lado dos sacos de batata e arroz. As viagens
eram longas, apesar de levarem os mesmos 90 minutos que as barcas de hoje levam
transportando os turistas para a ilha. Muita água passou por aqui. As viagens agora
são tranquilas” (GLOBO NEWS, 2014). Registros de uma busca do “tempo perdido”,
afinal “os sons dos Nomes evocam outras sensações, visuais, táteis, olfativas e mesmo
palatais” (MACHADO, 2014, p.43), costurada em uma espécie de rememoração de sua
história pessoal – “sair das celas, só para conversar nos corredores ou para o banho de
sol. Eram permitidas visitas nos fins de semana, embora a repressão sempre pudes-
se cancelá-las, por temor ou simples represália” (GABEIRA, 2012, p.81), e da própria
História do Brasil:
Hoje é tudo tão diferente que custo a acreditar que o Tenente Loretti existiu trazendo e
levando prisioneiros. Mesmo com as nuvens escondendo parte da mata, volto sempre com
alegria à Ilha Grande. Não busca nela apenas o período de prisão, mas a vontade de rever
a última paisagem que vi no Brasil, quando parti para o exílio de 9 anos e meio. Depois do
exílio, já estive aqui vendo o intenso turismo na praia do Abraão, sobretudo nos dias em
que chegam os transatlânticos, os bares se enchem e as figuras cosmopolitas completam a
paisagem (GLOBO NEWS, 2014).
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No episódio televisivo, Gabeira vai na busca do homem que ainda hoje habita
a Ilha – “um pouco dessas memórias anda vivem com seu Júlio, um prisioneiro que
decidiu continuar morando aqui mesmo depois da implosão do presídio” (GLOBO
NEWS, 2014); investiga sobre as questões de cidadania do local – “[...] aqui não tem posto
de saúde, realmente os alunos têm que percorrer 12 quilômetros, e a nossa dificuldade
é grande” (GLOBO NEWS, 2014) reconhecendo ora o protagonismo – “aproveitei essa
passagem para ver a Vila de Dois Rios na posição do guarda que fica na entrada do
presídio. Para mim, como prisioneiro, era uma visão impossível” (GLOBO NEWS, 2014)
ora o antagonismo – “Fui para a cela, paguei 33 dias de isolamento e voltei para o
convívio. Aí, o diretor perguntou se eu iria fugir novamente. E eu disse que se houvesse
oportunidade, eu iria fugir. Até que o capitão decidiu me soltar e falou para eu ir onde
quisesse” (GLOBO NEWS, 2014).
Seu Júlio estava libertado, mas não livre: “eu achei por bem morar na Ilha Grande
[...] E lá fora é o seguinte: e não ia ter recurso por motivo que eu estava com a mão na
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frente e a outra atrás” (GLOBO NEWS, 2014). Quando o momento chegou, Gabeira
optou pelo exílio:
Naquele instante, a imagem que nos veio à cabeça foi a de uma roda se movendo, a roda da
história. Em dias monótonos, na cadeia, eu pensava que ela custava a se pôr em movimento.
Mas agora, num simples impulso, ela nos lançava longe. A cena da saída foi tão bonita que
temi não viver outra assim. E essa experiência de certo modo me dizia o quanto eu estava
ligado ao Brasil e como na alegria da liberdade do desterro já se insinuava, despercebido,
outro desejo maior: o da volta. Fomos banidos do Brasil (GABEIRA, 2012, p.85).
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Conforme diz Moraes Neto, que entrevistou Fernando por quase seis horas para
a elaboração de Dossiê Gabeira: o filme que nunca foi feito, trata-se do “jornalista que um
dia virou guerrilheiro: três décadas depois da volta dos exilados, ele revê aventuras,
ilusões, sonhos e pesadelos da geração que agitou o Brasil” (MORAES NETO, 2009, p.3).
No prefácio da obra, Brandão também levanta algumas questões pertinentes à vida e
obra do narrador:
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Fernando Gabeira: o repórter-escritor nas narrativas de seu programa televisivo homônimo
Como se pode ter vivido tanto, passado por tantas situações diferentes e limites, com abso-
luta coerência, sempre com uma linha bem traçada de postura e conceito de vida? Como
manter a visão lúcida dentro do aparente caos das coisas? Em meio ao constante ineditismo
de cada instante e do absurdo recorrente da atualidade? De que maneira de ajustar sempre
a tempos mutantes sem deixar de ser a mesma pessoa, ter o mesmo pensamento reto de
Brasil, mundo e pessoas? Qual a força de Gabeira, sua estratégia, métodos, seu charme?
(BRANDÃO, 2009, p.9-10).
Citando Barthes, “aí está o exemplo de uma escrita cuja função já não é apenas
comunicar ou exprimir, mas impor um “para além da linguagem” que é ao mesmo
tempo a História e o partido que nela se torna” (BARTHES, 2004, p.3).
Para este autor, o programa televisivo funciona como uma espécie de “bouvelard
gabeiriano”: o repórter que revisita passagens e ressignifica a própria travessia “Éramos
quarenta e fomos banidos do país. Ao longo da história, o banimento é dos maiores
castigos. Mas estávamos deixando para trás uma situação difícil: cadeia, vulnerabilidade,
inação” (GABEIRA, 2012, p.86).
“Fazer jornalismo, em resumo, é dizer a alguém o que ele não sabe” (MORAES
NETO, G1). Contada por Gabeira, pode-se esperar uma grande reportagem vívida,
intensa, ainda mais visceral. “Do Lazaretto lá embaixo ao presídio aqui em cima,
flores e ervas invadem impiedosamente o território das nossas recordações” (GLOBO
NEWS, 2014).
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Imagens de guerra na TV: realismo na pós-modernidade
C é l i a M a r i a L a dei r a M ota 1
Mônica dos S a n t o s G a lvã o M a i a 2
1. Célia Maria Ladeira Mota é doutora em Comunicação e pesquisadora associada ao Programa de Pós-
graduação da Faculdade de Comunicação da UnB. Brasília, Distrito Federal. Email: cladmota@gmail.com.
2. Mônica dos Santos Galvão Maia é mestranda do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Comunicação
da UnB, Brasília, Distrito Federal. Email: moni.santos@gmail.com.
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Imagens de guerra na TV: realismo na pós-modernidade
INTRODUÇÃO
A TERRA PODE ser vista como uma nova comunidade imaginada em que a globali-
zação faz com que o enraizamento numa só nação perca força e o sentimento de
pertencimento a uma comunidade planetária se expanda. A identificação se dá
no espaço mais amplo do globo terrestre. O lugar territorial, onde construímos relações
sociais, identidades e a nossa história, cede espaço para um lugar imaginado onde novos
laços se formam com novos vizinhos, novos povos. Este novo mundo global é o espaço
onde o Telejornalismo e as redes sociais constroem visões contraditórias, apresentando
imagens de culturas antes ignoradas.
Como uma máquina de produzir o presente, a narrativa jornalística é uma história
que não para de se mover. Seu pressuposto é que percebemos e construímos o sentido da
história do presente “como uma continuidade entre o que está acontecendo com o que
acabou de acontecer” (MOTTA, 2005). Duas categorias constroem este efeito de sentido
imediato: Instantaneidade e Simultaneidade. As dimensões da instantaneidade são
físicas e socioculturais. A instantaneidade física envolve os processos de transmissão
e distribuição da notícia, que aceleram o mínimo espaço de tempo entre a ocorrência
de um evento e sua transmissão. Quanto maior a capacidade tecnológica, maior é a
construção simbólica da instantaneidade. Quanto ao aspecto sociocultural, pode-se
considerar a instantaneidade como uma prática globalizada que promove informação
em tempo real e permanente, em nível planetário com significados (FRANCISCATO,
2005). A instantaneidade nos coloca no tempo do acontecimento, seja ele global ou local.
Quanto à simultaneidade, ela representa uma vivência comum e concomitante da
informação entre grupos cada vez mais amplos. É o que Marc Augé, seguindo David
Harvey, chama de compressão espaço-tempo (AUGÉ, 2006). Ao se colocar territórios em
contato em tempo real, produz-se o efeito de simultaneidade de espaços, o que acarreta
consequências culturais, de deslocamento do local para o global.
Um pioneiro desse deslocamento foi Joshua Meyrowitz (1995), sociólogo da
Universidade de Stanford, na Califórnia, que, em 1995, já antecipava a tendência de
a mídia eletrônica tornar as esferas sociais mais permeáveis. Segundo ele afirmava, a
televisão permitiria que cada pessoa pudesse testemunhar acontecimentos sem estar
fisicamente presente e pudesse se comunicar diretamente com outra sem estar no mesmo
lugar. A consequência desta interação foi que as estruturas físicas por si só passaram a
não moldar mais a identidade social. Enquanto a velha ordem social do mundo impresso
segregava as pessoas em suas “esferas especiais”, de modo a homogeneizar os indivíduos
em elementos intercambiáveis de uma máquina social mais ampla, a sociedade eletrô-
nica integra todos os grupos numa esfera comum onde se reconhecem as necessidades
especiais e as idiossincrasias dos indivíduos. O que as pessoas compartilham não é um
comportamento idêntico, mas um conjunto comum de opções.
Segundo Meyrowitz (1995), o desprezo inerente da mídia eletrônica por fronteiras
físicas tornou difícil para muitos países restringir o acesso de seus cidadãos a vários
aspectos da cultura ocidental. Isto deu a estas populações a consciência do que eles
não tinham. A televisão permitiu a elas protestar não simplesmente contra as forças
governamentais que as enfrentavam nas ruas, mas protestar para a audiência global
da televisão. E o retorno rápido da tecnologia eletrônica permitiu a estas populações
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Imagens de guerra na TV: realismo na pós-modernidade
serem encorajadas pela resposta global em curso (televisado globalmente tanto quanto
transmitido por meio de telefones ou faxes). “Estes acontecimentos não foram simples-
mente reportados na televisão; de muitas maneiras, eles aconteceram na, através, e por
causa da televisão” (MEYROWITZ, 1995, p. 67).
Mais recentemente, Thompson estudou como a difusão de formas simbólicas
por meios eletrônicos, em especial o televisual, tornou-se um modo de transmissão
cultural comum a tal ponto que a cultura moderna é hoje eletronicamente mediada.
Thompson distingue quatro dimensões deste impacto interacional dos meios técnicos:
1) – os meios facilitam a interação através do tempo e do espaço; 2) – eles modificam
a maneira como as pessoas agem para os outros; 3) – eles modificam a maneira como
as pessoas agem em resposta a outros que estão localizados em contextos distantes;
4) – os meios também modificam as maneiras como as pessoas agem e interagem no
processo de recepção (THOMPSON, 2011, p. 297). O autor utiliza a expressão ‘quase
interação mediada’ para se referir ao fato de que uma transmissão ao vivo pela tele-
visão permite que as pessoas interajam sem partilhar uma situação espaço-temporal
comum. Ele dá como exemplo uma transmissão por satélite de uma entrevista com
o presidente dos Estados Unidos, numa simultaneidade virtual assistida por pessoas
que estão situadas em contextos domésticos diversos. “A transmissão torna o contexto
espacial do presidente acessível aos telespectadores e isso é uma quase-interação”
(THOMPSON, 2011, p. 300).
Esta difusão de formas simbólicas acontece em meio a um momento de intensa
globalização, o que gera consequências na formação das identidades. O desenvolvi-
mento incessante das tecnologias de transporte e comunicação cada vez mais liga o
local ao global. A maior interdependência global leva a um colapso das identidades
tradicionais, ligadas ao local, e produz uma diversidade cada vez maior de estilos e
identidades (HALL, 1997). E se por um lado, o acesso a informações provenientes de
muitos lugares do mundo hibridiza, por outro também homogeneíza, é um processo
duplo. De um lado os locais, se misturam, e identidades que antes eram locais podem
ser encontradas agora em qualquer local. Assim, a globalização inclui processos que
hibridizam – colocando culturas, formas de ser, estilos de vida, um de frente com o
outro – e processos que homogeneízam – negando o local em favor de um global des-
tituído de ambiguidade, num processo de padronização radical. As culturas locais se
inter-relacionam e solapam assim sua localidade, ao mesmo tempo em que adotam uma
cultura que partilham globalmente como consumidores.
É neste mundo cada vez mais globalizado que algumas questões orientam o sen-
tido do noticiário de violência que se sucede numa velocidade sem igual, com caráter
instantâneo e simultâneo para a população mundial. O jornalista, afirma Motta (2004),
é o historiador natural da atualidade. A história do presente não é um simples apêndice
linear da história do passado, mas uma história distinta, cuja particularidade é justamen-
te sua exclusão, seu rechaço do campo da história. Ao se situar no presente, o Jornalismo
permite identificar, de imediato, questões sobre a significação dos acontecimentos que
se precipitam sobre nós a partir dos meios de comunicação de massa.
Como compreender os acontecimentos de sofrimento terrível tornados visíveis pelo
noticiário sobre bombardeios e combates em Gaza, na Síria ou em qualquer outra parte
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Imagens de guerra na TV: realismo na pós-modernidade
do mundo? Onde estão os fios narrativos que tornam os relatos dos repórteres mais
compreensíveis? Essas transmissões diárias permanecem na superficialidade de um
consumo fugaz ou nos permitem construir uma narrativa coerente que busque enten-
der a guerra como uma experiência que, por mais execrável que seja, envolve grupos
humanos incapazes de um diálogo mais racional? Para esta busca de compreensão, é
preciso perceber a recepção das notícias do telejornalismo como uma atividade cultural
de intensa visibilidade.
VISIBILIDADE E REALISMO
A transmissão pela televisão em tempo real de acontecimentos públicos pode ser
observada a partir do enfoque do que vem a ser o realismo. Segundo Barthes (1971), o
realismo é uma linguagem que esconde sua natureza discursiva e se apresenta como
mais natural do que cultural. Ou seja, é um produto inocente da realidade, capaz de
representá-la como objetiva e transparente. Para o analista, porém, não basta apenas
perguntar que visões do mundo estão sendo apresentadas, mas tentar reconhecer que
visão particular do mundo está implícita ou mesmo explícita no que a televisão exibe
como imagem real, ou no popular “ao vivo” da transmissão.
Analisar o texto realístico, tal como o da TV ao vivo, é observar o modo de repre-
sentação, vendo o programa televisivo como uma máquina de produção de ilusões do
real, porque utiliza técnicas que criam a ilusão de que não estamos vendo TV, mas a
realidade. Esta naturalização da imagem na TV requer que seu texto seja o que Eco (1984)
chama de aberto. Por este termo Eco considera que os textos da TV (falas e imagens)
não tentam fechar o foco e, portanto, é necessariamente um texto aberto à riqueza e à
complexidade de leituras, nunca singulares. Este conceito de texto aberto é útil, sobre-
tudo quando se alia a ele a noção do texto da notícia de TV como um lugar de luta por
significados. É a própria polissemia do texto que expande os significados. Ouve-se o
relato jornalístico falado, cujo sentido é mais fechado, mas vê-se um conjunto de imagens
que abrem os sentidos. A imagem opera no telespectador uma entrada para a memória
e para o imaginário que apaga, ou amortece o efeito do texto falado.
Assistir à televisão, especialmente em tempo real, é uma experiência textual que
não segue as leis da lógica ou da relação causa e efeito. Raymond Williams usa o termo
flow para definir o texto televisivo. Flow como uma continuidade, uma correnteza de
um rio sem fim. Isto explica a natureza da televisão como um meio que transmite por
24 horas sem parar.
Em texto anterior (2012), observamos que as imagens do mundo contemporâneo,
que recebemos diariamente em nossas casas, via satélite ou internet, são referências
testemunhais dos acontecimentos e, por isso, consideradas evidências ou documentos
da realidade narrada. Embora icônicas e, portanto, representações à semelhança do
real, muitas dessas imagens nos chegam por um processo de visualização ou de media-
tização, que está sujeito a regras de controle que vão além dos processos produtivos
da filmagem ou captação de cenas. Há uma narrativa televisual que se desenvolve em
torno, e tendo a imagem como referência, que constrói um determinado ponto de vista
sobre a realidade. “Por isso, pode-se dizer que a narrativa da TV é uma narrativa híbrida
ou semiótica, onde textos, palavras e imagens contribuem e reforçam um argumento
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de fotografias torna-se mais real do que se nunca tivesse sido visto. Mas uma coisa é
sofrer uma primeira vez. Outra é viver com as imagens fotografadas do sofrimento.
O vasto catálogo fotográfico da miséria e da injustiça pelo mundo afora deu a todos
certa familiaridade com a atrocidade, tornou o horrível parecer ordinário, familiar,
remoto” (SONTAG, 1990, p. 20).
De acordo com a reflexão de Sontag, as imagens de uma guerra podem perder sua
carga emocional, mas conservam seu valor testemunhal. A exposição repetida pode
criar saturação, mas não torna as imagens menos reais, e não perdem o caráter infor-
mativo. Continuam a produzir o mesmo sentido ao longo dos anos. O teor informativo
é o que valoriza as fotografias ou as filmagens, como imagens realísticas do mundo,
capturando cenas no tempo e no espaço. As imagens mostrando o bombardeio de
um hospital, a derrubada de prédios, a explosão de estação de eletricidade, as cenas
de crianças mortas são testemunhos de uma guerra que marcarão para sempre a his-
tória dos países envolvidos. Da mesma forma, as cenas de atentados terroristas são
testemunhos de uma outra guerra, mais subterrânea, que pode irromper a qualquer
momento e em qualquer parte do mundo, porque são manifestações de violência de
pessoas que não têm mais nada a perder e, por isso, impõem o terror e são chamadas
de terroristas.
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Imagens de guerra na TV: realismo na pós-modernidade
A BANALIDADE DO MAL
A cientista política alemã Hannah Arendt (1993) defendia em seus escritos que
o sentido da política é a liberdade e que a ação política deve regular o convívio dos
diferentes, garantindo igualdade de direitos. Seja nos conflitos mais recentes como em
atos de terrorismo do grupo radical Estado Islâmico, as cenas de guerra e de conflitos
estabelecem uma antiga questão: quem é o responsável, o dedo que dispara a bala ou
quem está no comando? Quem dá a ordem, quem a executa ou cada um tem sua parce-
la de responsabilidade? Esta foi uma questão levantada por Arendt quando formulou
a expressão “banalidade do mal”, para caracterizar ações de assassinatos, torturas e
violências entre grupos e entre nações.
O filme ‘Hannah Arendt’, lançado em 2013, tem como cenário o nazismo e retoma
a antiga discussão. Hannah é contratada pela revista The New Yorker para acompanhar
o julgamento do nazista Adolf Eichmann, e viaja até Israel para escrever suas impres-
sões. Nos seus artigos, ela afirma que nem todos os que praticaram os crimes de guer-
ra eram monstros. Ela aponta que havia envolvimento de alguns judeus na matança
dos seus iguais. Todas essas opiniões causaram polêmica na época. Hannah destacou
que Eichmann possuía a confiança de Heinrich Himmler, um dos principais líderes
do Partido Nazista Alemão, e este era o verdadeiro culpado, segundo ela, porque era
ele quem disparava a ordem para o genocídio. Hannah retrata Eichmann como um
cumpridor de ordens. Ele era um ‘executivo da morte’, um assassino, mas ainda sim
um ser humano.
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Imagens de guerra na TV: realismo na pós-modernidade
CONCLUSÃO
O filósofo polonês radicado na Inglaterra Zygmunt Bauman (2005) chama de moder-
nidade líquida a esta nova fase da civilização. Ele usa a ideia de liquidez em oposição à
solidez, que seria a metáfora apropriada da primeira modernidade. Quanto mais a vida
social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens
internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente
interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas. Stuart Hall, por sua vez,
considera que as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social,
estão hoje em declínio, fragmentando o indivíduo moderno, até então visto como sujeito
unificado. “Estas identidades estão desalojadas de tempos, lugares, histórias e tradições
específicos e parecem ‘flutuar livremente” (HALL, 1997, p. 75).
Para o autor jamaicano, as mudanças estruturais que tiveram início nas sociedades
modernas transformaram a noção que temos de sujeito e as nossas formas de ‘exercer’
uma identidade. “Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens
sociais ‘lá fora’ e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as ‘necessidades’
objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais
e institucionais. O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos
em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático”
(HALL, 1997, p. 12).
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Segundo Bauman, as identidades hoje são voláteis porque se voltam para interesses
específicos. Ao contrário das comunidades da modernidade sólida, na pós-modernidade
estes grupos de unem em torno de interesses comuns e passageiros. As relações humanas
estão cada vez mais flexíveis, gerando níveis de insegurança que aumentam a cada dia.
E a desagregação exibida pelas imagens de crise, guerras e terrorismo, nos noticiários
da televisão, só gera mais insegurança.
Edgar Morin (2013), no livro Como viver em tempo de crise, afirma que existe uma ética
da compreensão que nos convida, antes de mais nada, a “compreender a incompreen-
são”, que tem numerosas origens: “o erro, a indiferença ao próximo, a incompreensão
entre as culturas, a possessão por deuses, por mitos, por ideias, a abstração, o medo de
compreender” (MORIN, 2013, p. 15). Segundo ele, a compreensão humana comporta o
entendimento não só da complexidade do ser humano, mas também das condições em
que são modeladas as mentalidades e praticadas as ações. Entre estas ações estão às
circunstâncias de uma guerra, onde nem tudo se submete a um controle e cuja visibi-
lidade não pode ser gerenciada.
A apresentação de cenas de guerra, gravadas ou ‘ao vivo’, por meio da televi-
são em transmissões via satélite torna o telespectador um mediador da guerra, uma
mediação para o qual não foi chamado, e sequer ouvido. A destruição ao vivo e a
cores de outros seres humanos ainda tem a capacidade de nos ferir, de nos atingir
profundamente em nossa humanidade. E uma verdade se cristaliza: a ciência que
nos permitiu descobertas e avanços no conhecimento, também gerou tecnologias da
morte, produzindo armas de destruição em massa que nos levam a viver a incerteza
da vida nesta pós-modernidade. Morin et al. (2013) consideram mesmo que estamos
caminhando para o abismo. Para o filósofo francês Morin, o provável é catastrófico:
“a produção de armas de destruição de massa se dissemina, se miniaturiza, cria um
perigo cada vez mais pesado, tanto mais que entramos em um pré-período de guerra
de civilizações” (MORIN, 2013, p. 19).
Patrick Viveret et al. (2013), por sua vez, lembra que é preciso enfrentar a questão
da barbárie interior. Ou seja, é preciso olhar para o outro, do outro lado da fronteira,
não como um bárbaro, um infiel, um estrangeiro, mas um ser humano com as mesmas
dores, problemas e desafios de cada um de nós. “Como é que a humanidade trata seu
próprio elemento com desumanidade? A grande questão do mal se tornou uma questão
política” (VIVERET, 2013, p. 57).
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O acesso ao outro na grande reportagem:
Testemunho, experiência e representação de
alteridade em Globo Repórter e Câmera Record
Accessing the other by in-depth reporting:
Testimony, experience and representation of
alterity in Globo Repórter and Câmera Record
Jo sé Aug u sto M en de s Lo bato1
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O acesso ao outro na grande reportagem: Testemunho, experiência e representação de alteridade em Globo Repórter e Câmera Record
2. No idioma original: “separación de lo propio respecto de lo ajeno, el filtrado de los mensajes externos y
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O acesso ao outro na grande reportagem: Testemunho, experiência e representação de alteridade em Globo Repórter e Câmera Record
la traducción de éstos al lenguaje propio, así como la conversión de los no-mensajes externos”.
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O acesso ao outro na grande reportagem: Testemunho, experiência e representação de alteridade em Globo Repórter e Câmera Record
ou vivenciam e aquilo que se utiliza para compor uma narrativa noticiosa, em linha
com valores como veracidade, pluralidade, liberdade e inteligibilidade (BENEDETI,
2009, p.59). Derivam dessa noção outros dois aspectos comuns ao ideário jornalístico: a
referencialidade e a produção de efeitos de real, que, como sinaliza Gomes (2000, p.27),
ancorada no pensamento de Barthes (1988), são operações encarnadas em processos
de produção textual nos quais, mais do que a verdade ou veracidade, “o verossímil
encontra-se em direta relação ao efeito de real discursivamente construído”.
O desenvolvimento das teorias do jornalismo, a evolução das tecnologias de comu-
nicação e a própria diversificação dos formatos noticiosos foram responsáveis por atu-
alizar tais noções, levando-nos a uma definição de texto jornalístico que, mais do que
como espelho do mundo sensível, entende-o como um complexo sistema de mediação do
conhecimento e construção social da realidade. Hoje, a inviabilidade da plena representação,
a operação de redução de complexidade da realidade primária (BENEDETI, 2009, p.105),
os recursos lúdicos, a virada afetiva – vinculada à estratégia de embalar “a informação
com ingredientes certos de consumo” (MEDINA, 1988, p.87) – e a forma eminentemente
ficcional da reportagem já figuram como notações consolidadas nos estudos do cam-
po. Por ser constituída “dos mesmos materiais expressivos de que se valia o narrador
antigo para cimentar com palavras os laços comunitários” (SODRÉ, 2009, p.15), enfim,
a ideologia da objetividade jornalística deve ser enxergada como ideário, atuando em
permanente tensão diante dos problemas ontológicos naturais a quaisquer processos
de representação.
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O acesso ao outro na grande reportagem: Testemunho, experiência e representação de alteridade em Globo Repórter e Câmera Record
(...) imagens, opiniões, depoimentos que não se encaixam no quebra-cabeça final”, diz
Machado (2000, p.113), o telejornal gera “confusão ali mesmo onde, sob a rubrica da
‘informação’, deveria haver ordem, coerência e sistematização da notícia”.
Já o formato de reportagem (ou grande reportagem) possui narrativas desenvol-
vidas com maior contextualização e liberdade espaço-temporal, abarcando enqua-
dramentos, informações expandidas, investigação e articulações interpretativas dos
fenômenos, cujo enquadramento não se encaixa no ritmo acelerado do jornalismo diá-
rio. Segundo Cremilda Medina, são quatro os elementos constitutivos desse formato:
a “ampliação das informações imediatas” da notícia convencional; a humanização,
“que individualiza um fato social por meio de um perfil representativo”; “o rumo da
ampliação do fato imediato no seu contexto”; e “o rumo da reconstituição histórica do
fato” (MEDINA, 1988, p.72).
Presente na televisão brasileira contemporânea na forma de programas semanais –
como Globo Repórter e Câmera Record, aqui analisados, ou Profissão Repórter (Globo),
SBT Repórter e Conexão Repórter (SBT) – ou como séries especiais apresentadas em
telejornais, a grande reportagem difere da notícia desde a produção da pauta, mais
aberta e suscetível àquilo que o repórter encontrará in loco, até a edição e a experiência
de apuração, que se assemelha à história oral (SANTOS, 2009), com liberdade de angu-
lação, observação participante e foco em “histórias comuns” ou micronarrativas de
personagens, utilizados a fim de singularizar o fato social e estimular a identificação.
Grandes reportagens diferem da notícia tanto na forma – técnica e narrativamente
mais elaborada – quanto no conteúdo, não necessariamente atrelado à factualidade e à
contiguidade espaço-temporal do acontecimento, explorando os diversos ângulos sobre
um assunto (KOTSCHO, 2004), e na temporalidade, explorando a construção dramática e
a pontuação rítmica calcada pelo tempo psicológico. No entanto, seu principal elemento
diferenciador está na postura interpretativa – e marcadamente subjetiva – do repórter:
A narrativa jornalística de alta densidade investigativa (...) supõe um conjunto racional de
causalidades e um outro conjunto racional dedutivo e criador em torno da massa de aconteci-
mentos que explicam seus efeitos, painel com o qual o profissional estará irremediavelmente
comprometido, já que a ele não é permitida a evasão do real ou a reinvenção da realidade,
como acontece com o ofício da criação ficcional; mas também a ele não é dada a prerrogativa
de ignorar a potencialidade e a intensidade dramática dos fatos (FARO, 2013, p.78).
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O acesso ao outro na grande reportagem: Testemunho, experiência e representação de alteridade em Globo Repórter e Câmera Record
Tal recurso é facilmente identificável nas quatro reportagens desde sua abertura,
quando os apresentadores Marcos Hummel e Sérgio Chapelin anunciam “expedições”,
“viagens” e “desafios” aos quais as equipes de reportagem se lançam: “Descobrimos
o Pantanal desconhecido, uma terra que poucos homens têm coragem de pisar (...)
embarque conosco na viagem que abre a temporada de programas inéditos do Câmera
Record”, anuncia Marcos Hummel em “Pantanal”. No Globo Repórter, a ênfase é a
mesma: “três países, duas equipes, barcos, carros, aviões e uma travessia de sete mil
quilômetros”, enumera Sérgio Chapelin, detalhando os investimentos feitos por dois
repórteres para cobrir o percurso do rio Amazonas desde sua nascente, no Peru, até o
encontro de suas águas com o Atlântico, na Amazônia oriental.
A referencialidade, presente nos marcadores geográficos (mapas, infográficos, men-
ções às cidades e regiões visitadas), combina-se à autenticação testemunhal por meio
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O acesso ao outro na grande reportagem: Testemunho, experiência e representação de alteridade em Globo Repórter e Câmera Record
da atuação direta dos repórteres nos cenários – eles experimentam alimentos exóti-
cos, brincam com animais selvagens, utilizam o transporte local popular, são filmados
surpreendendo-se com as paisagens e as diferenças culturais e, muitas vezes, deixam
transparecer o não planejamento ou roteirização de suas falas, produzidas segundo rea-
ções subjetivas aos acontecimentos. É o caso do repórter Alex Sampaio, que dá banho em
um elefante logo ao início do programa “Tailândia” e, entre textos em off e passagens de
vídeo, afirma, olhando para a câmera: “é impressionante a sensação de tocar no elefante
aqui... você sente a respiração dele, é incrível. A gente percebe que ele é amoroso, olha...”.
De maneira complementar a essa estratégia, também é marcante a produção de
jogos de oposição e fronteiras, a fim de demarcar a distinção entre o próximo e o distan-
te. Esses recursos, embora também explorados na linguagem imagética, aplicam-se
sobretudo por meio do discurso – reforçando a diferença e o exotismo por meio do
texto em off, frequentemente na forma de comparações, ou em passagens de vídeo.
Esse processo, como argumenta Woodward, está no centro das dinâmicas de interação
cultural das sociedades globalizadas: “A diferença é aquilo que separa uma identi-
dade da outra, estabelecendo distinções, frequentemente na forma de oposições (...).
As identidades são construídas por meio de uma clara oposição entre ‘nós’ e ‘eles’”
(WOODWARD, 2000, p.41).
Em “Expedição pelo Rio Amazonas”, o repórter José Raimundo surpreende-se ao
chegar a Afuá (PA), uma “pequena cidade isolada no Marajó”. “Imagine uma cidade sem
carros, no meio da floresta, onde o principal alimento é o açaí”, afirma, com imagens do
cotidiano local sendo exibidas. “Aqui, às margens do Amazonas, vivem 32 mil moradores,
num lugar que ficou conhecido como a Veneza do Marajó”. A reportagem dedica cinco
minutos a mostrar o uso de bicicletas como único meio de transporte, os problemas da
população com o uso da água e a moradia em palafitas. Para complementar o jogo de
oposição, José Raimundo ouve uma moradora afirmar que Afuá “é um pontinho no
mapa. Para algumas pessoas pode ser insignificante, para nós é o nosso mundo”.
O trabalho de choque/confronto com as diferenças é, também, vivido pelos próprios
repórteres ao longo dos programas analisados, que distinguem elementos exóticos
daqueles significativamente familiares para o público por meio de fronteiras delimitadas
discursivamente. O programa que exemplifica com maior clareza tal noção é “Nepal”,
produzido concomitantemente e por ocasião da estreia da telenovela “Joia Rara”, de
Duca Rachid e Telma Guedes, que teve cenas gravadas no País. Além da tradicional
abordagem etnográfica das reportagens de turismo – com demonstrações da cultura
e das tradições locais –, utiliza-se ao menos um quarto do programa para aludir às
gravações da telenovela realizadas em Katmandu. No templo de Schechen, onde a equipe
se instalou para as gravações, Glória Maria descobre o monge Charles, brasileiro que já
está no local há quatro anos. O discurso em off busca enfatizar seu papel de tradutor:
Se gravar uma novela no Brasil – com dezenas de figurantes – já é um trabalho difícil e
complicado, imagina no Nepal, onde as pessoas não têm a menor experiência em gravar
para a televisão. Não falam português. Não falam inglês. E é aí que entra a missão do
monge brasileiro. Charles sabe falar tibetano e, para que a cena fique perfeita, traduz para
os figurantes as instruções da diretora Amora Mautner.
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O acesso ao outro na grande reportagem: Testemunho, experiência e representação de alteridade em Globo Repórter e Câmera Record
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste texto, percorremos reflexões sobre narrativas, representações e o campo do
jornalismo para examinar reportagens televisivas que trabalham com a enunciação da
alteridade. A análise de viés estrutural, que ajuda a desvelar os procedimentos a partir dos
quais um formato/subgênero é demarcado – em nosso caso, o das narrativas de alteridade
–, permitiu a identificação de ao menos cinco estratégias discursivas que permeiam sua
construção: o reforço da função testemunhal, a referencialidade, os jogos de oposição
e fronteiras, a singularização e a dramatização dos elementos de diferença. Notou-se,
ainda, a aplicabilidade de tais ideias às duas dimensões de alteridade – geográfica e
sociocultural –, sem preponderância significativa de determinadas estratégias de acordo
com a categoria explorada pelos programas, o que difere de outros achados em estudos
semelhantes sobre o discurso de ficção televisiva (LOBATO, 2011). Tais apontamentos
devem ser combinados à análise de outros formatos e gêneros, a fim de se alcançar um
panorama amplo das estruturas que regem as representações do Outro na TV brasileira.
5. REFERÊNCIAS
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Sobre a construção de serialidade no ao
vivo jornalístico do Bom Dia Brasil
About the construction of seriality in the live
broadcast of the tv news “Bom Dia Brasil”
V a l é r i a M a r i a S. V i l a s B ô a s A r a ú j o 1
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Sobre a construção de serialidade no ao vivo jornalístico do Bom Dia Brasil
o conceito nos estudos de televisão2 nos levou a constatar que mais do que uma curio-
sidade, o fato de que não havia análises de serialidade, ou mesmo menções sobre o
assunto referentes ao jornalismo praticado em televisão, era uma pista importante sobre
o modo como se discute a relação entre televisão, entretenimento, indústria cultural e
jornalismo nos estudos de comunicação. Caracterizada, sobretudo, como um modo de
sustentar o modelo da televisão comercial garantindo públicos regulares para acompa-
nhar histórias ofertadas com continuidade, a serialidade é discutida, majoritariamente,
do ponto de vista da sua relação com a racionalização da produção nas indústrias
televisivas. A nossa perspectiva, contudo, é a de entender que o modo como a televisão
organiza e reorganiza constantemente as suas formas não é resultado, simplesmente,
de uma determinação econômica, capitalista, da exploração do lucro obtido com os
bens culturais. O tempo repetitivo da tevê carrega em si a matriz cultural do tempo
cotidiano, e a televisão, ao se inserir no e se apropriar do tempo do ritual e da rotina
insere a cotidianidade no mercado.
O nosso esforço por mapear as definições e disputas que se organizam em torno
da noção de serialidade na bibliografia específica sobre televisão reconhece, a princípio,
que o jornalismo é uma prática localizada entre disputas e práticas de legitimação e
definição. Embora exista uma aparente unidade na sua definição, é preciso reconhecer
que ela não está livre de problemas e controvérsias internas (DAHLGREN, 2000, p. 1). A
naturalização deste que se apresenta como um discurso único sobre o que o jornalismo é
ou não é pressupõe, na maior parte das vezes, uma apresentação da atividade enquanto
um conjunto de regras e práticas fixas, sem passado ou futuro, sem contexto.
Assim, um dos resultados mais relevantes que o mapeamento da noção de serialidade
na literatura sobre televisão nos revela é que parte do silenciamento sobre a construção
de estratégias seriais no telejornalismo diz do modo como as relações entre jornalismo
e ficção, e jornalismo e entretenimento, são contra-hegemônicas ao discurso dominante
sobre essa prática. O processo de consolidação do modelo hegemônico de jornalismo
que conhecemos hoje ora silencia, ora marca território com relação às noções de ficção
e entretenimento – há uma série de discursos, inclusive acadêmicos, que enfaticamente
colocam ficção e entretenimento como “outra coisa”, fazendo parte de outro mundo
ou depreciando o bom jornalismo. Esses valores são desmerecidos justamente porque
colocam em disputa os valores centrais da instituição, especialmente àqueles ligados à
verdade e à razão. Embora o jornalismo tenha se tornado uma indústria bem-sucedida e
legitimada oferecendo uma cobertura diversificada que inclui também aspectos da vida
cotidiana e privada além de informações objetivas e factuais, o discurso dominante, de
modo quase incoerente com as práticas materiais, exclui as relações que possam significar
qualquer risco ao conceito de objetividade como matriz fundadora do jornalismo
moderno e referência maior para afirmação de credibilidade.
2. Este artigo se apresenta como um desdobramento da pesquisa de mestrado (ARAÚJO, 2012) que analisou
como o jornalismo televisivo, definindo-se na relação com as características narrativas do meio, mais
especificamente àquela que foi se consolidando como, talvez, a sua principal característica – a serialidade,
a divisão do programa por blocos, da grade em programas, a construção de unidades narrativas – faz
dialogar sua ideologia profissional e as expectativas em relação àquelas que se definiram historicamente
como suas funções sociais – vigilância, interesse público, estabelecimento de uma agenda pública, promoção
do debate entre diferentes pontos de vista etc.
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Sobre a construção de serialidade no ao vivo jornalístico do Bom Dia Brasil
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Sobre a construção de serialidade no ao vivo jornalístico do Bom Dia Brasil
presente no cotidiano do seu público, seja pela construção da conversa que aproxima os
telespectadores, seja pela proximidade territorial, seja pela afirmação de simultaneidade
específica do ao vivo. Para este artigo, analisamos um período que compreende os
primeiros quinze dias de janeiro de 2015 e os quinze últimos dias de fevereiro do mesmo
ano. A nossa opção por períodos de quinze edições seguidas no início de um mês e
mais quinze edições no final do mês seguinte é baseada na noção de mês construído,
adaptada para o nosso objetivo de análise de serialidade.
Começou uma das mais tradicionais promoções de janeiro. Vamos ver ao vivo? A gente
Ana Paula Araujo tá [sic] em Campinas, com a Helen Sacconi, Helen, bom dia, tô vendo um monte de gente
por aí na loja, não é pra menos, não é? São descontos que chegam a até 70% (…).
(…) No momento que abriu não foi nem tanta correria, mas logo na sequência já virou
essa loucura que a gente tá vendo até porque tinha muita gente, a fila virava o quartei-
Helen Sacconi rão, tudo pra aproveitar esses descontos de até 70% (…). Essa mega liquidação começou
em 1994 e o objetivo é mesmo acabar com os estoques de Natal. Só esta rede em que eu
estou mantém a tradição em mais de 750 lojas em vários estados (…).
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Sobre a construção de serialidade no ao vivo jornalístico do Bom Dia Brasil
Um soldado da polícia militar foi preso agora há pouco por suspeita do assassinato de três pesso-
Giuliana Morrone as da mesma família. Em Goiania (…). A gente vai falar agora com o repórter Honório Jacometto
que acompanha esse caso desde cedo. Bom dia, Honório.
Bom dia Giuliana, o soldado da polícia militar está preso aqui nessa delegacia, a delegacia de ho-
micídios de Goiania, ele presta depoimento nesse momento (...). O crime foi nessa madrugada, na
casa do soldado. Depois do crime, ele pegou os três filhos, de sete, cinco e um ano de idade e fugiu
Honório Jacometto
para o interior. (…) Os parentes contaram aqui na delegacia que o soldado é bastante violento
e costuma bater na mulher. Os parentes imaginam que nesta madrugada ele tentou novamente
bater na esposa e aí o sogro tentou impedir. Esta seria a motivação.
Exibido em um horário frio para a produção jornalística, o Bom Dia Brasil constrói
sua atualidade, como já destacamos acima, reforçando um sentido de acompanhamento
das notícias, se fazendo presente em vários pontos territoriais simultaneamente e pela
frequência de entradas ao vivo de repórteres. Destacamos mais uma, do dia 16 de
fevereiro, quando o repórter Philipe Guedes, faz uma entrada direto do Anhembi, onde
acabara há pouco o desfile do grupo de acesso do carnaval paulista. O repórter relata:
Rodrigo Bocardi Vamos direto para São Paulo, para o sambódromo do Anhembi, o Philipe Guedes
(apresentando o telejornal do está lá, já terminou o desfile do grupo de acesso também e pelo jeito faz tempo
estúdio principal) porque a limpeza até já passou, não é Philipe? Bom dia.
Oi Rodrigo, bom dia pra todo mundo, já passou sim. A ala da limpeza lá no Rio tá
Philipe Guedes [sic] se preparando pra entrar, aqui já saiu, sambódromo limpinho, nem parece
que teve festa aqui durante toda esta noite (...).
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Sobre a construção de serialidade no ao vivo jornalístico do Bom Dia Brasil
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Sobre a construção de serialidade no ao vivo jornalístico do Bom Dia Brasil
Ana Paula Araujo E teve chuva forte em São Paulo também, hein. Inclusive, o temporal derrubou o teto de um hangar
no aeroporto de Congonhas. Vamos ter as informações com Rodrigo Bocardi. Rodrigo, bom dia,
aquela imagem impressionante, caiu aquele teto, ainda bem que ninguém, se machucou, mas
ainda tem muita gente sem luz por aí depois da chuva de ontem...
Rodrigo Bocardi Bom dia Ana Paula, oi Chico, um bom dia a todos. Mais de 70 árvores caíram durante o temporal, e
(no estúdio, muitas delas em cima de postes e fios elétricos, e agora começa aquela agonia pra saber quando a
em São Paulo) energia vai voltar. Alguns carros parados na rua também foram atingidos.
Após uma matéria que dá um panorama sobre os transtornos causados pela chuva
na cidade de São Paulo na noite anterior, o ao vivo atualiza uma situação específica e
atualiza uma situação específica, introduzida pela matéria – a do hangar cujo teto foi
derrubado pela chuva no aeroporto de Congonhas.
Rodrigo Bocardi A água já baixou em todas essas regiões que a gente viu, apenas as árvores no meio do caminho e
(no estúdio, a repórter Jaqueline Brasil está no Globocop sobrevoando o aeroporto de Congonhas, onde caiu o
em São Paulo) teto de um hangar. Diga Jaqueline.
Jaqueline Brasil Oi Rodrigo, este aí é o hangar, que pertence à empresa Target. Uma funcionária da empresa não
soube dizer quantos aviões foram danificados, mas a gente tá vendo ali um avião bastante destruí-
do. Não tem essa informação [sic] porque os bombeiros isolaram o local. A gente vai localizar onde é
que fica esse hangar, praticamente do lado dele, está ali o pátio onde estão os aviões estacionados e
ali logo depois vem ali a parte dos fingers onde tem o desembarque e o embarque. Com a chuva de
ontem a cidade registrou 24 pontos de alagamento, Rodrigo.
Ana Paula Araújo Agora, desde o fim do ano passado, mais de 900 árvores caíram em São Paulo. Além dos prejuízos,
tem o risco pra quem passa pela rua, não é? Que é enorme. Não é isso, Rodrigo Bocardi? Bom dia aí
pra você, a gente já falou dessa história aqui no Bom Dia Brasil, não é? Agora a prefeitura diz que vai
mapear a saúde das árvores, como é que vai ser isso?
Chico Pinheiro Não tem mais árvore pra cair, né?
Rodrigo Bocardi O que tava ruim de saúde já foi, não é? (…) E aí com essas árvores todas caindo, vem essa história
(do estúdio em São de fazer o mapeamento, agora, né? Vamos ver se vai dar tempo, é um trabalho lento, né? Enquanto
Paulo) isso já caiu árvore em cima de carro, de casa, de fiação elétrica. Uma situação muito perigosa que se
repete a cada chuva mais forte. Olha essa aí, ó, Avenida dos Bandeirantes, zona sul, tem um galhinho
ali que tá preso nos fios elétricos, e os cones que a gente vê ali são pros carros desviarem.
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Sobre a construção de serialidade no ao vivo jornalístico do Bom Dia Brasil
Chico Pinheiro Mais um temporal parou São Paulo na tarde de ontem e hoje cedo a cidade ainda sofre consequ-
ências da chuva. Rodrigo Bocardi, de São Paulo (…), uma ventania com granizo, outra vez árvores
caindo, mais de 70 árvores.
Ana Paula Araújo E a gente falou nas árvores aqui ontem, não é, Chico? Das árvores em São Paulo, que estão numa
situação complicada.
Chico Pinheiro Quase mil do Natal pra cá.
Retomando a pauta da chuva pela questão das árvores, o Bom Dia Brasil dá sequência
à narrativa que constrói para o caso, reforçando a sua posição de vigilância. O tratamento
dessa questão não é episódico, mas recorre à trajetória da notícia dentro do próprio
telejornal. Ainda que no contexto de uma única edição no dia 12, a matéria apareça
quase deslocada da pauta das chuvas, a fala dos apresentadores no dia seguinte refaz
a ligação entre os fatos e a notícia se constrói na relação com um arco narrativo maior,
que atravessa edições, mas mantém sua coerência e o desenvolvimento da história.
A dinâmica entre continuidade de temas e surgimento de novas situações e fatos
se revela essencial para manter o equilíbrio entre a necessidade de suprir seu mercado
com informações relevantes e novas, que deem conta de cumprir as funções sociais
historicamente atribuídas ao jornalismo, mantendo a compreensão do telespectador
sobre a grande narrativa que cada programa telejornalístico constrói sobre o mundo
que lhe é referência: “A relação entre programa e telespectador é regulada, com uma
série de acordos tácitos, por um pacto sobre o papel do jornalismo na sociedade. É esse
pacto que dirá ao telespectador o que deve esperar ver no programa” (GOMES, 2007,
pg. 26). Essa relação – construída pelo público com o programa telejornalístico é em
boa medida regulada pelas expectativas construídas sobre como o programa atualiza
práticas, convenções, premissas e valores sobre o papel social do jornalismo – como ele
trata, ou se valoriza, as noções de objetividade, factualidade, responsabilidade social,
interesse público etc. O esforço produtivo e os recursos técnicos colocados a serviço
do jornalismo, bem como a trajetória de mediadores, a transmissão ao vivo, o modo
de tratamento das fontes, tudo isso contribui para a construção da credibilidade do
programa. O modo como o telejornalismo exibe e dá ares de transparência ao processo
de construção da notícia, por exemplo, é uma ferramenta importante como avalizadora
da confiabilidade do programa na relação com seus interlocutores. Para Quéré, o poder
hermenêutico do acontecimento se exerce também na organização da ação e esse modo
de organização determina, de certa forma, a sequência dada a ela:
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Sobre a construção de serialidade no ao vivo jornalístico do Bom Dia Brasil
Em cada fase da atividade, a atenção e a exploração se voltam para as coisas singulares que
se produzem e se apresentam (isto, aquilo, aqui, agora), porque é através delas que podem
receber os desenvolvimentos com referência aos resultados que devem ser alcançados ou
o problema que queremos resolver, e as escolhas podem ser feitas a fim de obter e certas
consequências ou alcançar as metas. Mas os micro-eventos e mudanças produzidas não são
uma ‘mudança de panorama das aparências e desaparecimentos súbitos’ e, normalmente,
eles estão embutidos em e através de uma situação geral que determina a serialidade da
atividade3 (QUÉRÉ, 2006/5, pg. 27).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A serialidade é amplamente considerada na literatura especializada em televisão
como a característica mais marcante e definidora de sua programação, estruturada a
partir de uma grade em que diferentes programas são divididos em blocos e voltam a ser
exibidos com certa regularidade. Tendo os estudos de televisão se voltado, durante muito
tempo, para as análises que privilegiavam os impactos sociais do meio em detrimento
de questões formais, as análises sobre serialidade deram ênfase, sobretudo, ao aspecto
comercial da televisão, à serialidade enquanto característica do meio que tornou possível
atrair audiência de modo regular e rotineiro e garantir lucros à indústria televisiva.
Argumentamos aqui que as formas assumidas pela serialidade na televisão, mais
do que incorporação dos objetivos da indústria cultural, são construções moldadas e
dependentes dos contextos socioculturais em que se inscrevem. Assim, é possível obser-
var as relações entre serialidade e cotidianidade, por exemplo, através das referências
ao tempo fragmentado do dia a dia da audiência inscritas nos programas televisivos e
é possível reconhecer o modo como a televisão foi desenvolvendo suas próprias formas
3. No original: A chaque phase de l’activité, l’attention et l’exploration se portent sur des choses singulières
telles qu’elles se produisent et se présentent (ceci, cela, ici, maintenant), car c’est à travers elles que peut être
saisie l’évolution de la situation en référence au résultat que l’on veut atteindre ou au problème que l’on veut
résoudre, et que des choix peuvent être faits en vue d’obtenir certaines conséquences et d’arriver au but
visé. Mais les micro-événements et les changements qui se produisent ne constituent pas un «panorama
changeant d’apparitions et de disparitions soudaines»; normalement ils sont intégrés dans et par la situation
d’ensemble qui détermine la sérialité de l’activité.
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Sobre a construção de serialidade no ao vivo jornalístico do Bom Dia Brasil
REFERÊNCIAS
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Práticas de divulgação científica
na TV aberta brasileira
Maria de Lu r d e s We lt e r P e r ei r a 1
Abstract: The article wants to reflect about the strategies adopted in the disclo-
sure of scientific issues by brazilian commercial television. As empirical object,
are being analyzed two editions of the program “Como Será?” of Rede Globo,
a two hours weekly production that began to be broadcasted in August 2014,
replacing the program “Globo Ciência”, that ran for 30 years. As theoretical
support are being used studies of authors like Pierre Bordieu (1990) about the
influence of advertisers and audience in the content of what is produced; Gilles
Gaston Granger (1994) about the danger of news vulgarization; and Warren
Burkett (1990) about low potential commercial schedule destined by stations
to disclose science productions. The observations show that “Como Será?” is a
reconfiguration of the previous program, however with more technology and
interactive resources. It also has a great concern in popularizing language, main-
ly in scientific journalism issues.
Keywords: Scientific Journalism. Scientific Dissemination. Television. TV
Journalism.
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Práticas de divulgação científica na TV aberta brasileira
1. INTRODUÇÃO
P ENSAR COMUNICAÇÃO no século XXI é muito mais do que refletir sobre o diálogo
ou sobre a escrita. É pensar em práticas e processos produtivos de informação.
O avanço de tecnologia alterou o ritmo e deu mais agilidade aos meios de comu-
nicação social, sejam eles tradicionais (rádio, televisão, jornal) ou os contemporâneos
(portais, blogs ou jornais on-line). O mundo comunicacional é o mundo das relações entre
um sujeito e outro e entre redes de sujeitos. E são cada vez mais amplas as possiblidades
e formas de comunicação. Mesmo só, dentro de casa, há comunicação, sendo possível
realizar leituras pelo tablet, reduzir distâncias através das conversas pelo computador
usando a Internet, enviar e receber mensagens, realizar contatos, tanto de voz quanto de
texto através de aplicativos de telefone celular, sem esquecer de um dos veículos mais
antigos: o rádio, presente nos mais variados lugares e também a televisão.
Como assinala Marialva Barbosa o fenômeno comunicacional está presente nos
múltiplos setores da vida social e em várias áreas do conhecimento, num mundo marcado
por cenários em permanente transformação” (BARBOSA, 2011, p. 78). Desta forma, com
as transformações, os meios de comunicação ganharam nova dinâmica na tentativa de
tornar o ato de comunicar mais eficiente, já que as tecnologias permitem a multiplicação
das possibilidades da comunicação, mas, sobretudo modificam a dimensão de espaço
e de tempo (BARBOSA, 2012, p. 150). De acordo com a pesquisadora:
podemos afirmar que a comunicação se consolicou como uma área de teorias e de conhe-
cimento próprios, deixando de ser considerada como mero suporte de conhecimento e de
ação de outras disciplinas. E, diante do avanço das transformações, a comunicação assume
lugar de ponta no cenário científico (BARBOSA, 2011, p. 78).
Outro pesquisador da área José Luiz Braga (2011) afirma que “vivemos em uma
sociedade de comunicação ou sociedade mediática”. O autor também fala em interfaces
que na sua visão, correspondem ao “verdadeiro trabalho de interdisciplinaridade”
(BRAGA, 2011, p. 69). Mas, observa que é necessário levar a sério a busca dos enfoques
comunicacionais e ainda tomar cuidado para não se deixar absorver por áreas, linhas e
objetos mais consolidados. Como exemplo desta interface, cita pesquisas relacionando
comunicação e política; comunicação e educação; comunicação e cultura; e, assim
segue para a linguística, depois a literatura, entre outras áreas. Entende que, em vez de
possibilidades de dispersão, como se acreditava até os anos 90, a interface com outras
áreas, pode ser um espaço construtivo de processos e conhecimentos comunicacionais
(BRAGA, 2011, p. 65).
2. CAMPO DO CONHECIMENTO
A comunicação na contemporaneidade é vista como um importante campo do
conhecimento, porque grande parte do que se informa, comunica e interage, ocorre através
dos meios de comunicação. E, nestes meios estão incluídos os veículos audiovisuais,
eletrônicos, jornais, rádios, livros e todas as demais publicações impressas. Além de
ter sido um fenômeno estimulador e gerador da percepção e da problematização de
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Práticas de divulgação científica na TV aberta brasileira
questões sociais, a mídia tem forte presença como mediadora das interações sociais,
porque põe em causa modos habituais de conversação social. Para Braga, isso ocorre
em função da “inclusividade e da penetrabilidade, o que permite afirmar que vivemos
em uma sociedade de comunicação ou sociedade mediática” (BRAGA, 2011, p. 69).
Braga afirma ainda que a perspectiva da interação social “não nos impede de dirigir
o olhar com enfoques direcionados sobre a mídia, na observação de um fenômeno
recortado, como um fragmento da realidade social”. Para o autor, “o que reúne e dá
consistência a estas diversas observações não é que tenham como objeto empírico um
determinado fenômeno mediático, mas sim, que em todos eles, estaremos observando
sua relação com as interações sociais”. Braga defende que é esta observação que “permite
examinar o fragmento sem destacá-lo das relações que entretém” (BRAGA, 2011, p. 69).
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quem divulga, como da audiência. Ainda de acordo com Burkett, a opção vai ser sempre
pela divulgação de reportagens sobre tratamentos para doenças graves, a exemplo do
câncer e problemas do coração, em detrimento de descobertas para doenças menos
assustadoras (BURKETT, 1990, p. 51).
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é cientificamente culto aquele que diante da notícia de um sucesso científico recente, é capaz
de avaliar a sua amplitude real e de descontar a parte do exagero demasiado frequentemen-
te com o qual os periódicos de vulgarização anunciam a importância de uma descoberta
(THOM, apud GRANGER, 1994, p, 18-19).
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Abramczyk, ao afirmar que o Brasil está atrasado em relação a outros países, nos quais
a “ciência é mais bem divulgada” (ABRAMCZYK, apud SILVEIRA, 2003, p. 116).
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Figura 1: cenário do programa Como Será? Foto: José Paulo Carleal (2014)
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mundo dos cegos, reunindo interpretação com emoção para contar os benefícios que a
nova tecnologia está trazendo. O segundo assunto relacionado com a pesquisa foi sobre
a produção de açaí na Ilha das Onças, em Belém (Pará). A reportagem acompanhou uma
equipe de pesquisadores da Universidade Federal Rural da Amazônia, que descobriu ser
a extinção de abelhas, a causa da redução da produção de açaí, fruta muito consumida
na região. Os pesquisadores compraram colmeias e incentivaram a reprodução das
abelhas com o objetivo de aumentar a polinização do Açaí. Deu certo e em menos de um
ano a Região voltou a crescer economicamente. Também com duração de seis minutos,
a reportagem deixa evidente a preocupação com o texto e a interação com o público.
As abelhas são chamadas pelo repórter de “mocinhas” para mostrar a intimidade com
o assunto e popularizar a informação. Moradores participam como entrevistados e
os termos considerados pela produção como de difícil compreensão são explicados e
ainda é colocada uma tarja no vídeo, como mostra a figura abaixo para explicar o que
significa debulhar.
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Práticas de divulgação científica na TV aberta brasileira
O outro tema relacionado com a pesquisa nesta mesma edição apresenta estudos
sobre a preservação da água, tomando como objeto principal a estiagem em São Paulo.
De acordo com os especialistas ouvidos, uma das causas da escassez de água está no
desmatamento da Amazônia, que vem reduzindo a umidade e ajudando na evaporação
da água dos rios. Na reportagem de 08h30min, são feitas explicações técnicas e científicas
sobre o desmatamento. Em seguida, um especialista de sustentabilidade, Dalberto
Adulis, é entrevistado no estúdio e, por seis minutos explica sobre a necessidade de uma
educação e mudança de hábitos de consumo, momento em que o programa passa a ser
mais educativo do que de jornalismo científico. Durante a conversa, a participação do
público ocorre com a exibição de três perguntas ao especialista, que foram previamente
gravadas nas ruas e no final da entrevista há a convocação para que a audiência envie
perguntas para serem respondidas por por e-mail.
Em outros quadros do programa, também há interatividade através de gravações
feitas pelos próprios telespectadores pelo telefone celular que enviam as dúvidas e
várias gravações são mostradas no programa. E para as pessoas que ligam a televisão
depois que o programa começou, há explicações na tela sobre o que está sendo abordado
(conforme mostra a figura abaixo), uma maneira de informar e uma tentativa de evitar
a migração para uma emissora concorrente.
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Práticas de divulgação científica na TV aberta brasileira
CONCLUSÃO
Apesar dos recursos tecnológicos e interativos e do formato de revista, o Como
Será? é uma reconfiguração do Globo Cidadania do qual o Globo Ciência fazia parte e
uniu conteúdos de cinco programas em um utilizando-se de estratégias não só com a
finalidade de informar, mas também de entreter a audiência. A apresentação informal
e em certos momentos teatral, faz de cada programa um espetáculo, que se reinventa a
cada semana. O cenário remete a um palco e as prateleiras interligadas a uma bancada,
sugerem um espaço para novas descobertas, porém a prática do jornalismo científico
parece reduzida em relação ao programa anterior, que dedicava 30 minutos semanais
para temas de pesquisa, ciência e tecnologia e a cada semana tratava de apenas um
assunto. Nas duas edições do Como Será? que foram analisadas, os assuntos científicos
tiveram entre seis e nove minutos. Outro fato a ser considerado é que os temas científicos
são exibidos em meio a uma série de outros assuntos, sem que seja mostrada uma vinheta
ou um frame destacando que se trata de pesquisa científica. Por isso, entende-se que o
Como Será? pode ser tomado como exemplo das transformações do jornalismo diante
das tecnologias e ainda da hibidrização entre informação e entretenimento (BRAGA;
AGUIAR; BERGAMASCHI, 2014, p.118). Porém, como o nome do programa remete a
indagações, é também uma demonstração de que a comunicação é um processo de
permanente questionamentos e transformações.
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Experiências estéticas no filme Medianeras
Aesthetic experiences in the movie Medianeras
A l i n e Va z 1
Abstract: This study aims reflections on the aesthetic experiences through the
eyes of the characters Martin and Mariana in Argentine film Medianeras (Gustavo
Taretto; 2011). Seeks to analyze how the eyes wander among the buildings of the
Argentine capital, and representations of the world through screens. We realize
that aesthetic experiences are oppressed by a mise en abyme effect. We concluded
that the flâneur, conceptualized by Walter Benjamin, as the one who observes
the crowd turns into a cyber-flâneur, conceptualized by André Lemos, which
recognizes a relationship between the city and strolling through cyberspace.
Keywords: Esthesis. Look. Architecture. Cyber-flâneur. Hypermodernity.
1. INTRODUÇÃO
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Figura 1. Frame do filme Medianeras: efeito mise en abyme (André Gide, 1893).
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atenção que pelo hábito. No que diz respeito à arquitetura, o hábito determina em grande
medida a própria recepção ótica. Também ela, de início, se realiza mais sob a forma de uma
observação casual que de uma atenção concentrada (Benjamin, 1994, p. 193).
Podemos pressupor que a cena descrita, transpõe para a tela a imagem de uma
cidade que olha e é olhada para o protagonista, que é afetado “através” de uma arqui-
tetura que o norteia. Nesse caso, o uso da palavra “através” não é ocasional, já que o
olhar “atravessa” o indivíduo que habita essa cidade, reflete nas moradias irregulares
a irregularidade de um sujeito que pertence não pertencendo, conhece o mundo, mas
talvez não o possua. Clarissa Ribeiro (2004) observa no artigo “Do flâneur ao ciborg-
-teorias filosóficas do espaço”, que os edifícios se realizam em função de um propósito
comum, observados como uma representação física de um sintoma de comportamento
de grupo, representando uma sociedade e seus modos de vivenciar a cidade. Na repre-
sentação fílmica em análise, ao passo que os edifícios diferenciam os moradores pelo
poder de aquisição, abrigam e sufocam sujeitos presos em moradias que não constituem
subjetividade, distanciam as possibilidades sensíveis, destinados a um comportamento
de isolamento, que reflete um comportamento coletivo.
Martin diz que “os privilegiados são identificados pela letra A, às vezes B. Quanto
mais à frente no alfabeto, pior o apartamento.” Marc Augé (2007), em “Não Lugares
– introdução a uma antropologia da supermodernidade”, observa que os espaços de
não-lugares identificam seus usuários por números. Os moradores da Buenos Aires
representada são identificados por letras, promovendo no anonimato uma relação de
reificação, equiparando moradores e casas, enfatizando solidões. A moradia suscita-
da por Bachelard (2000) estaria transformando-se em um não-lugar, como os espaços
de passagens: aeroportos, supermercados e hotéis, apontados por Augé? Habitamos o
mundo? O sujeito que habita a cidade invadida pela arquitetura irregular e opressora
cria um olhar para o próprio mundo ou é cegado pelo mundo que se impõe? “Vista e
claridade são promessas que poucas vezes se concretizam. O que esperar de uma cidade
que dá as costas ao mar?”
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Aline Vaz
então, nem pensar, só me desloco a pé. Só preciso dos pés e da mochila que levo para todo
lado. Conteúdo: Uma câmera Leica D-Lux 3 de 10 megapixels, Rivotril em gotas a 0,25%,
Amoxilina 500, Ibuprofeno, óculos de sol, uma capa plástica, um Victorinox de 21 funções,
lanterna, pilhas, preservativos, três unidades, 400 pesos em notas miúdas, um ipod de 60Gb.
Tenho mais de 8.000 músicas. Três filmes de Tati, um caderno e uma folha plastificada com
instruções com o que fazer em caso de acidente ou ataque de pânico (Medianeras, 2011).
O personagem relata uma atitude que dialoga com o personagem conceitual citado
por Walter Benjamin (1989), o flâneur, um “ser ótico” por excelência. Benjamin também
ressalta a representação das cenas construídas por imagens do cotidiano, que se tornam
simulacros da própria vida. No caso de Martin, o torna observador, o coloca próximo
da multidão, mas protegido por um olhar mediado pela câmera fotográfica.
Cada um de nós pode observar que uma imagem, uma escultura e principalmente um
edifício são mais facilmente visíveis na fotografia que na realidade. A tentação é grande
de atribuir a responsabilidade por esse fenômeno à decadência do gosto artístico ou ao
fracasso dos nossos contemporâneos. Porém somos forçados a reconhecer que a concep-
ção de grandes obras modificou simultaneamente com o aperfeiçoamento das técnicas de
reprodução. Não podemos agora vê-las como criações individuais; elas se transformaram
em criações coletivas tão possantes que precisamos diminuí-las para que nos apoderemos
delas (Benjamin, 1994, p. 104).
Para que Martin possa apoderar-se de uma arquitetura que se apodera é preciso
diminuí-la pela janela da câmera fotográfica, enquadrando a cidade é possível escolher
o que é olhado e olhante, é possível vivenciar uma reprodução de uma dita realidade
emoldurada, o olhar é selecionado.
Em uma das fotografias de Martin (Figura 2) percebe-se que a janela da lente da
câmera registra uma janela de vidro, que enquadra o sujeito, deformado por gotas da
chuva. “O poeta, como tantos outros, sonha atrás da vidraça. Mas, no próprio vidro,
descobre uma pequena deformação que vai propagar a deformação do universo”
(BACHELARD, 1978, p. 299).
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Wally é o transeunte que se enfia na multidão, aquele que Martin procura tornar-
se com a ajuda da terapia, a câmera e sua mochila, que é abastecida como alguém que
prepara um kit de sobrevivência, prestes a adentrar em uma selva. A cidade ganha
um caráter de floresta de signos, que Martin tenta decodificar por meio da observação
mediada pelo aparelho. Mariana não quer pertencer à cidade, ela quer encontrar alguém
que não sabe como é, mas que está perdido na multidão. O nervosismo de pertencer
não pertencendo a essa multidão cega as possibilidades de encontro com alguém que
também vive a angústia e anulação coletiva.
Olhar para a cidade causa pânico em Martin, angústia em Mariana. Olhar para a
cidade que os priva de claridade e vista, que os prende em pequenos apartamentos com
pouca luminosidade, em que janelas ilegais aparecem como rotas de fuga, para encontrar
um pouco de luz, mas que são medianeras tomadas por anúncios publicitários, constitui
um olhar para soluções provisórias e anúncios que indicam quantos minutos separam
as janelas de não-lugares, como os supermercados e lanchonetes (Figura 3).
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4. O FLÂNEUR HIPERMODERNO
Bauman (1993) preocupa-se com a qualidade das interações. Uma sociedade
dominada pela flexibilidade e fluidez contemporânea impõe o imediatismo, as relações
instantâneas. Fromm (1941, apud HAROCHE, 2008, p. 126) enfatiza que o ao se libertar
dos vínculos pessoais tradicionais de indivíduo a indivíduo, a emancipação afeta a
estrutura de caráter. Haroche conclui:
Desse modo, ele torna visíveis os processos que levam ao isolamento e à impotência do indi-
víduo, à falta de proteção das novas condições que provocam efeitos psicológicos maiores:
a liberdade do indivíduo faz nascer a dúvida, a incerteza e um sentimento de impotência
e de insegurança, outra maneira de dizer que essa autonomia acompanha a emergência de
um sentimento complexo e que é fonte de angústia, o sentimento do eu, o medo de perdê-lo
(Haroche, 2008, p. 126).
Mariana reclama que o olhar vendado por prédios e fios escondem o mar e o céu,
o que resulta em uma relação virtual com o mundo, uma escapatória, a tela como um
novo olhar para o mundo, uma solidão coletiva.
Quando vamos ser uma cidade sem fios? Que gênios esconderam o mar com prédios e o
céu com cabos? Tantos quilômetros de cabos servem para nos unir ou para nos manter
afastados, cada um no seu lugar? A telefonia celular invadiu o mundo, prometendo conexão
sempre. Mensagens de texto. Uma nova linguagem adaptada para 10 teclas, que reduz uma
das línguas mais lindas a um vocabulário primitivo, limitado e gutural. ‘O futuro está na
fibra óptica’, dizem os visionários. Do trabalho você vai poder aumentar a temperatura da
sua casa. Claro, ninguém vai esperar você com a casa quentinha. Bem-vindos à era das
relações virtuais (Medianeras, 2011).
Lemos (2001) pressupõe uma modificação do sujeito que vaga em estado de abandono
a observar as multidões, o flâneur agora é um ciber-flâneur:
Vivemos hoje uma relação cada vez mais simbiótica entre o espaço da cidade e o novo espa-
ço cibernético, o ciberespaço. Nesta analogia, podemos ver a navegação hipertextual pela
Internet como o exercício de um ciber-flâneur e seu passeio pelo mar de dados. Não mais
apenas sobre espaços físicos, mas sobre as malhas virtuais do ciberespaço. Em ambos os
processos está em jogo um arranjo do espaço (físico ou cibernético) através de um modelo
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Martin incorpora a rotina do ciber-flâneur: “Faço coisas de banco e leio revistas pela
internet, baixo música, ouço rádio pela internet, compro comida pela internet, converso
pela internet, estudo pela internet, jogo pela internet, faço sexo pela internet e procuro
passeador de cachorro”.
O personagem determina seus encontros românticos observando candidatas no
espaço cibernético: “Concluí que esses encontros são como combos do McDonald’s. Nas
fotos, é tudo melhor, maior e mais apetitoso. Cada vez que vou a um encontro tenho
a mesma decepção que vem diante de um Big Mac”. Para Martin, procurar alguém
para sair é como procurar uma refeição no cardápio do McDonald’s, percebemos que
as características pessoais da pessoa escolhida são organizadas por ícones (Figura 4),
as imagens representam o sujeito. “Vivemos cercados, impregnados de imagens, e, no
entanto, não sabemos quase nada da imagem [...]” (BARTHES, 2005, p. 70).
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está representado dentro da sua casa, o olhar é iluminado pela luz que o imobiliza em
uma relação com o simulacro. O novo acesso ao mundo que surge como uma estesia
passa por uma automatização: “Todo impulso em direção à estesia está ameaçado de
uma recaída na anestesia” (GREIMAS, 2002, p. 80).
O sujeito que enquadra o olhar como uma possível aproximação do mundo, torna-
-se refém de uma mise en abyme, aprisiona-se na cidade, que o aprisiona na casa, que o
aprisiona na tela do computador, que por sua vez o aprisionará em sites de relaciona-
mentos e hiperlinks.
Kati Caetano (2012, p. 256) compreende que o sujeito imergido no ciberespaço “é
tomado pela impressão de presença no mundo e proximidade com as pessoas e coisas,
ao mesmo passo que se posiciona numa atitude de imobilidade física e descorporificação
com respeito àquilo que se processa aquém da tela do computador”. Martin afirma que a
internet o aproximou do mundo, mas o distanciou da vida. O ciber-flâneur encontra-se
anestesiado pela automatização. Mariana diz que “o futuro está na fibra ótica, ninguém
vai esperar você com a casa quentinha”. Na tentativa de não anular-se na multidão, o
sujeito anula-se na tentativa solitária de experimentar uma representação de mundo,
o que Berman (1990, p.33) indicou como um sonho de liberdade que aprisiona, “porém,
assim que nos damos conta da total futilidade disso tudo, podemos ao menos relaxar”.
Conhecemos os riscos, podemos nos tornar simulacros de nós mesmos, somos
reféns do comodismo, da proteção que a tela nos impõe, nos acostumamos com o estar
nem dentro e nem fora, interagimos com as imagens do mundo, uma “hiper-realidade
da comunicação e do sentido. Mais real que o real [...]” (BAUDRILLARD, 1991, p. 105).
Será possível romper as barreiras representativas além da luz que inverte a imagem
na retina e cria um mundo constituído por imagens hiper-reais?
5. A DESCONSTRUÇÃO DO SIMULACRO
Heidegger (1979) chama a atenção para a relação homem e máquina, em que se
desconstrói uma representação técnica, apenas tecnicamente, pois é preciso refletir
sobre o ponto de vista do ser. A reprodutividade técnica torna-se apropriação de uma
linguagem, própria de conhecimento e apropriação de mundo, que Heidegger trata
como acontecimento-apropriação, entregue à linguagem como propriedade. Apropriar-
se e tornar-se para si, constitui uma identidade, ser e estar de modo a interagir com as
apresentações e representações que afetam o sujeito mediado pelo olhar, que o coloca
no mundo e o torna parte dele.
Os simulacros, indicados por Arlindo Machado (1984), significam as coisas que
representam. “O signo existe, grosso modo, para remeter para alguma coisa fora dele
mesmo, ou seja, para “representar” algo que não é ele próprio, daí a definição clássica de
signo: aquilo que está no lugar de alguma coisa” (MACHADO, 1984, p. 20). Em Medianeras
há a representação do simulacro, a relação de mundo que Martin constrói mediada por
aparelhos, as vitrines decoradas por Mariana, a cena que sugere uma relação erótica entre
Mariana e seu manequim, evidenciam uma relação com o mundo das representações.
Todos esses simulacros que representam o mundo, também distanciam o sujeito
do mundo, que protegido de uma dita realidade, reproduz uma solitária dita realidade
constituída pelo olhar mediado pela proteção do anonimato.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar as percepções de mundo dos personagens Martin e Mariana, no filme
Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual, analisamos um processo comunicacional,
construção de linguagem – mundo – entre o olhar do flâneur e as mediações, que
representam um mundo afetado pelos simulacros de uma dita realidade, um sentir
pela janela do dito real, janela culturalmente reconhecida como um lugar de ventilação
e observação.
Greimas (2002) suscita que a fusão do olhar introduz o sujeito em uma experiência
possível pelo arrebatamento da paixão, um efeito de linguagem, que provoca a fratura
do sentido. O olhar que clareia é um relâmpago passageiro, perturba a visão, provoca
uma descontinuidade no discurso e rompe com a vida representada, os simulacros que
se inserem nas experiências vivenciadas pelos personagens Martin e Mariana.
Não se trata aqui, então, de uma simples troca de isotopia textual, mas de uma verdadeira
fratura entre a dimensão da cotidianidade e “o momento da inocência”. A passagem a
esse novo “estado de coisas” se manifesta como ação de uma força que vem do exterior: o
deslumbramento é, de fato, segundo os dicionários, o “estado da vista golpeada pelo clarão
demasiado brutal da luz” (Greimas, 2002, p. 26).
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LEMOS, André. Ciber-flânerie. Comunicação na cibercultura. São Leopoldo (RS): Editora
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MACHADO, Arlindo. A Ilusão Especular – Introdução à fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1984.
RIBEIRO, Clarissa. Do flâneur ao ciborg-teorias filosóficas do espaço, 2004.
VIRILIO, Paul. O Espaço crítico. Tradução Paulo Roberto Pires. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora
34, 1993.
FILMOGRAFIA
MEDIANERAS. Direção de Gustavo Taretto. Argentina: 2011.
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Comunicação, espaços urbanos e relações sociais no
filme Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual
Communication, urban spaces and social relations in
Medianeras movie: Buenos Aires in the era of virtual love
Va n e s s a P a u l a T r i g u e i r o M o u r a 1
Jo si m e y Co sta da S i lva 2
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Comunicação, espaços urbanos e relações sociais no filme Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual
INTRODUÇÃO
3. Filme argentino de 2011, dirigido por Gustavo Taretto e distribuição Imovision.
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Comunicação, espaços urbanos e relações sociais no filme Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual
4. Medianeras recebeu premiações de melhor filme estrangeiro, melhor diretor e júri popular no Festival
de Gramado 2011 e participou do 61º Internationale Filmfestspiele Berlin.
5. El sercreto de sus ojos, filme de 2009 dirigido por Juan José Campanella foi vencedor do Oscar em 2010
na categoria melhor filme estrangeiro.
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Comunicação, espaços urbanos e relações sociais no filme Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual
7. Informação veiculada na contracapa do DVD de Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual.
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Comunicação, espaços urbanos e relações sociais no filme Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual
Apresentar essas nuances da cidade argentina durante a trama permite uma reflexão
a respeito das relações sociais nos grandes centros urbanos que, permeadas pelas novas
plataformas de comunicação e pela própria comunicação urbana8, são ressiginificadas
pelo compartilhamento de espaço, tempo e informações. Trata-se de uma realidade
8. Trata-se do “modo como uma determinada cidade comunica o seu estilo particular de vida, o seu ethos,
o conjunto de valores, crenças, comportamentos explícitos e implícitos” (Canevacci, 2004, p. 20).
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Comunicação, espaços urbanos e relações sociais no filme Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual
midiática, em que as interações entre os habitantes da cidade são marcadas tanto pela
co-presença quanto pela dimensão de uma não-presença, já que ocorrem também a
partir de mediações tecno-virtuais.
“Do ponto de vista das relações entre cinema e media, através do cinema, pode-
mos em geral ver as representações urbanas servindo, normalmente, como ‘pormenor
supérfluo’ em relação à narrativa, à estrutura” (Prysthon, 2006, p. 259). No entanto, o
filme argentino foge desse lugar comum, de forma que, o cerne da narrativa fílmica
encontra-se na comunicação, na mídia e, principalmente, nos espaços urbanos da cidade
de Buenos Aires. Trata-se de um filme que transforma a cidade em protagonista a partir
dos recursos visuais e discursivos.
Ao tratarmos dessa relação entre a arquitetura e espaços urbanos, comunicação
urbana e as relações sociais, nos ambientamos, necessariamente, em uma realidade
cultural em que a comunicação midiática tem papel de destaque. A partir de Silverstone
(2005), mídia aqui é mais do que um mero canal de compartilhamento de mensagens;
antes, constitui um modo de experiência contemporâneo. Ainda sob essa perspectiva,
ao identificar os processos em que a mídia altera a comunicação e interação humana,
Schulz (2004) aponta que a mídia estende as possibilidades de comunicação no tempo
e no espaço; substitui as atividades sociais que outrora aconteciam face a face; incentiva
uma nova dinâmica de fusão de atividades na vida cotidiana.
Entende-se que os edifícios, as ruas, as avenidas, os monumentos arquitetônicos
estão configurados de forma a construir uma realidade simbólica do seu próprio contexto
urbano. Esses elementos, quando vistos como um todo, possibilitam uma primeira
reflexão sobre os hábitos e vivências de uma determinada cidade. No caso de Medianeras,
nos aproximamos de um olhar sobre as vivências em Buenos Aires, que, em alguns
momentos, reflete o global e se assemelha às metrópoles mundiais.
As formas urbanas que fazem a cidade sempre estiveram ligadas à realidade técnica
e social de seus tempos. Como a própria comunicação, a cidade é um organismo vivo,
dinâmico, que se move de acordo com os fluxos materiais e sociais, com as redes políticas,
econômicas e comunicacionais.
Tal dinâmica presente nas cidades não se restringe a imagem física dos espaços
urbanos. Percebemos que a construção de uma percepção urbana passa pelas práticas
culturais, pelas vivências cotidianas e pelo fluxo das relações que se sucedem nos espaços.
Os elementos móveis de uma cidade e, em especial, as pessoas e suas atividades, são tão
importantes quanto as partes físicas estacionárias. Não somos meros observadores desse
espetáculo, mas parte dele; compartilhamos o mesmo palco com outros participantes (Lynch,
1997, pp. 01-02).
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Comunicação, espaços urbanos e relações sociais no filme Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual
urbanos, mas atores em constante diálogo com o espaço arquitetônico e com a cidade
em si, apresentando a ideia de que “a comunicação urbana é do tipo dialógica e não
unidirecional” (Canevacci, 2004, p. 22).
Um edifício “se comunica” por meio de muitas linguagens, não somente com o observador
mas principalmente com a própria cidade na sua complexidade: a tarefa do observador é
tentar compreender os discursos “bloqueados” nas estruturas arquitetônicas, mas vívidos
pela mobilidade das percepções que envolvem numa interação inquieta os vários especta-
dores com os diferentes papeis que desempenham. Espectadores que, por sua vez, ao obser-
varem por meio de sua própria bagagem experimental e teórica, agem sobre as estruturas
arquitetônicas aparentemente imóveis, animando-as e mudando-lhes os signos e o valor
no tempo e também no espaço. (Canevacci, 2004, p. 22).
A cidade é esse espaço privilegiado do não verbal (Ferrara, 1988). Quando abordamos
o não verbal falamos de um texto cujo sentido se estabelece no espaço e que expõe uma
multiplicidade de linguagens, de vozes, de signos. Nessa perspectiva nos aproximamos
de Canevacci (2013) que utiliza o conceito de polifonia ao explorar os estudos sobre
metrópoles, compreendendo como cidade polifônica (Canevacci, 2004) uma mistura de
vozes, estilos, imagens e subjetividades.
O filme Medianeras apresenta esse hibridismo durante toda sua trama. É por meio dos
múltiplos estilos e imagens da cidade que a narrativa fílmica encontra-se com as relações
sociais e com a ressignicação do espaço urbano. As protagonistas desfrutam de uma mesma
visão sobre a materialidade desses espaços, em que a própria cidade conta, por meio de
suas estruturas e da relação com seus habitantes, como está organizada culturalmente.
Trata-se de compreender as construções arquitetônicas, seus usos e disposições como
elementos de representação, agindo como metáfora da própria relação entre os indivíduos.
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Comunicação, espaços urbanos e relações sociais no filme Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual
AUDIOVISUAL
Como suporte audiovisual que permite e evidencia vertentes interpretativas diversas,
um filme pode ser visto como objeto de estudo intrínseco à sua própria existência: sua
coexistência discursiva. Isto é, a partir de sua própria existência, um produto audiovisual
– qualquer que seja ele – gera interpretações e significados que estimulam a comunicação
e a reflexão. É a partir das múltiplas possibilidades de ressignificação que a produção de
sentido é estabelecida no discurso audiovisual, tornando polissêmico o cenário narrativo,
tanto o imagético quanto o discursivo.
Num filme está um impulso ao mesmo tempo mais primitivo que o da leitura e mais
tecnologicamente sofisticado que o do teatro. Como na leitura, queremos narrativas que
alimentem nossa imaginação — mas diferentemente do livro, onde mundos interiores,
paisagens distantes, estados de espírito e intenções ocultas podem ser descritos, deixando
que nossa imaginação preencha o vácuo, o filme tem a obrigação de nos mostrar, ou pelo
menos balizar visualmente cada uma dessas coisas. Como no teatro, ele propõe a aprecia-
ção do movimento, da presença humana, da máscara do personagem — mas apenas com a
intermediação da imagem captada, uma camada adicional de interferência, manipulação,
irrealidade (Bahiana, 2012, p. 17).
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Comunicação, espaços urbanos e relações sociais no filme Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual
Isso faz com que a análise de um filme seja um processo de múltiplos sentidos:
o do idealizador, o do público e o do analisador, que também é objeto das programa-
ções sociais que permitem a significação coletiva de qualquer obra audiovisual ou de
qualquer mensagem da comunicação urbana. Nesse cenário, observa-se que tanto o
processo de produção de sentido quanto o processo de ressignificação são resultados
de uma cointencionalidade.
Abordar o aspecto da intencionalidade nos possibilita falar da incessante eferves-
cência técnica da atividade cinematográfica. Carrier (2006) atesta que o cinema
desempenhou um papel insubstituível na exploração de associações. Em primeiro lugar,
porque vive exclusivamente de associações: entre imagens, emoções, personagens. Mas
também porque sua técnica e sua linguagem particulares permitiram que ele empreendesse
notáveis viagens exploratórias, as quais, sem que nos o percebêssemos, influenciaram todas
as artes próximas, talvez ate mesmo nossa conduta pessoal (Carrier, 2006, p. 33).
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Comunicação, espaços urbanos e relações sociais no filme Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual
cinematográfica uma representação do real, uma porta para realizar leituras de uma
realidade pulsante, além de, no caso da obra argentina em análise, fazer compreender
como o cinema nos apresenta essa reestruturação das vivências nos espaços urbanos
das grandes cidades.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Partindo de uma reflexão a respeito das construções entre a relação da comunicação,
espaço urbano e indivíduo, por meio do filme Medianeras, tentamos observar a
representação e seu processo de significação dentro e fora do contexto audiovisual.
Mesmo tratando-se de uma reflexão inicial, nota-se com a construção do presente
artigo, que refletir sobre o individualismo contemporâneo a partir das relações sociais
e de suas ligações com a estética das cidades recortados da narrativa de Medianeras é
pressupor a existência e as interrelações de subjetividades que alteram a paisagem da
cidade, que por sua vez penetra nas subjetividades de seus habitantes. O território da
cidade são seus símbolos e nele a uma cidade local e arcaica subsiste juntamente com
uma cidade universal e contemporânea perceptíveis na comunicação urbana, no aparato
midiático e na virtualidade que permeia as relações de cada um consigo mesmo e com
os outros no cotidiano urbano.
REFERÊNCIAS
Aumont, Jacques & Marie, Michel (2011). A análise do filme. Texto & Grafia: Lisboa.
Bahiana, Ana Maria (2012). Como ver um filme. Rio de Janeiro: Nova fronteira.
Canevacci, Massimo (2004). A Cidade Polifônica: ensaios sobre a antropologia da comunicação
urbana. São Paulo: Studio Nobel.
Canevacci, Massimo (2013). Sincrétika: explorações etnográficas sobre artes contemporâneas.
São Paulo: Studio Nobel.
Carrière, Jean-Claude (2006). A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Ferrara, Lucrécia d’Aléssio (1988). Ver a cidade: cidade, imagem, leitura. São Paulo: Nobel.
Filho, Ciro Marcondes (org.) (2009). Dicionário da comunicação. São Paulo: Paulus.
Gaudreault, André & Jost, François (2009). A narrativa cinematográfica. Brasília: Editora
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Observatório Iberoamericano audiovisual (2015). http://www.oia-caci.org/pt/, acessado
em: 01 de março de 2015.
Prysthon, Angela (2006). Metrópoles latino-americanas no cinema contemporâneo. In:
Prysthon, Angela (org.). Imagens da cidade: espaços urbanos na comunicação e cultura
contemporâneas. Porto Alegre: Sulinas.
Schulz, Winfried (2004). Reconstructing Mediatization as an Analytical Concept. European
Journal of Communication 19:1, 87-101.
Silverstone, Roger (2002). Por que estudar a mídia? São Paulo: Edições Loyola.
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Diferente dos outros: o nascimento do cinema gay
Different from the others: the birth of gay cinema
Lidiane Nunes de Castro1
D o s toi e w s k i M a r i at t de O l i v e i r a C h a m pa n gn at t e 2
Resumo: Diferente dos Outros (1919) é um filme alemão pioneiro do cinema gay
que retrata abertamente o envolvimento amoroso de um violinista e seu pupilo
e que possui um desfecho trágico desencadeado pelo parágrafo 175 que, vigente
no período, criminalizava as relações homossexuais. O objetivo do trabalho é
desvendar o discurso da obra sobre a homossexualidade partindo da análise
semiótica cujo embasamento está no pensamento de Charles Sanders Peirce
sobre objeto, signo e interpretante ao fazer uso do modelo de análise fílmica
Estrutural/Significativa proposto por Antônio do Nascimento Moreno em A
Personagem Homossexual no Cinema Brasileiro (1995) e tendo o livro Now You See It.
Studies on Lesbian and Gay Film. (1990) de Richard Dyer embasando teoricamente
a análise da película. Através da qualificação do teor do discurso em função dos
personagens homossexuais, chega-se a conclusão de que apesar do desfecho
trágico, a obra possui um discurso humanista, retratando esta sexualidade como
natural e contribuindo para uma imagem positiva dos homossexuais.
Palavras-Chave: Cinema. Gay. Diferente dos Outros.
Abstract: Different from the Others (1919) is a pioneer German film of gay
cinema that openly depicts the love affair of a violinist and his pupil and
has a tragic outcome triggered by paragraph 175, that applies to the period,
where homosexual relations were criminalized. The aim is to unravel the film’s
discourse on homosexuality having the start point at the semiotic analysis based
on the thoughts of Charles Sanders Peirce on object, sign and interpretant to
make use of the film analysis model Structural/Significant proposed by Antonio
Moreno in A Personagem Homossexual no Cinema Brasileiro (1995) and having the
book Now You See It. Studies on Lesbian and Gay Film. (1990) by Richard Dyer
theoretically basing the analysis of the film. Qualifying the discourse content in
relation to the gay characters, the conclusion is that despite the tragic outcome,
the work has a humanist speech, portraying this as a natural sexuality and
contributing to a positive image of homosexuals.
Keywords: Cinema. Gay. Different from the Others.
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Diferente dos outros: o nascimento do cinema gay
INTRODUÇÃO
N O MESMO ano em que teve início a República de Weimar, 1919, foi realizado
um filme pioneiro do cinema gay: Diferente dos Outros possui como personagem
central um violinista chamado Paul que conhece um jovem chamado Kurt e por
ele se apaixona, de modo recíproco, mas os pais do rapaz proíbem que o jovem tenha
contato com ele. Posteriormente Paul é chantageado por um homem que, ciente de sua
orientação sexual, ameaça denunciá-lo pelo crime de infringir o Parágrafo 175, parágrafo
do código penal alemão que tornava crime as relações homossexuais.
O período em que o filme foi realizado esteve marcado por tensões que se expressavam
em toda a vida cultural alemã da época, caracterizada pela instabilidade, efervescência
cultural e liberalidade sexual. Segundo Adriana Schryver Kurtz, Berlim foi até a ascensão
do nazismo “não apenas a ‘Berlim Imoral’ – título de um guia alternativo publicado
em 1930: tratava-se da ‘Metrópole Gay’ da Europa e sede da primeira organização do
mundo a combater a intolerância sexual” (2001, p.1).
Conforme explica Kurtz (2001, p.8), “da obra original só foram preservados 20 a 30
minutos de projeção numa cópia de má qualidade que escapou dos nazistas por ter sido
apresentada, durante um curto período, numa União Soviética então liberal em questões
sexuais”. Mas o filme foi reconstruído pelo Filmmuseum München e segundo descreve
Richard Dyer em Now You See It. Studies on Lesbian and Gay Film. (1990) é o mais antigo
filme gay em longa-metragem de toda a história do cinema.
Mesmo com a película, quando do seu lançamento, conseguindo uma recepção favo-
rável por parte da crítica e tendo feito sucesso comercial, acabou sendo banida e exibida
apenas para médicos e aqueles envolvidos com a área médica em locais de aprendizagem
e em instituições científicas. Então ainda que uma análise direta de todo o filme não
seja possível, o trabalho de restauração possibilita que seja feita uma leitura das partes
que se perderam e que o filme possa ser analisado do modo mais adequado possível.
Logo no começo da cópia restaurada pelo Filmmuseum München é exibido um texto
que informa que: milhares de homossexuais na Alemanha receberam penas de mais
de cinco anos na prisão por conta do parágrafo 175 do Código Penal, cuja fiscalização
tornou-se mais rígida durante o nazismo e depois mais liberal, mas só foi totalmente
revogado em 1994; a lei foi desafiada em 1897 pelo movimento de emancipação sexual
liderado pelo doutor Magnus Hirschfeld que defendia que os homossexuais seriam um
“terceiro sexo” biológico, uma minoria sujeita injustamente a discriminação; Hirschfeld
acreditava que o parágrafo 175 não ajudava a prevenir o “crime” da homossexualidade,
mas promovia o crime da extorsão e que para cada homossexual julgado existiam cem
que eram extorquidos.
Ainda na cartela é informado que durante a Durante a 1ª Guerra Mundial, o Diretor
Richard Oswald (1880-1963) começou a colaborar com o Hirschfeld e outros sexólogos
para produzir uma série de Filmes de Esclarecimento focados na educação sexual.
Estes filmes lidavam com temas como as doenças venéreas, prostituição e aborto,
sempre contando com conselhos de um médico instruído. Então em 1919, Hirschfeld
e Oswald colaboraram em Diferente dos Outros (Parágrafo 175), o primeiro filme do
mundo a lidar explicitamente com a homossexualidade. Mas durante a República de
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Diferente dos outros: o nascimento do cinema gay
Weimar, conforme relato de Dyer (1992), foram realizados muitos filmes com temática
ou personagens homossexuais, durante um período em que nos outros países era raro
encontrar abordagens de tais temas.
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Diferente dos outros: o nascimento do cinema gay
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Diferente dos outros: o nascimento do cinema gay
ESTRUTURAÇÃO SIGNIFICAÇÃO
Título:
Gênero:
Sinopse:
Posição da personagem:
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Diferente dos outros: o nascimento do cinema gay
ANÁLISE
1) Análise Estrutural
Título: Diferente dos Outros, Richard Oswald, 1919, 50 minutos, 35mm, Preto e
Branco, Mudo.
Gênero: Drama
Elenco e Personagens: Conrad Veidt (Paul Körner), Leo Connard (pai de Paul),
Alexandra Willegh (mãe de Paul), Ilse Von Tassilo-Lind (irmã de Paul), Ernst Pittschau
(cunhado de Paul), Fritz Schulz (Kurt Sivers), Wilhelm Diegelmann (pai de Kurt),
Clementine Plessner (mãe de Kurt), Anita Berber (Ilse Sivers), Reinhold Schünzel (Franz
Bollek), Helga Molander (Frau Heilborn), Magnus Hirschfeld (médico e sexólogo) e Karl
Giese (Paul mais jovem).
Sinopse: O brilhante violinista Paul Körner (Conrad Veidt) está muito feliz por tomar
o jovem estudante de música Kurt Sivers (Fritz Schulz) como seu pupilo. Os dois homens
descobrem que tem mais do que um amor pela música em comum, e logo estão passando
todo o seu tempo juntos. No entanto, por trás da fachada polida de Körner reside um
terrível segredo: de acordo com a lei da terra, ele não é nada mais do que um humilde
criminoso, culpado do crime de sentir amor por seu próprio sexo. Será que Körner irá per-
mitir ser continuamente chantageado pelo desprezível Franz Bollek (Reinhold Schünzel)
a fim de manter sua predileção oculta? Ou ele vai acusar abertamente Bollek de extorsão
e levá-lo ao tribunal – sabendo que seu próprio crime pode ser revelado no processo?
2) Análise Significativa
2.1 Linguagem Narrativa – Denotação e Conotação
Elementos Fixos da Personagem e da Narrativa
Contexto Social do homossexual: Um violinista bem sucedido e seu jovem pupilo.
Posição no enredo: São os personagens principais da trama.
Recursos Narrativos
Tipo de Narrativa: Recorrente, utiliza muitas vezes o recurso de flashback.
Tipo de Interpretação: Natural
Tipo de Montagem: Recorrente.
Ênfase da pontuação cinematográfica: cenas iniciadas com close-ups (antes de
mostrar os personagens e o espaço) através da utilização de uma íris fazendo com que
o primeiro contato seja com o sentimento do personagem, apresentado com intensidade,
para que então esse mesmo personagem seja situado num plano mais amplo (isto faz
com que possa ser apresentado primeiramente o sentimento do personagem de maneira
intensa e depois o mesmo seja situado em um plano mais amplo); posicionamento da
câmera em um ângulo de 90°, comum ao cinema alemão realizado no período, indo dos
planos mais fechados aos planos mais abertos.
A História do Filme
Um violinista famoso, Paul Körner (Veidt), está lendo no jornal sobre os aparentemente
inexplicáveis suicídios de três jovens e pensando que consegue imaginar o motivo. Ele
visualiza uma fila enorme de mulheres e homens (dentre eles personalidades famosas
como Leonardo da Vinci, Oscar Wilde e Peter Tchaikovsky) sob a “espada dos Damoclos”,
todos com um §175 marcado.
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Diferente dos outros: o nascimento do cinema gay
Em seguida é mostrado Paul em seu concerto e uma cartela que informa que um
jovem chamado Kurt Sivers nunca perde suas apresentações. Logo após vemos o jovem
Kurt aplaudindo entusiasmado e indo ao encontro de Paul para pedir um autógrafo. No
dia seguinte ele vai até a casa do violinista e pede que ele seja seu professor, Paul aceita
prontamente, mas os pais de Kurt não ficam felizes com a ideia, já que desejam que o
filho tenha uma profissão mais prática. Else, irmã de Kurt, que já havia conhecido Paul
e ficado atraída por ele, tenta acalmar os pais. Enquanto isso Kurt continua ensaiando
com o violinista.
A família de Paul insiste para que ele case-se com uma viúva, mas apesar de todos
os esforços por parte da jovem para chamar sua atenção, ele foge dela. Em seguida envia
seus pais para uma visita a um médico e sexólogo que informa a eles Paul é homossexual,
deixando seus pais consternados. O médico então explica que não é culpa do violinista
e que não se trata de um defeito ou de crime algum, menos ainda uma doença, mas
de uma das muitas variações da natureza. Afirma que o sofrimento vem não de sua
condição, mas de um mau julgamento que é feito dela, através das ideias equivocadas
a respeito da mesma e da condenação social.
Paul e Kurt tornam-se cada vez mais próximos e um dia enquanto passeiam em
um parque, eles encontram com Franz Bollek (Schünzel) por acaso, um jovem que Paul
havia conhecido anteriormente. Enquanto caminham, Franz os segue, aproxima-se deles
e elogia a beleza de Kurt. Algumas poucas palavras são trocadas e os dois vão embora
enquanto Franz fica para atrás.
Os pais de Kurt proibem que ele se encontre com Paul, o que deixa o jovem incon-
solável e faz com que ele peça que sua irmã vá falar com Körner para dizer que ele
não consegue viver sem a música nem sem ele. Paul promete que irá conversar com
os pais de Kurt. Em seguida Franz vai até a casa de Paul e começa a chantageá-lo,
o violinista acaba cedendo e entregando dinheiro a ele, Franz aproveita para levar
também cigarros e em seguida Paul ordena que ele se retire. Paul entra em desespero
após sua saída.
Körner vai conversar com os pais de Kurt que, mesmo receosos, permitem que
ele permaneça com Paul. Kurt começa a ensaiar dedicadamente para a sua primeira
aparição pública. Já na casa de Paul entrega uma carta que chegou para ele e ao abrir Paul
descobre que trata-se de mais uma ameaça de Franz, exigindo mais dinheiro. Körner
fica transtornado e rasga a carta, fazendo com que Kurt questione o que tinha na carta,
mas ele disfarça. Paul decide que a situação não pode continuar.
Franz está sentado num clube gay quando um outro homem se aproxima e mostra
um jornal com a notícia sobre o concerto de Paul e Kurt. Franz exibe a carta do violinista
se recusando a continuar pagando e decide que vai conseguir o dinheiro de outra
maneira.
Os dois estão no concerto quando Franz invade a casa de Paul, mas acaba descoberto
por Kurt quando ele retorna. Os dois lutam até a chegada de Paul, então Franz diz para
Kurt “Não se exalte tanto. Afinal, você está sendo pago por ele, também!”. Depois disto
Paul e Franz lutam, até que Franz vai embora.
Kurt decide deixar Paul e em uma carta para Else diz que ninguém deve procurar
por ele. Else mostra a carta enviada por Kurt para o violinista que se desespera. Ela o
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Diferente dos outros: o nascimento do cinema gay
consola e neste momento ele se dá conta dos sentimentos que ela nutre por ele, afastando-
se dela que acaba partindo magoada.
Kurt passa a trabalhar tocando nos pubs da cidade e a filha do dono de um desses
pubs tenta beijá-lo, fazendo com que ele a rejeite e que a jovem diga ao pai que ele tentou
beijá-la, Kurt é expulso.
Paul repensa sua vida: relembra o envolvimento no colégio com um jovem chamado
Max, envolvimento que resultou na sua expulsão do colégio; a ida ao bordel, ainda
quando estudante, e o sentimento de repulsa que sentiu; a tentativa malsucedida de um
hipnotizador tentando curá-lo; uma visita ao sexólogo (Hirschfeld), que afirmou que o
amor por alguém do mesmo sexo poderia ser tão puro e nobre quanto por alguém do
sexo oposto e que ele como homossexual também poderia fazer contribuições valiosas
para a sociedade; o momento em que conheceu Franz em um clube gay, indo com ele
para casa e descobrindo que ele era um chantagista.
Ao receber convites para uma palestra de sexologia, Paul decide convidar Else para
que ela fique ciente da sua orientação sexual. Durante a palestra Hirschfeld apresenta
sua teoria sobre os homossexuais como um tipo de terceiro sexo, homens que possuem
características físicas e psicológicas femininas e mulheres com características físicas
e psicológicas tidas como masculinas, como prova exibe fotos de homens e mulheres
que viveram como alguém do sexo oposto. Hirschfeld conclui a palestra afirmando
que apesar de a feminilidade e a homossexualidade geralmente ocorrerem juntas, isto
não é uma regra. Existem homens de maior feminilidade que não são homossexuais e
outros homossexuais que não são femininos e finaliza criticando que mesmo depois de
50 anos de pesquisa na Alemanha ainda seja crime a homossexualidade e afirmando
seu desejo de que algum dia a justiça possa prevalecer e a ciência possa conquistar a
superstição juntamente com o amor vencendo o ódio.
Else indaga Hirschfeld se não é possível que ela possa curar Paul com o seu
amor, mas ele fala para que ela desista já que algumas pessoas não foram feitas para
o casamento, sendo proibido pela própria natureza. Após a conversa ela vai até Paul e
diz que compreendeu tudo e deseja ser apenas uma amiga leal.
Ao ser preso Franz denuncia Paul e os dois são julgados, o primeiro por chantagem
e o violinista por homossexualidade. Hirschfeld testemunha em defesa do músico a
pedido de Else, mas ao final ele é condenado mesmo assim. Franz também é condenado,
três anos na penitenciária, e Paul recebe a sentença de uma semana, pois embora no
julgamento reconheçam que ele não tenha prejudicado ninguém, a lei precisa ser seguida.
Ao ouvir a sentença Paul desmaia.
Quando sai da prisão, Paul recebe uma carta cancelando tanto seu concerto quanto
o contrato. Novamente ele visualiza a fila de vítimas do §175 em sua mente, desta vez
ele mesmo faz parte dela. Seu pai diz que ele saberá o que deve fazer se for um homem
de honra e ele decide se matar envenenado. Kurt fica sabendo do ocorrido e no leito
de morte de Paul ameaça se matar também, mas o médico o convence a lutar contra o
§175 e o filme termina com uma tomada do livro no qual constam as leis da República
Alemã e uma mão marcando com um “X” o parágrafo 175, que em seguida é arrancado.
Conotação: Apesar do final trágico, através da leitura dos elementos da obra fica
claro que o problema abordado nela não é a homossexualidade, mas o comportamento
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Diferente dos outros: o nascimento do cinema gay
da sociedade com relação a ela que faz com que um pai vire as costas para o próprio
filho, que perca o emprego e a esperança, optando por suicidar-se. O problema é também
o §175, que por criminalizar a homossexualidade acaba atuando como o catalisador
de toda a tragédia, a chantagem é o começo de tudo e conduz ao desfecho, trágico, do
personagem principal e de diversos jovens antes dele, conforme noticiavam os jornais.
CONCLUSÃO
Conforme foi exposto por Dyer (1990) em seu livro, é necessário atentar-se ao fato de
que os filmes gays não são aquilo que seriam caso a nossa sociedade não fosse obcecada
pela heterossexualidade, mas aquilo que podia ser feito dentro dela levando-se em
consideração todas as restrições e limitações impostas. Diferente dos Outros (1919) foi o
primeiro a lidar abertamente com o tema da homossexualidade de maneira central e
positiva, em um modo franco e honesto, diferentemente de muitos filmes produzidos
posteriormente, mutilados pela censura declarada ou disfarçada.
A contribuição da película não está restrita ao pioneirismo que a coloca em listas
e livros sobre o cinema gay, mas o filme é um exemplo de tratamento do tema que sem
basear-se em estereótipos, faz uso de uma abordagem positiva de modo crítico para
construção da imagem do personagem homossexual. Depois de cerca de um século
da sua realização continua atual ao apresentar os problemas da sociedade e aceitação
daqueles que não se enquadram na heteronormatividade, numa lição quase didática
sobre não tratar como homossexualismo o que deve ser tratado como homossexualidade.
Conforme explica Hirschfeld em sua palestra, não há cura pois não existe doença.
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Diferente dos outros: o nascimento do cinema gay
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Da literatura ao cinema:
A Rainha das neves e suas diversas facetas
A m a n d a G a s p a r M . T r a b a ll i 1
1. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Paulista - UNIP São Paulo-
SP, e-mail: traballi@me.com
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Da literatura ao cinema: A Rainha das neves e suas diversas facetas
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Da literatura ao cinema: A Rainha das neves e suas diversas facetas
Amor Verdadeiro. E no conto, Kay e Gerda são verdadeiros amigos, que foram separa-
dos pela Rainha das Neves, mas a menina sai em busca do amigo, e no seu reencontro
faz o menino se emocionar e são gratificados pelo Amor que sentem um pelo outro. O
que antigamente esse Amor era apenas considerado o que os pais sentem pelos filhos,
ou até exclusivamente entre sexos opostos na figura da relação entre homem e mulher,
atualmente existe uma ruptura desses valores.
Para elaboração de nosso arcabouço teórico, utilizaremos principalmente a semiótica
de origem francesa, as propostas da Escola de Paris, na visão de Greimas, através das
obras publicadas pela professora doutora Anna Maria Balogh, que segundo a docente:
“dentro dessa linha, partiu-se do conceito da estrutura elementar da significação grei-
masiana estendendo-se ao nível intertextual”.
OBJETOS DA ANÁLISE
Conto Rainha das Neve
O conto Rainha das Neves (em dinamarquês: Snedronningen), do autor Hans
Christian Andersen foi publicado pela primeira vez em 21 de dezembro de 1844. Ele
escreveu em 5 dias, apesar de ser um dos mais longos que grafou. São sete histórias que
giram em torno da luta entre o bem e o mal vivida por um menino e uma menina, Kay
e Gerda, duas crianças que se amam muito, como melhores amigos. Juntos brincam com
rosas do jardim em comum. A avó de Kay conta histórias sobre a misteriosa Rainha das
Neves, que no inverno congelava as flores.
A narrativa começa com um feiticeiro no espaço fabricando um espelho mágico, que
transformava em más pessoas, todos os que nele se mirassem. Mas o espelho quebrou-se
e pedaços se espalharam pelo mundo. Dois deles foram para uma sacada onde brinca-
vam duas crianças, Gerda e Kay, e penetraram nos olhos e no coração do menino que
desde aquele momento, se transformou, de bom, no pior garoto da cidade. Com isso,
o garoto se afasta da cidade e é raptado pela Rainha das Neves. Gerda sai em busca
do amigo e com sua pureza e amor no coração, após ser guiada por alguns ajudantes,
chega até o castelo e encontra com Kay, que em um primeiro momento não à reconhece,
mas Gerda começa a cantar sua música favorita, fazendo o menino emocionar-se, com
isso Kay chora e o
pedaço do espelho que estava cravado em seus olhos cai e de seu coração se dissolve,
voltando a enxergar e sentir o mundo com Amor. Gerda e Kay voltam para casa salvos
e felizes. O conto é dividido em 7 histórias:
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Da literatura ao cinema: A Rainha das neves e suas diversas facetas
Situar o ponto de partida da análise nas estruturas narrativas tem a vantagem de deli-
mitar de imediato o nível superficial como ponto incoativo do percurso metalinguístico.
(BALOGH, 2005, p. 55)
Na base do esquema atuacional proposto por Greimas, segundo (Balogh, 2005) está
na relação central sujeito – objeto no eixo do querer. No conto o sujeito é Kay, que ao
ser sequestrado pela Rainha das Neves, tem como objeto a sua libertação. Já no filme,
Elza não consegue controlar seus poderes ficando refém de si mesma, almejando ser
livre. O desejo de liberdade está presente nos dois objetos analisados, porém as pro-
vas para conquistá-la são diferentes. No conto, Kay tem que montar os blocos de gelo
formando a palavra Eternidade, com isso a Rainha das Neves diz: “Se conseguires
encontrar essa figura, serás o teu próprio amo, dar – te –ei todo o mundo e um par
de patins novo”, ou seja sua liberdade. Em Frozen, Elsa só consegue a liberdade pelo
autocontrole emocional; quando atingiu pela primeira vez sua irmã, o rei dos Trolls
orientou que os seus poderes se intensificam pelo seus sentimentos e que a chave de
sua liberdade está em controla-los.
Outra conjunção entre as obras analisadas foi detectada no dano causado pela
Rainha das Neves e por Elza, quando utilizam do poder do gelo sobre as pessoas em
3 passagens. No conto, o dano é realizado por 3 beijos congelantes: 1-) Ao raptar Kay,
ela dá o primeiro beijo que penetra seu coração e o conforta com o frio, 2-) o segundo
ele não sente saudade de Gerda e nem da avó, ela disse que se lhe concedesse mais um
beijo, poderia mata-lo, 3-) na última história, antes de partir lhe dá o terceiro beijo, que
fez com que o coração de Kay se transforme-se em gelo. Em Frozen, também são 3 vezes
que Elza se descontrola e utiliza seu dom: 1-) em uma brincadeira quando crianças, ela
atinge a cabeça de sua irmã mais nova, com seu raio, 2-) na festa de sua coroação atinge
as pessoas, mas não machuca, 3-) quando as irmãs se reencontram no castelo e discutem
novamente, Elza atinge a irmã em seu coração.
A instância da amizade interrompida foi identificada nas duas obras. No conto além
do feitiço, com cacos de espelho amaldiçoado que caiu sobre a terra e atingiu Kay em
seus olhos e outro penetrou seu coração, ele também é raptado pela Rainha das Neves
quando brincava com seu trenó na praça da cidade, tendo assim amizade com Gerda
interrompida. No filme, Anna acorda sua irmã mais velha para juntas brincarem com
a neve que Elza produzia, mas em um deslize Anna é atingida por um raio gelado e
corre perigo, ao perceber a situação, seus pais isolam uma da outra.
A saída da cidade pela rainha, pode ser observada nas duas tramas. No conto ocorre
na última história que ela voa para os países quentes com a intenção de colocar gelo nos
vulcões. Em Frozen, Elza sai da cidade, fugindo de seus fracassos.
Segundo Barros (2005, p. 20), As estruturas narrativas simulam, por conseguinte,
tanto a história do homem em busca de valores ou à procura de sentido quanto a
dos contratos e dos conflitos que marcam os relacionamentos humanos. Contratos são
estabelecidos no relacionamento entre Kay – Rainha das Neves que o manipula e seduz
para viver refém em seu reino. Ela aparece no conto na segunda história e na última. Já
no filme, Elza, permeia todo o filme, é considerada a Rainha das Neves pelo seu dom
de produzir neve, mas tem características mais humanas, do que no conto, lidando com
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Da literatura ao cinema: A Rainha das neves e suas diversas facetas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do estudo da intertextualidade pudemos verificar que realmente existem
conjunções entre o corpus analisado. Em termos de percurso temático, as narrativas
mostram o poder das rainhas com o gelo, através dele, elas dominam as pessoas
congelando-as. Outro tema de grande importância que permeia as obras é o Amor
Verdadeiro. Identificamos como enunciado elementar o sentimento de Amor, no conto
ele é representado pela amizade entre Kay e Gerda, que ao perder seu melhor amigo
para a Rainha das Neves, sai em busca para reencontrá-lo transmutado na figura do
afeto entre as irmãs no filme e entre os melhores amigos, no conto; e é através dele que
realmente se tem a liberdade.
Conforme Balogh (2002, p.104), nos encontramos em plena era de reprodutividade,
da reciclagem, da transposição, do metamorfoseamento de textos já existentes. Como a
própria docente diz parece que estão aplicando bem a Lei de Lavoisier, conhecida pela
enunciação da frase “Na Natureza nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”.
Verificamos a intertextualidade presente nas duas obras e que os costumes da
contemporaneidade influenciaram na produção do filme Frozen, que também deixa de
fora o tema Deus, presente no conto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Cinema de manifestação:
Conflitos num “Rio em chamas”
Manifesting through cinema:
“Rio em chamas” and its conflicts
G a b r i e l C h ava rry N e i va 1
Abstract: This paper analyses “Rio em chamas”, a so- called “film protest”, that
talked about the social crisis from which the city of Rio de Janeiro goes through
recently and the constant protests that have been part of the city´s routine since
2013. Our appreciation will be based upon the concepts of discourse as explained
by Michel Foucault and Georges Dibi Huberman, focusing on the seen and the
not seen. At the same time as “Rio em chamas” proclaims itself as a “film protest”,
a firm document of making of a counter hegemonic discourse to other opti-
mistic and idyllic discourse about Rio de Janeiro, we also came across possible
contradictions and absences that have complexified our analytical possibilities.
Keywords: cinema; Rio de Janeiro; discouse; counter hegemonic
N ESSES ÚLTIMOS anos, a cidade do Rio de Janeiro parece estar no centro das
atenções do mundo todo. Em 2013, foi sede da Jornada Mundial da Juventude
(JMJ) organizada pela Igreja Católica. Já em 2014 tornou-se um espaço chave
para a realização dos jogos na Copa do Mundo de futebol, sendo escolhida para sediar
a sua tão esperada partida final. E para coroar essa chamada “era de megaeventos”, está
escalada para receber os Jogos Olímpicos de Verão no ano de 2016.
Tendo em vista o momento da cidade, vamos nos debruçar sobre a atual produção
de discurso acerca do Rio de Janeiro. Por um lado, observam-se os esforços de alguns
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Cinema de manifestação: Conflitos num “Rio em chamas”
vínculos jornalísticos para reiterar que o carioca está “recuperando sua autoestima”. Tal
mudança de foco foi sentida a partir da escolha da cidade para sediar a Copa do Mundo
e as Olimpíadas. Assim, eventos como o Carnaval e o Reveillon, antes intensamente
perigosos, são majoritariamente apresentados como lócus de “paz e felicidade2”, na
qual as recorrências de violência se tornaram casos isolados.
Nesse artigo, porém, vamos nos concentrar numa outra forma de discurso sobre a
cidade. O nosso foco principal é o filme “Rio em chamas”, que se contrapõe às imagens de
um Rio de Janeiro idílico e concentra-se em armazenar cenas de conflitos sociais e institu-
cionais registrados em 2013, tendo como principal catalisador as ondas de manifestações
realizadas em junho daquele mesmo ano. Dividido entre doze realizadores, a película se
apresenta como um “filme manifesto3”, que mistura imagens de protestos, encenações,
registros jornalísticos e diálogos entre poetas, acadêmicos, cineastas, manifestantes.
2. Ver FREITAS, Ricardo & Fernandes, Rodrigo Karl & AMARAL, Renata Gallo Spinola. “Em nome
do espetáculo: megaevento, cidades e representações midíaticas” in: MAIA, João & Helal, Carla (org)
Comunicação, Arte e Cultura na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012, p. 152.
3. Ver https://www.facebook.com/pages/RIO-EM-CHAMAS/217777025087799?fref=ts.
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Cinema de manifestação: Conflitos num “Rio em chamas”
(e não a sua totalidade) quanto suas regularidades se agrupam de forma única. É neces-
sário, então, demarcar o espaço em que o arquivo pode fornecer lógicas específicas de
disposições. Ao mesmo tempo em que o “Rio em chamas” se apresenta como um incrível
depósito arquivistico, refutamos a possibilidade de pensarmos nele (ou em qualquer
outro arquivo) como uma verdadeira ou autêntica prática discursiva sobre a cidade.
Interessa-nos, por outro lado, reordenar as possibilidades que as imagens presentes no
sítio urbano nos elucidam, tanto nas suas presenças quanto nas suas ausências.
Arlette Farge (2009) defendeu que o arquivo, em sua natureza fragmentada e
descontinua, deve ser, de alguma forma, traduzida pelo pesquisador. Deve-se organizar,
assim, “outra narração sobre o real” (FARGE, p. 68), criando um olhar particular sobre o
espaço social que se almeja inserir. Cabe, então, desvendar as “falas vivas” situadas nos
arquivos, escancarando as vozes e os possíveis silêncios (ou ausências) que a reconstrução
documental pode permitir.
Farge pesquisou arquivos judiciários e policiais franceses do século XVIII, com-
pilados na Biblioteca do Arsenal e em sedes dos Arquivos Bibliotecários daquele país.
A historiadora lidou com registros frágeis, de difícil manuseio e proibidos de serem
fotocopiados, demandando um intenso trabalho de transcrição, palavra por palavra,
daqueles documentos. Diante das centenas de palavras, diálogos pacientemente ana-
lisados e copiados, ela define a experiência com arquivo como uma “gestão artesão”,
na qual o pesquisador rearranja, seleciona e molda os fragmentos documentais numa
narrativa sobre uma experiência específica.
Mesmo trabalhando com um arquivo de ordem diferente, acreditamos que esses
apontamentos de Arlette Farge são bastante úteis. Além disso, ela se conformou com
a impossibilidade de dar conta da inesgotável massa documental disponível naquelas
bibliotecas. Pela natureza desse artigo, não conseguiremos analisar o “Rio em chamas”
em sua íntegra. Tentaremos desvendar, portanto, os fragmentos imagéticos que nos
ajudam a desvendar quais práticas discursivas podemos encontrar naquela película.
Por sua vez, Wolfgang Ernst (2013) também se escorou nos apontamentos já citados
de Michel Foucault (principalmente na “Arqueologia do Poder”) e conceituou o arquivo
digital como um meio de “descontinuidades e rupturas” (ERNST, p. 117). Além disso,
Ernst refuta a asserção comum do arquivo como uma “quantidade arbitrária”, mas sim
governada por contínuas “operações de exclusões e inclusões” (ERNST, p. 128).
Defendemos aqui que o “Rio em chamas” se apresenta como um arquivo digital
e fílmico regido tanto por uma prática discursiva de ordenação conjugando a “forma
cinema”, calcada na narrativa fílmica tradicional (PARENTE 2009, p.23-26), quanto o
chamado “p cinema” (ODIN 2010, p.7), em que os meios digitais de captura pela internet
constroem e coletam registros coletivos sobre uma temática em comum. Ao mesmo
tempo em que o “Rio em chamas” se enuncia como um “filme manifesto”, atestado
firme de um discurso de visibilidade contra hegemônico às atuais narrativas otimistas e
amorosas sobre a cidade, encontramos também possíveis contradições (protesto, porrada
e festa, por que não?) e ausências que dinamizam as nossas possibilidades analíticas.
Estamos incumbidos, então, da tarefa de rearranjar esses estilhaços imagéticos para
classificarmos algumas lógicas específicas presentes na película.
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Cinema de manifestação: Conflitos num “Rio em chamas”
4. De maneira superficial, os “midiativistas” podem ser descritos como um grupo heterogêneo de produtores
de vídeo para mídias digitais como Youtube, o Livestream , o Vimeo e também aos sítios de conteúdo como
a “Mídia Ninja”, construindo uma voz alternativa à chamada “mídia tradicional”.
5. “Pilha” é gíria para provocação ou pressão para realizar alguma atividade.
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Cinema de manifestação: Conflitos num “Rio em chamas”
uma cantoria que se tornou recorrente naquelas manifestações: “Não acabou! Tem que
acabar! Quero o fim da polícia militar”. Somando os ânimos exaltados com os pedidos
da extinção da corporação, assistimos a um policial que parece ir em direção para
agredi-lo. Não podemos visualizar exatamente o desfecho daquele acontecimento (e
nem mesmo a ordem sequencial de edição daquele registro) pois corta-se a cena para
os letreiros iniciais: RIO EM CHAMAS. A não revelação e a ausência daquele desfecho
narrativo gera um resultado impactante porque ordena a confirmação de um enunciado
recorrente no filme: a constante truculência dos policiais incinerando o sítio urbano!
Passada algumas outras cenas de conflito, o segmento posterior dirigido pelo editor
e diretor principal do filme, Daniel Caetano, nomeada de “Assunção” (provavelmente
em referência a uma rua do bairro de Botafogo, zona sul da cidade, no qual acreditamos
que o apartamento escolhido para a locação dessas cenas se situa), almeja construir
uma sequência cronológica ordenando os acontecimentos que fizeram parte do ciclo
de manifestações de 2013. Observamos quatro pessoas num pequeno apartamento
discutindo as estratégias políticas em que tais episódios desencadearam. Tal expediente
foi comparado à estrutura de cenas e ao regime narrativo implementado por Jean Luc
Godard em “A Chinesa” A reconstrução de eventos aqui operada, por vez descrita como
“didática6”, emprega as recordações pessoais daqueles amigos e reimagina as pautas
que deveriam nortear tal movimento.
É interessante notar, porém, que mesmo em consonância sobre a necessidade de
guinada contra hegemônica das manifestações, os quatro personagens nem sempre
entram em consenso sobre o desenrolar de tais eventos. Podemos compreender aqui
uma disputa pela interpretação discursiva; afinal, “qual é a natureza dos Black Blocks?”,
“Quem realmente vaiou a presidente na abertura da Copa das Confederações em 2013?”,
“Os manifestantes são massa de manobra da grande mídia?”, perguntas como essas
compõem fragmentos de um quadro político que eles não conseguem (e talvez nem
querem) dar uma resposta definitiva.
No desenrolar do segmento “Assunção”, a captação sonora dos diálogos dos
personagens é mesclada com sons que foram provavelmente apreendidos durante
algumas das manifestações citadas pelos personagens. Este mecanismo de justaposição
fornece um sentimento de desarranjo e caos às cenas, dando impressão de que aquela
conversa também se desenrola como parte integral de protestos.
Além desse recurso sonoro, o filme também contrapõe imagens de arquivo dos
protestos de 2013 com outros registros de arquivos antigos. Compõe-se, então, um jogo
de visualidade em que os personagens descrevem alguns desses eventos, na sua maioria
pertinentes à relação truculenta que a polícia mantinha com manifestantes (bomba de
gás lacrimogênio, abuso policial com armas brancas), sendo ilustrado por imagens de
guerras passadas (I e II Guerra Mundial e Guerra do Vietnã).
Daí, observamos contraposições como a da descrição do desaparecimento do pedreiro
Amarildo Souza (caso que, desde então, se tornou uma de abuso institucional da política)
com a imagem de um prisioneiro sob tutela das forças militares norte estadunidense
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Cinema de manifestação: Conflitos num “Rio em chamas”
durante a Guerra do Vietnã7. Remete-se também à ação dos chamados P2, agentes
policiais infiltrados nas manifestações, que os quatro amigos no segmento acreditavam
estar ali para sabotar os eventos, sendo entrecortados com imagens de combate das
trincheiras durante a I Guerra Mundial.
Esse mecanismo de contraposição também é usado para outros acontecimentos: o
casamento de Beatriz Barata, neta do magnata de empresa de ônibus no Rio de Janeiro,
Jacob Barata, realizado na Catedral da Candelária e no Hotel Copacabana Palace, foi
interpelado por um protesto jocoso de alguns manifestantes. O diálogo dos quatro
personagens sobre esse acontecimento é acompanhado pelas célebres imagens da
cerimônia matrimonial de Diana com o Príncipe Charles, despontando uma reflexão
sobre a dimensão patética e ostensiva das elites cariocas (mais especificamente dos
grandes homens de negócio) em sua relação com o resto da população.
Ao final do segmento, em possível alusão aos Black Blocks os quatro personagens se
vestem de máscaras e roupas pretas, parecendo preparar-se para tomar parte de alguma
manifestação. Trata-se de um desfecho que reposiciona a película no coração de um
discurso contra hegemônico. A partir dessa reordenação seletiva dos acontecimentos
que engendraram o ciclo de manifestação, toma-se partido e segue-se de peito aberto
para a rua. Ou melhor, parafraseando um trecho já citado aqui, o cinema se configura
em mais um campo de batalha social.
A narrativa de conflito social também é predominante no segmento “Educação em
chamas”, dirigido pelo midiativistas Luiz Claudio Lima e Diego Felipe Souza. Retrata-
se, aqui, a greve dos professores da rede estadual e municipal de ensino realizada
entre os meses de agosto e outubro de 2013. Os testemunhos parecem corroborar um
certo entusiasmo que norteava aquele esforço grevista: era preciso capitalizar em torno
das manifestações para que as reivindicações de melhoria do sistema escolar fossem
atendidas. E algumas das imagens aqui selecionadas também seguem esse regime: pelo
que é aqui dito e visto, tanto nas assembleias dos professores quanto nas subsequentes
manifestações, é um recorde de adesão de participantes.
Por outro lado, o segmento retoma um dos embates principais do “filme
manifestação”: a relação conturbada entre policiais e manifestantes. Diante da constante
mobilização dos professores, a reação aqui registrada da instituição policial é de uma
constante truculência diante dos professores. Observa-se, então, jatos de sprays de
pimenta (também registrado por outros fotógrafos) e bombas de gás lacrimogênio
sendo despejados para dispersar o foco grevista. Logo em sequência a essas cenas, uma
imagem ilustra as decorrências dessas ações: observamos uma moça (possivelmente
professora ou manifestante simpatizante à causa) vomitando provavelmente devido à
intensa implicação física desses gases de efeito moral.
A disputa entre professores e policiais militares tem seu clímax na ocupação da
Câmara Municipal da Cidade por alguns professores grevistas, durante os dias 26 e 28 de
setembro de 2014. Ao final desse último dia, a polícia militar removeu os manifestantes
7. Vale lembrar que existem muitos relatos de crimes de guerra cometidos pelo Exército Norte Americana.
O mais famoso dentre estes é o Massacre de My Lai em 1968, no qual as forças militares destruíram um
vilarejo vietnamita, cometendo estupro, torturas físicas, mentais e por fim finalizando uma chacina que
assassinou adultos, idosos, crianças e mulheres grávidas. Um registro fotográfico desse acontecimento foi
publicado na Revista Time Life em 1971.
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Cinema de manifestação: Conflitos num “Rio em chamas”
das galerias daquele edifício. Por meio de imagens registradas por aparelhos móveis,
podemos observar a entrada dos policiais em meio àqueles manifestantes.
Tais imagens são de difícil legibilidade, mas a parca qualidade de resolução não nos
impede de sermos avassalados por uma espécie de “sentimento de repressão” diante
da ação policial. Alguns desses movimentos acabam por cravar o recorte aqui predo-
minante sobre o acontecimento da ocupação dos professores. Duas dessas imagens nos
chamaram a atenção: a retirada de alguém (possivelmente um rapaz) com a aplicação de
uma “gravata” no pescoço e uma outra pessoa (também acreditamos que se trate de um
professor) senda removido do seu lugar das galerias da Câmara, a ponto de revelar uma
porção da parte traseira do seu corpo. As lacunas e o pouco legível (ou mesmo o não
dito) desses registros são parte de uma engrenagem que reposiciona um dos discursos
chave organizadas na película: a repressão policial parece não esgotar seus recursos.
Igualmente, tanto a questão da violência policial quanto as lacunas do não dito (e
não visto) reaparecem no segmento “Kd” de André Sampaio. Aborda-se aqui um outro
acontecimento presente de forma recorrente na película: o desaparecimento do pedrei-
ro Amarildo Souza. Tal assunto brota no já citado “Assunção”, no bate papo de Cezar
Migliorin e Marcus Faustini e também em uma cena do midativista Tamur Aimara, que
acompanhou um protesto na área da Rocinha (residência de Amarildo e sua família)
prosseguindo em direção à Avenida Delfim Moreira no Leblon, aonde se montou um
acampamento em frente à residência do então governador da cidade Sérgio Cabral Filho.
Este segmento, porém, não utiliza nenhuma cena de arquivo ou mesmo se vale de
algum testemunho que busque alguma fala sobre o Caso Amarildo. Em contrapartida,
acompanha-se o desenrolar de uma narrativa (quase) silenciosa de um rapaz,
aparentemente situado numa área rural, aparentemente similar às cidades de Nova
Friburgo e Petrópolis, em busca por Amarildo.
Eis aqui o personagem se depara com uma espécie de casa ou celeiro abandonado.
Podemos assim imaginar pontes possíveis entre outros casos históricos de abusos insti-
tucionais. A polícia secreta comandada por Filinto Muller durante o Primeiro Governo
Varguista (1930-1945) torturava tanto nos porões da Polícia Federal na Capital do Rio de
Janeiro quanto em áreas mais bucólicas como os Centros Carcerários de Ilha Grande
e em residências distantes dos centros urbanos em Recife8. Já durante o período de
Ditadura Militar (1964-1985), conhecemos os relatos da violência policial nas delegacias
do DOPS e também da chamada Casa da Morte situada na cidade de Petrópolis9, centro
clandestino de tortura e assassinato de presos políticos, contrários ao regime ditatorial.
É interessante reparar que em alguns fragmentos da película, a truculência não é
vista apenas entre manifestantes e policiais. Algumas imagens registradas por Tamur
Aimara durante a famosa “Passeata de um milhão de pessoas”, realizada em 21 de
julho de 2013 nos oferece uma perspectiva diferente. Percorrendo a Avenida Presidente
Vargas, apreende-se uma multiplicidade de cartazes inscrevendo desde o recorrente
repúdio à corrupção dos políticos até reivindicações mais específicas, como o pedido pela
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Cinema de manifestação: Conflitos num “Rio em chamas”
10. Um desfecho para o caso parece estar próximo de ser alcançado: http://noticias.uol.com.br/
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Cinema de manifestação: Conflitos num “Rio em chamas”
CONCLUSÃO
Concretizamos aqui a análise de alguns segmentos contidos no filme “Rio em
chamas”. Diante das imagens analisadas, consideramos que organizou-se um discurso
de teor contra hegemônico a um Rio de Janeiro idílico e romantizado de outras obras
fílmicas. Além disso, a película nos fornece um amplo arquivo de imagens acerca das
manifestações.
As imagens aqui trabalhadas não se apresentam como um registro totalizante
do que foi aquele período histórico. A partir daquelas, então, propomos repensar a
disposição dessas práticas discursivas. Imaginar e elaborar, a partir daqueles fragmentos,
os caminhos de uma experiência específica no coração pulsante daquelas manifestações.
Tentamos, então, operar uma “montagem interpretativa” (DIBI HUBERMAN 2012, p.
119) desses estilhaços, indicando presenças e ausências, continuidades e contradições
que captaram a nossa atenção.
ultimas-noticias/agencia-estado/2015/01/14/tiro-que-matou-dancarino-dg-partiu-de-policial-diz-jornal.
htm. Visualizado em 14 de janeiro de 2015.
11. VALENTE, Eduardo. “O cineasta e seu país” e CAETANO, Daniel. “Das tripas surgem a lira”. In: Revista
Contracampo, n. 24. Rio de Janeiro: 2006. Disponível em: http://www.contracampo.com.br/24/. Visualizado
em 14 de janeiro de 2015.
12. Em uma imagem impressionante, um dos participantes chega a tentar desferir uma voadora (golpe deri-
vado de artes marciais em que um chute atinge a parte superior do corpo do oponente) em um dos policiais!
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Cinema de manifestação: Conflitos num “Rio em chamas”
REFERÊNCIAS
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“Amor, plastico e barulho” ou as fronteiras da
autonomia feminina na cultura de consumo
“Love, plastic and noise” or the boundaries of
women’s autonomy in consumer culture
N a t á l i a L o p e s W a n d e rl e y 1
Abstract: The paper analyzes the first long feature of filmmaker Renata Pinheiro,
from Pernambuco, which was awarded at festivals around the world and was
released in theaters in January 2015. It alsoanalyzes the first fiction-feature
directed by a woman in Pernambuco: the movie “Amor, Plástico e Barulho”
(Love, Plastic and Noise) (2013). This cinematographic work will be boarded from
the theoretical perspective of contemporary world cinema; to understand that
the film produced in this state belongs to a worldwide peripheral “creation peak”
(Lúcia Nagib). Therefore, the movie contributes creatively to outline the conflicts
happening in Brazilian society, especially in the Northeast. The argument will
use the pluricentric multiculturalist theoretical framework (from Ella Shohat
and Robert Stam) to approach the representation of female autonomy within
contemporary northeastern culture from the film narrative. In this story, there
is a subversion of the patriarchal whiteness fable “Snow White and the Seven
Dwarfs” (Branca de Neve e os Sete Anões) to give visibility to women from
brega (a tacky music scene from Pernambuco) and to the consumption and
body culture which involves the outskirts from Recife and metropolitan area.
Keywords: Peripheral cinema. Consumer culture. Female body. Female autonomy.
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“Amor, plastico e barulho” ou as fronteiras da autonomia feminina na cultura de consumo
INTRODUÇÃO
2. Sérgio Oliveira, co-diretor de alguns filmes de Renata Pinheiro, além de sócio na Aroma Filmes também
é marido da cineasta.
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“Amor, plastico e barulho” ou as fronteiras da autonomia feminina na cultura de consumo
Por isso, a narrativa construída pela cineasta não deixa de apostar em momentos
de maior proximidade com o dito cinema de atração4 e suas formas de apresentação,
elementos de vanguarda componentes do seu estilo:
(…) a prevailing mode in early cinema until 1906–1907, when it was supplanted by the arrival
of Griffith’s and other markedly narrative filmmaking modes. This, however, did not mean
the end of the cinema of attractions, which survived by going underground and becom-
ing a defining element of avant-garde cinemas and even a subtle, disruptive component of
some narrative films. The distinctive quality of this cinema, according to Gunning, was its
ability to ‘show’ something rather than ‘represent’ it. (NAGIB, 2011, p. 05)
3. Para Deleuze esta “nova raça de signos”, a partir do neorrealismo italiano, juntamente com os sonsignos,
faz parte das situações óticas e sonoras dentro da “imagem tempo”, em contraposição a qualidade indicial
das situações sensório-motoras que formam a “imagem-ação”, ligada ao realismo tradicional.
4. Conceito defendido por Tom Guning baseado na “montagem de atração” de Eisenstein.
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“Amor, plastico e barulho” ou as fronteiras da autonomia feminina na cultura de consumo
5. Aqui uso o conceito de gênero como “um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as dife-
renças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de poder. As
mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre a mudanças nas representações do poder,
mas a direção da mudança não segue necessariamente um único sentido” (SCOTT apud TEGA, p. 45, 2010).
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“Amor, plastico e barulho” ou as fronteiras da autonomia feminina na cultura de consumo
em 2013, desde então tem circulado no Brasil e em festivais mundiais, além de conquis-
tado prêmios, principalmente por suas atuações. Em janeiro deste ano o longa estreou
nos cinemas comerciais.
Nele, as atrizes Maeve Jinkings e Nash Laila, paraense e pernambucana, respec-
tivamente, vivem em cena um duelo não declarado entre duas bregueiras6: Jackeline
Carvalho, cantora por volta dos 30 anos, reconhecida pelo público brega, se encontra
no declínio de sua carreira. Já a dançarina e aspirante a cantor, Shelly, na faixa dos 20
anos, observa a cena brega com entusiasmo, determinada que está em torna-se também
“musa” naquele meio. Assim, Jackeline vê em Shelly uma rival, na mesma proporção
em que Shelly vê em Jackeline a referencia de um status quo a ser alcançado.
Todo o filme se passa nos bastidores da cena Brega Pop de Pernambuco7, Fontanella8
analisou o Brega Pop a partir das suas estratégias de “entrada e saída” na cultura do
consumo:
O Brega Pop é um estilo nascido nos bairros pobres das grandes cidades, e que por muitos
anos existiu exclusivamente nessas periferias, onde se encontravam seus públicos, seus
músicos e os espaços onde ele se expressava. Para manter-se, durante muitos anos, depen-
deu exclusivamente de um sistema paralelo de produção e divulgação: o comercio de CD`s
piratas nos vendedores ambulantes, as casas noturnas suburbanas, as aparelhagens. Mesmo
quando atinge o sucesso e sai dos suburbios, o brega ainda mantém forte ligação com esse
sistema alternativo de produção e consumo cultural. (FONTANELLA, 2005, p.11)
Além da precariedade legada à expressão advinda das classes baixas, essa perspec-
tiva do “corpo no brega” como símbolo de uma vivência subalterna são leituras críticas
que interessam à nossa abordagem. No caso do longa-metragem, a manutenção de
espaços de exclusão social relegados a essas classes coincide com a dinâmica hostil das
grandes construtoras/empreiteiras, protagonistas do momento de caos urbana (obras,
verticalização, superpovoamento, imobilidade e poluição) que está enfrentando a cidade
do Recife e cuja sinopse de divulgação do filme de Renata Pinheiro destaca:
(...) O filme entra no universo do show business da música Brega a partir dos seus artistas,
do seu publico e da poética das suas músicas de linguagem direta, com apelo para o erótico
e para os prazeres imediatos. Uma poética que brota do cotidiano, do lixo, do descartável,
do que sobra (e dos que sobram) neste “novo” país de milagre econômico e velhas mazelas
sociais. (...) A cidade superpovoada – que cresce sem planejamento urbano – juntamente
com a ilusão dessas artistas – buscando ascensão em um show business precário – são os
pilares da história. (Disponível em: http://aromafilmes.wordpress.com/2014/08/20/278/.
Acesso: 22 de setembro de 2014)
Logo, a primeira sequencia é emblemática: vemos as duas jovens, juntas num banhei-
ro de casa noturna, praticar a bulimia9. Atitude recorrente de manequins e modelos
6. Apelido local dado às mulheres que fazem parte da cena brega recifense.
7. Com ênfase na capital pernambucana, Recife.
8. Ver nas referencias bibliográficas “A Estética do Brega: Cultura de consumo e o corpo nas periferias do
Recife” (2005).
9. Forçam uma situação de vômito.
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“Amor, plastico e barulho” ou as fronteiras da autonomia feminina na cultura de consumo
10. A branquitude é um conceito adotado por inúmeros autores para problematizar a predominância da
estética da “raça” branca em detrimento a da raça negra, como por exemplo Lilia Schwarcz no livro “Nem
preto, nem branco, muito pelo contrário: Cor e raça na sociabilidade brasileira” (2012).
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“Amor, plastico e barulho” ou as fronteiras da autonomia feminina na cultura de consumo
Neste conto de fadas, assim como no filme em análise, uma mulher não- negra sente
seu local de privilégio ameaçado pela chegada de outra mulher não- negra, mais jovem e
por consequencia, mais bela que ela. O universo ao redor delas se mostra dominado pelos
homens, dos quais os brancos correspondem ao topo da hierarquia. Representados no
filme principalmente pelo personagem do dono da banda “Amor com Veneno”, empre-
sário da cena brega, agente, pelo que entendemos, de uma rede de artistas da periferia
e mantenedor das distinções dentro do próprio universo brega – e “Allan” – rapaz que
se envolve com as duas protagonistas do filme. Este mesmo empresário irá cooptar
Allan, ex-namorado de Jackeline e atual príncipe encantado de Shelly, para prosseguir
à frente de seu “pequeno império” como cantor e compositor do seu novo grupo, “Amor
com Mel”. Outros exemplos de dominação masculina branca são os agentes da mídia
sensacionalista, como o apresentador do programa de TV “Brega Show”, o repórter dos
bastidores do brega e o coreógrafo do grupo de Jaqueline. Em último lugar no ranking
masculino, temos os personagens dos donos das casas de espetáculos e o cantor da
banda de Jaqueline, homens não-brancos.
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“Amor, plastico e barulho” ou as fronteiras da autonomia feminina na cultura de consumo
precedentes da esperança de vida. (...), a identidade corporal feminina está sendo condicio-
nada não pelas conquistas da mulher no mundo privado ou público, mas por mecanismos
de ajuste obrigatório à tríade beleza-juventude-saúde. (DEL PRIORE, 2000, p.100)
11. Hélder Aragão, o DJ Dolores, é um conhecido artista cult das cenas igualmente cult do Mangue Beat e
pós-Mangue Beat do Recife.
12. A trilha sonora do filme é inclusive assinada por Hélder Aragão, o DJ Dolores, conhecido artista cult
da cena igualmente cult do Mangue Beat e pós-Mangue Beat do Recife.
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“Amor, plastico e barulho” ou as fronteiras da autonomia feminina na cultura de consumo
numa busca por invocar o mundo histórico fora de campo. Esta forma enunciativa,
também permitirá abertura para a compreensão das fronteiras da autonomia feminina
dentro da sociedade de vigilância:
Both the enunciative camera placement and the spectator within the scene are presentational
devices, calling the attention not only to the arbitrariness of fiction, but to their own real-
ity, that is to say, the reality of the medium. They bring the awareness, on the one hand,
of a Foucaultian society of surveillance, where envy, intrigue and betrayal are rife, thus
preventing the formation of any romantic nostalgia for traditional ways; on the other, they
place the spectator within this same network of invigilation that spreads beyond cultural
boundaries. (NAGIB, p.50)
14. As atrizes do filme, Maeve Jinkings e Nash Laila, fizeram seus estudos de personagens junto a cantora
de brega recifense, Michele Melo, conhecida como “a Madona do Brega”.
15. No caso específico do cinema produzido em Pernambuco, existe uma crítica ao patriarcado na dissertação
“A Construção do Protagonismo Feminino no Cinema Pernambucano na Contemporaneidade”, de Alice
Gouveia (PPGCom, UFPE, 2010).
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“Amor, plastico e barulho” ou as fronteiras da autonomia feminina na cultura de consumo
mulheres negras foram mais uma vez negligenciadas dentro das representações do
cinema nacional16, assim como não estão nas suas equipes técnicas.
Embora observe que dentro da narrativa tenha havido uma preocupação em demons-
trar os locais de privilégio dos brancos sobre os não-brancos e das mulheres brancas
sobre as mulheres negras dentro da própria subalternidade, o papel de maior destaque
para uma mulher negra no filme é o de empregada doméstica. Vivida na película pela
conhecida vendedora de rua recifense “Quinha do Tamborete17”, a personagem con-
tracena com as protagonistas em poucas cenas e encarna o esteriótipo da “mãe preta”,
herança da escravidão, “que cuida de todas as necessidades dos demais, em particular
dos mais poderosos” (HOOKS, 1995).
Esteja a cineasta, recriadora desse conto, habitando em entre-lugares, articulação entre
diferentes culturas que forma “figuras complexas, de diferença e identidade, passado e
presente, interior e exterior” (FONTANELLA apud BARBA, 2005, p. ), Renata parece crer
na “vantagem epistemológica” daqueles que forçados pelas circunstancias históricas a
negociar com as margens e o centro, adquirem uma “consciência dupla”18 e estariam
melhor situados para “desconstruir” os dircursos dominantes.
Nesse caso, o filme busca focar as mulheres que atuam no universo do brega reci-
fense e o que elas teriam a falar para o público cinematográfico sobre as contigências do
corpo feminino na cultura de consumo. Logo, vejo que as hibridizações e contradições
presentes no centro da cultura brega são similares aos entre-lugares do cinema em sua
verve mais política, multiculturalista e policêntrica.
Se, “no interior da luta contínua entre hegemonia e resistência, cada ato de inter-
locução cultural modifica cada um dos interlocutores” (STAM E SHOHAT, 2006, p.88),
o filme “Amor, plástico e barulho” de Renata Pinheiro alinha-se a crítica feminista ao
propor uma revisão das identidades de gênero, a partir da representação cinematográfica.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
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Guilherme J. F. Teixeira. – 2ed. Rev. – Porto Alegre, RS: Zouk, 2011.
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FELDMAN, Ilana. Apelo realista, in: Compós, 2008.
FONTANELLA, Fernando. A Estética do Brega: Cultura de consumo e o corpo nas periferias do
Recife. Recife; (Dissertação de mestrado), Programa de Pós-graduação em Comunicação,
Universidade Federal de Pernambuco, 2005.
16. Sobre a ausência das mulheres negras no cinema, ver a matéria “Pesquisa revela que mulheres negras
estão fora do cinema nacional”, Jornal do Comércio, 06 de julho de 2014.
17. Existem inúmeros vídeos no site “Youtube” que trazem a vendedora de tamboretes de madeira reciclada,
cantando nas ruas para vender sua mercadoria.
18. Termo usado pelo intelectual e ativista negro norte-americano, W.B. DuBois, já no século XIX.
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Hipóteses em torno de Revisão Crítica do Cinema Brasileiro,
de Glauber Rocha: militância e liderança, pari passu
Around a Critical Revision of Brazilian Cinema, by Glauber Rocha:
militancy and leadership in brazilian cinema
A rl i n d o R e b e c h i J u n i o r 1
Resumo: Em 1963, Glauber Rocha publica seu primeiro livro crítico, intitulado
Revisão Crítica do Cinema Brasileiro (RCCB). No contexto latino-americano, esta
obra pode ser considerada como uma expressão conceitual deste cineasta
brasileiro sobre a arte e o ofício cinematográficos. Esta comunicação investiga
as formas de construção presentes em RCCB, na maneira como o cineasta buscou
compatibilizar uma escrita histórica coesa e totalizadora de modo a construir
um cânone para o cinema brasileiro.
Palavras-chave: Glauber Rocha. Revisão Crítica do Cinema Brasileiro. Cinema
Novo. Crítica Cinematográfica Brasileira.
Abstract: In 1963, Glauber Rocha published his first book of film criticism book,
entitled A Critical Revision of Brazilian Cinema (CRBC). In the Latin American
context, this work can be considered as a conceptual expression of this Brazilian
filmmaker about the art and craft of making movies. This paper investigates
the forms of construction present in CRBC, in order to build a canon for the
Brazilian cinema.
Keywords: Glauber Rocha. A Critical Revision of Brazilian Cinema. New
Brazilian Cinema. Brazilian Film Criticism.
1. INTRODUÇÃO
J Á COM uma produção escrita bem divulgada no Jornal do Brasil e com interlocução
e laços de amizades mais bem definidos, é possível detectar entre 1962 e 1963 que
Glauber exercia uma nítida liderança no interior do grupo dos jovens intelectuais
do Cinema Novo. Basta acompanhar o diálogo epistolar entre ele e esses jovens intelec-
tuais para notar a precisão com que ele dimensiona os afazeres do que escrever, filmar
e falar em público. Glauber, sem sombra de dúvida, é o mais incisivo e insistente deles.
É ele quem recolhe os exemplos, lembrando a agenda programática aos companheiros.
É ele quem estabelece linhas de atuação dentro e fora do país, atraindo novas amiza-
des que pudessem porventura ajudar a empreitada. É ele quem recomenda e às vezes
exige um maior engajamento de ideias políticas, solicitando de todos os participantes
um novo texto de divulgação, a entrada em um projeto de filme ou o dimensionamento
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Hipóteses em torno de Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, de Glauber Rocha: militância e liderança, pari passu
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Hipóteses em torno de Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, de Glauber Rocha: militância e liderança, pari passu
empecilhos de ordem prática e recusa o tal projeto. Na recusa está uma série de impli-
cações que merecem ser tratadas. A principal delas é o caráter do filme inadequado ao
que Glauber e seu grupo delimitavam para os caminhos do cinema em formação. Uma
eventual filmagem de um “melodrama popular e moderno para o cinema bahiano”,
como acusava o subtítulo do roteiro, poderia comprometer, entre outras coisas, a auto-
ridade intelectual de Glauber entre aqueles jovens do movimento. Note-se a resposta
em carta a Paulo Emílio, ela demonstra o que pesa em sua decisão: estaria o filme e sua
personagem “dentro de uma perspectiva extremamente pessoal e sentimental: a sua,
é claro, eu, por meu ângulo, de temperamento excessivamente realista, concebo o mito
mas não o sinto pela espinha, como diria fernando pessoa. trata-se de mulher, e eu,
confesso, não estou tomado de mulher, mas sim de política. não sei bem se é juventude
ou resultado de uma crise violenta e um tanto caótica, surgida justamente por causa de
mulher” (ROCHA, 1997, p. 169).
Se esse biênio 1962-1963 pode ser considerado um período de transição para Glauber,
que terminou Barravento, projeto assumido às pressas, e ainda iniciou a produção de
Deus e o Diabo, além de ter sido o período em que a Bahia deixa de ser o foco principal
de sua atuação, passando a ser o Rio, é proveitosa a compreensão do período pela pró-
pria militância alcançada por ele. Não é forçoso levantar a questão: foi por ela, por esta
militância escrita, que Glauber forjou uma liderança mais racional e segura dentro do
próprio grupo? Revisão crítica do cinema brasileiro, seu primeiro livro, amplia as pistas
para a questão e suas ideias merecem ser aqui abordadas.
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Hipóteses em torno de Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, de Glauber Rocha: militância e liderança, pari passu
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Hipóteses em torno de Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, de Glauber Rocha: militância e liderança, pari passu
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Hipóteses em torno de Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, de Glauber Rocha: militância e liderança, pari passu
estabelecer como defesa radical de uma realidade, de uma nova experiência, de uma
intervenção. Para explorar melhor a questão, é necessário adentrar as páginas de Revisão
crítica. Meu exemplo de lá extraído é Lima Barreto, o cineasta. Antes dos meus comen-
tários cito uma passagem, onde Glauber delineia o perfil do cineasta de O cangaceiro:
Culturalmente, Lima é um rebento tardio da poesia condoreira de Castro Alves; um naciona-
lista sensual e caudaloso como Euclides da Cunha, mas sem a cultura e a visão do autor de
Os Sertões. Lima é um apaixonado pelo estilo de Euclides; as fortes tintas apenas. Sertanistas
como José de Alencar, romântico retardado, sem a profundidade de um José Lins do Rego;
sem a vivência deste, cujo suporte memorialista faz do seu romance, apesar da pobreza
estrutural e estilística, um verdadeiro movimento de força e comunicação. Ambicionando
requintes de expressão, Lima Barreto fica encalhado no parnasianismo de Olavo Bilac.
Ideologicamente é místico, espiritualista, ateu e católico, patriota e reacionário, progressista
e desenvolvimentista, nem direita nem esquerda, mas também sem a coragem e o talento
de um Buñuel para se declarar um anarquista. Um acontecimento brasileiro, um complexo
equívoco transformado em mártir e herói como Tiradentes. Esta identificação se reflete em
Painel, documentário sobre o duvidoso mural de Portinari, no Colégio de Cataguases, por
sinal terra de Humberto Mauro (Rocha, 2003, p. 88).
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Hipóteses em torno de Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, de Glauber Rocha: militância e liderança, pari passu
do seu olhar esteja a valoração de exemplares do nosso romance social dos anos 1930 e
suas variações posteriores. Graciliano Ramos é a mentalidade em contraponto ao homem
de cinema Lima Barreto: “sua obra é desmistificante. Seco, impiedoso, cruel, Graciliano
Ramos já tinha retirado os véus da pátria amada: foi parar na cadeia” (ROCHA, 2003,
p. 89). Em sentido contrário, Lima Barreto é o autor da técnica empolada, aquele que, a
exemplo de seu documentário Painel (1951) sobre o mural Tiradentes, de Cândido Portinari,
orquestra a música heróica em aliança ao “texto vibrante de professor comemorando,
ante a ingenuidade da infância, as glórias de Caxias e Deodoro. Um artesanato mecâ-
nico, certinho, gramatical, paginando ao gosto da burguesia que, naquele tempo, já
gostava de arte moderna e muito mais de Portinari” (ROCHA, 2003, p. 89). Como se
nota, distinto de Graciliano, Portinari, embora modernista, não é tratado por Glauber
com mesma devoção. Com uma interpretação da Inconfidência que compreendia tal
fenômeno sob os impasses, tão-somente, das alterações das formas de poder na América
Portuguesa sobre as minas de ouro, deixando de ser da alçada portuguesa e passando
a ser dos interesses de tais “poetas-juristas”, Glauber encara a obra de Portinari, e no
mesmo plano o documentário de Lima Barreto, que, ambos, deixam-se escorrer por um
falso heroísmo histórico.
Lima Barreto era a mostra do atraso do cinema brasileiro, que chegara ao tema do
cangaço apenas em 1953, com O cangaceiro. Chegou, porém, às avessas e sem ter buscado
uma interpretação já presente nos romances de cangaços. Fora do tempo, chegou num
momento em que o tema já era dominado por completo na literatura mais valorizada
pelo crítico: vide José Lins do Rego. Chegou sem compreender os romances populares
nordestinos. Seu equívoco foi ter buscado ambientá-lo longe destes mundos e, assim,
criou um drama em bases do convencionalismo do filme de aventuras de exaltação
romântica. Aquele cangaço tratado no mundo literário era deixado para trás: o “fenômeno
de rebeldia místico-anárquica surgido do sistema latifundiário nordestino, agravado
pelas secas, não era situado” (ROCHA, 2003, p. 91). Ficavam as matizes das artificiais
cores do céu da contraluz de Chick Fowle; ficava o forjado Nordeste nos limites dos
estúdios da paulista Vera Cruz; conservava-se o espírito melodramático e o seu lado
de facilidades pitorescas, relação com o cinema de massas americano. Em um de seus
últimos comentários, Glauber, mais uma vez, o traria dentro dos limites da comparação
com a literatura: Lima Barreto transformara-se num digno retumbante do academicismo,
digno das láureas do nosso parnasianismo. Um verdadeiro antípoda para os moços do
novo cinema.
Com igual energia, porém em outro vetor, ele vai posicionar seus diletos em páginas
à frente do livro. Momento em que inicia sua saga sobre a formação do Cinema Novo.
A seguir, chamo a atenção para dois cineastas tratados por ele.
Nelson Pereira dos Santos, um pouco mais velho que os jovens da geração de
Glauber, é exemplo para todos. O esforço de Rio, 40 graus, no final dos anos 1950, é visto
como porta de entrada para o mundo de um cinema brasileiro engajado, uma linha-
gem de filme social que não era evasivo em sua perspectiva crítica de tratamento do
mundo popular. Na perspectiva adotada no livro, trazia-se a lume um tipo de cinema e
filme que se trançava à nossa melhor tradição de romancistas. Outra vez, a medida de
comparação é o romance social, embora não qualquer um deles. Nelson para o cinema
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Hipóteses em torno de Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, de Glauber Rocha: militância e liderança, pari passu
seria comparável a Graciliano: homens que nutriam o desprezo pela forma retórica,
homens de retratos “sem retoques de uma realidade cruel” (ROCHA, 2003, p. 105). Se
falar do italiano diretor de cinema Luchino Visconti de La terra trema é motivo para
trazer à tona o escritor Giovanni Verga, com Nelson em relação a Graciliano as coisas
não eram diferentes.
O estilo de Graciliano Ramos tem também sua versão entre os cineastas de mes-
ma idade de Glauber. Paulo Saraceni e seu filme Porto das Caixas foram privilegiados
em outra passagem do livro. Afinal, como escreveu em Revisão, “Saraceni ambiciona
fazer filmes como se escrevesse romances” (ROCHA, 2003, p. 141). Isso, todavia, não
significaria dizer que o gesto do cineasta se resumiria às suas intenções literárias no
fazer dos filmes, espécie de transposição da literatura para as telas. Longe disso. A
autenticidade de Saraceni, na perspectiva de Glauber, é resultado da valorização do
mundo cinematográfico pela sua própria característica de força de expressão e novidade
naquele momento, cujos saldos mais interessantes poderiam ser notados na exploração
de valores que antes foram amplamente explorados pela literatura de não muito atrás.
Pelos artigos em jornais do crítico baiano e por seus diálogos em carta, Saraceni já
vinha antes sendo sublinhado como um dos grandes talentos entre os mais jovens. Era
o caso de Arraial do cabo, o curta-metragem documentário que levou Saraceni à Europa,
cuja repercussão apontava-o como um dos representantes de uma nova mentalidade
que surgia no cinema brasileiro, um dos principais estouros intelectuais desta nova
geração (Cf. ROCHA, 8 jul. 1961, p. 7; ROCHA, 12 ago. 1961, p. 4.). Era o caso do que dizia
aos seus interlocutores epistolares. Em carta a Jean-Claude Bernardet, no mesmo ano
de publicação do livro, Glauber chama a atenção do crítico para a figura de Saraceni,
definindo-o no seguinte plano: “É um artista, um excelente diretor, sabe a ‘mise em
scène’, vive a ‘mise em scène’. É a ‘mise em scène’, se você me permite” (ROCHA, 1997,
p. 180). Daí para fazê-lo eleito como um legítimo representante do intercâmbio entre o
mundo literário e o cinematográfico não foi difícil, como se deve imaginar.
Leve-se em conta que em Revisão crítica o autor aposta na investigação dos estilos
de cada um dos seus favoritos. Definir um novo estilo para o cinema brasileiro depen-
deria de tal investida e estratégia. Com isso em mente, Glauber explorou a qualidade
de estilo de Porto das Caixas para a partir dela, a qualidade deste estilo, conectar as
duas formas de expressão artística, de dois campos culturais distintos, porém ligados.
Veja-se uma das hipóteses reveladas por Glauber. Saraceni, embora com argumento
original de Lúcio Cardoso e tendo recebido formação literária deste e de Octavio de
Faria, havia realizado uma versão muito pessoal de Angústia de Graciliano. Primeiro,
chama a atenção para as abordagens comuns, entre uma e outra obra: “enquanto em
Angústia, o pobre e amargurado Luiz da Silva concentra no gordo capitalista Julião
Tavares todo o seu ódio e lhe imputa as responsabilidades das desgraças sociais, evo-
luindo maciçamente para o crime por enforcamento – a mulher de Porto das Caixas
procede da mesma forma em relação ao marido” (ROCHA, 2003, p. 141). Em seguida,
o grau de comparação dá-se pelos estilos entre uma e outra arte, criando graus de
equivalências entre literatura e cinema: o estilo seco e analítico de Graciliano encon-
tra correspondência no ritmo executado pelo filme de Saraceni que se manteve longe
das metáforas fáceis e, num gesto ousado, pôde eliminar o artificialismo do suspense,
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Hipóteses em torno de Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, de Glauber Rocha: militância e liderança, pari passu
indicando que haverá, sim, o crime da mulher face ao marido. Em pauta, estava a
exploração da mulher, mas não só ela. Institucionalizava-se também a análise daquilo
que gerou uma tonalidade ao filme, cuja reciprocidade de relações estava presente na
nossa literatura sem artificialismos, saldo de uma alta depuração na relação com sua
matéria-prima, a palavra. Caso de Graciliano.
3. NOTA FINAL
Mesmo que sua aposta em Revisão Crítica recaia sobre a “política de autores” – aliás,
ele já delineava tal política em seus artigos de jornais –, o recurso para desvelar o estilo
destes autores é atestar, perante a literatura, por meio das comparações e intercâmbios
com esta, a significação cultural de cada obra e autor da nova geração de cineastas.
Glauber usava sua experiência de mediação com o mundo literário para construir
o discurso de relevância e inserção do novo cinema. Tratava-se, entre outras coisas, de
um moderno projeto de alavancar a importância da autonomia necessária à nova arte e,
assim, divulgá-la em cada beco de um mundo cultural ainda restrito e, de certa forma,
conservador para o tipo de empreitada. Curioso notar que, paradoxalmente, enfrentar
tal defesa dependeria de sua experiência em outro ramo da cultura. Dependeria o
modo como promoveria o debate do cinema brasileiro com ambições artísticas dentro
da nossa modernista tradição de literatura, em maior grau, e da nossa tradição pictórica
modernista, em menor grau.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Rocha, G. (1961, 12 de agosto). Arraial, cinema novo e câmara na mão. Suplemento Dominical
do Jornal do Brasil (SDJB), Rio de Janeiro (RJ), p. 4.
Rocha, G. (1961, 8 de julho). Cinema novo e cinema livre. Suplemento Dominical do Jornal do
Brasil (SDJB), Rio de Janeiro (RJ), p. 7.
Rocha, G. (1997). Cartas ao mundo. Org. Ivana Bentes. São Paulo: Companhia das Letras.
Rocha, G. (2003). Revisão crítica do cinema brasileiro. São Paulo: Cosac Naify.
Vários Autores. Fortuna crítica. In: Rocha, G. (2003). Revisão crítica do cinema brasileiro. São
Paulo: Cosac Naify.
Xavier, I. Prefácio. In: Rocha, G. (2003). Revisão crítica do cinema brasileiro. São Paulo: Cosac
Naify.
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Trajetos do cinema de baixo orçamento no Brasil
Trajectories of the low-budget film industry in Brazil
Karine dos Santos Ruy1
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Trajetos do cinema de baixo orçamento no Brasil
A partir da advertência dos limites carregados pela expressão, o que pode ser
investigado no panorama das práticas cinematográficas são graus de independência,
modos e formas que, em alguma(s) instância(s), desconectam o filme dos padrões
usuais. É na imprensa especializada dos Estados Unidos que começa a difusão da
categoria “cinema independente”, sempre com polêmicas em torno da abrangência do
conceito. Em artigo publicado na American Film em 1981, Annette Insdorf defendeu como
independente as obras não comerciais e que compartilhassem elementos dos filmes de
arte. Em publicação mais recente, ela reafirma seu ponto de vista sobre a influência
do cinema de autor e do estilo europeu na concepção de cinema independente. Como
exemplo cita Nother Ligths, filme dirigido por John Hanson e Rob Nilson premiado com
a Câmera de Ouro no Festival de Cannes em 1979. Os diretores chegaram a iniciar uma
negociação com alguns estúdios sobre a produção do filme, mas optaram por não seguir
adiante para garantir o controle artístico da obra.
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Trajetos do cinema de baixo orçamento no Brasil
O que distingue Northern Lights e numerosas outras independentes de recursos dos pro-
dutos de Hollywood é a combinação de elementos tais como elenco, estilo cinematográfico,
e visão social ou moral. Confrontando grandes estrelas com novos rostos, grandes nego-
ciações com telas íntimas, a grandes estúdios com autenticidade regional, estes cineastas
tratam preocupações americanas com estilo europeu. Na sua escolha de forma e métodos
de trabalho, na sua urgência por registrar assuntos raramente vistos em filmes comerciais,
esses diretores politicamente sensíveis e geograficamente enraizados resistem às prioridades
e potencial de absorção de Hollywood. (Insdorf, 2005, p.29, tradução nossa).
Uma pesquisa sobre cinema de baixo orçamento no Brasil se depara com uma série
de conceitos que, em comum, demonstram o interesse de apreender teoricamente os
filmes realizados na contramão do sistema industrial. Cinema de guerrilha, cinema de
borda, cinema de garagem, cinema independente são alguns dos termos que parecem,
num primeiro momento, falar o mesmo de um objeto em comum. Contudo, entendemos
nesse estudo que apesar de o cinema de baixo orçamento compartilhar algumas
características trazidas por esses conceitos, esses termos não são sinônimos e não devem
ser empregados indevidamente sem observar-se as especificidades do modelo de prática
fílmica a que cada um se refere. No panorama contemporâneo, a efervescência de novos
conceitos ou tentativas de agrupamento que carregam a áurea do “independente”, seja
em estudos acadêmicos, livros ou festivais, demonstra um esforço em compreender um
certo fenômeno do cinema brasileiro atual: a inovação e a diferenciação artística estariam
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Trajetos do cinema de baixo orçamento no Brasil
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Trajetos do cinema de baixo orçamento no Brasil
cinema brasileiro do século XXI (LIMA, IKEDA, 2011). No ano seguinte, com apoio do edital
da Caixa Cultural, a dupla realizou a mostra Cinema de Garagem no Rio de Janeiro,
com a exibição de 25 longas, 25 curtas e mesas de debates.
Outra conceituação possível que encontramos vem de Migliorin (2011), para quem
existe, numa parcela dos filmes brasileiros contemporâneos, a essência de um cinema
pós-industrial.
Não estamos diante de filmes industriais, fechados ao descontrole dos processos. Há uma
velocidade de produção, uma garantia de meios já instalados e uma estética mesmo, distante
dos roteiros que a indústria exige, que nos demanda novas formas de presença estatal se
desejarmos potencializar essas produções, esses processos. Se na era industrial os primei-
ros longas precisavam de muito dinheiro para serem produzidos, hoje vemos cineastas
partindo para o terceiro longa-metragem sem nunca ter tido dinheiro público. (Migliorin,
Cinética, 2011).
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Trajetos do cinema de baixo orçamento no Brasil
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Trajetos do cinema de baixo orçamento no Brasil
4. Em 2011, estreou nas salas brasileiras aquele que se tornaria o filme nacional com maior público na
história do país, Tropa de Elite 2, que registrou mais de 11 milhões de espectadores. O filme dirigido por
José Padilha que trazia novamente às telas uma trama policial/social encabeçada por Capitão Nascimento,
o truculento policial do BOPE interpretado por Wagner Moura que caiu nas graças do público. Na semana
da estreia, não era raro encontrar nos complexos multiplex extensas filas de espectadores à espera da
próxima sessão, sempre concorrida.
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Trajetos do cinema de baixo orçamento no Brasil
Fonte: Ancine
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Trajetos do cinema de baixo orçamento no Brasil
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Trajetos do cinema de baixo orçamento no Brasil
entre documentário e ficção, O Cheiro do Ralo tem uma composição mais pop, combinada
ao fato de ter como protagonista Selton Melo, ator conhecido no Brasil.
Ao falarmos sobre a relação do filme de baixo orçamento com o público é impor-
tante ressaltar que ao tomar como base os levantamentos do número de espectadores e
bilheteria catalogados pela Ancine nós temos acesso exclusivamente ao circuito comer-
cial, sem abranger outras formas de circulação dos filmes – os festivais, os cineclubes,
as mostras, que representam também uma forma de relação do cinema brasileiro com
o público e, além disso, constituem importantes instâncias de formação de plateia para
filmes nacionais.
Faz-se necessário ressaltar, ainda, que a investigação sobre o cinema de baixo orça-
mento praticado no Brasil envolve uma série de outras questões não amparadas por
essa proposta, como as ferramentas tecnológicas empregadas na realização dos filmes
e o desenvolvimento de novos arranjos produtivos. Mas podemos destacar, diante da
discussão apresentada aqui, que o filme de baixo orçamento ocupa um papel de desta-
que no cinema brasileiro contemporâneo, seja pela trajetória artística de muitas obras
enquadradas nesse perfil econômico quanto reconhecimento dessa categoria no conjunto
das ações de fomento à produção, inclusive no âmbito regional com editais estaduais.
Entretanto, encontramos na distribuição e na exibição, de forma acentuada, dificuldades
comuns às cinematografias não hegemônicas, problemática que coloca à margem do
público uma grande parcela dos filmes de baixo orçamento nacionais.
REFERÊNCIAS
Aumont, Jacques. As teorias dos cineastas. São Paulo: Papirus, 2012.
Bourdieu, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Tradução de Sérgio Miceli. São Paulo:
Perspectiva, 2005.
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Wyatt, Justin (Org.). Contemporary American independent film: from the margins to the
mainstream. New York: NY Routledge, 2005.
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Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/07/10/cultura/1405018654_127314.html.
Acesso em: 13 set. 2014.
Creton, Laurent. De l’indépendance en économie de marché: le paradigme stratégique en
question. In: CRETON, Laurent (Org.). Théorème. Cinema & (in)dépendance – Une éco-
nomie politique. Paris: Sourbonne Nouvelle, 1998.
Ikeda, Marcelo; Lima, Dellani. Cinema de garagem – um inventário afetivo sobre o jovem
cinema brasileiro do século XXI. Rio de Janeiro: WSET Multimídia, 2011.
Insdorf, Annette. Ordinary people, European-style: or how to spot an independent feature.
In: Holmlund, Chris; Wyatt, Justin (Org.). Contemporary american independent film: from
the margins to the mainstream. New York: NY Routledge, 2005.
Migliorin, Cezar (2011). Por um cinema pós-industrial: notas para um debate. In: Revista
Cinética, fevereiro de 2011.
Oliveira, Maria Carolina. “Novíssimo” cinema brasileiro: práticas, representações e circuitos
de independência. 2014. Tese (doutorado) – Universidade de São Paulo – Departamento
de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. 2014.
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In: Baptista, Mauro; Mascarello, Fernando. Cinema Mundial Contemporâneo. Campinas:
Papirus, 2008.
Simões, Eduardo. Freak show – Heitor Dhalia fala da “estética da leveza” que buscou em
“O Cheiro do Ralo”, depois de pesar a mão em “Nina”, seu primeiro longa, fracasso de
público; diretor agora opta por pegada “pop” e a presença do carismático Selton Mello.
Folha de São Paulo, São Paulo, 23 mar. 2007. Recuperado em 10 de março, 2014, de: http://
www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2303200707.htm.
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Novo paradigma nas transmissões televisivas.
A copa do mundo em 4k
New broadcast television paradigm.
The World Cup in 4k
Fernando C. Moura1
Abstract: The last World Cup Brazil 2014 transformed the paradigm of
television broadcasts, not only in the host country, but also in the world. With
the introduction of 4K technology 4K - 4 HD - the scope regime of television
viewers and their “habitus” has to change and it will change the production
of these events, with substantial change in the rhetoric construction and its
contents generating a different narrative discourse to we know. This article
discusses we will try the main differences in the narrative of “football” and
as the “standard” FIFA has changed. The article results for this we analyze the
phenomenon through participant observation during the World Cup and at the
Confederations Cup held in 2013. Also show how the FIFA standard differs from
the discursive rhetoric previously used by FIFA, and as the same stage may be
subject to two different discourses.
Keywords: 4K. Habitus. Discourse. Narrative. Rhetoric
1. Fernando C. Moura é Prof. Doutor e pesquisador do Centro de Investigação Media e Jornalismo
(CIMJ), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa (UNL), Portugal. Email:
fernandocarlosmoura@gmail.com e fermoura@hotmail.com . Tel: +55 11 8578 0519
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Fernando C. Moura
INTRODUÇÃO
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Fernando C. Moura
dos jogos com tecnologia 4K assumindo que o discurso é uma unidade de produção
de sentido (Verón, 1996, p.125). Assim, o discurso do futebol televisado é um processo
de produção de sentido (Verón), porque possui as suas características principais e gera
sentido para aos telespectadores. Nesse marco, Verón afirma na sua «Teoria dos Discursos
Sociais» (Verón, 1996), que os discursos são gerados por outros discursos anteriores,
porque o que interessa neste discurso são as condições de produção, e estas condições
fazem com que os emissores gerem novos discursos. Ainda trabalharemos a dimensão
cognitiva, Pragmática e Passional (Greimas & Courtês, 1979; Greimas e Fontanille, 1991)
para mostrar as diferentes narrativas e como o discurso se transforma.
NASCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA TV
Em 1895, os irmãos Lumière revolucionaram a sociedade parisiense com imagens
simples em movimento, tornando-se, então, um dos mais populares meios de comunicação
e de ficção. Anos mais tarde, em 1936, nascerá a televisão e expandir-se-á após o fim da
2ª Guerra Mundial. E com esta criar-se-á uma nova “galáxia” de comunicação.
“Não que os outros meios de comunicação desaparecessem, mas foram reestruturados e reor-
ganizados num sistema cujo coração era composto por válvulas electrónicas e cuja fachada
apelativa era uma tela de TV. A rádio perdeu a sua centralidade (...) os filmes foram adapta-
dos para atender às audiências televisivas, com excepção da arte subsidiada pelo governo
e dos espectáculos baseados em efeitos especiais das grandes telas”. (Castells, 2002, p.432)
Assim, afirma Giovani Giovannini (1987, p. 37), a criação da TV não foi um fato
isolado, “foi o resultado de um longo processo de investigações e descobrimentos, de
experiências e conhecimentos adquiridos”. A televisão, desde a sua primeira transmissão
nos Estados Unidos em 1926 (Moura, 2010), é tida como um dos principais instrumentos
de percepção e conhecimento do mundo.
“Os heróis que ela [TV] mostra ou fábrica entram em concorrência directa com outros
sistemas de construção de identidades fornecidas pela sociedade, pela escola (…) Esta
dupla função de identificação e de representação não é passiva e resulta de uma espécie de
interacção constante entre os espectadores e o que do mundo é mostrado pela televisão.”
(Dominique Wolton, 1994, p.74),
A televisão dissemina conteúdos por meio de uma linguagem que utiliza o verbal
e o não-verbal, incluindo-se aí os avanços tecnológicos. Alguns autores já falam numa
linguagem vídeo-tecnológica, na qual se desenvolvem “elementos e combinações
semióticas novas e distintivas que começam a ser os sistemas linguísticos do futuro e
que se diferenciam dos anteriores a partir da lógica das suas articulações” (Orozco, 1997,
p.56), dando lugar a uma nova lógica, em que os signos de diversos tipos e procedências
se justapõem para construir o espetáculo.
Thomas Luckmann e Peter Berger (1999) retomaram no final do século passado a
ideia de “construção social da realidade” desenvolvida por Alfred Schultz durante as
décadas de 1940/50. Para os primeiros, a linguagem e a comunicação desempenham
um papel fundamental na construção social da realidade porque só existirá devido
aos mecanismos de relação existentes entre os indivíduos. Assim, a realidade emitida
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pela emissora de TV opera como uma construção das informações que são emitidas
baseada em suas selecções. Para Pierre Bourdieu (2005, p.14), os produtores de TV
usam uma espécie de “óculos que vêem certas coisas e outras não” e que se sustentam
em um princípio de selecção ligado à busca do espectacular, do sensacional tentando
criar uma disrupção com o habitual, mas que em nada altera as formas de pensar e
reflectir sobre o mundo. De fato, para o autor a imagem provoca no espectador um
“efeito do real”, provocado pela selecção realizada e que moldará o discurso emitido
e, mais tarde, discutido.
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Fernando C. Moura
isso não só no seu nível primário senão, também, complementários, já que esta dimensão
aparece tanto na produção como na comunicação do saber. De fato, segundo os auto-
res, deve haver quanto às instâncias cognitivas, pelo menos um sujeito encarregado da
produção, um sujeito encarregado da transmissão e outro da recepção do saber, ainda
que sejam investidos num único ator, ou em vários atores.
No caso estudado, infere-se que nas transmissões experimentais realizadas durante a
Copa do Mundo com tecnologia 4K com uma nova disposição de câmeras e equipamentos
necessários para repetições, grafismo, enlaces satelitais etc. a dimensão cognitiva ficou no
sujeito encarregado da produção e no encarregado da transmissão (neste caso, o mesmo
consórcio TV Globo/FIFA), e que o seu jeito da recepção do saber se encontrou com um
novo discurso futebolístico. Um discurso onde não só mudou o plano de câmeras, senão
a forma de captação e os planos realizados do jogo. Consideramos que mudou a história
contada, não só pela forma de ser produzida e recriada, senão também pela dispositivo
técnico que foi necessário ter, neste caso, uma TV 4K 60p e um set-top box (descodificador
do sinal satelital) que pudesse decodificar o sinal emitido. De esta forma ingressamos na
dimensão pragmática do discurso que indica o modo como este foi feito, desenvolvido e
trabalhado. Afirmando que a televisão é uma das formas predominantes de criação da
nossa representação do mundo, que ela permite-nos imaginá-lo, estabelece parâmetros
e mobiliza as atenções dos seus telespectadores inferimos que ela constrói discursos
nos quais a realidade difundida pela TV opera como uma seleção e uma construção das
informações que são emitidas. Da investigação infere-se que mudou a estrutura retóri-
ca do discurso, porque, entre as muitas mudanças realizadas, foi necessário mudar os
planos devido a alguns problemas de foco que apresentam as lentes e câmeras 4K, não
por estas terem problemas estruturais senão porque o movimento do futebol fazem com
que a Ultra Alta Definição jogue contraplanos fechados e com foco limitado.
De fato, antes da competição, as câmeras, inicialmente produzidas pela Sony para
cinema, tiveram de passar por um processo de reconversão para serem utilizadas em
um evento ao vivo. Para isso, a empresa japonesa desenvolveu um adaptador (Moura,
2014) que se coloca entre a câmera e a lente para que ela pudesse trabalhar com servo
(sistema que permite fazer zoom e foco de forma mecânica nas lentes). O adaptador
CA4000 foi utilizado conectado à interface de acoplamento da PMW-F55, o que permite
que o sensor CMOS 4K Super 35 mm se transforme em uma câmera de sistema 4K ao
vivo com recursos de alt0as taxas de quadros (HFR) que funciona com cabos de fibra
SMPTE padrão para distâncias de até 2.000 m. Para utilizar a câmera F65 que possui um
sensor maior se desenvolveu o adaptador de câmera ao vivo 4K SKC-4065 que é necessário
porque a interface RAW da F65 é diferente da PMW-F55. Desta forma, o SKC-4065 permite
que o adaptador CA-4000 encaixe no corpo da câmera. “Ele também serve de interface
para a maioria dos comandos da câmera, o que inclui vários formatos, obturador, filtro
ND e ganho”, afirmam os responsáveis de Sony consultados no Estádio do Maracanã.
Tudo isso permite afirmar que foi preciso criar uma praxis, um novo habitus
(Bourdieu, 1994) que permitisse aos produtores de sentido produzir o discurso
futebolístico em 4K. Nesse sentido, temos um duplo problema, na produção e na
recepção porque segundo (Bourdieu, 1972, p. 170) o gosto ou os gostos dos indivíduos,
tende, neste sentido, a manifestar-se mediante a apropriação de determinados objetos
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Na nova transmissão com novas câmeras, novos planos e um discurso parecido, mas
não igual, a dimensão cognitiva passa por uma transformação, por uma modificação,
já que o telespectador não adquiriu o habitus desse novo discurso e na sua dimensão
cognitiva ele nem sempre poderá impor um ponto de vista sobre o objeto (Greimas
& Courtes, 1979) porque, se bem o conhece o discurso futebolístico, este mudou a sua
estrutura narrativa e sua forma de exibição. Ao passar de 35 para 13 câmeras e, sobretudo,
a ter maior qualidade de imagem, mas menor capacidade de foco em movimento devido
a maior distância focal e rango dinâmico da imagem, foi necessário trabalhar com
planos mais abertos das ações do jogo e resignar a espectacularidade do plano fechado
com câmera super lenta para captar lances com planos mais abertos, mas com uma
profundidade de campos imensamente maior. Por isso, infere-se da investigação que o
telespectador mudará o regime escópico, a forma de olhar o discurso futebolístico porque
os planos mudam e com eles a construção discursiva. Martin Jay (2003, p. 224) afirmará
que o regime funciona pela sua verosimilitude, e nesse ponto, a “imersão” proposta
pelos criadores da tecnologia e os produtores do discurso futebolístico em 4K mudam.
O telespectador agora está frente a uma nova mirada, uma mirada onde a narrativa
muda substancialmente e o olhar do acontecimento se transforma produzindo outra das
grandes diferenças retóricas na hora da construção do discurso que é a possibilidade
de repetições dos grandes momentos do jogo, mas ele assume que o discurso é real
porque o conhece com antecedência e porque se bem tem diferenças, a similaridade
com o anterior o torna verosímil.
Voltando a produção e a sua retórica discursiva podemos afirmar que pela quantidade
de câmeras e a qualidade de imagem que estas captam, não foi possível gravar todas
as câmeras ao mesmo tempo no sistema de replays montado na Unidade Móvel que
produziu os jogos como se acostuma fazer em eventos deste porte. Foi preciso selecionar
o que gravar, como e onde isso poderia ser reproduzido, e por isso foi necessário mudar
a praxis de produção e emissão e utilizar os recursos possíveis frente ao novo discurso.
Ainda, foi criado um grafismo especial para as transmissões, e ele também mudou a
praxis tanto na hora de produzir como na de receber o discurso, não só pela dimensão
e formato de vídeo gerado, senão também pela forma em que foi inserido o grafismo em
4K. Para não nos alongarmos muito, ainda queria dizer apenas que a área de segurança
(espaço que se deixa aos lados da imagem para o telespectador não perder a informação)
para o grafismo teve de ser ampliada. Na transmissão HD o formato é de 16x9, nas
transmissões em 4K foi enviado um sinal em formato 17x9.
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Novo paradigma nas transmissões televisivas. A copa do mundo em 4k
Fernando C. Moura
CONCLUSÕES FINAIS
Do trabalho de campo realizado infere-se que a FIFA e a Sony introduziram uma
tecnologia disruptiva na Copa do Mundo que pode mudar o regime escópico dos
telespectadores do “mundo da bola”. As três transmissões com tecnología 4K realizadas
no estádio do Maracanã em julho de 2014 mudaram a praxis, o habitos dos produtores e
telespectadores e, sobretudo, estabeleceram um outro patamar de qualidade de imagem
a narrativa do discurso futebolístico global. Sabemos que ainda é cedo para falar de
uma mudança no discurso, está claro que a parafernália tecnológica está mudando
o discurso do futebol televisado e, com ele, está mudando as dimensões cognitiva,
pragmática e fundamentalmente a passional. O conceito de TV se está reinventando
e o destino do discurso futebolístico televisado está mudando porque já não se pensa
somente em TV aberta ou TV paga Premium, senão em novas plataformas e soluções que
podem viabilizar o consumo deste discurso, até parece ser possível inferir que não só o
discurso está mudando, mas também o espectador, que aos poucos se vai tranformando
em um usuário de múltiplas plataformas de vídeo e não um mero “tele”spectador
sentado em frente à TV.
Assumimos que o contrato de leitura continua , mas se modifica a forma como se
conta a história em imagens e, com ela, o discurso muda de características. Características
estas que estão em processo de maturação, porque ainda não foi encontrada a linguagem
final nem a retórica do discurso.Finalmente, podemos afirmar que a tendência é uma
maior qualidade de imagem, menos câmeras em campo e uma nova forma de olhar o
discurso diferente, que talvez, segundo alguns dizem, se concretize com a implantação
de uma nova forma de captação, a 8K, onde o fenômeno imersivo da imagem poderá
fazer com que o discurso futebolístico possa voltar a ser contado como no início das
transmissões esportivas, com apenas uma câmera.
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Novo paradigma nas transmissões televisivas. A copa do mundo em 4k
Fernando C. Moura
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O jogo dos torcedores: processos interativos
em transmissões esportivas na televisão
The game of fans: interactive processes in
sports broadcasts on television
Gior dano Bruno Medeiros e Oliveira1
M a r c e l o B o l s h aw G o m e s 2
INTRODUÇÃO
1. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. E-mail: giordbruno@gmail.com
2. Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor adjunto e
membro do quadro de docentes do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia (PPGEM-UFRN).
E-mail: marcelobolshaw@ufrnet.br
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O jogo dos torcedores: processos interativos em transmissões esportivas na televisão
por essa paixão, divulgando eventos e narrando os fatos para os mais distintos lugares
desse país. Ao longo de sua história, os meios de comunicação evoluíram e a trajetória
dos esportes no Brasil foi contada de maneiras diferentes pelos mais distintos persona-
gens que se empenharam na busca de um estilo de transmissão peculiar do nosso país
capaz de envolver e emocionar multidões ao redor de um aparelho para acompanhar
uma competição esportiva.
Atualmente é possível observar a confluência de diversos tipos de mídia e a interação
entre diversas produções midiáticas. O esporte, como uma das programações de maior
inserção no país não foge dessa tendência e passa a ser coberto de maneiras bem
diferentes em relação ao início de suas transmissões no Brasil. Devido a esses fatores,
palavras como interação, interatividade, multimídia ou transmídia têm presença bem
mais constante nas transmissões atuais do que em outras épocas e, por isso, este trabalho
busca detalhar as produções transmídia nas transmissões de esportes, abordando a
participação do torcedor nesse tipo de programação e quais os efeitos causados por
esse novo contexto midiático.
Neste artigo, além de se conhecer como são feitas as transmissões das principais
emissoras do país a e como o público interage e influencia o estilo de transmissão
adotado por cada canal, faz-se também um estudo bem mais profundo do que apenas
o enfoque nas transmissões esportivas, isto é, são discutidos também conceitos como o
de interação, cultura participativa e convergência midiática para a partir disso descobrir
como funcionam de fato os processos interativos no objeto proposto a ser analisado.
Antes de se chegar a discussão conceitual sobre a participação das diversas mídias
em torno das transmissões televisivas, é necessária uma abordagem histórica de como
esse tipo de programação ganhou força no Brasil e ganhou posições de destaque tanto
no mercado das TV’s abertas como também no segmento da TV por assinatura. Desta
forma, o trabalho inicia com um estudo sobre as tradicionais escolas de transmissões
esportivas do país até chegar aos estilos de transmissão adotados atualmente, com
influência das produções transmídia e estratégias de aproximação com o público.
O ESPORTE NA TV BRASILEIRA
A televisão é atualmente um importante meio disseminador dos esportes no país,
algo que pode ser comprovado pelas diversas emissoras segmentadas em esportes
existentes ou até mesmo pela ocupação de horários importantes da programação das tevês
abertas com conteúdos esportivos. No entanto, a história das transmissões esportivas
nas emissoras de televisão tem uma ligação muito forte com outro meio de comunicação
de massa, que também continua atrelado às transmissões esportivas até hoje. O rádio,
que dominou a audiência dos brasileiros durante décadas, foi o principal exportador
de personagens e ideias para um veículo que passaria ao longo dos anos a encantar
muitos brasileiros. Com o sucesso do rádio na mesma época da profissionalização do
futebol no país, o veículo e o esporte passaram a ter uma relação de harmonia, sendo
um fundamental para o crescimento do outro.
Após mais de duas décadas de amplo predomínio do rádio nas coberturas esportivas,
é inaugurada no Brasil a TV Tupi, que demorou um pouco para encontrar o seu formato e
tentava apenas seguir os passos do rádio. Com os custos elevados e a pouca criatividade,
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O jogo dos torcedores: processos interativos em transmissões esportivas na televisão
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O jogo dos torcedores: processos interativos em transmissões esportivas na televisão
Já na década de 1980, conforme Brinatti (2005, p.74), o esporte passou a ter destaque
ainda maior na residência dos brasileiros. A Bandeirantes, através do narrador e promotor
de eventos, Luciano do Vale, implantou no Brasil o chamado “Canal dos Esportes”, onde
o espectador poderia acompanhar os mais variados tipos de competições esportivas
por meio do canal, principalmente nos finais de semana, quando o esporte ocupava
praticamente toda a grade de programação..
Na década seguinte foi a vez da TV Cultura trazer inovação para a tevê aberta
no Brasil. A emissora foi a pioneira no país a cobrir campeonatos de países europeus,
começando com o Campeonato Alemão, e a partir daí surgiu um novo conceito sobre
qualidade da imagem nos eventos esportivos, já que na Europa os campeonatos eram
mostrados através de várias câmeras que conseguiam alcançar as mais variadas partes
do evento. Também foi através disso que se inseriu o replay com vários ângulos na tevê
brasileira e muitos outros recursos que só viriam a aprimorar as coberturas esportivas
no Brasil.
A TV Cultura, no começo dos anos 90, assegurou os direitos de transmissão do Campeonato
Alemão, onde a disposição das câmeras, entre elas gruas atrás dos gols; a colocação de trilho
na lateral do campo, com cinegrafista acompanhando a partida bem mais próxima e em
cima do lance, provocaram uma grande revolução no conceito de cobertura dos jogos pela
TV (Guerra, 2004, p.111).
Porém, a Rede Globo talvez tenha sido a emissora aberta a conquistar maior audi-
ência através do esporte. Conforme Coelho (2009, p.64), a emissora carioca passou a
transmitir jogos do Campeonato Brasileiro de futebol a partir dos anos 90, e de lá pra
cá, conquistou o monopólio das mais diversas competições nacionais e internacionais.
Entretanto, todas essas emissoras citadas seguiam em suas transmissões padrões muito
semelhantes ao radiofônico, em que os personagens da transmissão geralmente são
dotados de muita credibilidade, criando uma espécie de opinião oficial sobre o jogo,
além da busca constante pelo elemento da emoção, que muitas das vezes é o principal
componente utilizado pelas emissoras para fidelizar o espectador.
Embora a tevê brasileira ainda tenha essa influência do rádio, principalmente no que
concerne às transmissões de esportes, as novas tecnologias e o surgimento de emissoras
especializadas nesse tipo de cobertura possibilitam também novos atrativos para o tor-
cedor. Diante disso, é importante primeiramente saber como a prática da transmidiação,
de um modo geral, tem sido acolhida pelos meios de comunicação de massa e como a
cultura participativa produz outras funções ao espectador desses meios. A partir desse
embasamento é que a análise deste trabalho leva em conta o surgimento dos processos
de interação em meio às transmissões esportivas já discutidas até então.
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O jogo dos torcedores: processos interativos em transmissões esportivas na televisão
Desta forma, vê-se que assim como a transmidiação, o termo convergência pode
também abranger os mais variados tipos de integração midiática atuais, podendo ser
por iniciativas mercadológicas como nos casos de união entre grupos de mídia, por meio
do público que passa a consumir mídia em seus mais distintos dispositivos ou por meio
de inovações tecnológicas que unem funções e potencialidades em novos aparelhos.
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O jogo dos torcedores: processos interativos em transmissões esportivas na televisão
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O jogo dos torcedores: processos interativos em transmissões esportivas na televisão
3. Pagar pra ver (em português). Termo dado ao sistema de TV em que os assinantes comprar uma
programação específica, como jogos, filmes ou lutas.
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O jogo dos torcedores: processos interativos em transmissões esportivas na televisão
também investe em grandes eventos internacionais como a Copa do Mundo e a Liga dos
Campeões da Europa. A Bandeirantes, embora não seja mais definida como “Canal dos
Esportes” como outrora, ainda mantém as transmissões de campeonatos importantes
de futebol tanto nacional quanto internacional. Há ainda a Rede Record, que embora
não tenha um destaque durante boa parte do ano nesse tipo de programação, detém os
direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos, Pan-Americano e Olímpiada de Inverno.
Mas há uma emissora presente tanto na TV paga como em sinal aberto que
trouxe para as transmissões brasileiras novas características de atração do público. A
TV Esporte Interativo, como o próprio nome já se encarrega de mostrar, é um canal
televisivo brasileiro que tem como marcas as interações com o torcedor. Um dos grandes
diferenciais desta emissora é ser a primeira emissora especializada em esportes na tevê
aberta brasileira, que permite o alcance a um grande público ainda carente de conteúdos
esportivos em relação à TV por assinatura (TEIXEIRA, 2008, p.8). No que diz respeito
às interações, tema central deste trabalho, a TV Esporte Interativo talvez tenha sido a
emissora que mais se destacou utilizando essa ferramenta dentro de suas transmissões
diretas, promovendo o contato com o público por meio das redes sociais online como
Twitter, Facebook e Instagram e produzindo aí uma estratégia de transmidiação, isto é,
a partir de um conteúdo veiculado na TV, a emissora promove também seu conteúdo
presente em outras mídias, algo que pode ser corroborado pelo número de seguidores
do Esporte Interativo no Facebook, onde o canal já possui mais de 10 milhões de fãs.
Entretanto, não se pode afirmar que o Esporte Interativo é o único canal a promover
as interações com a sua audiência. Outra jovem emissora esportiva no cenário televisivo
brasileiro é a Fox Sports, que mesmo com o grande sucesso já estabelecido em outros
países da América Latina e nos Estados Unidos, também precisava conquistar o público
brasileiro. Por ser detentora dos direitos de transmissão de campeonatos importantes,
como a Taça Libertadores da América, a emissora também faz uso das redes sociais
para promover o seu produto e estabelecer um diálogo com o seu espectador. Para
que o torcedor possa opinar sobre o jogo, a Fox Sports geralmente lança hashtags4 nas
redes sociais em que concentram a maioria dos comentários, sendo que parte deles são
lidos durante a transmissão e fazem também com que a transmissão da emissora possa
chegar a ser um dos assuntos mais comentados nas redes sociais durante as partidas,
como no caso de se alcançar o topo dos Trending Topics5 do Twitter.
Um dos exemplos mais recentes desses processos de interação promovidos pela
emissora do grupo Fox aconteceu no jogo entre Danubio e Corinthians, no qual exibiu
com exclusividade para o país e lançou no intervalo uma campanha para que quem
não tivesse trocado de canal utilizasse a hashtag #soeuvinofoxsports, pois assim o perfil
oficial da emissora no Twitter passaria a seguir o espectador que participasse do
movimento na rede social. Com isso, o canal além de comprovar a sua audiência nesse
jogo exclusivo, ainda divulgou seu perfil na rede social e conseguiu ser um dos assuntos
mais comentados do momento mesmo no intervalo da transmissão, o que valoriza
4. Palavras-chave que representam tópicos ou discussões nas redes sociais. São iniciadas com o símbolo
cerquilha (#) para que os usuários das redes sociais ao clicar nessa palavra-chave tem acesso a todos os
comentários sobre o assunto.
5. Assuntos do momento (em português). Lista das palavras ou frases mais comentadas no Twitter durante
um determinado período e atualizadas em tempo real pela própria rede social.
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O jogo dos torcedores: processos interativos em transmissões esportivas na televisão
também sua relação com os anunciantes, já que esse é o principal momento que as
empresas têm para expor suas marcas numa transmissão esportiva.
Outra emissora que também utiliza bastante o Twitter e frequentemente chega a
estar entre os assuntos mais comentados é a Espn. O canal, pertencente ao grupo Disney,
geralmente faz uso de hashtags como #espntemCopadoBrasil ou #espntemLigadosCampe-
ões com o intuito de promover os principais eventos exibidos. No entanto, o principal
diferencial da Espn está num aplicativo desenvolvido exclusivamente para a interação
com o público, o Espn Sync. Por meio do aplicativo, o espectador pode participar das
transmissões, conversar com outros torcedores, responder enquetes e até sugerir pau-
tas para os programas da TV. Assim, a Espn promove os processos tanto de interação
mútua quanto de interação reativa e faz com que sua transmissão vá “muito além do
jogo”, como diz o próprio slogan do aplicativo.
Entre as emissoras de sinal aberto, esses processos de interação não recebem tanto
destaque devido ao padrão rígido que elas ainda mantêm quando se trata de cobertura
esportiva. A Globo, apesar disso, tenta inserir o torcedor dentro da transmissão, mas
com muitas restrições, já que as participações veiculadas durante a transmissão são feitas
apenas por meio do próprio site da emissora ou de um aplicativo próprio da emissora
para celulares e tablets. Embora as interações do público apareçam poucas vezes nas
transmissões da Globo, geralmente duas por jogo, o diferencial da emissora é que seus
espectadores podem participar também com vídeos ou imagens, tornando essa relação
um pouco mais dinâmica.
Destarte, algumas das principais emissoras que transmitem esportes no país dão
sinais de que por meio de estratégias de transmidiação, elaborando a transmissão para
ter alcance nas mais diversas mídias, podem chegar a alternativas de conseguir a apro-
ximação com o público, fidelizando diante de uma ampla concorrência nesse tipo de
programação. Outro ponto relevante que é contemplado por essas emissoras com esses
processos de interação com a audiência é uma espécie de rompimento com o padrão
tradicional, isto é, quando apenas os profissionais da TV tinham autoridade ou conhe-
cimentos para opinar sobre as questões do esporte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante esse trabalho foi levantada uma discussão acerca das formas de
interações presentes nas transmissões esportivas pela TV. Desta forma, verificou-se
que historicamente essas transmissões não costumavam a ter os espectadores como
seus interagentes, porém foram apresentados alguns casos recentes em que o torcedor
passa a ser mais um personagem dentro da transmissão, geralmente impulsionado pelo
uso de mídias digitais, como nos exemplos das interações por redes sociais e aplicativos
produzidos para dispositivos móveis.
É fato que termos como interação ou cultura participativa parecem estar na moda entre
as produções midiáticas, entretanto, ressalta-se aqui a iniciativa de parte das emissoras
brasileiras em levar essas iniciativas para uma programação já tão consagrada, como é
o caso das transmissões esportivas. Entende-se, portanto, que o público quer também
interagir, a julgar pelos casos citados em que muitas vezes fizeram as transmissões
alcançarem o topo dos assuntos mais comentados nas redes sociais virtuais.
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O jogo dos torcedores: processos interativos em transmissões esportivas na televisão
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Marketing, Tecnologia e Intertextualidade entre o
cinema e a publicidade no universo da Copa do Mundo:
O filme publicitário Galaxy11 – The Training
Marketing, Technology and Intertextuality between
cinema and advertising in the universe of World Cup:
The advertising film Galaxy11 - The Training
R o b e r t a D e l -V e c h i o 1
R a fa e l Jose B ona 2
M a rl u s e C a s t r o M a c i e l 3
Abstract: The World Cup in 2014 allowed the brands a global and local
performances. Thinking on an audiovisual world, actions on Youtube became
part of the communication planning and marketing firms in the same way
that advertising films, seek to differentiate the aesthetics and language. This
study aims to mark the intertextuality in cinema as a possibility for advertising
creation and a message of aesthetics, in a scenario of global communication,
with Youtube as an important site for web marketing strategies. This paper
was characterized on the point of exploratory research and draws on different
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Marketing, Tecnologia e Intertextualidade entre o cinema e a publicidade no universo da Copa do Mundo: O filme publicitário Galaxy11 – The Training
bodies of literature. We use the case study method and analyzed the advertising
film GALAXY11 - The Training. As a result of this exploration, it was possible
to observe the intertextuality with several science fiction films in this product.
The recognition of the signs and similar contexts in some scenes is immediate,
therefore codesand signs in the film already permeate the collective unconscious
to the ubiquity of media and public interest in researching film genre.
Keywords: Marketing. Technology. Intertextuality. Advertising. Cinema.
INTRODUÇÃO
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5934
Marketing, Tecnologia e Intertextualidade entre o cinema e a publicidade no universo da Copa do Mundo: O filme publicitário Galaxy11 – The Training
em especial, as audiovisuais, é preciso que o setor de marketing das marcas, além de ter
um planejamento muito bem pensado, também seja criativo no que tange a estratégia
de marketing aliada ao conteúdo e estética da mensagem publicitária.
É sabido que o mundo do esporte, em especial do futebol, se apropriou de forma
extremamente competente do Marketing. Entre salários milionários de jogadores,
escândalos com lavagem de dinheiro dos clubes e a utilização de testemunhais de
jogadores famosos nas publicidades das marcas, com relação ao consumidor, o que fica, é
a conexão e admiração pelos clubes e jogadores. Com foco na Copa do Mundo desde 2009,
as agências de comunicação previam um aumento de 40% a 50% em investimentos em
publicidade em relação aos anos anteriores. Em 2009, a estimativa era que o investimento
publicitário na TV seria superior a US$ 2,9 bilhões, um recorde, e isso sem contar os
US$ 3,5 bilhões que a FIFA já havia arrecadado por direitos de exploração e patrocínios.
Algumas marcas estimavam investir US$ 2 milhões por dia. (O GLOBO, 2014). Como
comparação ao tratar dos investimentos das marcas no período da Copa do Mundo
“a arrecadação publicitária diária no Brasil equipara o investimento do Super Bowl
norte-americano, a partida que define o campeão da NFL (liga de futebol americano),
onde neste ano chegaram a ser pagos até US$ 4 milhões de dólares (R$ 8,86 mi) por um
anúncio de 30 segundos na televisão” (UOL COPA, 2014).
Com relação ao mundo digital, os departamentos de marketing não pouparam
esforços e verbas para atuações mundiais e locais. Com relação às redes sociais, a
matéria da Exame.Abril (2014), cuja chamada é “Copa do Mundo 2014 foi a Copa das
Redes Sociais” e microtexto: “A Copa do Mundo foi o evento esportivo mais comen-
tado do Facebook e bateu recordes no Twitter. Depois de quatro anos, redes mostram
muita força durante a Copa”, traz números interessantes. Segundo a reportagem, os
números de Twitter e Facebook são muito significativos. “De acordo com o Facebook,
foram 350 milhões de pessoas falando sobre a Copa do Mundo por lá. Ao todo, foram
3 bilhões de posts, curtidas e comentários em relação à competição. Para comparação, a
rede social tem cerca de 1,3 bilhão de usuários. Ou seja, foi uma média de 2,3 interações
por usuário” (EXAME.ABRIL, 2014) . O Youtube também reuniu estratégias e materiais
audiovisuais, em especial os anúncios, que foram visualizados e compartilhados por
milhares de pessoas.
O marketing influencia a sociedade nas atividades cotidianas e determina a aná-
lise do mercado, a descoberta de necessidades e atuação para satisfazer os desejos.
“Marketing é uma expressão anglo-saxônica derivada da palavra mercari, do latim, que
significa comércio, ou ato de mercar, comercializar ou transacionar” (COBRA, 1986, p.
34). Essa atividade é fundamental para perceber as necessidades dos seres humanos pelo
processo de análise de mercado e, consequemente, inserir e criar produtos e serviços para
satisfazer os desejos. “Definimos marketing como um processo administrativo e social
pelo qual indivíduos e grupos obtêm o que necessitam e desejam, por meio da criação,
oferta e troca de produtos e valor com os outros”. (KOTLER, ARMSTRONG, 2003, p. 3).
Atualmente, o marketing é essencial para desenvolver as estratégias que determinem
a satisfação de uma necessidade e um relacionamento contínuo com os consumidores.
Essa é uma atividade importante para estabelecer um diferencial e criar uma abor-
dagem que permite conquistar o consumidor. “O marketing ocorre quando as pessoas
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Marketing, Tecnologia e Intertextualidade entre o cinema e a publicidade no universo da Copa do Mundo: O filme publicitário Galaxy11 – The Training
decidem satisfazer necessidades e desejos através da troca. E a troca é entendida como o ato
de obter o objeto desejado através do oferecimento de algo em retribuição (COBRA, 1986,
p.34)”. Essa ação consiste num planejamento para desenvolver estratégias que contribuem
e influenciam nas possibilidades de atuação no mercado. “O marketing é um jogo empírico.
O marketing é uma estratégia com base no mercado e no consumidor que exige habilidade
e características determinantes para conquistar nichos. “A função do marketing, mais do
que qualquer outra nos negócios, é lidar com os clientes. Entender, criar, comunicar e pro-
porcionar ao cliente valor e satisfação constituem a essência do pensamento e da prática
do marketing moderno” (KOTLER, ARMSTRONG, 2003, p. 3). Desta forma, a publicidade
passa a ser ferramenta fundamentas para passar conceitos e criar valor de marca.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A princípio realizou-se uma investigação exploratória, na qual foram levantados
dados em livros e em artigos de anais de congressos nacionais na área. Posteriormente,
fez-se uma pesquisa bibliográfica para que houvesse informações suficientes sobre o
assunto de interesse e eliminar as possibilidades de trabalhar sobre um problema que já
tenha sido selecionado. O método utilizado para esta investigação foi o estudo de caso,
já que é considerado uma forma adequada de investigar um fenômeno contemporâneo
dentro de seu contexto real, permitindo um esclarecimento sobre a relação fenômeno
– contexto (GIL, 2009), estando, portanto, de acordo com os objetivos desta pesquisa. O
estudo de caso tem a intenção de penetrar no assunto e explorar o objeto da pesquisa
(STAKE, 1994). Yin (2005, p. 32) explica que o estudo de caso é “uma investigação
empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto de vida
real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente
definidos”. O autor ainda explica que o estudo de caso não é considerado uma tática
para coleta de dados, mas sim uma estratégia de pesquisa abrangente.
Como unidade-caso, foi selecionada a marca Samsung Mobile para o mix de produto
Galaxy 11, que veiculou comercial do celular em canais de TV pagos e internet. Adotando
o entendimento de Gil (2009), a seleção dessa amostra não-probabilística se dá por
critério de intencionabilidade, por ser uma marca que além de ter investido em ações
de comunicação em um período significativo que antecedeu a Copa do Mundo, buscou
signos e linguagens intertextuais com o cinema na construção da mensagem publicitária.
Além dos argumentos apresentados, o anúncio também foi escolhido pelo número
de visualizações. Na página do anúncio no Google Think Insights, a primeira peça
publicitária que aparece como chamada é o anúncio do Galaxy11 com o seguinte texto:
Um anúncio de outra galáxia: Assim como o futebol mundial teve seu time “galáctico – o
histórico e multicampeão Real Madrid, liderado por Zidane, Figo, Ronaldo e Beckham , o
YouTube também tem, e ele está cheio de estrelas, como Messi, Falcao e Cristiano Ronaldo.
Estamos falando do time Galaxy 11, protagonista de um dos anúncios sobre futebol mais
vistos nos meses anteriores à Copa do Mundo: “#GALAXY11: The Training”, da Samsung
Mobile. Com uma média de 45 milhões de visualizações, essa história futurista leva o fute-
bol e a tecnologia ao nível de um filme de ficção científica que atrai, diverte e assombra”
(GOOGLE, 2014).
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Marketing, Tecnologia e Intertextualidade entre o cinema e a publicidade no universo da Copa do Mundo: O filme publicitário Galaxy11 – The Training
A ideia criativa foi inspirada nos filmes de ficção científica. O mote é que os alieníge-
nas chegaram a terra e nos desafiaram a uma partida de futebol. Quem ganhar a partida
fica com o planeta. A partir disso a corrida é para encontrar a equipe para defender a
terra. “O futebol poderia salvar a terra?”, é o que a repórter pergunta no filme publicitário
GALAXY11- The Beginning. Então começa a corrida em busca dos jogadores para formar
equipe/time que salvará o planeta. O encarregado por formar o time é o ex-jogador Franz
Beckenbauer, que escolheu jogadores como Messi, Oscar e Falcão Garcia para representar
os terráqueos. As seleções da equipe foram divulgadas em vídeos individuais, alguns
mais extensos do que outros.
O filme publicitário GALAXY11- The Training, de 4:16 minutos, começa com imagens
de vários países (Londres, Rio de Janeiro, Nova York), em que alienígenas teriam passado e
deixado mensagens. O texto inicial do filme diz: “Mensagens misteriosas foram deixadas.
Hoje a ficção científica se tornou realidade. Os Aliens chegaram. Homens misteriosos
apareceram em grandes estádios ao redor do mundo. Fomos desafiados a salvar a ter-
ra”. Na sequência aparecem as imagens dos jogadores selecionados com os respectivos
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Marketing, Tecnologia e Intertextualidade entre o cinema e a publicidade no universo da Copa do Mundo: O filme publicitário Galaxy11 – The Training
textos: “Messi, selecionado. Rooney, selecionado. Ronaldo, selecionado. Por isso reunimos
um time Galaxi 11”. Texto, imagens, trilha e efeitos sonoros muito bem planejados dão
o tom de suspense já na abertura do filme que exibe refinamento e tecnologia dignos
dos filmes de Hollywood. As imagens nos remetem imediatamente aos filmes de ficção
científica. É possível então, a partir do início do filme e da imagem do time ainda de
costas em cima de uma plataforma, visualizar uma série de cenas de ação e ficção, que
nos remetem a cenas de vários filmes de cinema conhecidos que foram amplamente
divulgados na mídia. A tecnologia utilizada não deixa nada a desejar se comparada aos
recursos tecnológicos utilizados pelo cinema de ficção.
Figura 2: GALAXY11 - The Training (2014) Figura 3: GALAXY11 - The Training (2014)
Fonte: http://www.youtube.com Fonte: http://www.youtube.com
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Marketing, Tecnologia e Intertextualidade entre o cinema e a publicidade no universo da Copa do Mundo: O filme publicitário Galaxy11 – The Training
Figura 6: GALAXY11- The Training (2014) Figura 7: GALAXY11- The Training (2014)
Fonte: http://www.youtube.com Fonte: http://www.youtube.com
A cena tradicional dos heróis em caminhada, unidos pela sua missão, pelo seu país e
planeta, geralmente apresentada em slow motion, lembra o filme Armageddon (1998, fig. 11),
quando heróis comuns se uniram para salvar a terra em uma missão no espaço.
Uma cena interessante que mostra todo suporte de tecnologia na base de treinamento
está presente nas figuras 12 e 13, quando Franz Beckenbauer encarregado de montar
o time, utiliza as telas digitais. A sofisticação do digital, do tecnológico e o futurismo
remetem imediatamente ao cinema.
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Marketing, Tecnologia e Intertextualidade entre o cinema e a publicidade no universo da Copa do Mundo: O filme publicitário Galaxy11 – The Training
Figura 12: GALAXY11- The Training (2014) Figura 13: GALAXY11- The Training (2014)
Fonte: http://www.youtube.com Fonte: http://www.youtube.com
É impossível não lembrar das cenas do filme Minority Report (2012, fig. 14 e 15), que
se passa no ano de 2054, quando o personagem John Anderton (Tom Cruise), líder da
sua equipe de policiais, na sua base, utiliza as telas digitais para obter informações.
Figura 16: GALAXY11 The Training (2014) Figura 17: GALAXY11-The Training (2014)
Fonte: http://www.youtube.com Fonte: http://www.youtube.com
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Marketing, Tecnologia e Intertextualidade entre o cinema e a publicidade no universo da Copa do Mundo: O filme publicitário Galaxy11 – The Training
Figura 20: GALAXY11-The Training (2014) Figura 21: GALAXY11-The Training (2014)
Fonte: http://www.youtube.com Fonte: http://www.youtube.com
Em Robocop (2014, fig. 23) e Iron Man (2008, fig. 24) pode-se observar tanto no contexto do
filme quanto na parte física da indumentária, a questão citada sobre o aparato de proteção
do herói.
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Marketing, Tecnologia e Intertextualidade entre o cinema e a publicidade no universo da Copa do Mundo: O filme publicitário Galaxy11 – The Training
Figura 25: Iron Man Figura 26: GALAXY11- The Training (2014)
Fonte: http://www.google.com Fonte: : http://www.google.com
Entra em cena a bola. A bola de futebol que na verdade não é apenas uma bola, ela
também é um robô. Ela faz parte do treinamento, mas em um momento do filme, ela se
transforma em um pequeno robô que de forma independente, sai escondido até a sala
de comando onde está o treinador Franz Beckenbauer e pega o celular do mesmo em
cima da mesa, conforme figuras 27, 28 e 29.
Figura 27: GALAXY11- The Training (2014) Figura 28: GALAXY11- The Training (2014)
Fonte: http://www.youtube.com Fonte: http://www.youtube.com
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Figura 30: GALAXY11- The Training (2014) Figura 31: GALAXY11- The Training (2014)
Fonte: http://www.youtube.com Fonte: http://www.youtube.com
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As marcas são interessantes para o consumidor porque ajudam a lembrar, adminis-
trar as emoções e nas escolhas. Além de bons produtos, na economia contemporânea é
necessário que uma marca tenha uma identidade visual concreta, que deve ser construída
a partir de uma boa elaboração da parte física do produto e também da parte abstrata,
que se trata do valor que o consumidor tem pela marca. Para criar este valor é preciso
que a marca comunique sua identidade de maneira correta, por meio de ferramentas de
comunicação que realmente auxiliem no fortalecimento de sua da identidade.
Esta identidade de marca, junto aos meios de comunicação, é formada pela construção
de imagens por meio de diferentes recursos visuais, sendo que todos estes recursos devem
estar de acordo com o perfil da marca e de seu público-alvo para que haja familiarização
entre marca e consumidor. A Copa do Mundo é um momento de grande visualidade para
as marcas patrocinadoras do evento e também para as que em um esforço de marketing
se apropriam do tema para criar estratégias e peças publicitárias de impacto. Neste
sentido, o Youtube torna-se um site de extrema importância estratégica para o universo
audiovisual, com possibilidades criativas e de atuação diferenciada na Web.
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Marketing, Tecnologia e Intertextualidade entre o cinema e a publicidade no universo da Copa do Mundo: O filme publicitário Galaxy11 – The Training
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Brasil, 2003.
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-preve-crescer-50-com-copa-de-2014-olimpiadas-de-2016-3152075 Acesso em: de 16 de
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SANTAELLA, Lucia. Semiótica Aplicada. São Paulo. Pioneira ThomsonLearning, 2002.
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Disponível em: http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/05/21/copa-
-batera-recorde-de-audiencia-e-de-arrecadacao-com-publicidade-na-tv.htm Acesso em:
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YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.
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A construção mimética da transmissão
televisiva da Copa do Mundo de 2010
The mimetic construction television
broadcasts of the 2010 World Cup
Tat i a n a Z ua r d i U s h i n o h a m a 1
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A construção mimética da transmissão televisiva da Copa do Mundo de 2010
2. Tradução livre: Toda arte possui seu próprio método de apresentar o seu assunto.
3. Tradução livre: A técnica fílmica, a fim de garantir a maior clareza, ênfase e vivacidade, grava as cenas
em partes separadas e uni-as de modo que direcione e induza a atenção do telespectador, direcionada e
induzida a ver por meio dos seus olhos.
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A construção mimética da transmissão televisiva da Copa do Mundo de 2010
E que essa combinação narrativa da imagem e som siga uma disposição psicológica
que simule o processo de observar o todo ou um detalhe, imitando os aspectos humanos
físicos e psicológicos da atenção, pois a:
The sequence of these pieces must not be uncontrolled, but must correspond to the natu-
ral transference of attention of an imaginary observer (who, in the end, is represented by
the spectator). In this sequence must be expressed a special logic that will be apparent
only if each shot contain an impulse towards transference of the attention to the next4
(PUDOVKIN, 1958, p. 43).
4. Tradução livre: A sequência dessas partes não deve ser descontrolada, mas deve corresponder à
transferência das atenções de um observador imaginário (que, no final, é representado pelo espectador).
Nessa sequência deve ser expressa uma lógica especial somente se ela apresentar evidências de que a cena
apresente estímulo na direção da transferência de atenção para outra cena.
5. Tilt – Movimento mecânico de câmera realizado na posição vertical.
6. Tradução livre: É preciso entender que a edição é, na realidade, uma orientação obrigatória e deliberada
dos pensamentos e associações do espectador. Se a edição for meramente uma combinação descontrolada
das diversas peças, o espectador não vai entender (apreender) nada com isso; mas se for coordenada de
acordo com um curso definitivamente selecionado de eventos ou linha conceptual, ou agitados ou calmos,
ela irá excitar ou acalmar o espectador.
7. Tradução livre: A forma fílmica nunca é idêntica à aparência real, mas se assemelha a ela. Quando o
diretor estabelece o conteúdo e a sequência dos elementos separados a fim de combiná-los na forma fílmica,
ele calcula não só o conteúdo, mas o comprimento da peça.
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A construção mimética da transmissão televisiva da Copa do Mundo de 2010
A consequência disso é que esse material visual busca estabelecer um vínculo refe-
rencial com o mundo, no intuito de que a filmagem represente a verdade, como uma
fotografia. O objetivo é que o modelo de observador invisível assuma uma localização
ideal, centralizada, imóvel e de perspectiva linear, recriando a ilusão do espaço e da
profundidade conforme a necessidade do suporte, no caso, da TV bidimensional.
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A construção mimética da transmissão televisiva da Copa do Mundo de 2010
2. MÉTODO
Com o objetivo de verificar a construção mimética proposta pela transmissão televisi-
va da Copa do Mundo de 2010, já que neste evento o meio televisivo substituiu, totalmente,
a tecnologia de transmissão de analógica para digital, selecionou-se como corpus o jogo
final da Copa do Mundo de 2010, entre Espanha e Holanda, realizado às vinte horas e
trinta minutos (horário sul-africano), do dia 11 de julho de 2010, diretamente do estádio
Soccer City, na cidade de Johannesburg. Trata-se do jogo mais importante da competição,
pois se decidia o campeão, e o que obteve a maior audiência. Para isso, o corpus foi quan-
tificado nos elementos da linguagem audiovisual (plano9, enquadramento10, transição11),
para, em seguida, examinar o significado produzido pela articulação e hierarquização
das imagens e som, ou seja, o sentido mimético da transmissão televisiva de futebol.
9. Plano – Unidade mínima da linguagem audiovisual, isto é, um segmento ininterrupto de tempo e espaço
audiovisual (GARDIES, 2006, p.08).
10. “Designa-se por enquadramento o acto, bem como o resultado desse acto, que delimita e constrói um
espaço visual para transformar em espaço de representação” (GARDIES, 2006, p.23).
11. Transição ou raccords – “(...) elos que permitiam atenuar os efeitos de corte entre planos ou conferir-lhes
um sentido particular” (GARDIES, 2006, p.55).
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A construção mimética da transmissão televisiva da Copa do Mundo de 2010
Quadro 3. Ponto de vista das câmeras altas “especiais”. Fonte: abc, 2010.
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A construção mimética da transmissão televisiva da Copa do Mundo de 2010
Algumas das câmeras altas foram definidas, nesta pesquisa, como as aéreas e foram
pouco utilizadas. As outras foram as posicionadas no último anel da arquibancada, dis-
tribuídas atrás de cada gol, na região intermediária (esquerda e direita) e principalmente
na região central, com cinco câmeras. Essas câmeras centrais foram responsáveis por 89%
dos planos captados por este parâmetro, pois construíram uma visão frontal e um ângulo
onisciência em relação ao campo, já que as câmeras foram capazes de realizar um enquadra-
mento em que os acontecimentos, de um extremo ao outro do campo, puderam ser captados.
As câmeras médias foram estabelecidas como aquelas que captavam planos acima
da linha do campo e abaixo do último anel do estádio e estavam localizadas na região
intermediária esquerda e direita (superslow-motion), na região central oposta ao eixo
principal de transmissão (2 em superslow-motion; 1 normal) e em cada gol (grua, câmera
em um suporte móvel; e microcâmera, fixa e posicionada no fundo do gol). Durante a
transmissão, foram exibidos 105 planos dessas câmeras, sendo que 47% são das câmeras
opostas, 31% da região intermediária, 20% da grua e 2% das câmeras dentro do gol.
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A construção mimética da transmissão televisiva da Copa do Mundo de 2010
GPG PC PA
Quadro 7. Imagens captadas pelas câmeras altas conforme os 3 planos mais requisitados. Fonte: abc, 2010.
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A construção mimética da transmissão televisiva da Copa do Mundo de 2010
aos planos GPG, PC, PA16 e Detalhe. Não houve com essas câmeras nenhum Plano
Próximo17 ou Close-up18.
PM PG GPG
Quadro 8. Imagens captadas pelas câmeras médias, conforme os 3 planos mais requisitados. Fonte: abc, 2010.
PG PA GPG
Quadro 9. Imagens captadas pelas câmeras baixas, conforme os 3 planos mais requisitados. Fonte: abc, 2010.
Conforme o gráfico 1, observou-se que o nível das câmeras (alta, média e baixa)
determinou uma utilização diferenciada da escala de representação espacial na tevê. As
câmeras altas privilegiaram o plano com dimensão espacial mais aberto. As câmeras
médias e baixas beneficiaram-se da profundidade de campo para destacar os jogadores,
tanto em primeiro como em segundo, em composições de planos abertos como: GPG e
PG. Devido ao ângulo de captação, as câmeras baixas, nos planos fechados, destacaram
o primeiro plano, desfocando o fundo para evitar que o telespectador tivesse sua atenção
desviada pelos elementos do segundo plano.
Gráfico 1. Relação percentual de imagens captadas pelas câmeras altas, médias e baixas na escala.
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A construção mimética da transmissão televisiva da Copa do Mundo de 2010
A seleção dos planos, assim como a do elemento principal, bola ou jogador a serem
focalizados, foram opções determinadas pelo diretor de imagem, conforme o objetivo
da construção narrativa na transmissão do jogo. As câmeras altas tiveram a bola como
elemento principal em 77% dos planos e os jogadores, em 23%. Enfoques diferentes aos
apresentados pelas câmeras médias e baixas, uma vez que ambas priorizaram o jogador
(51% e 52%), ao invés da bola (49% e 48%), respectivamente.
Outra questão a destacar nas opções realizadas pelo diretor foi uma preferência
por câmeras fixas em todos os níveis. Na câmera alta, apenas 5% dos planos eram de
câmera móvel (aranha ou helicóptero). Na câmera média, a grua elevou o percentual
para 28% dos planos neste critério. Porém, na câmera baixa, mesmo com a possibilidade
da mobilidade proporcionada pela steadycam, o uso de planos elaborados por câmeras
móveis foi de 14%.
Bola Jogador
Alta
Média
Baixa
Quadro 10. Imagens das câmeras altas e baixas considerando a bola ou jogador. Fonte: abc, 2010.
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A construção mimética da transmissão televisiva da Copa do Mundo de 2010
Quadro 12. Imagens em que foram inseridos elementos gráficos e informação escrita. Fonte: abc, 2010.
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A construção mimética da transmissão televisiva da Copa do Mundo de 2010
CONCLUSÃO
A construção mimética da transmissão televisiva da Copa do Mundo de 2010 con-
trapôs–se ao modelo de observador invisível, proposta por Pudovkin e adotada pela
transmissão televisiva da Copa de 1970, em função do aumento de recursos e das pos-
sibilidades de criação oferecidas pelo sistema digital ao diretor.
Na transmissão da Copa de 2010, as câmeras centrais foram as mais requisitadas,
semelhante à Copa de 1970, porém, a função assumida era a de mestre-de-cerimônias
invisível, de modo que organizava as ações a serem enfatizadas, construindo uma
narrativa para um espectador ideal, que se encontrava idealmente móvel, no tempo e
no espaço.
Por isso, no momento em que a bola estava em movimento, a montagem em fluxo
propunha uma troca entre as câmeras com localizações diferentes e planos aproxima-
dos, para explorar o impacto que a imagem causaria no receptor ao entrar em contato
com um ponto de vista próximo à ação. Dessa maneira, essa construção não provoca
desconfiança e questionamento no receptor, pois está justificada pela presença contínua
de um narrador, ou seja, o diretor.
Por meio da diversidade de equipamentos e recursos, o diretor busca intensificar
ainda mais as ações, aumentando os significados e as emoções que pretende representar
na transmissão, a fim de influenciar de forma especifica o receptor e maximizar cada
impacto.
Durante os replays, o diretor utiliza-se da grande quantidade de câmeras e sua
posição, além da ampla possibilidade de armazenamento dos dados e de sua recupera-
ção, para desfrutar de sua perfeita liberdade de enfatizar ou “falsificar” a presença do
telespectador ideal, que estará móvel no tempo.
Assim, a transmissão viola constantemente a verossimilhança da construção narra-
tiva proposta no modelo do observador invisível em favor da fábrica de configurações
de estímulo, que converte a transmissão em uma interpretação emocional do jogo. Essa
construção mimética passa, portanto, despercebida pelo telespectador, pois a câmera
com imagens em alta definição, integrada as possibilidade de se poder ver um objeto ou
um acontecimento por todos e cada um dos lados, ângulos e distâncias, faz com que o
receptor seja uma testemunha onipresente e dotada de uma ubiquidade fantasmagórica.
REFERÊNCIAS
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Paidós Ibérica, 1996.
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Lisboa: Texto & Grafia, 2011.
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PUDOVKIN, V. Film technique and Film Action. Tradução: Ivor Montagu. Londres: Vision, 1958.
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5956
Panorama da Produção Audiovisual independente do RN:
a cadeia produtiva via economia criativa
Dênia de F á t i m a C r u z S c k a ff 1
Resumo: Este texto se propõe a fazer uma reflexão sobre a cadeia produtiva
do audiovisual independente no Rio Grande do Norte pelo viés da economia
criativa. Trazemos como objeto o cenário da produção independente dos últi-
mos dez anos (2005-2015), no intuito de compreender como se compõe a cadeira
produtiva no estado, identificando seu papel como mecanismo cultural, social
e econômico. Para a análise abordou-se como referencial teórico a Sociabilidade
(Martin-Barbero, 2003), o Ativismo midiático (Trigueiro, 2008) e Economia Criativa
(Howkins, 2001; Reis, 2007), teorias pertinentes à temática investigada. Este estudo
foi estruturado metodologicamente por meio de uma análise histórico-descritiva,
de método hipotético-dedutivo, que se utilizou da análise de conteúdo e da obser-
vação participante, já que sou realizadora audiovisual independente e integro a
ABDeC-RN (Associação Brasileira de Documentarista e Curtametragista do RN).
A investigação revelou que atualmente há um crescimento interessante nas pro-
duções audiovisuais em virtude dos fomentos públicos e do empreendedorismo
dos produtores independentes, o que está promovendo mudanças nas práticas
audiovisuais potiguares, contribuindo para o acesso à cultura audiovisual e a
promoção da economia criativa no cenário potiguar.
Palavras-chave: Produção audiovisual, Economia criativa, Cadeia produtiva
1. Mestre em Estudos da Mídia pela UFRN (2014), Especialista em Gestão de Marketing pela Universidade
São Marcos (2009), e Graduada em Jornalismo pela UFRN (2003). Discente da Especialização em Cinema
pelo Departamento de Artes da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte – em curso 2014-2015),
email: deniafcruz@yahoo.com.br.
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Panorama da Produção Audiovisual independente do RN: a cadeia produtiva via economia criativa
Fonte: Elaboração própria com base nos pontos comuns destacados pelos entrevistados nas entrevistas.
De acordo com os dados dos depoimentos, além dos pontos acima elencados,
percebeu-se que os entrevistados concordam num ponto: a cinematografia potiguar
historicamente teve baixas, e que a produção audiovisual do estado está em processo
de ampliação desde o inicio da década de 2000.
Para compor o referencial do cenário da cadeia produtiva do audiovisual observou-se
o banco de dados criado por Fiúza (2008), que quantificou as produções cinematográficas
do RN da década de 1970 até os anos 2000 (curtas, longas e documentários). Durante o
levantamento Fiúza (2008) constatou que os registros encontrados eram em sua maioria
de produções amadores, e poucos produtos profissionais. O pesquisador ainda destacou
que há concentração de produções em um período especifico:
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5958
Panorama da Produção Audiovisual independente do RN: a cadeia produtiva via economia criativa
(...) observamos que 95% do mapeado estava compreendido na última década, sobrando
apenas alguns títulos das três décadas anteriores e não mais que isso, impossibilitando que
apresentássemos títulos das décadas de 50 a 60, por exemplo, ou até antes disso. (FIÚZA,
2008, p. 14)
Gráfico 2. Quantitativo da década de 1970 até 2008 das produções de filmes e vídeos no RN
2. Erica Lima, jornalista, produtora audiovisual independente, integrante do Coletivo Caminhos,
Comunicação & Cultura. Dirigia e apresentava o programa Olhar Independente da TV Universitária.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5959
Panorama da Produção Audiovisual independente do RN: a cadeia produtiva via economia criativa
Por isso, deve-se ter uma postura crítica e responsável diante alguns dados, pois o
espaço cultural deve ser democrático permitindo escolhas, não deve nunca ser restritivo
a um nicho, nem tampouco favorecer produção estrangeira em detrimento da nacional.
Há importantes instrumentos para fomentar a cultura audiovisual, e os editais
públicos são ferramentas facilitadoras para o aumento das produções, eles são conduzidos
por entidades como o BNB (Bando do Nordeste do Brasil) e o próprio MINC (Ministério
da Cultura), que por meio da Secretaria do Audiovisual (SAV) está criando mecanismos
que ampliam e democratizam o acesso à cultura audiovisual no país.
A realização audiovisual vai além da produção, há uma cadeia que precisa ser
respeitada e, de fato, ser posta em prática. Um produto audiovisual passa por três
etapas para chegar ao consumidor final: produção, distribuição e exibição. Os serviços
realizados devem ter seus valores definidos para que os profissionais envolvidos no
processo possam custear as despesas e seus pró-labores, e assim conseguiam exercer a
economia criativa como prática social.
Para pontuar as práticas audiovisuais exercidas atualmente no Rio Grande do norte
foi traçado um panorama da cadeira produtiva potiguar, que revela um quadro com
alguns dos protagonistas e suas respectivas atividades:
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5960
Panorama da Produção Audiovisual independente do RN: a cadeia produtiva via economia criativa
Fontes: Elaboração própria com base em Informação verbal, dados da ABDeC-RN, Sites e Mídias sociais.
Entender como se constitui essa cadeia produtiva vai além de elencar os componentes
que a integram, necessita-se compreender o papel dos elementos sociais, culturais e
econômicos nesse processo. Para isso é interessante refletir sobre bases teóricas que se
relacionam com esses elementos como a sociabilidade, o ativismo midiático e a economia
criativa. Contudo, uma análise profunda sobre o assunto iria requerer mais tempo, e
como o intuito desse texto é provocar a reflexão iremos apenas situar os elementos
dentro do contexto epistêmico e empírico.
Estudar a sociedade e suas relações é uma missão que deve ser considerada sagrada
para quem se propõe pensar a comunicação e a cultura no contexto social. Isso ocorre
porque comunicação e cultura são elementos da sociabilidade (Martin-Barbero, 2003),
conceito que constitui o estado das relações sociais e morais dentro de um determinado
grupo social. Grupo esse composto de atores que além de serem sujeitos sociais são
também sujeitos culturais e carregam referências de seu repertório de mundo, que
interfere em suas práticas cotidianas, como é o caso dos realizadores audiovisuais que
compões a cadeia produtiva no RN.
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5961
Panorama da Produção Audiovisual independente do RN: a cadeia produtiva via economia criativa
Esse papel de ativista desempenhado pelos atores sociais se consolida cada vez
que esse sujeito se reconhece como interventor do seu próprio fazer, identificando o
seu lugar na cadeia produtiva e valorizando o seu oficio como produto econômico,
buscando a sustentabilidade.
Muito se fala atualmente em um novo formato de economia aplicada as atividades
culturais e de criativa, é a conhecida Economia criativa3, que no Brasil está sendo
conduzida na estância governamental pela Secretaria de Economia Criativa, dentro
do Ministério da Cultura, responsável pela aplicação de políticas públicas para a área.
De forma sintetizada podemos colocar que a economia criativa é composta por
áreas (setores criativos) que têm como base a capacidade individual de criar produtos e
serviços com valor econômico e simbólico agregado, e que impactam de forma positiva
na sociedade de consumo, gerando renda para uma determinada empresa ou para um
empreendedor criativo (HOWKINS, 2001; REIS E MARCO, 2009).
No Rio Grande do Norte a economia criativa é uma ação iniciante, desconhecida em
teoria por muitos empreendedores culturais, mas colocada em prática por outros, que não
3. Enquanto conceito, a economia criativa foi denominada como a economia resultante das “dinâmicas
culturais, sociais e econômicas construídas a partir do ciclo de criação, produção, distribuição/circulação/
difusão e consumo/fruição de bens e serviços oriundos dos setores criativos, caracterizados pela prevalência
de sua dimensão simbólica.” (Fonte SEC – Secretaria de Economia Criativa, 2011).
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Panorama da Produção Audiovisual independente do RN: a cadeia produtiva via economia criativa
tem nem consciência de que suas atividades são ações geradoras da economia criativa.
A exemplo da cadeia produtiva do audiovisual potiguar, setor em expansão no tocante a
formalização de produtores independentes, a formação e capacitação dos profissionais da
área, a criação de coletivos e grupo de profissionais associados para produção, e o mais
importante, a criação do APL do audiovisual4 (Arranjo Produtivo Local do Audiovisual).
Mecanismo que permitiu aos empreendedores criativos do audiovisual potiguar forma-
tarem um documento, que elencou os elementos constitutivos da cadeia produtiva, além
de identificar os atores sociais, públicos e privados que compõe essa cadeia.
Esse documento foi elaborado por um grupo de realizadores independentes, no
segundo semestre do ano de 2014, com o auxilio da consultoria fornecida pela Fundação
Vanzolini. E foi resultado de um edital do Ministério do Desenvolvimento e do Ministério
da Cultura, que contemplou arranjos produtivos que desejassem construir seu escopo
para aplicação de ações voltadas à economia criativa. A ABDeC-RN (Associação Brasileira
de Documentaristas e Curtametragistas do RN) participou do edital e foi contemplada,
representando o setor audiovisual do estado na elaboração do documento.
Considerando que ações, como a criação do APL do audiovisual, são apenas o inicio
da consolidação de uma cadeia produtiva do audiovisual potiguar, o setor começou
bem sua articulação. Pois segundo o pesquisador Howkins (2001), se as atividades de
cunho criativo (como as artes visuais, artesanato, dança, gastronomia, cinema, literatura,
música, teatro, moda, arquitetura, design, dentre outras) estiverem bem organizadas
com preparo de competências e habilidades podem gerar empregos, riquezas e ambiente
favorável para o negócio, ou seja, promovem a prática da sustentabilidade.
4. Arranjo produtivo local é o conjunto de atores necessários para o desenvolvimento de um determinado
setor, considerando-se todas as suas etapas da criação ao consumo. (Fonte SEC – Secretaria de Economia
Criativa, 2011).
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Panorama da Produção Audiovisual independente do RN: a cadeia produtiva via economia criativa
presente nas propostas de reforma tributária, de ter suas leis de incentivos fiscais extintas.
(SILVA, 2007).
5. Cine Sesi Cultural é um projeto mantido pelo Serviço Social da Indústria no Rio Grande do Norte - SESI-
RN, com a realização de exibições de filmes em municípios do interior do estado, com população entre
10 e 80 mil habitantes, e onde não existem salas de cinema em funcionamento. (OLIVEIRA, 2012, p.13).
6. Cine Tela Brasil é a primeira sala de cinema do país que anda. Vai de periferia em periferia, cidade em
cidade, levando cinema de graça para a população que não tem acesso às salas convencionais. Nas sessões
do Cine Tela Brasil, grande parte do público vê o cinema pela primeira vez. Fonte: <http://www.telabr.
com.br/cine-tela-brasil>.
7. Os cinemas de rua eram: Cine Nordeste, Cine Rio Grande, Cine Panorama e o Cine Rio Verde.
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Panorama da Produção Audiovisual independente do RN: a cadeia produtiva via economia criativa
difusão, preservação e livre circulação, regular as economias da cultura para evitar mono-
pólios, exclusões e ações predatórias, democratizar o acesso aos bens e serviços culturais,
isso é papel do Estado. (Informação verbal8).
Furtado (2012) ainda destaca o compromisso que o Estado precisa ter com a sociedade
no tocante a preservação da identidade cultural:
Também cabe ao Estado apoiar seletivamente as distintas formas de produção cultural, sem
interferir na criatividade artística. (...) A comunidade de criadores culturais deve encontrar
no Estado o suporte que lhe permita debater esses problemas a fim de contribuir para a
preservação da identidade cultural do país. (FURTADO, 2012, p. 104).
É necessário que o Plano Nacional de Cultura 9 ocupe de fato seu papel de agente
legal na condução de uma política pública comprometida e eficiente em todo território
nacional.
Apesar de leis instituídas há tempos e demandas culturais em evidências, a política
cultural nacional ainda não tomou um corpus único. Estamos vivendo um processo
de estruturação quase que permanente, e ter instrumentos legais no âmbito regional
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Panorama da Produção Audiovisual independente do RN: a cadeia produtiva via economia criativa
ainda é algo complicado, pois os Estados não estão preparados para isso. Esse é o
principal motivo pelo qual as leis estaduais e municipais não atendem por completo as
necessidades da cena cultural.
E na realidade vivenciada no Rio Grande do Norte constata-se também a ausência
de uma política cultural estruturada. Há sérias dificuldades por incentivos e subsídios
à cultura no estado, nas mais diversas instâncias culturais, entre elas, a produção
audiovisual. Sem falar nos processos sem sucesso como alguns editais10 que não foram
pagos até os dias atuais, tanto pelo executivo estadual como pelo municipal. Fatos que
decepcionam a categoria e desestimula a produção.
A participação do Estado no processo de democratização e acessibilidade à cultura
é de fundamental importância, e tem que ser feita com responsabilidade social. As leis
de incentivos e editais regionais existentes são insuficientes para atender a demanda. O
quadro demonstrativo a seguir revela sinteticamente as formas de fomentos existentes
por meio de editais e leis disponíveis para os produtores potiguares no RN:
Editais culturais: mecanismos de incentivo e promoção da cultura por meio do instrumento edital público.
Ferramenta que oferece recursos ou meios para execução de alguma ação e/ou produto cultural
Públicos: Ex: Petrobras, BNB, MINC, SAV, Prefeituras e Governos.
Privados: Ex: Itaú Cultural; Oi;Unimed
Nacional:
Lei Rouanet - Lei Federal nº 8313/ dez de 1991. Institui políticas públicas para a cultura nacional, como o PRONAC -
Programa Nacional de Apoio à Cultura. Chama-se Lei Rouanet em homenagem a Sérgio Paulo Rouanet, diplomata e
ex-secretário de cultura do governo Collor, responsável pela criação da lei. Segundo o pacote de medidas propostas
por Roaunet, os bens culturais poderiam ser financiados de três maneiras: Fundo Nacional de Cultura (FNC); Fundos
de investimentos culturais e artísticos (Ficart); Incentivos a Projetos Culturais.
Lei do Audiovisual - A Lei do Audiovisual é a Lei Federal de nº 8.685/93 que visa o investimento na produção e co-
-produção de obras cinematográficas e audiovisuais e infraestrutura de produção e exibição. Prevista originalmente
para vigorar até o exercício fiscal de 2003, foi prorrogada por mais 20 anos por meio da medida provisória de n.°
2.228 de 2001.
Municipais:
- Lei Djalma Maranhão - Lei Municipal de nº 4.838/97 do município do Natal. Tem por objetivo incentivar à cultura
por meio de Renúncia Fiscal, no qual o poder executivo Municipal abre mão da cobrança do percentual dos impos-
tos Sobre Serviço (ISS) e Predial e Territorial Urbano (IPTU), para que a iniciativa privada passe a investir na cultura
local.
Lei Vingt-un Rosado - Lei Municipal Complementar de n.º 016/2007 do município de Mossoró.
Fonte: Elaboração própria com base em dados dos sites do MINC, Governo do RN,
Prefeitura do Natal e Prefeitura de Mossoró.
10. 9 O Edital do Prêmio Willam Cobbet para produções audiovisuais foi realizado em 2009 pela Secretaria
Extraordinária de Cultura do Estado/ Fundação José Augusto e selecionou 4 projetos de R$ 20 mil cada,
mas ainda não foram pagos . Fonte: TN dez/2011 <http://tribunadonorte.com.br/print.php?not_id=206794>.
e TCC de Erica Lima - 2013.
FIC - Fundo de Incentivo à Cultura do município do Natal previsto em Lei municipal de n.º 5.760, de 30 de
dezembro de 2006, no ano de 2011 os R$ 400 mil previstos para o edital do FIC 2011 não foram empenhados
pela prefeitura, por isso os projetos aprovados nesta edição não foram pagos. Fonte: TN jun 2011 <http://
tribunadonorte.com.br/news.php?not_id=222997>.
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Panorama da Produção Audiovisual independente do RN: a cadeia produtiva via economia criativa
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observar o percurso pelo qual trilha hoje a produção audiovisual independente
potiguar é compreender as práticas audiovisuais adotados atualmente no estado, e
constatar que o que falta de fato é estabelecer políticas públicas acessíveis a todos.
Pois a cena audiovisual potiguar vive uma nova fase e por isso são necessários outros
olhares, debates, reflexões e discussões sobre o que está sendo produzido, estabelecendo
interfaces entre os produtores, realizadores e pesquisadores, criando assim mecanismos
para a consolidação da sustentabilidade do setor.
Concluímos com isso que a caminhada ainda é longa para que se tenha uma política
cultural comprometida, de Estado e não de Governo. É essencial que a sociedade civil
esteja organizada e engajada na promoção à cultura; cobrando dos governos políticas
públicas eficientes, e fiscalizando a manutenção delas.
REFERÊNCIAS
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5967
Cinema de animação: um estudo comparativo
dos filmes A Noiva Cadáver (Tim Burton, 2005)
e Dossiê Rê Bordosa (César Cabral, 2008)
Animated Film: a comparative study of movies Corpse Bride
(Tim Burton, 2005) and Dossier Rê Bordosa (Cesar Cabral, 2008)
F i l i p i C é s a r S i lva 1
Abstract: The paper presents a comparative analysis between the films Corpse
Bride (Tim Burton - 2005) and Dossier Rê Bordosa (Cesar Cabral - 2008), conduc-
ted in the same animation technique, ie the Stop-Motion. Thus, a study compa-
ring developed the two films, taking into account the language and technique
of both works: Tim Burton and Cesar Cabral. This study was divided into two
stages. The first presents a documentary that shows the process of building
the Stop-Motion animation (essential for a better understanding and analysis
of the film) and the differences in their techniques within the national and
international market. The second stage of the study consists of a literature that
seeks to situate the reader with regard to the historical context of the animation,
showing him their main characteristics and relationship between the films. For
1. Doutorando em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.
E-mail: cardosofilipi@hotmail.com.
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Cinema de animação: um estudo comparativo dos filmes A Noiva Cadáver (Tim Burton, 2005) e Dossiê Rê Bordosa (César Cabral, 2008)
the exhibition of the research, the making of both studied film and an interview
with the director of the short film Dossier Rê Bordosa were presented (Cesar
Cabral - 2008). Then, there was an explanation based on the book Art of Alberto
Lucena Junior Animation and other works for the two surveyed movies. The
research was just one step to better know the capacity of the Brazilian animation
film in relation to the US animated film.
Keywords: Cinema. Animation. Stop-motion. Tim Burton.
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Cinema de animação: um estudo comparativo dos filmes A Noiva Cadáver (Tim Burton, 2005) e Dossiê Rê Bordosa (César Cabral, 2008)
Como a animação sofreu a revitalização de que necessitava para auxiliar nas pro-
duções de filmes animados, os profissionais deste recurso visual se beneficiaram da
aplicação de efeitos visuais nos filmes. A partir daí, o prestígio do gênero cresceu sen-
sivelmente. Difundiu-se um tipo de animação dirigido para o público adulto. Assim,
torna-se necessário ver o cinema de animação com um olhar mais apurado e considerá-
-lo um gênero.
O objeto da pesquisa que ora apresentamos teve sua origem no momento em que
indagamos: até que ponto a produção de filmes desenvolvidos no Brasil por meio da
técnica de animação em massa plástica apresenta uma característica tipicamente nacio-
nal? Em busca de resposta para tal questionamento, selecionamos um curta-metragem,
no caso, Dossiê Rê Bordosa (César Cabral – 2008) e confrontamos com o filme A Noiva
Cadáver (Tim Burton – 2005).
Segundo Lucena, a palavra “animação”, e outras a ela relacionadas, deriva do ver-
bo latino animare (“dar vida a”) e só veio a ser utilizada para descrever imagens em
movimento no século XX, emergindo, dessa forma, uma nova linguagem audiovisual
cinematográfica. (LUCENA, 2001, p. 28)
Muitos confundem animação, desenho animado e cinema de animação. De acordo
com o conceito de animação acima, há diferença entre desenho animado e cinema de
animação. Sabe-se que cinema é o registro e a reprodução do movimento por meio de
técnicas diversas. Com as técnicas de aplicação de animações, surge um novo gênero
de arte – o cinema de animação, que trata da aplicação destas técnicas de animação nos
meios de comunicação cinematográfica. Nesse sentido, o desenho animado é umas das
técnicas de animação.
Essa nova linguagem de cinema de animação, cada vez mais, utiliza e experimenta
novos recursos digitais e efeitos especiais nos filmes, contribuindo, assim, com diferentes
recursos audiovisuais voltados para o cinema, que é um dos meios de comunicação que
sofreu maiores mudanças diante de tantas inovações tecnológicas.
O início da animação foi difícil, pois animadores como Norman McLaren, Alexander
Alexeieff, Claire Parker, Lotte Reiniger, Oskar Fischinger, entre outros, não possuíam recur-
sos tecnológicos suficientes, o que dificultava a disseminação da animação nos meios
audiovisuais. Entretanto, com possibilidades e conhecimentos tecnológicos maiores,
atualmente, é possível realizar animações em maior escala e com mais qualidade artís-
tica. Desta forma, verifica-se uma necessidade de se pesquisar a animação em geral e
suas classificações (animação tradicional, digital, por recortes, por pinos, por silhuetas,
massa plástica ou Stop-Motion, por fotografias e congêneres).
Também dentro dos gêneros cinematográficos, os filmes de animação podem classi-
ficar-se por seus enredos, como na literatura romântica, que possui várias classificações
como: o conto maravilhoso, infantil, de horror, romântico e dramático. Segundo Lucena
“A história da animação é particularmente significativa na demonstração de como a
relação entre técnica e estética na produção visual da arte é indissolúvel e vital – sim-
plesmente uma não existe sem a outra” (Op. Cit., p. 28).
Conforme diz Martin “Noventa anos após a descoberta dos irmãos Lumière, autores
importantes na evolução do cinema, ninguém mais contesta seriamente que o cinema
seja uma arte” (MARTIN, 2003, p. 13).
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Cinema de animação: um estudo comparativo dos filmes A Noiva Cadáver (Tim Burton, 2005) e Dossiê Rê Bordosa (César Cabral, 2008)
O cinema nasceu de várias inovações que vão desde o domínio fotográfico até a
síntese do movimento que utiliza a persistência da retina, já utilizada nos primitivos
brinquedos ópticos.
A natureza exata do fenômeno ótico e/ou psicológico que permite ao cérebro sintetizar o
movimento a partir dos estímulos que atingem a visão é discutida por alguns autores:”Mas
o fenômeno da persistência da retina nada tem a ver com a sintetização do movimento: ele
constitui, aliás, um obstáculo à formação das imagens animadas, pois tende a superpô-
-las na retina, misturando-as entre si. O que salvou o cinema como aparato técnico foi a
existência de um intervalo negro entre a projeção de um fotograma e outro, intervalo esse
que permitia atenuar a imagem persistente que ficava retida pelos olhos. O fenômeno da
persistência da retina explica apenas uma coisa no cinema, que é o fato justamente de não
vermos esse intervalo negro. A síntese do movimento se explica por um fenômeno psíquico
(e não óptico ou fisiólogico) descoberto em 1912 por Wertheimer e ao qual ele deu o nome de
fenômeno phi: se dois estímulos são expostos aos olhos em diferentes posições, um após o
outro e com pequenos intervalos de tempo, os observadores percebem um único estímulo
que se move da posição primeira à segunda.” (MACHADO, 1997 p. 20).
Sabendo das potencialidades que tem a aplicação dos brinquedos ópticos no cinema
de animação, convém também levá-las em consideração. Da construção desses brin-
quedos ópticos, passando pelas histórias em quadrinhos, pelos desenhos no papel, e
primitivas técnicas de animações, chegamos aos pequenos filmes animados.
O exame de atividades diversificadas como a construção de aparelhos ópticos,
marionetes, desenhos sobre papel, desenhos para sequências de movimentos, pinturas e
demais objetos, permite criar uma visão de conjunto do desenvolvimento construtivo e
estético da animação. Assim, através da pesquisa com estes objetos (brinquedos ópticos
e desenhos), chega-se a uma visão mais clara sobre o surgimento do cinema anima-
do. Alguns exemplos de brinquedos ópticos inventados serão colocados no decorrer
da pesquisa para melhor expressar o seu processo de desenvolvimento e realização,
destacando-se, assim, sua importância para o cinema de animação.
O taumatroscópio inventado entre 1820 e 1825 por William Fitton – é um disco
com uma imagem na frente e outra no verso, e um cordel em duas extremidades, cujo
objetivo é sobrepor as imagens como se fosse só uma, através da rotação do disco. Para
isso, enrolam-se os cordéis e a seguir puxam-se. Enquanto o disco roda, as imagens
fundem-se, criando a ilusão de ser apenas um desenho.
O fenaquistoscópio, inventado em 1928 por Joseph-Antoine Ferdinand Plateau, era
feito de dois discos: um com sequência de imagens pintadas em torno do eixo, outro com
espaços na mesma disposição. Estes se prendem um ao outro por meio de uma haste,
através de orifícios no meio dos discos. Quando os discos são girados, o observador vê
as imagens em movimento através dos espaços, o que permite a interrupção requerida
pelo olho para combiná-las corretamente.
O zootroscópio, inventado em 1834 por William George Horner, conhecido como
roda viva, era um brinquedo no qual os desenhos eram feitos em tiras de papel e
montados num tambor giratório, e através dos seus espaços se observava o movimento,
seguindo o mesmo princípio de montagem dos brinquedos anteriores;
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Cinema de animação: um estudo comparativo dos filmes A Noiva Cadáver (Tim Burton, 2005) e Dossiê Rê Bordosa (César Cabral, 2008)
O flipbook foi inventado em 1968 e ficou conhecido como livro mágico em português,
construído através de imagens ou fotografias montadas em ordem de movimento, como
num pequeno livro de histórias em quadrinhos. Quando as páginas são viradas rapida-
mente, cria-se a ilusão de movimento dos desenhos. De acordo com Lucena “Pela sua
praticidade e eficiência, ainda hoje se usa esse recurso ao se produzirem filmes baseados
em animação com desenhos – os animadores pioneiros foram categóricos em apontá-lo
como o brinquedo óptico que mais os inspirou”. (LUCENA, 2001, p. 35)
O praxinoscópio foi um aparelho inventado em 1877 por Émile Reynaud, o qual
introduziu muitos aperfeiçoamentos, por isso passaria a chamar-se Teatro Óptico. Mais
tarde, com a aplicação da lanterna mágica ao praxinoscópio, Émile Reynaud conse-
guiu projetar perfeitamente, a distância, desenhos animados ainda mais elaborados.
As histórias contadas eram muito simples, com uma duração entre 8 e 15 minutos. Os
desenhos eram “incrustados” numa forte tira de tela, para lhes dar mais consistência e
flexibilidade, com perfurações para facilitar o arrasto através de uma série de carretos.
A fita corria no sentido horizontal no projetor, um lampascópio (variante da lanter-
na mágica), e era acionada manualmente a uma determinada velocidade. As imagens
eram projetadas a distância sobre uma pantalha enquadrada por décors fixos, com boa
nitidez e sem grande trepidação.
De acordo com Ceram:
Para projetar as imagens animadas sobre a tela, ele utilizava um “lampascópio” que criava o
fundo e uma lanterna mágica suplementar para projetar as fases do movimento sobre a tela.
A partir de 1892 ele pintava as imagens sobre tiras transparentes e perfuradas de celulóide e
as projetava por trás da tela, ocultando assim, obviamente, o aparelho (CERAM, 1966; p. 207).
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Cinema de animação: um estudo comparativo dos filmes A Noiva Cadáver (Tim Burton, 2005) e Dossiê Rê Bordosa (César Cabral, 2008)
Cadáver (Tim Burton – 2005) dispõe de mais recursos financeiros, mão-de-obra e equi-
pamentos, exigindo, pois, um esforço bem maior de produção do que do filme Dossiê
Rê Bordosa (César Cabral – 2008). Todavia, apesar de suas limitações financeiras, a Coala
Filmes tem um desempenho apreciável, mesmo se comparado a alguns estúdios norte-
-americanos. A empresa brasileira dispõe de equipamento adequado para o desenvol-
vimento de projetos em Stop-Motion.
O filme de Tim Burton continua a tradição dos clássicos românticos, pois nele se
observa a presença do horror gótico e da comédia negra. Já o curta Dossiê Rê Bordosa
(César Cabral – 2008) é baseado na personagem chamada Rê Bordosa, criada pelo cartunista
Angeli. Essa personagem era uma mulher emancipada, independente e desprendida
das regras morais estabelecidas pela sociedade.
O curta realizado por César Cabral desenvolve-se a partir de um dossiê que busca
descobrir o real motivo da morte desta personagem em quadrinhos que, na década
de 80, saía em notas do jornal Folha de São Paulo. Isso porque seu criador, o cartunista
Angeli, matou Rê Bordosa sem dar nenhuma explicação aos seus milhares de fãs. Então
surgiu a idéia, por parte do diretor César Cabral, de realizar um filme de animação, em
massa plástica, para desenvolver o tema sobre uma personagem tão famosa e querida
pelos leitores do jornal.
A técnica de animação em Stop-Motion foi inventada nos primórdios da história do
cinema e utilizada pela primeira vez no clássico “The Humpty Dumpty Circus”, de Albert
E. Smith, realizado em 1898, onde um circo de bonecos ganhava vida diante da tela.
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Cinema de animação: um estudo comparativo dos filmes A Noiva Cadáver (Tim Burton, 2005) e Dossiê Rê Bordosa (César Cabral, 2008)
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Cinema de animação: um estudo comparativo dos filmes A Noiva Cadáver (Tim Burton, 2005) e Dossiê Rê Bordosa (César Cabral, 2008)
nacional. Tendo em visa sua boa qualidade técnica e estética, não vai demorar para que
venha a ganhar prêmios internacionais.
A pesquisa realizada foi apenas um passo para melhor conhecermos a capacidade
produtiva do cinema de animação brasileiro em relação ao cinema de animação dos
EUA. Assim, pode-se concluir que ambos possuem semelhanças significativas entre si.
Vale lembrar que é necessário a aplicação de novas pesquisas, com intuito de melhor
entender o desenvolvimento e o avanço do cinema de animação no mercado cinema-
tográfico brasileiro.
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Cinema de animação: um estudo comparativo dos filmes A Noiva Cadáver (Tim Burton, 2005) e Dossiê Rê Bordosa (César Cabral, 2008)
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O uso da estereoscopia como fator de imersão na
franquia de animação “Como treinar seu dragão”
The use of stereoscopic as immersion factor in the
animation’s franchise “How to train your dragon”
Pa u l a P o i e t S a m p e d r o 1
D i o g o A u g u s t o G o n ç a lv e s 2
L eonardo Antônio Andr ade3
Abstract: The stereoscopy has been conquering more space nowadays because
of technological advents that enlarged audiovisuals work from the cinema to
television and screens that allow visualization in depth. Among this work,
animation movies are underlined, because, in their composition both images
are shooting by virtual cameras that could be in any positions. In this current
work, the use of stereoscopy as a spectator immersion booster, is going to be
analyzed from the cinematograph animation franchise “How to Train Your
Dragon”, whose first film was released in 2010 and the second in 2014, presenting
a comparative study about how the stereoscopy was used in both films, as well
as their alliance with characters and scenario modeling, framing and scene
compositions. Among the final results, it was underlined the need to rethink
the use of some visual effects inherited by bidimensional films in stereoscopic
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O uso da estereoscopia como fator de imersão na franquia de animação “Como treinar seu dragão”
films, as well as the types of planes and scene composition emphasize the
tridimensional visuality and allow to improve the immersive experience that
the stereoscopy has been bringing to the cinematographic world.
Keywords: Stereoscopy. 3D. Animation. How To Train Your Dragon. Cinema.
INTRODUÇÃO
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Segundo Lipton (1982) a diferença entre dois pontos correspondentes no par estéreo
é denominada “paralaxe”. É essa diferença que da a sensação de volume aos objetos e a
sensação de distância espacial em um filme ou imagem 3D. Quando temos a sensação
dos objetos estarem dentro da superfície da tela, mais distantes de nós do que a tela de
projeção, a paralaxe é chamada “positiva”; quando os objetos parecem saltar da tela, se
apresentam mais próximos de nós, a paralaxe é negativa; quando não existe diferença
entre esses dois pontos, as duas imagens se sobrepõem exatamente, a paralaxe é zero.
A Figura 1 ilustra esses aspectos.
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O uso da estereoscopia como fator de imersão na franquia de animação “Como treinar seu dragão”
Nota: Sempre que o ícone ao lado aparecer nas imagens será necessário
o uso de óculos anaglífico para sua visualização.
ANIMAÇÃO
Muitas experimentações foram realizadas, porém, a animação é uma arte, e como tal,
não é composta somente de técnicas e artifícios, esses são ferramentas para a constituição
de uma obra, mas o sentido impregnado vem da mente do homem. No caso da animação,
esse é expresso pela narrativa em conjunto dos modelos dos personagens, composição
de cenas, cores, texturas e todas as outras técnicas empregadas.
No ano de 2010 foi lançado o longa metragem Como Treinar Seu Dragão (DreamWorks),
um filme que misturou cultura popular, humor e criaturas míticas. Os personagens
foram detalhadamente elaborados em suas características físicas e as cenas aéreas dos
6. Nas palavras do diretor, “We didn’t try to shoehorn it into scenes that didn’t require it or benefit from
it or would cause optical problems.”
7. Nas palavras de McNally, “[...] Everything works together – light, composition, animation, music –
everything is in sync. The stereo is working in sync with the other components of storytelling.”
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ANÁLISE
Os avanços contemporâneos no poder de processamento computacional
acompanhados da evolução dos softwares de modelagem e animação têm possibilitado o
desenvolvimento de animações 3D mais complexas e com maior detalhamento de cenários
e personagens. Aliado este fato as novas tecnologias de visualização esterescópica,
vivenciamos um momento no qual a estereoscopia está propondo uma nova forma de
pensar a espacialidade nas obras audiovisuais. Nesse contexto, o primeiro e segundo
filmes da franquia “Como Treinar seu Dragão” (DreamWorks) apresenta duas obras
audiovisuais que utilizam da estereoscopia em dois momentos distantes. Entre os dois
filmes, houve um espaço de quatro anos e a influência da evolução tecnológica é bastante
perceptível, quando comparamos os dois filmes. Para essa análise foram selecionadas
cenas nas quais a composição apresenta variação de cenário e de personagens onde o
uso da estereoscopia tem relevância na apresentação da narrativa.
A animação de personagens como os dragões, exige bastante poder de processamento
computacional, devido ao alto grau de detalhamento desses modelos, percebe-se que no
primeiro filme, há poucas cenas de vôo com vários dragões, situação bastante diferente
no segundo.
A Figura 2 pertence a uma cena em que o humano Soluço está montado no dragão
Banguela em pleno vôo, sendo que Soluço está testando pela primeira vez o aparato
que desenvolveu para a calda de Banguela. Na cena a insegurança de Soluço é clara, e
alguns segundos antes do frame capturado, o menino perde o controle e se desprende
de Banguela, fazendo com que ambos caiam. Soluço não consegue alcançar o dragão
e este não consegue voar sozinho, e após alguns segundos de queda livre, o menino
finalmente consegue voltar para o dorso de Banguela e percebe que precisa se “conectar”
ao animal para controlar o equipamento e os dois voarem juntos. O frame escolhido é
exibido logo após Soluço entender sua conexão com o dragão.
Por meio da imagem podemos perceber que a cena usa da estereoscopia para trazer
ao plano geral a sensação de mais espaço. Com o rápido movimento de Banguela voan-
do próximo à água e, se aproximando de formações rochosas ao fundo, a sensação de
velocidade também é aumentada. Devido à disposição das rochas o uso da estereoscopia
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A cena estimula a imaginação pela possibilidade de voar por cima das nuvens no
dorso de um dragão. As nuvens são apresentadas em várias camadas com paralaxe
positiva, que se movem em velocidades diferentes, resultando na percepção de vários
níveis de profundidade. Os personagens se situam em uma camada com a paralaxe mais
próxima de zero, e em seu vôo flutuam na tela. A forma como as nuvens estão dispostas
em relação aos personagens promovem um distanciamento gradual do observador, e
esse efeito faz com que o espectador tenha uma melhor noção do espaço e transforma
a borda da imagem em uma espécie de janela, onde o espectador pode olhar através,
ampliando o sentimento de imersão do mesmo.
11. Nas palavras de DeBlois, “That was all about poetry and beauty and seeing it from Astrid’s point of view”.
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O uso da estereoscopia como fator de imersão na franquia de animação “Como treinar seu dragão”
12. Nas palavras do autor, “By reducing the effort involved in the suspension of disbelief, we significantly
increase the immersion experience” (grifo do autor).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebeu-se que no primeiro filme da franquia (lançado em 2010) os produtores
ainda utilizaram o desfoque em algumas cenas para direcionar o ponto de vista do
espectador. Essa herança dos filmes bidimensionais tem seu funcionamento um pouco
prejudicado em filmes estereoscópicos, pois muitas vezes o espectador quer apreciar
a imagem em profundidade, “passear” o olhar pela tela. O desfoque não só prejudica
esse ato como, muitas vezes, traz de volta o espectador ao mundo natural, pois ele não
consegue enxergar detalhadamente os elementos dispostos em profundidade. Além
disso, as câmeras virtuais não têm problemas com limitação de campo em foco como
as câmeras manuais, deixando o desfoque apenas como um detalhe estético. O segundo
filme da franquia animada evita esse uso, deixando o espectador livre para percorrer
visualmente os campos e paisagens exibidos, proporcionando maior sensação de imersão
e presença do mesmo no universo fílmico.
Outro apontamento importante é o fato de que, muitas vezes, dependendo do pla-
no utilizado na cena, partes dos personagens são cortadas, isso prejudica o efeito de
profundidade. Quando os personagens são apresentados em paralaxe positiva (mais
longe do observador que a tela), esse recorte torna-se aceitável, pois intuitivamente o
espectador enxerga na tela uma janela, a qual obstrui parte da visão. Porém quando o
objeto está em paralaxe negativa, esse recorte pode prejudicar a imersão do espectador.
Essa herança dos filmes bidimensionais ainda persiste, quando o objeto ou persona-
gem, em paralaxe negativa, é recortado, pelo plano, na parte superior ou nas laterais o
recorte tende a ser mais perceptível, devido à tendência humana de observar da linha
dos olhos para cima e não para baixo. Desse modo, recortes que mantém a cabeça ou
parte superior inteira de um objeto ou personagem mesmo que corte a parte inferior e
estejam em paralaxe negativa, são mais aceitos do que recortes laterais ou superiores
(BLOCK & McNALLY, 2013). Ambos os filmes apresentam alguns recortes indesejados,
porém esses geralmente tomam poucos segundos, o que os deixa mais aceitáveis à
compreensão espacial do espectador.
Godoy de Souza (2005) cita que a época em que estamos é propícia para uma nova
disseminação da estereoscopia devido aos avanços tecnológicos. Mendiburu (2009)
questiona se a estereoscopia, dessa vez, será incorporada ao cinema como foi o som e
a cor, o que provavelmente vai transformar, ainda mais, a experiência proporcionada
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pelo filme. Ambos os autores apontam para uma possível evolução da técnica e sua
importância na mídia atual, fatores que reforçam a necessidade de estudos nesse âmbito.
Apesar da evolução técnica no uso da estereoscopia, percebe-se que há certa carência
de estudos que observam seu emprego na produção de um sentido dramático nos filmes,
as pesquisas nessa área voltam-se, principalmente à técnica em si. Essa falta de estudos
ancorados à narrativa implica em um uso ainda tímido da estereoscopia, a qual detém
grande potencial estético e grande influência na percepção da história.
O uso da estereoscopia alcança a função narrativa quando completa o significado
que a imagem transmite. A tecnologia em conjunto com a criatividade dos produtores
de conteúdo está fazendo jus a esse aspecto, em um âmbito com potencial de trazer
grandes diferenciais para a indústria do entretenimento e produzir novas formas do
espectador se aproximar da fantasia do cinema.
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O uso da estereoscopia como fator de imersão na franquia de animação “Como treinar seu dragão”
Filmografia
John Norling (Diretor) (1953). In Tune with Tomorrow. E.U.A.: Polaroid.
Chris Sanders (Diretor), Dean DeBlois (Diretor), Bonnie Arnold (Produtor) (2010). How to
Train Your Dragon (Como Treinar Seu Dragão). E.U.A.: DreamWorks.
Dean DeBlois (Diretor/ Escritor), Bonnie Arnold (Produtor) (2014). How to Train Your Dragon
2 (Como Treinar Seu Dragão 2). E.U.A.: DreamWorks.
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O humano digitalizado: o uso da tecnologia
para representar a sociedade no cinema
Human scanned: the technology of use to
represent the company in cinema
Se rgio Rob e rto Vi ei r a M a rt in s 1
Resumo: Boa parte do que é visto no cinema são apenas imagens digitais.
Embora isso ocorra há muito tempo, hoje temos mais do que cenários criados
digitalmente, também personagens ou partes deles, entre outros efeitos que
contribuem para representar a vida. Animais e coisas ganham sentimentos,
emoções e comportamentos humanos (personificação). Filmes em que aparecem
animais falando também não é novidade, mas são as atitudes que se revelam mais
fortes; robôs não só substituem pessoas, fazem tarefas humanas, eles são usados
para simular a vida e são produzidas digitalmente. Essas imagens procuram
transmitir algo muito próximo de uma vida real, provocando a identificação e
aceitação por parte do espectador. Assim, a organização social que é apresentada
nos enredos tem como base a cultura humana. Avanços tecnológicos, bem como
o fenômeno das mídias sociais e de compartilhamento também são temas de
filmes mais contemporâneos. O artigo discute sobre a humanização de elementos
cinematográficos em alguns filmes, entre eles, a representação da realidade, a
simulação, a digitalização, a influência da tecnologia nos cenários, figurinos,
personagens, comportamento, os problemas sociais, entre outros.
Palavras-chave: audiovisual; cinema; ficção; humanização; digital; simulação.
Abstract: Much of what is seen in the movies are just digital images. While this
occurs a long time, today we have more than scenarios created digitally, also
characters or parts of them, among other effects that contribute to represent
life. Animals and things gain feelings, emotions and human behavior
(personification). Movies that appear talking animals is not new, but are the
attitudes revealed stronger; robots not only replace people make human tasks,
they are used to simulate life and are digitally produced. These images seek to
convey something very close to a real life, leading to identification and acceptance
by the viewer. Thus, the social organization of which is shown in the plots is
based on human culture. Technological advances and the phenomenon of social
and sharing media are also themes of a more contemporary films. The article
discusses the humanization of cinematic elements in some films, among them,
the representation of reality, simulation, digitization, the influence of technology
on sets, costumes, characters, behavior, social problems, among others.
Keywords: audiovisual; cinema; fiction; humanization; digital; simulation.
1. Graduado em Letras (2006) e Artes Visuais (2012), com Especialização em Fundamentos de Ensino da Arte
(2008) e Cinema, com Ênfase em Produção (2014), ambas pela Faculdade de Artes do Paraná (UNESPAR).
Mestrando do Curso de Comunicação e Linguagens: Estudos de Cinema e Audiovisual pela Universidade
Tuiuti do Paraná (UTP), email: sergiobertovi@gmail.com
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O humano digitalizado: o uso da tecnologia para representar a sociedade no cinema
Mesmo que por vezes os personagens sejam fantasiosos, com histórias quase impos-
síveis, são os elementos humanos implícitos e explícitos que ajudam na verossimilhan-
ça. Boa parte desses atributos se deve as pequenas semelhanças, ou seja, o espectador
precisa se identificar com aquilo, mesmo que minimamente.
Para Laura Mulvey (1983, p. 441-442), “as convenções do cinema dominante dirigem
a atenção para a forma humana”, assim, tudo que envolve as imagens convergem para o
corpo. Assim, há uma fascinação, que aumenta quando há essa semelhança, quando há
reconhecimento, rosto, cabelo, corpo, e talvez tudo que rodeia o arquétipo que em geral
está moldado na perfeição, mesmo que aparente. Porém, segundo a pesquisadora, esse
reconhecimento não é verdadeiro, pois é representada como numa imagem-espelho,
ou seja, é um reflexo, uma projeção, e faz parte de uma matriz do imaginário humano,
portanto, é um falso reconhecimento, criado a partir de nossa subjetividade; mesmo
que similares (o indivíduo e seu reflexo), a forma projetada no espelho não é a pessoa
em si. Talvez, dessa forma, tudo o que vemos projetado acaba por criar em nós esse
falso reconhecimento, e no cinema não deixa de ser diferente. Mesmo que haja glamour,
extravagância fora do comum, mesmo que o personagem seja muito distinto do espec-
tador, desde a cor da pele até a quantidade de dedos nas mãos e nos pés, ele acaba se
reconhecendo, por semelhança, mesmo que exista muita diferença entre aquilo que é
visualizado, para aquele que está visualizando.
Edgar Morin fez do processo de identificação/projeção praticamente o núcleo de seu livro –
O cinema ou o homem imaginário (1958). Neste trabalho, que ele próprio denomina “ensaio
antropológico”, seu interesse concentra-se na discussão de um fenômeno que considera
básico dentro da cultura do século XX: a metamorfose do cinematógrafo em cinema. O
primeiro seria simplesmente a técnica de duplicação e projeção da imagem em movimento;
o segundo seria a constituição do mundo imaginário que vem transformar-se no lugar por
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O humano digitalizado: o uso da tecnologia para representar a sociedade no cinema
3. Rango foi vencedor de inúmeros prêmios, entre eles o Oscar de Melhor Filme de Animação, em 2012.
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O humano digitalizado: o uso da tecnologia para representar a sociedade no cinema
peixes, crustáceos e outros bichos da fauna marítima ganham bocas, falas, sentimentos
e tudo o que um ser humano representa. Voltado para um público infantil, seu enredo
também é simples como nos contos de fadas e nas fábulas, muitas vezes trazendo “moral
da história”, músicas divertidas, sem tanta violência, mortes ou coisas assim, numa lin-
guagem mais acessível, e, porque não, mais direta, sem grandes devaneios.
Porém, em Rango a linguagem é mais complexa, assim como seu roteiro; palavras
como hidratação, próstata, bolo fecal, epifania, entre outras, se misturam com piadas
que requer mais conhecimento do público, além de tratar de assuntos políticos e do uso
da metalinguagem (as vezes através do Quarteto de Corujas Mexicanas, as vezes por
intermédio do protagonista que gosta de fazer representações teatrais, simulando que
está num palco, diante de seu público). A própria história traz momentos de divagação ou
digressão, talvez para dar fôlego ou mesmo para trabalhar a ironia. Alguns personagens
são assustadores e deformados, ao menos sob o olhar infantil, mas ganham carisma
quando apresentam características humanas. Em contrapartida, possui boa dose de
cenas de ação, em especial quando aparece a Águia, do qual o protagonista tenta escapar
em dois momentos distintos, no deserto e na cidade conhecida como “Poeira” (Dirt).
Os personagens são personificações, ou seja, animais humanizados, assim como
os dramas vividos por eles. Os detalhes das paisagens, das vestimentas e de outros
adereços imitam a “realidade”. A presença de um personagem “totalmente humano”
justamente aparece no papel do Espírito do Oeste, mencionado pelo Tatu, ainda no início
do filme, mas não compreendido pelo futuro herói da trama. Ali, distante dos problemas
e frustrações vividas pelo protagonista, o Espírito do Oeste atua como se tudo aquilo
fosse um sonho, um devaneio ou ideário, porém fazendo as vezes da consciência ou da
representação divina.
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O humano digitalizado: o uso da tecnologia para representar a sociedade no cinema
O quarteto de corujas aparece várias vezes, narram a história (Fig. 2), pode ser compa-
rado ao Coro do Teatro Grego, eles cantam-contam alguns versos, apontando outro lado
metalinguístico da história, tentam provocar a ironia, com frases que simulam previsões
dos acontecimentos no estilo do “velho oeste”, também colaboram com a diegese e estão
cercados de detalhes que surpreende o espectador (as penas, as cores, os movimentos, os
olhares, as roupas, os instrumentos). Esta estratégia não é novidade em filmes e animações
norte-americanas, nesse caso colabora para a comicidade e musicalidade da trama (ora
mais intensa, ora mais calma, “controlando” o ritmo da narrativa). Dentro da cidade, as
falas e as imagens estão sempre relacionadas a água, principalmente a ausência dela.
São garrafas pra todos os lados, e famílias desistindo de suas terras por escassez. Nessa
animação, a água representa a riqueza (dinheiro, moeda, valor), inclusive o banco tra-
balha com ela; e, portanto, geradora do chamado “conflito”, essência de uma narrativa.
Podemos entender que essa animação segue um pressuposto cinematográfico mui-
to bem definido, a ideia básica que o cinema tem sempre que levar em consideração: a
percepção, através dos sentidos. “Reagimos diante da imagem fílmica como diante da
representação muito realista de um espaço imaginário que aparentemente estamos vendo.”
(AUMONT, 1995, p. 21). Mesmo sendo uma animação, prende-se ao realismo (ou ultrarrea-
lismo, se considerarmos as texturas dos personagens), no conteúdo e na forma, mantendo
regras do gênero western e explorando uma discussão contemporânea, a exploração dos
recursos naturais, a corrupção e, também, questões puramente humana (em especial, a
esperança), aproximando o público através desses elementos por afinidade ou semelhança.
Para Aumont, “desde os primórdios do cinema, os filmes ditos ’representativos‘
foram a imensa maioria da produção mundial (inclusive os ’documentários‘), embora,
desde bem cedo, esse tipo de cinema tenha sido muito criticado.” (1995, p. 26, grifo do
autor). Outro ponto importante sobre a impressão de realidade do cinema e da anima-
ção se encontra no termo conhecido como diegese. A denominação serve para designar
ou apontar certa lógica, quando os elementos que aparecem na tela estão conectados a
outros de sonoridade (por exemplo). A narrativa chamada de cronológica parece dar
certo conforto ao espectador, que consegue compreender melhor o que está vendo, pois
ele segue uma linha lógica de planos sucessivos, uma continuidade relacionada com a
dimensão espaço-temporal que todos estão acostumados, pois vive isso diariamente. Ou
seja, a vida é cronológica, apenas deixa de ser quando sonhamos ou projetamos as coisas
(no futuro) e lembramos (do passado), mesmo assim, geralmente, seguimos uma ordem
dos fatos. Diegese seria o processo que oferece, à narração, a possibilidade de construir
um enredo que frui quase que automaticamente. Tal efeito se encontra muito presente
na literatura, no teatro e também no cinema, “quanto maior for a impressão de realidade,
mais diegético é o efeito da ficção”, aponta Costa (2005, p. 32). Assim, a animação consegue,
também, através do áudio, em especial, colaborar para o “realismo”, mesmo quando algo
possa ou pareça estar tão distante dele (pois se trata de uma criação utilizando técnicas
de animação). O som diegético, portanto, ajuda o espectador na compreensão narrativa,
e, mesmo que apareçam animais falando da mesma maneira que os seres humanos ou
mesmo animais de espécies diferentes convivendo de forma relativamente harmoniosa,
em ambiente fora da realidade cotidiana, sabendo manusear armas, usando roupas extra-
vagantes, ainda assim, o público sai diante da tela convencido de que aquilo realmente
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O humano digitalizado: o uso da tecnologia para representar a sociedade no cinema
está dentro de uma “normalidade”. O mesmo ocorre como a animação Kung Fu Panda (da
DreamWorks Animation, 2008, dirigido por John Stevenson e Mark Osborne), que simula
uma vila tipicamente humana, porém habitada por animais de várias espécies, dentro de
uma organização social, política e filosófica semelhante a vida cotidiana “orientalizada”,
acrescendo apenas o enredo ligado as lutas marciais (neste caso). Para garantir a diegese,
investiu-se muito também no elenco, com vozes de personalidades conhecidas, em espe-
cial dentro de filmes do gênero das artes marciais ou semelhantes, como exemplo Jackie
Chan, Lucy Liu, além de outros famosos que certamente encareceram o orçamento, que
fez tanto sucesso que não só ganhou uma continuidade, em 2011 (Kung Fu Panda 2), mas
também uma Série de TV (também em 2011), conhecida como Kung Fu Panda: Lendas do
Dragão Guerreiro (em inglês: Fung Fu Panda: Legends of Awesomeness).
Também seguindo os moldes dessas produções, que simulam mundos semelhantes
aos da civilização humana, Bee Movie (2007), de Steve Hickner e Simon J. Smith, pro-
duzida pela DreamWorks, traz uma complexa cidade com características hibridas (uma
espécie de colmeia com elementos humanos mesclados), porém são os dramas que são
mais humanizados e a viagem para fora da colmeia (numa cidade que representa a vida
humana) que gerará os conflitos do enredo, porém, nesse caso, a relação entre humanos
e abelhas ocorre de forma ao mesmo tempo estranha, pois na realidade esses insetos
não poderiam se relacionar com as pessoas (regra das próprias abelhas), foi quebrada,
e passa a ser aceita pelo filme (enredo), e automaticamente pelo espectador.
Outra animação, na qual a Fox investiu bastante, e que é muito semelhante as estraté-
gias de algumas de suas séries de TV, em especial o Futurama, onde aparecem personifi-
cações que exploram as relações humanas, foi o longa Robôs (Robots, 2005, de Chris Wedge
e Carlos Saldanha). De orçamento milionário, a produção do filme tem como base uma
cidade com características humanas, na periferia da cidade grande chamada Robópolis,
com dramas familiares, políticos e sociais, além de simular sentimentos humanos como
inveja, paixões, desejos, esperança de vida melhor, entre outras estratégias. A animação
segue os moldes dos filmes para a família (infantil), sem palavrões, mortes e coisas muito
exageradas. Usando do artifício de que todos são robôs, e que podem ser remontados,
a história ganha ironia, pois todas as atitudes (alimentação, por exemplo) seguem uma
estrutura semelhante a humana, lembrando a animação Vida de Inseto (A Bug’s Life, 1998),
de John Lasseter e Andrew Stanfon, produzido pela Disney, em que os pequenos insetos
falam, têm sentimentos humanos, comem, bebem, porém diferente do filme da Fox, eles
vivem num mundo não humano, fazendo outras coisas que geralmente os insetos fariam
(carregando folhas, construindo formigueiros, entre outras).
Quando os elementos humanos, junto com estratégias de enredo, que sumulam a
vida, são trabalhados em harmonia com montagem e produção, o filme ganha noto-
riedade. Possivelmente tais elementos são aceitáveis por semelhança, como já foi visto,
mesmo que por vezes eles sejam muito simples, quase primitivos, como colocar olhos e
boca em algum objeto, o filme ganha status quando há uma voz humana, movimento e
ações similares ao a vida cotidiana ou muito semelhante a ela: a organização social, os
sentimentos, as expressões, junto com a ideia de continuidade narrativa, a diegese, toda
essa soma de estratégias serve para “enganar o espectador” ou simplesmente levá-lo a
acreditar naquela fantasia, como se fosse sua.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O humano digitalizado: o uso da tecnologia para representar a sociedade no cinema
Nem sempre no cinema é possível se filmar a vida, na sua totalidade, como cópia
do mundo real, que é o que acontece com aqueles que não trabalham com animação
gráfica. Muitas vezes são em partes ou totalmente digitalizados (como representação
ou simulação da vida), e são esses que mais surpreendem, pois facilmente enganam os
olhos dos espectadores.
Os estúdios Disney, desde a década de 40, são capazes de produzir filmes híbridos, em
que personagens de carne e osso (captados pela objetiva de uma câmera cinematográfica)
contracenam com personagens desenhados à mão e animados por uma truca. “Uma cilada
para Roger Rabbit” (1988), de Roberto Zemeckis [...] levou essa hibridação ao limite máximo
da tecnologia então existente, com excelentes resultados artísticos. (GERBASE, 2003, p. 35)
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O humano digitalizado: o uso da tecnologia para representar a sociedade no cinema
o digital trouxe uma espécie de democratização (ao menos em partes), ainda gerando
muitos lucros para as grandes produtoras (por conta da divulgação e distribuição, que
para as pequenas se torna as vezes dificultoso), mas ainda assim é possível fazer bons
filmes e conseguir um bom público com poucos recursos.
A invasão de elementos digitais no cinema vem crescendo espantosamente, um
dos fenômenos de bilheteria, e que trouxe muitas mudanças no cenário cinematográfi-
co mundial em termos de possibilidade e uso criativo da tecnologia, foi o filme Matrix
(1999), dos irmãos Wachowski, tanto na edição, efeitos visuais, efeitos sonoros, quanto no
enredo, provocou fervores, explorando a ideia de que cinema é, antes de tudo, ficção, e
que na ficção tudo é possível (desde que tenha sentido, verossimilhança dentro daquele
universo criado pelo cineasta), deixando de lado a ideia de que o mundo cinematográ-
fico tem que ter os moldes da realidade cotidiana (muito embora, sem a sua essência,
o público não vai acreditar, ou seja, dar crédito àquela produção), porém os irmãos
Wachowski tinham seus argumentos e conseguiram sustentar o “Mundo de Matrix”
com suas regras e propósitos, além do que, a experiência humana, os desejos e outras
tantas facetas fazem parte da narrativa, o que torna a produção aceitável pela maioria, ou
seja, quando há humanização, o senso comum prevalece. A trilogia pode ser traduzida
como uma releitura de vários segmentos, tanto ideológico, quanto filosófico, passando
pela literatura e textos científicos: Mito da Caverna (de Platão), Mitologia Greco-Romana
(Pandora, Oráculo, Morpheu), a ideia do Apocalipse, da dominação das máquinas e
pela perda da condição humana para a tecnologia (robótica, automação), pela epidemia
(crise financeira ou intelectual), considerando ainda algumas literaturas como Alice no
País das Maravilhas, chegando a obra Simulacros e Simulação, de Jean Baudrillard, no qual
os irmãos Wachowski se inspiraram para criar o filme. A grande questão é que o filme
ficou recheado de referências, embora não se tornou totalmente complexo, o roteiro e
o enredo são pontos fortes, mas perderam para os efeitos visuais, que chamou muito
mais atenção do público.
Se por um lado não se pode fechar os olhos aos riscos que assumimos em nossa cultura cada
vez mais tecnológica e espetacularizada, também não parece sensato negar os rumos do
tempo e buscar um retorno a idílicos passados. As incríveis potencialidades das tecnologias
digitais e do universo midiático em que vivemos mal começaram a ser exploradas. Nesse
sentido, há muito que fenômenos como “Avatar” podem nos dizer a respeito dos futuros
que escolheremos para trilhar. (FELINTO; BENTES, 2010, p. 9)
Talvez não seja prudente apenas subjulgar as produções, acreditando que se torna-
ram um amontoado de tecnologia digital, pelos quais muitos são seduzidos, com seus
olhares compenetrados nos prazeres que ela nos proporciona, de um mundo cibernético
ou repleto de efeitos visuais. Tanto Matrix (1999), dos irmãos Warchonski, quanto Avatar
(2009), de James Cameron, trazem no roteiro discussões sobre a valorização do humano,
fazendo com que as pessoas reflitam sobre a condição humana na contemporaneidade.
Ou seja, dos perigos da civilização tecnológica em buscar apenas o prazer sob o filtro
(ou a ótica) de um dispositivo eletrônico (ou máquina), muitas vezes até confiando mais
nesses dispositivos e o que ele traz (texto, imagem, etc.) do que nas pessoas e o que elas
dizem.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O humano digitalizado: o uso da tecnologia para representar a sociedade no cinema
Assim, outro bom exemplo que mistura tecnologia e discussão da própria tecnologia,
em que trabalha a ideia da dominação da humanidade pelas máquinas, é o filme de Alex
Proyas, Eu, Robô, de 2004 (Fig. 3), em que seres artificiais estão presentes na maioria dos
lares, fazendo companhia e realizando tarefas aos humanos. Uma das discussões mais
intensas do filme (roteiro) é a similaridade dos rostos dos robôs com os seres humanos,
além da simulação de pensamento, criatividade, sentimentos e até sonhos; o que jamais
poderia ser alcançado por qualquer criatura não humana (em especial cibernética), em
O Homem Bicentenário, do diretor Chris Columbus, 1999, esses últimos temas já eram
foco de discussão no enredo, a perda do humano e a busca de algo que substituísse essa
ausência, esse último também em destaque no filme Ela (She, 2014), de Spike Jonze, em
que um homem solitário (escritor) compra um sistema operacional que simula a voz
humana, o surpreendente é que ele acaba por se apaixonar por ela, que é apenas uma
voz artificial, programada.
Tais representações revelam nossa “dependência” tecnológica. A substituição do
humano por elementos que simulam a vida e até nossas relações é uma tendência que
aumenta gradativamente na contemporaneidade, em que é constante trocarmos a pre-
sença humana por aparelhos, sejam eles pequenos ou grandes. Eles servem tanto para
nos entreter, como para nos fazer companhia. No caso do cinema, eles ajudam não só
na simulação, mas também para criar um universo mágico, que as vezes só encontra-
mos em nossos sonhos e fantasias, promovendo a imaginação de seus produtores ou
realizadores. Para que isso se torne aceitável, há a necessidade do elemento humano,
independente do enredo ou contexto, precisamos de algo que se aproxime, que seja
semelhante, que nos represente.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O humano digitalizado: o uso da tecnologia para representar a sociedade no cinema
REFERÊNCIAS
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Gênero: Ação. Produtora: DreamWorks Animation. Distribuidora: Paramount Pictures.
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(vozes): Johnny Depp, Isla Fisher, Abigail Breslin, Bill Nighy, Alfred Molina, Harry Dean
Stanton, Ray Winstone, Ned Beatty e Timothy Olyphant … et al. Trilha Sonora: Hans
Zimmer. Gênero: Western. Produtoras: GK Films e Nickelodeon Movies. Distribuidora:
Paramount Pictures. Duração: 107 minutos. Animação. Cor: Colorido. Origem: EUA.
Ano de Lançamento: 2011.
Robôs. Direção de Chris Wedge e Carlos Saldanha. Produção Fox Animation e Blue Sky
Studios. Elenco (Vozes): Jim McClain, David Lindsay-Abaire, Ron Mita... et al. Tralha
Sonora: John Powell. Gênero: Comédia / Drama. Animação. Cor: Colorido. Origem:
EUA, Ano de Lançamento: 2005.
Shrek 2. Direção de Andrew Adamson, Kelly Asbury e Conrad Vernon. Produzida pela
DreamWorks Animation. Vozes originais dos principais personagens são: Mike Myers
(Shrek), Eddie Murphy (Burro), Cameron Diaz (Princisa Fiona), Antonio Banderas (Gato
de Botas), Julie Andrews (Rainha Lilian), John Cleese (Rei Harold), Rupert Everett
(Príncipe Encantado, filho da Fada Madrinha) and Jennifer Saunders (Fada Madrinha).
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
6001
Interação com objetos digitais em estúdios virtuais
Interaction with digital objects in virtual studios
R a fa e l Gu i m a r ã es P e droso 1
A n t o n i o C a rl o s S e m e n t i ll e 2
Abstract: The virtual studio is a system for creating scenes with digitally
integrated virtual objects - in real time - to images captured in the studio. Its
use eases the audiovisual production, allowing the use of difficult physically
rebuilt objects and effects. Unlike the classic form of production, in which the
effects are inserted just in post-production, the virtual studio inserts the digital
content in the on set phase, facilitating direction and cinematography. The goal
of this research is the interaction of actors with virtual objects using Augmented
Reality (AR) techniques in virtual studios. The techniques here treated refer to
the use of fiducial markers to record the position and orientation of the virtual
objects allied with the environment and the real objects; using tangible interfaces
by actor to manipulate objects that exist virtually; all this combined with the use
of depth sensing cameras to correct rendering of real and virtual objects in the
final combined scene. Finally experiments are presented with the ARSTUDIO,
virtual studio software that is under development at UNESP / Bauru, which
allows the generation of AR scenes.
Keywords: Virtual Studios, Augmented Reality, 3D Interaction, Audiovisual
production.
1. Mestrando, discente do Programa de Pós Graduação em Televisão Digital: Informação e Conhecimento
da Universidade Estadual Paulista, UNESP – Campus de Bauru, rafaelgpedroso@gmail.com.
2. Doutor em Ciências, Professor Adjunto da Universidade Estadual Paulista, UNESP – Campus de Bauru,
docente e orientador do Programa de Pós Graduação em Televisão Digital: Informação e Conhecimento e
do Programa de Pós Graduação em Ciência da Computação, semente@fc.unesp.br.
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6002
Interação com objetos digitais em estúdios virtuais
INTRODUÇÃO
3. Objetos virtuais, ou objetos digitais, ou mesmo objetos 3D são objetos criados por computador que tem
representação tridimensional. Podem ser renderizados em diferentes ângulos, ou seja, rotacionados nos
eixos x, y e z para exibição em tela.
4. A renderização consiste em adicionar iluminação, sombreamento e cores a uma cena 3D.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
6003
Interação com objetos digitais em estúdios virtuais
nos quais o fundo real é substituído por meio de técnicas de segmentação de ima-
gem. Os objetos que são manipulados em cena, simplesmente não estão presentes
no momento da gravação, a fase on-set. Desse modo diretores, atores e equipe de
produção não tem retorno visível desses objetos durante a gravação e essa limitação
pode ter interferência direta nas decisões de gravação, principalmente com relação a
enquadramento e fotografia.
No estúdio virtual com técnicas de Realidade Aumentada, é possível inserir objetos
virtuais criados por computador na fase on-set, oferecendo a equipe uma pré-visualização
dos elementos que devem ser inseridos na pós-produção. Apesar da flexibilização que o
estúdio virtual oferece, a pesquisa nesse campo e a estruturação de ambientes com esses
recursos, envolve questões como “o ‘registro’ de objetos virtuais, a oclusão mútua, a
reconstrução tridimensional de atores e ambientes, visando a obtenção de conteúdo
de qualidade” (SEMENTILLE; et al., 2012, p.11).
Uma dessas questões é a interação bidirecional entre atores reais com objetos virtuais.
Trata-se da manipulação de objetos virtuais pelo ator, bem como as interferências dos
objetos virtuais no mundo real, e as do mundo real no mundo virtual. A correta interação
desses mundos requer o rastreamento dos movimentos executados pelo ator bem como
a reação do mundo virtual e o correto retorno para o ator.
Para isso funcionar, há alguns problemas tecnológicos que precisam ser bem resolvidos,
entre eles: rastreamento de objetos reais; alinhamento e calibração das sobreposições no
ambiente tridimensional misturado e interação. Em geral, as soluções são específicas, exi-
gindo uma delimitação bem definida para as aplicações, o que se constitui em obstáculos
para aplicações de uso geral (TORI, et al., 2006, p. 27).
Portanto, o sistema de RA deve ser ajustado mesmo que o usuário se movimente.
Como suporte em tempo real, o software de realidade aumentada deve promover o rastrea-
mento de objetos reais estáticos e móveis e ajustar os objetos virtuais no cenário, tanto para
pontos de vista fixos quanto para pontos de vista em movimento (TORI, et al., 2006, p. 29).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
6004
Interação com objetos digitais em estúdios virtuais
b) Mundo virtual
É um mundo que contém material digital projetado usando computação mas de tal modo
que pareça poder ser usado e experimentado pelo ser humano. O mundo virtual é limitado
ao espaço desenhado e pode ser observado por humanos por meio de dispositivos audio-
visuais (ARIYANA & WURYANDARI, 2012, p. 4).
Cada técnica possui vantagens próprias dependendo dos efeitos que se pretende
atingir.
As interações espaciais, por exemplo, são adequadas para a seleção e realização das trans-
formações espaciais dos objetos virtuais no espaço tridimensional. A interação baseada em
comandos é muito utilizada em sistemas que usam diferentes formatos de entrada como
meios de interação. A interação por controle virtual se apresenta como uma metáfora de
utilização conhecida, enquanto a interação por controle físico faz uso da integração de
ferramentas físicas na interface do usuário (ZORZAL, et al., 2009, p.1).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
6005
Interação com objetos digitais em estúdios virtuais
Figura 1. Exemplos de marcadores: (1) plano, (2) multimarcador plano e (3) multimarcador tridimensional
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6006
Interação com objetos digitais em estúdios virtuais
O PROJETO ARSTUDIO
O ARSTUDIO é um software de estúdio virtual que permite a geração de cenas
com Realidade Aumentada, o emprego de técnicas de chroma-key, bem como a adi-
ção de som. Está sendo desenvolvido pela equipe de pesquisa do Laboratório de
Sistemas Adaptativos e Computação Inteligente (SACI) da Faculdade de Ciências da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP/Bauru, em que par-
ticipam pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Televisão Digital: Informação
e Conhecimento (PPGTVD/FAAC) e do Programa de Pós-graduação em Ciência da
Computação (PPGCC/FC).
O projeto tem o objetivo de estudar e aplicar técnicas de Realidade Aumentada na
criação de estúdios virtuais com uso de equipamentos convencionais, analisando os
diferentes desafios para a obtenção de cenas aumentadas (SEMENTILLE; et al., 2012,
p. 10). O ARSTUDIO provê uma interface que apresenta a cena capturada em tempo
real em que o operador do sistema pode escolher marcadores previamente cadas-
trados e associar a eles modelos 3D (dos objetos virtuais) produzidos e cadastrados
previamente. Com os marcadores visíveis em cena, o software é capaz de renderizar
os objetos 3D na cena.
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Interação com objetos digitais em estúdios virtuais
Experimento 1
No primeiro experimento, mostrado na Figura 2, foram inseridos objetos virtuais
em uma cena para a confecção de cenário fixo. O objetivo é criar um mecanismo de
profundidade de cena em que ator real possa se movimentar entre os objetos virtuais
respeitando a ordem em que eles estão posicionados em cena com relação à distância
da câmera. Ou seja, quando o ator estiver na frente do objeto, que sua imagem apareça
em frente ao objeto e que o objeto não seja renderizado sobrepondo o ator, registrando
corretamente a oclusão dos elementos cenográficos pelo corpo do ator (braços, pernas,
cabeça, etc). O mesmo deve ocorrer na situação inversa, em que o objeto é renderizado
fazendo oclusão do corpo do ator.
Os dois objetos virtuais foram inseridos na cena utilizando um marcador plano de
15 cm. Após a composição da cena, como nem a câmera e nem os objetos precisariam
mudar de posição, os objetos foram fixados, ou seja, a posição com relação a câmera
foi guardada e mantida por toda a duração da cena, sem a necessidade da presença do
marcador que foi retirado da cena.
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6008
Interação com objetos digitais em estúdios virtuais
Figura 2. Praça com estátuas: experimento com objetos virtuais fixos compondo o cenário
Para a obtenção dessa cena é necessário o uso do Kinect para registrar a posição
do ator com relação à distância da câmera. Na primeira dupla de fotos, não há oclusão
de nenhum elemento. Pela movimentação do ator na cena, na segunda dupla de fotos,
o ator se posicionou atrás de um objeto virtual, portanto ocorre oclusão de parte da
sua imagem. Na terceira dupla ocorre a oclusão de um dos objetos quando o ator se
posiciona a frente dele. Nesse terceiro caso é possível notar a zona de dúvida no registro
da posição do ator pelo Kinect, exatamente na divisa entre os pontos que compõem a
imagem do ator e os que compõem o objeto. Nesse caso, é possível ver que a imagem
de fundo transparece nos pontos que compõem essa zona de dúvida.
Experimento 2
Esse experimento tem a utilização de um multimarcador tridimensional em
formato de cubo para a manipulação de um objeto virtual. Nesse caso, o marcador é
utilizado para registrar a posição do objeto e também como interface tangível para o
ator manipulá-lo. Dessa forma toda a movimentação sofrida pelo cubo pela ação do
ator se reflete no objeto virtual, como se o ator de fato o segurasse durante a cena, como
ilustrado na Figura 3.
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Interação com objetos digitais em estúdios virtuais
Nesse caso, como o objeto precisa ser manipulado pelo ator, o marcador deve
obrigatoriamente permanecer na cena. Assim para que o marcador não contamine a cena
final, o objeto virtual possui dimensão e formato adequado para sobrepor o marcador
na totalidade. Também é necessário que o objeto virtual possua formato compatível
para a empunhadura do ator relativa ao cubo, constituindo uma cena coerente para a
visualização. O multimarcador tridimensional permite que o objeto seja rotacionado em
qualquer eixo, uma vez que sempre haverá uma face do marcador visível para a câmera.
Experimento 3
Utilizar uma interface tangível aliada a um marcador plano é o objetivo desse
experimento (Figura 4). Para garantir a correta empunhadura de uma garrafa, como se
o ator estivesse de fato segurando-a, foi utilizado um cilindro real com um marcador
de 4 cm embutido.
Figura 4. Garrafa virtual: experimento com interface tangível cilíndrica aliada a marcador.
O objeto físico usado como interface tangível, o cilindro, pode ser confeccionado em
cor verde para que se ocorrer de ele ser maior que o objeto virtual, ele possa desaparecer
na segmentação de cor. Porém deve-se evitar que a interface tangível seja maior, mesmo
sendo verde, para o caso de o autor trazer o objeto a frente do seu próprio corpo, onde
a transposição da imagem de fundo não pode ocorrer.
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Interação com objetos digitais em estúdios virtuais
Experimento 4
Nesse experimento, o multimarcador cúbico está associado a uma interface tangível
que permite ao ator segurar e manipular uma guitarra virtual (Figura 5). O objeto físico
foi confeccionado para possuir o comprimento apropriado para a empunhadura. O
multimarcador é composto por 5 marcadores diferentes de 4 cm (a sexta face do cubo
é utilizada para fixar o elemento tangível). O Kinect é requerido nesse caso para que a
mão do ator possa se posicionar em frente ao objeto virtual.
Figura 5. Guitarra virtual: experimento com multimarcador cúbico aliado a interface tangível.
Experimento 5
Esse experimento tem o objetivo de estruturar uma cena em que o ator possa vestir
um objeto virtual, no caso um capacete. É empregado um multimarcador tridimensional
em forma de coroa. Assim o objeto virtual reproduzirá as rotações e translações feitas
pela cabeça do ator.
O Kinect tem como função nesse caso, garantir que o rosto apareça no interior a
frente da face oposta do capacete, exibindo com coerência física o envolvimento da
cabeça pelo capacete. Na Figura 6 é possível observar que existe uma área onde o Kinect
não foi capaz de calcular a profundidade, provocando um erro de alinhamento entre o
capacete virtual e a cabeça do ator.
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Interação com objetos digitais em estúdios virtuais
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O emprego do estúdio virtual com técnicas de realidade aumentada modifica a
rotina de produção aprimorando a forma como a equipe de produção pode pré-visualizar
produtos que utilizam computação gráfica. Contudo, novas demandas ocorrem da
necessidade de aplicar técnicas não convencionais que exigem adaptações nos objetos
reais, na iluminação e nos modelos 3D utilizados na cena.
Assim, a utilização de marcadores e interfaces tangíveis precisa ser estruturada de
acordo com as necessidades de manipulações durante a cena, sendo as opções avalia-
das caso a caso. As técnicas aqui apresentadas de uma maneira geral se tornam mais
apropriadas para a pré-visualização, sendo necessário uma pós-produção para obtenção
de um produto final.
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6012
Interação com objetos digitais em estúdios virtuais
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6013
A permanência dos signos na mídia:
a relação vida/morte na reconstrução da imagem de
celebridades na publicidade do perfume J’adore
The permanence of the signs in media:
the life/death relationship in the reconstruction of the image
of the celebrities in the advertising of J’adore perfume
E lton C a r a m a n t e A n t un e s1
Resumo: Este artigo tem como contexto a relação vida/morte das celebridades,
com foco em peças publicitárias com celebridades mortas interagindo com
personagens vivos. Assim, tomamos como corpus, a peça publicitária da marca
Dior para o Perfume J’adore, 2011, em que a atriz Charlize Theron, por meio de
recurso tecnológico, contracena com Grace Kelly, Marlene Dietrich e Marilyn
Monroe. Para essas celebridades adquirirem vida em novos contextos midiáticos,
as campanhas contaram com recursos avançados de CGI (Computer-Generated
Imagery), uma interface tecnológica que possibilita a permanência, a dissimulação
ou uma pseudo-existência através da (re)construção da imagem. Para tanto, as
estratégias metodológicas envolvem a fundamentação teórica que se faz com
Michel Maffesoli, ao tratar de valores expressivos da pós-modernidade, nos
quais a imagem ganha destaque como elemento propulsor da comunicação, bem
como a análise semiótica, na perspectiva peirceana, a qual permite enfatizar os
aspectos referenciais e simbólicos engendrados pela imagem desta publicidade.
A relevância deste artigo está na possibilidade de refletir e de redimensionar
a relação vida/morte no cotidiano, também avaliar como a tecnologia pode
contribuir para o prolongamento da vida.
Palavras-Chave: Comunicação audiovisual. Imagens midiáticas. Publicidade.
Vida/Morte. Signos/celebridades.
Abstract: This article has as the context the life/death relationship of celebrities,
focusing on advertisement materials with dead celebrities interacting with liv-
ing characters. Therefore, it has was taken as corpus, the advertising material of
Dior J’adore perfume brand in 2011, in which, through technological resource,
the actress Charlize Theron acts with Grace Kelly, Marlene Dietrich and Marilyn
Monroe. The campaigns relied on advanced features of CGI (Computer-Generated
Imagery) in order that these celebrities take on a life in new media contexts. CGI
is a technological interface that provides permanence, concealment or a pseudo-
existence through the (re)construction of the image. Hence the methodological
1. Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba (UNISO), professor da Faculdade de
Sorocaba (UNIESP) e aluno especial do doutorado em Artes Visuais da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). E-mail: caramante@gmail.com
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A permanência dos signos na mídia: a relação vida/morte na reconstrução da imagem de celebridades na publicidade do perfume J’adore
strategies involve the theoretical basis on Michel Maffesoli, when dealing with
significant values of post-modernity, in which the image is highlighted as the driv-
ing element of the communication, as well as the semiotic analysis from Peirce’s
semiotics, which allows to emphasize the referential and symbolic aspects gener-
ated by the image of this advertisement. The relevance of this article lies on the
possibility to reflect and to bring a new dimension to the relationship life/death
in daily life, and to assess how technology may contribute to the extension of life.
Keywords: Audiovisual Media. Media Image. Advertising. Life/Death. Signs/
Celebrities.
INTRODUÇÃO
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A permanência dos signos na mídia: a relação vida/morte na reconstrução da imagem de celebridades na publicidade do perfume J’adore
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A permanência dos signos na mídia: a relação vida/morte na reconstrução da imagem de celebridades na publicidade do perfume J’adore
Diante disso, a imagem tem a função de fazer vínculo e criar um elo pelo qual as
pessoas se conectam, que por sua vez também se conectam com o mundo. A imagem na
pós-modernidade é, portanto, religante. “Dessa forma, a publicidade seria uma espécie
de exemplarismo: o que foi marginal, agora volta” (MAFFESOLI, 2006, p.33).
O exemplarismo é uma maneira de viver a religiosidade, e a publicidade é uma
forma de religiosidade em si. No entanto, não se trata de uma religião, doutrina ou
dogma específico, mas no sentido em latim do termo religare – uma reconexão do
homem com a natureza, com o outro e com a religiosidade. “Não quero dizer, com isso,
que os publicitários pensem nisso de forma profunda. Eles apenas são os porta-vozes
conscientes da voz do espírito do tempo [...]” (MAFFESOLI, 2006, p. 34).
Em suas reflexões, Maffesoli (2006) retoma Gilbert Durand, que em seu trabalho sobre
o imaginário menciona três conceitos que podem ser aplicados à publicidade: a repetição,
a redundância e a reutilização. Esses conceitos caracterizam a pós-modernidade através
de ingresso, termo que traduz o retorno à imagem com a valorização da beleza, das
cores, do compartilhamento dos gostos e da felicidade terrena. Nas palavras do autor,
“seria uma energia societal que é projetiva, mas também uma forma de acomodar-se
no mundo e com os outros. A realidade é, no fundo, a grande emancipação em relação
a este mundo e que nos remete a uma emancipação estética” (MAFFESOLI, 2006, p.35).
A imagem não quer ser o objeto, isto é, substituí-lo com exatidão ou verossimilhança.
A imagem nada mais é que um veículo de contemplação, de comunhão com os outros.
O que se poderia chamar de função icônica não tem validade em si mesma, é apenas
invocação, suporte de outras coisas: relação com Deus, com os outros, com a vida e com a
morte. Em suma, a imagem não se prende ao absoluto, ela é relativa (coloca em relação).
Exatamente esse relativismo a torna suspeita, pois não permite a certeza, a segurança
que engendra o dogma. Como se sabe, a razão pura segue a via da utilidade, da eficácia.
Nada mais evidente que a presença da imagem em nosso cotidiano, quer na
publicidade, na TV, nos objetos de consumo, na “teatralidade urbana”; quer nas nossas
lembranças, enfim, imagens sempre fúteis ou insignificantes povoam nosso estar no
mundo. Mas essa presença pregnante é coisa mais recente. O que predominou desde
tempos remotos foi a tentativa de desvalorização do papel da imagem. Basta retomar
a iconoclastia e logo nos deparamos com a desconfiança frente à imagem da tradição
judaico-cristã. Pode-se salientar que o mundo das imagens, jamais foi considerado, a não
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ser separado de Deus. Isso traduz a evidente separação calcada na diferença de natureza
existente entre Deus (a perfeição) e a imperfeição (mundo). De um lado, a razão como
sede de perfeição; de outro a imaginação, julgada “desrazão”. Esta última liga-se àquilo
tudo que no homem remete à animalidade ou, em uma palavra, ao mundo subterrâneo
e demoníaco, do qual é preciso tomar distância ou que é preciso tentar resgatar...
Figura 1. Frames da interação entre as atrizes Charlize Theron e Grace Kelly (em close).
Fonte: Wanda Productions. Disponível em: < http://www.wanda.net/fr/directors/jean-jacques-
annaud-63/8> Acesso em: 22 dez 2014.
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Para Lemos (2002), a técnica digital de imagens evoca uma ruptura radical em nossas
construções e percepções e permite ao homem tratar da imagem matematicamente,
controlando-a ponto a ponto. Nesse sentido, a forma como o objeto é representado pela
digitalização da imagem torna-se mais importante que o objeto em si, em suas palavras:
A infografia cria imagens sintéticas (imagens de sínteses) que são, de certo modo (em rela-
ção à fotografia, ao cinema e ao vídeo), independentes de um objeto original. Como mostra
Couchot2, o vídeo, a televisão, o cinema e a fotografia produzem imagens , com possibili-
dades mais ou menos alargadas de manipulação, mas sempre partindo de um objeto matéria
original: o modelo do fotógrafo ou o cenário e os atores da TV, no cinema e no vídeo. Estes
media estão, assim, intrinsicamente ligados a um objeto original (aquele que está na origem
da imagem) criando um sentido de correlação (LEMOS, 2002, p.170).
Retomando a descrição do vídeo, chega a vez de outra aparição, não menos inusitada,
que se dá através do mesmo recurso tecnológico, a da atriz Marlene Dietrich (Figura
2). Os cortes rápidos entre uma cena e outra sugerem a troca de olhares entre Theron
e Dietrich. Esta última, falecida em 1992, teve sua imagem imortalizada em filmes do
cinema clássico. No vídeo essas imagens ganham novos contornos, trazendo a atriz,
aparentemente, de volta à vida ao interagir numa sessão de fotos com personagens atuais,
nos mesmos bastidores do desfile de moda, cenário em que a narrativa da propaganda
é centrada. O rosto renascido/reconstruído/digitalizado ganha novas dimensões
midiáticas na medida em que se faz reconhecer.
Marilyn Monroe, atriz emblemática, talvez a que mais tenha marcado uma época,
também se faz presente neste cenário a partir de sua imagem digitalizada. No vídeo,
sua imagem (Figura 3) resgatada a partir de outros registros, editada e redigitalizada,
aparece neste novo contexto e interage diretamente com o frasco do perfume e verbaliza
o nome da marca Dior, realçando a proximidade da estrela com o produto.
2. Edmond Couchot em Simpósio “A obra de arte na era da sua realidade numérica”, realizado pela Escola
Nacional Superior de belas Artes, França, 1993.
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Figura 4. Em cena as atrizes Marlene Dietrich, Marilyn Monroe, Grace Kelly e Charlize Theron.
Fonte: Wanda Productions. Disponível em: < http://www.wanda.net/fr/directors/jean-jacques-
annaud-63/8> Acesso em: 22 dez 2014.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao traçarmos considerações sobre o papel social imagem na pós-modernidade
pudemos esboçar os contornos de onde elas circulam: a mídia. Esta promove o fluxo
de imagens, que, por sua vez, baliza o estar junto social, evidenciando este universo
estético em que essas representações se fazem ver e encorajam o fervilhamento de
emoções. A imagem, sobretudo constata um elo vital. Esse vitalismo apreendido nas
representações deste de estudo reforça a importância da imagem e do imaginário pós-
moderno, principalmente o estar no mundo de cada indivíduo receptor dessas imagens
presentes na publicidade.
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A estética audiovisual da publicidade
na internet – caso Youtube
The audiovisual aesthetic in advertising
on the internet – Youtube case
M a ria Inês A l meida Godinho1
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A estética audiovisual da publicidade na internet – caso Youtube
(1990, p. 238), “o primeiro filme a contar com trilha musical apropriada foi o da Casa Clô”.
Nos anos 1960, a linguagem publicitária toma novos rumos, associando seus pro-
dutos a um clima de otimismo. De acordo com Siqueira (1995, p. 79), “a Kolynos, por
exemplo, já usava filmes onde pessoas jovens demonstravam toda sua alegria e dina-
mismo, determinando as características do slogan: ‘Gente dinâmica prefere Kolynos’”.
O videoteipe chega ao Brasil no início desta década, como um equipamento de
apoio à televisão, ajudando a resolver seus problemas estruturais, a exemplo dos pro-
gramas ao vivo, sujeitos a erros, que passaram a ser gravados e a ter melhor qualidade.
De acordo com Priolli (2000, p. 18), o VT também serviu para reproduzir programas e
alimentar o conteúdo várias praças, “já os programas, até então, tinham apenas uma
única emissão, a original, ao vivo”.
Porém o videoteipe ainda não era utilizado como um recurso de linguagem. A
primeira máquina de edição de vídeo só foi lançada em 1963. A partir daí os recursos
da imagem e do som começaram a ser mais bem utilizados, já que o processo eletrônico
permitiu a utilização de efeitos visuais eletrônicos e também imprimiu um ritmo mais
rápido às peças, além de dar maior liberdade criativa aos produtores com a captação de
cenas externas e a possibilidade de criação de efeitos.
A edição eletrônica também provocou uma maior fragmentação das cenas. Daniel
Filho (2001, p. 56) comenta que a televisão passou a ser ‘telegráfica’, “tão rápida que os
programas tinham que ter um apelo muito forte para prender o telespectador na cadeira
e no canal”.
O início da televisão no Brasil também não viu grandes trabalhos de iluminação,
até porque a própria imagem não exigia: eram quase que borrões e fantasmas na tela. A
luz era feita com os chamados panelões, enormes refletores que trabalhavam com uma
lâmpada muito forte. De acordo com Daniel Filho (2001, p. 262), o trabalho de iluminação
se sofisticou quando o mercado absorveu diretores de cinema relutantes em trabalhar
com o videoteipe, “pois estavam acostumados com uma melhor qualidade de imagem.”
Não é coincidência que isso tenha acontecido na mesma época em que os profissionais
de cinema estrangeiros vieram para trabalhar na publicidade.
O trabalho de iluminação foi aprimorado quando a cor chegou à televisão brasileira,
em 1972. Os comerciais passaram a trabalhar os simbolismos que os tons podiam trazer
à cenografia, ao figurino, à maquiagem e, principalmente à iluminação.
Aproveitando a iniciativa da Tupi, que transmitia eventuais sessões coloridas, a agência
Panam Propaganda realizou em 1964 o primeiro comercial em cores da TV brasileira. Poucos
espectadores privilegiados puderam ver o novo filme em desenho animado das geladeiras e
fogões Brastemp, estrelado pela já famosa família de esquimós. (Xavier & Sacchi, 2000, p. 130)
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A estética audiovisual da publicidade na internet – caso Youtube
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na análise aqui realizada, verificamos que estética trabalhada na maior parte das
peças publicitárias audiovisuais Trueview In Stream no Youtube não observa as especifi-
cidades das plataformas móveis. Além das peças publicitárias aqui analisadas, notamos
que vários vídeos deste formato ignoraram as variáveis técnicas que influenciam a
narrativa audiovisual para os novos suportes.
O que chamou mais a atenção foi que, em sua grande maioria, as peças veiculadas
no Youtube não passam de meras reproduções de peças criadas para a televisão, o que as
tornam, assim, previsíveis e desinteressantes. Para Jenkins (2009, p. 138), a redundância
acaba com o interesse do fã, ao contrário de novas experiências, que motivam o consumo.
Também é ignorado o poder do usuário de escolher e controlar as mensagens publi-
citárias que deseja consumir nas plataformas online. Como comenta Cannito (2010, p.
107), os usuários querem usar as plataformas móveis para “personalizar e controlar
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A estética audiovisual da publicidade na internet – caso Youtube
conteúdos e também para interagir com eles”. Além disso, muitas estão inseridas em
vídeos que o usuário não tem interesse por não terem relação com o conteúdo procurado.
Hoje a internet está repleta de opções de conteúdos que atraem a atenção dos consu-
midores de todas as idades e camadas sociais pelo simples motivo de que ela possibilita
que cada um escolha o que quer, por isso acreditamos que uma melhor utilização das
possibilidades narrativas das plataformas móveis pode criar um modo de participação
mais eficiente do consumidor, já que a forma como consomem propaganda mudou
radicalmente. Como comenta Longo (2008), “antes a luta era apenas para que alguém
visse a nossa mensagem. Hoje ela é pela capacidade de efetivamente influenciar, moti-
var, emocionar, impactar”.
O apelo da publicidade tradicional perdeu o impacto e a eficiência de antes. É
ponto pacífico que o comercial de televisão de 30 segundos, apesar de ainda estar no
ar no Brasil, é uma peça morta, porque procura atrair a atenção de seus consumidores
através da interrupção, o que hoje não é viável. A partir do controle remoto e seu efeito
zapping, os telespectadores se tornaram mais seletivos, buscando conteúdos que mais
o atraíssem. Para fugir do zap, os anúncios televisivos pularam para dentro dos pro-
gramas, que foram uma solução paliativa para o problema, como os merchandisings e os
advertainments, publicidade travestida de entretenimento.
Nos Estados Unidos, já em 2005, a Procter & Gamble, que focava mais de 80% de seu fatura-
mento em anúncios publicitários, anunciou a redução em 25% nos anúncios de TV nas redes
a cabo e 5% nas terrestres. Essa decisão decorre do fato da nova tecnologia de transmissão
permitir ao espectador pular os anúncios. (Cannito, 2010, p. 116)
REFERÊNCIAS
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A estética audiovisual da publicidade na internet – caso Youtube
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Vera Cruz: Um Diálogo Histórico Narrativo
Vera Cruz: A Historical Narrative Dialogue
Fernanda Bastos1
Resumo: Vera Cruz (2000), da artista plástica Rosângela Rennó, obra analisada
neste artigo, se baseia na carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel I, por
ocasião do Descobrimento do Brasil, portanto aborda um tema histórico - o que
é raro na videoarte - sob um enfoque extremamente narrativo-cinematográfico,
reforçado pela montagem audiovisual, característica também pouco comum
neste tipo de obra de arte. Com esta obra, a artista interpela o espectador e seu
repertório imagético construído pelo contexto histórico-cultural, além de criar
um jogo de ver e não-ver, chamando atenção para o que permanece e o que é
descartado, temas bastante recorrentes no conjunto de seus trabalhos.
Palavras-Chave: videoarte, narrativa, diálogo, montagem audiovisual
Abstract: Rosaâgela Rennó’s Vera Cruz (2000), analyzed in this paper is a vídeo
version to the letter of Pero Vaz de Caminha addressed to King Manuel I, by the
occasion of the discovery of Brazil. Historical themes are pretty rare in video
art, and to realize thins work, Rannó uses a very narrative-cinematographic
approach, reinforced by audiovisual editing, aspect also unusual in this kind
of work of art. In Vera Cruz, the artist challenges her public and its imagistic
repertoire built by the historical and cultural context, and create a game of seeing
and not-seeing, drawing attention to what remains and what is discarded, quite
recurring themes in her work.
Keywords: video art, narrative, dialogue, video editing
BREVE INTRODUÇÃO
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Vera Cruz: Um Diálogo Histórico Narrativo
Fernanda Bastos
Neste artigo analiso Vera Cruz2 (2000), uma videoarte, da artista mineira Rosangela
Rennó, feita para a mostra Brasil +500, da Bienal de São Paulo, levando em conta justamente
a questão da participação do espectador, que neste caso é estrutural.
2. Todas as obras de Rosângela Rennó podem ser visualizadas no site da artista: http://www.rosangelarenno.
com.br/obras
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Vera Cruz: Um Diálogo Histórico Narrativo
Fernanda Bastos
ficção de época –, em que a imagem e o áudio dos diálogos foram apagados pelo tempo,
e do qual restam apenas as legendas e o som do vento, sobre um negativo arranhado,
manchado e mofado.
Recorrentemente rotulada como uma fotógrafa que não fotografa, por reutilizar, na
maior parte de suas obras, imagens e equipamentos fotográficos destinados ao descarte,
Rennó é uma verdadeira garimpeira de feiras de troca-troca, uma arqueóloga de indícios
imagéticos e documentais. Ela escava arquivos privados, como no caso de Bibliotheca
(2002), e arquivos públicos, como na Série Cicatriz (1996).
Bibliotheca é uma instalação composta por um conjunto de 37 vitrines lacradas com
álbuns de fotografias em seu interior. Cada vitrine encerra três ou quatro álbuns cole-
cionados em feiras de refugo ao redor do mundo. Cada fotografia destes álbuns está
catalogada de acordo com várias categorias, como local do registro fotográfico, local da
aquisição do álbum, época etc., e registradas em cartões como livros de uma biblioteca.
A Série Cicatriz é formada por doze textos esculpidos em gesso e dezoito fotografias
reproduzidas a partir de negativos de vidro dos registros de identificação dos detentos
do Presídio do Carandiru das décadas de 1920 a 1940. Para realizar este trabalho, Rennó
precisou limpar, restaurar e catalogar mais de 15.000 negativos que estavam amontoados
e abandonados em um arquivo morto do Museu Penitenciário Paulista. Nesta obra vemos
cicatrizes, tatuagens e marcas peculiares de detentos documentadas para facilitar sua
identificação, mas nunca vemos seus rostos, o que traz à tona outro viés da obra desta
artista, a questão da identidade e seu apagamento ou dissolução na esfera social. Rennó
se interessa pelo ciclo de vida das imagens que, em geral, são feitas para eternizar um
encontro, um momento, enfim, um acontecimento, mas acabam esquecidas, abandona-
das ou descartadas. Ao resgatar estas imagens em vias de desaparecimento, o que ela
realça é justamente o processo de desaparecimento.
Rennó trabalha primordialmente questões de memória, arquivo e coleção, seu gesto
artístico mais marcante é criar novas narrativas para imagens abandonadas ou novas
imagens para histórias esquecidas. A interação texto-imagem está sempre presente em
suas obras, com destaque especial para Arquivo Universal e Hipocampo.
Arquivo Universal (iniciado em 1992 e ainda em progresso) consiste na transformação
de imagens fotográficas em textos, que são mais que descrição ou legenda, são mesmo uma
conversão, um arquivo de imagens sem imagens ou de “imagens escritas”, como a própria
artista costuma definir. Com esta obra, Rennó interpela o acervo visual do espectador.
Hipocampo (1992-1995) é uma instalação na qual vemos textos impressos com tinta flu-
orescente nas paredes da sala de exposição. A sala, que permanece escura na maior parte
do tempo, é iluminada por uma luz muito forte em intervalos breves e regulares. Quando
a luz se apaga, os textos se revelam aos olhos do espectador para, em seguida, começarem
a se esvanecer lentamente até desaparecerem por completo e a luz se acender de novo.
Majoritariamente baseada na questão fotográfica, a artista enveredou pelo suporte
do vídeo na virada do século XX para o XXI, primeiro com Vulgo (1999) e em seguida
com Vera Cruz (2000), em que ela pôde criar, segundo declarou, “uma possível leitura
para aquele texto que, na minha infância, parecia tão rebuscado”.3
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Vera Cruz: Um Diálogo Histórico Narrativo
Fernanda Bastos
Entre as obras em vídeo com texto escrito, vale destacar, além de Vera Cruz, Vulgo e Si
loin mais pourtant si près [so far and yet so close]. Em Vulgo, nomes de bandidos se sucedem
girando na tela à moda de caça-níqueis, através de uma técnica de animação. Si loin
mais pourtant si près [so far and yet so close] (2008) é uma video-instalação composta de
duas telas, uma em tons de azul e outra em tons sépia, em que personagens brancos, do
lado sépia, e negros, do lado azul, falam sobre comida típica da Louisiana, nos Estados
Unidos, revelando através das suas receitas questões das culturas cajun e creóle que até
hoje coexistem naquela região. Enquanto um personagem fala, frases extraídas de seu
discurso cruzam, horizontalmente, a outra tela.
Vera Cruz é uma obra que estabelece diálogos diversos e aponta para muitas
referências. Primeiramente, no próprio campo da arte, a obra dialoga com o Minimalismo
e com a arte relacional. Se nas instalações de Robert Morris o espectador precisa se
deslocar através do ambiente para apreender a obra como um todo; se um Parangolé, de
Hélio Oiticica, só “vira” arte quando alguém o veste; se na vídeo-instalação Arvorar, de
Katia Maciel, é preciso que o espectador sopre o microfone para que a árvore do vídeo se
mova; ou seja, se todas estas obras demandam uma implicação física do espectador para
que se completem na busca de romper o limite entre arte e vida, podemos considerar Vera
Cruz uma obra quase relacional a seu modo. Ainda que sua forma – videoarte em tela
única – não demande uma ação física do espectador, esta obra joga com as possibilidades
e impossibilidades de registro audiovisual do acontecimento convocando espectador a
completar o filme em sua imaginação como um documentário ou como uma ficção de
época, de acordo com o repertório de cada um. Além disso, suscita possíveis memórias
engendradas por outras imagens (não filmadas) provenientes das mais variadas origens.
Não devemos esquecer que a colonização se faz também pelo olhar, pelas imagens que
são apresentadas e reapresentadas, impostas mesmo, ao colonizado. Essas imagens,
criadas por cada espectador para completar o vazio deixado pela artista, são devires
imagéticos singulares deste momento histórico registrado em sua imaginação, sobretudo
se este espectador for brasileiro ou português.
Esta obra borra, ainda que temporariamente, o limite entre sujeito e objeto,
considerando que ela só se completa imageticamente através do observador, ratificando a
afirmação de H. U. Gumbrecht, segundo a qual, “presença e sentido estão sempre juntos
e em tensão” (GUMBRECHT, 2010, P.134) e podendo ser considerada um típico exemplo
do que Bruno Latour chama de híbrido, no livro Jamais fomos Modernos.
O artista leva o “observador” a participar de um dispositivo, a lhe dar vida, a completar a
obra e a participar da elaboração de seu sentido. (...) esse tipo de obra (...) tem sua origem na
arte minimalista, cujo fundo fenomenológico especulava sobre a presença do observador
como parte integrante da obra. É essa “participação” ocular que Michael Fried denuncia
sob a designação genérica de “teatralidade”: “A experiência da arte literal (o minimalismo)
é a de um objeto em situação, a qual, por definição, inclui o observador.4” (BOURRIAUD,
2009, p. 83)
Conteudo/1,721085,Mostra_Memorias_Inapagaveis_recebe_debate_sobre_invisibilidade_do_negro_e_do_
indio_na_historia_e_na_arte,721085,1.htm
4. FRIED apud BOURRIAUD
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Vera Cruz: Um Diálogo Histórico Narrativo
Fernanda Bastos
Como filme Vera Cruz tem roteiro adaptado do relato escrito de Pero Vaz de Caminha,
a partir do qual foram criados os diálogos (fictícios) da tripulação portuguesa, que
aparecem em forma de legendas, ou seja, um documento histórico transformado em
discurso livre direto, que usa como suporte um recurso auxiliar do cinema – nenhum
filme nasce legendado, as legendas só são incorporados se o filme é vendido para países
de idioma diferente do original. No filme, a passagem de tempo é fiel à da carta – se
inicia na quinta-feira, 21 de abril, quando a tripulação, depois de mais de dois meses
de viagem, começa a identificar sinais de que há terra próxima, como algas marinhas
na superfície da água e aves que sobrevoam o barco. A suposta ação ganha corpo na
montagem, através da escolha e combinação dos trechos de negativo com mais ou menos
arranhões e manchas, usados em velocidades diferentes – acelerado para intensificar
o ritmo e ralentado para suavizá-lo –, somados ao áudio de um vento também em
momentos mais fortes ou mais brandos, associados ainda à duração das legendas que
nos informam sobre os acontecimentos e impressões dos navegadores portugueses.
Além disso, o filme começa com a tradicional contagem regressiva de um negativo
ótico, remetendo o espectador diretamente a um filme antigo de cinema. Em seguida,
surgem as cartelas pretas com letras brancas com o título do filme e a data em que a
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Vera Cruz: Um Diálogo Histórico Narrativo
Fernanda Bastos
Com seu filme Rennó cria uma pequena linha de fuga em um mundo dividido
entre colonizadores e colonizados, todos eles “capturados pela imagem-informação”
(PARENTE, 2013, p.95). E promove uma desmontagem do registro por meio de uma
tática iconoclasta, fazendo um antidocumentário (MELLO, 2008, p. 121). Ela questiona
o visível, seu lugar e seu valor; questiona o consumo das imagens dentro e fora do
mercado da arte; questiona o estatuto da fotografia – seja ele abordado pelo viés artístico,
documental, afetivo ou jornalístico – e interroga o tempo a partir de imagens e objetos
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Vera Cruz: Um Diálogo Histórico Narrativo
Fernanda Bastos
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Aproximaciones al estudio de la estética del videoclip
musical contemporáneo: un análisis comparativo
Approaches to the study of the aesthetics of
contemporary music video: a comparative analysis.
A n a M a r i a S e d e ñ o -V a l d e ll ó s 1
Abstract: Despite being one of the main formats in the audiovisual convergence,
we can say that there isn´t anything like a theory of contemporary music video.
We believe in the need to study this second stage of music video´s aesthetics,
which defines its specificity after events which have changed its narrative and
discourse, such as the incorporation of storing web-sites, the emergence of video
fan and the arrival of interactive video and web-based clip.
This text tries to reflect on what the parameters with we need to focus to study
contemporary music video, for the aim to the most complete characterization of in
this format. We apply a comparative analysis of ten successed music videos (with
more views on YouTube according to data from Music Video Database) with ten
artistic music videos, selected from some of the specialized music websites like
Pitchfork or Top of the clips... All of them are produced after 2005. The results
point to the difference in choices of these two kinds of music videos and in posi-
tions found in the relationship between visual and letters, as well as other criteria.
Keywords: Music video. Contemporary Audiovisual Aesthetic. Audiovisual
Communication
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Aproximaciones al estudio de la estética del videoclip musical contemporáneo: un análisis comparativo
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Aproximaciones al estudio de la estética del videoclip musical contemporáneo: un análisis comparativo
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Aproximaciones al estudio de la estética del videoclip musical contemporáneo: un análisis comparativo
hecho que supuso una modificación en las condiciones de difusión de toda clase de
contenido vídeo.
Los videoclips del primer grupo mencionado que serán analizados como muestra
son los siguientes (se indica título y artista):
Por otro lado, se eligen diez clips que tienden a una concepción estética o creativa
del videoclip, de una selección de varias webs especializadas ya citadas:
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Aproximaciones al estudio de la estética del videoclip musical contemporáneo: un análisis comparativo
Tipo de videoclip
En primer lugar, resulta importante apuntar la necesidad de conocer el tipo de
videoclip mayoritariamente empleado por los realizadores y la industria musical, pues
en ello se comprueba parte del imaginario de la música popular: como reunión común
en forma de actuación o concierto (videoclip performance), como experimentación estética
(videoclip conceptual) o generador de historias ficcionales (videoclip narrativo) o mixto
(híbrido de al menos dos categorías).
El videoclip que se describió (Sedeño, 2002) como descriptivo es aquel “videoclip
en el que vemos al cantante o grupo interpretando el tema que da titulo al video, en un
escenario o en cualquier otro lugar (real o virtualmente creado) y también los videoclips
que son realizados a partir de actuaciones en directo o conciertos” (2002, p. 51). En este
caso es necesario decir que se dividen en performance o conceptuales.
El videoclip narrativo es “todo videoclip que contenga al menos un programa nar-
rativo, aunque este sea simple, es decir, aunque no esté formado por diversos programas
narrativos adjuntos o subordinados. El programa narrativo se define como la sucesión de
estados y cambios que se encadenan en al relación de un sujeto y un objeto, la relación
de pasos o cambios de un estado (relación de un sujeto y un objeto a otro)” (SEDEÑO,
2002, p. 65). Por otro lado, los videoclips mixtoss (conceptual/performance o narrativo/
performance) han sido los preferidos para la industria de la música por su capacidad
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Aproximaciones al estudio de la estética del videoclip musical contemporáneo: un análisis comparativo
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Aproximaciones al estudio de la estética del videoclip musical contemporáneo: un análisis comparativo
RESULTADOS PARCIALES
Tipos de videoclips
En este apartado es necesario hablar de la preeminencia del videoclip mixto,
especialmente en el primer conjunto. La categoría mayoritaria es la del videoclip
performance/conceptual con cinco casos de diez, que sumados a los dos performance/
narrativos vuelven esta opción la principal. En los videoclips con un mayor cuidado
estético (segundo grupo), el rasgo destacable viene de una tendencia a incluir algún
elemento performance, es decir a la hibridación de estas dos categorías (no a su
diferenciación por secciones). Esto ocurre sobre todo en el caso del tema instrumental
de Sigur Ros Fjögur Piano, que se encuentra dentro de una tendencia creciente: la puesta
de escena basada en una coreografía contemporánea. En relación con ella, el performance
humorístico de Here it goes again (en plano secuencia) supone otro ejemplo (célebres son
ya los videoclips de esta banda, siempre en plano secuencia) y el de Feist 1234, bajo la
modalidad en un único plano.
Volviendo a esta tendencia a la hibridación de lo performativo y lo conceptual en una
puesta en escena, ocurre sobre todo gracias a la tecnología de edición digital mediante
la incrustación (You only live once de The Strokes), o bajo la fórmula de la animación en
Before your very eyes (Atom for peaces).
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Aproximaciones al estudio de la estética del videoclip musical contemporáneo: un análisis comparativo
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Aproximaciones al estudio de la estética del videoclip musical contemporáneo: un análisis comparativo
CONCLUSIONES
El vídeo musical en esta segunda estética parece estar extremando sus opciones
de realización y montaje básicas, oponiendo estos dos grandes tipos de clips: por un
lado, los performances y mixtos y, por otro, los conceptuales. Entre el primer grupo, tras
una época de especialización por géneros, la música pop y mainstream (que cuenta con
los videoclips más visitados) prefiere los videoclips de tipo mixtos, especialmente los
narrativos/performances, en los que el cantante/artista juega un papel en la trama o
nudo narrativo.
Los videoclips del segundo grupo apuestan por una banda imagen basada en una
amplificación de la propuesta de la letra de tipo conceptual, basada en escenas o cuadros
vivientes, que amplifican el sentido de la letra y título de la canción pero sin llegar a
un discurso narrativo a su manera clásica. Las técnicas de animación de imagen y de
posproducción (aceleraciones, inversiones, retoque de color y fotografía, juego con capas
de composición de imagen, morphing...) también caracterizan este segundo tipo. Frente
a ello, los videoclips del primer conjunto optan por la iconocidad de imagen fotográfica
pura, filmada en HD: la intensa calidad fotográfica, la precisión de la zona enfocada en
la imagen, el perfecto contraste en la colorimetría se ponen al servicio de la exposición
física de los protagonistas -los músicos- y, en gran medida, en la de las artistas femeninas,
a las que se dedican más primeros planos.
Otros criterios parecen volverse innecesarios en la caracterización del clip
contemporáneo, como en el de presencia de espejos, pantallas... Intuimos, sin embargo,
que se necesita un mayor número de videoclips para poder proporcionar resultados
concluyentes en este criterio específico.
En un territorio audiovisual como el del videoclip, tan diverso en sus posibilidades
(opciones estéticas y creativas), condicionamientos (diferencias en sus condiciones
industriales y contextuales) y vínculos con el campo de la música popular, se vuelve
complejo realizar tareas unificadoras de estilos o tendencias, en especial con un corpus
quizás mínimo de la producción anual (por otro lado, completamente desconocida en sus
dimensiones reales). Sin embargo, en este análisis para caracterizar el videoclip musical
contemporáneo, o como se ha denominado, su segunda estética, se han diseñado caminos
que tomar y se han encontrado líneas de desarrollo con que continuar investigándola.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Aproximaciones al estudio de la estética del videoclip musical contemporáneo: un análisis comparativo
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Human connection Project 2014 e o Haiku expandido:
Vjing e Live-image no Brasil
The human connection project 2014 and the expanded Haiku:
Vjing and Live-image in Brazil
Almir Almas1
C ec i l i a No r i ko Ito Sa i to2
1. Prof. Dr. Almir Almas é videoartista, cineasta, VJ, Doutor pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em
Comunicação e Semiótica da PUC-SP, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos
Audiovisuais e do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo. Foi bolsista no Japão pela ABK/AOTS/MITI-Governo Japonês e Fundação
Japão. Email: alalmas@usp.br
2. Profa. Dra. Cecilia Noriko Ito Saito é pesquisadora do Centro de Estudos Orientais da PUC-SP. Doutora
pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Concluiu Pós-Doutorado
PNPD/CAPES/UNISO (2014); Pós-Doutorado FAPESP/PUC-SP (2013). Possui livros e artigos publicados
no Brasil e no exterior. Email: cnisaito@gmail.com
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Human connection Project 2014 e o Haiku expandido: Vjing e Live-image no Brasil
as part of the program of the Human Connection Project 2014, a project that
brought together researchers from eleven Brazilian universities in partnership
with a professor at the Harvard University. In this spectacle the live actions took
place simultaneously with the manipulation of images and sounds designed in a
reflecting pool with textures filters consisting of the materiality of three screens
and a steel screen clipping. The elements alluded to the garimpo of diamonds
and the “panying” of Coffee in Brazil, by referring to the particular universe
lived by artists in their childhood, approaching the audiovisual universe /
film of the creative process. Thus, this research transits through intercultural
studies, poetry and art and technology, following the theoretical foundation of
the semiotic of culture, intersemiotic translation and transdisciplinarity. The
research seeks to reflect on the issue of hybridization between media, art and
technology and cinema studies at its enunciation and “expansion” of devices.
Keywords: Expanded Cinema. Haiku. VJing. Live-Image. Human Connection
Project.
INTRODUÇÃO
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Human connection Project 2014 e o Haiku expandido: Vjing e Live-image no Brasil
ela de “Overlap” e a partir de tais imagens, os grupos procuraram pensar seus próprios
roteiros, de forma livre, mas considerando algumas regras pré-estabelecidas. Além da
participação presencial na apresentação, a regra previa que as cinco imagens deveriam
aparecer em sua íntegra, em algum momento do vídeo, estabelecendo relação com o
conteúdo apresentado. Apesar das inúmeras questões que rondaram o início do projeto,
principalmente sobre o nexo entre as cinco imagens e os sons, tais questões foram bre-
vemente abordadas no prefácio do livro “Human Connection Project, isolamento social
como inspiração criativa” lançado em 2014 pela Editora Intermeios. No livro, Kuriyama
(2014, p. 14) compara o projeto a um “jogo” e defende que, em se tratando de regras, as
restrições podem favorecer a criatividade, a interação e o aprendizado coletivo.
Na segunda edição do projeto, o tema escolhido foi “Connectivity and Disturbance”,
sugerido pelo supervisor do pós-doutorado Prof. Dr. Paulo Celso da Silva, e
procurou refletir sobre questões como, as espacialidades midiáticas, os distúrbios da
contemporaneidade, além dos temas da cultura japonesa. O som principal foi enviado
via e-mail, uma colaboração do Professor Arturo Blasco, responsável pelo Vallgrassa
Centre Experimental de les artes, Park del Garraf em Barcelona, e o som opcional foi
igualmente uma colaboração enviada via e-mail pelo Prof. Dr. Marco Souza.
Como parte da programação do Human Connection Project 2014, o espetáculo “O
apanhar do sonho-tempo” pode ser pensado como um emaranhado de conexões, uma
espécie de espetáculo em Haiku Expandido, cuja concepção, criação e direção de Almir
Almas (da USP), contou com a parceria da artista e pesquisadora Clélia Mello (da UFSC)
e com a colaboração musical de Carlos Martins (da UNESP). Além dos professores que
pensaram o teor conceitual e estético, outros colaboradores (técnicos e voluntários)
participaram deste labor coletivo. O espetáculo, uma apresentação audiovisual de
live-image e cinema expandido leva o gênero de poesia haiku a uma expansão para o
universo tecnológico, cibernético/digital. O conceito de haiku expandido inscreve este
espetáculo dentro da linha evolutiva dos trabalhos artísticos que misturam poesia e
tecnologia de vídeo, que Almir Almas pesquisa desde o início dos anos 90. A pesquisa
de Almir Almas adentra conceitos que envolvem a hibridização artística e a tradução
intersemiótica, estabelece proximidade entre a poesia japonesa haiku e a linguagem do
vídeo, o que levou, nos anos 90, à origem do termo Videohaiku, no nomear da criação
de uma obra de videopoemas em série. A obra em série Videohaiku se inscreve dentro
do gênero videopoema, investigação que tem no ano 2000, um importante marco em
sua pesquisa com a conclusão do mestrado, defendido no Programa de Estudos Pós-
Graduados em Comunicação e Semiótica, na PUC/SP. Adiante, abordam-se questões
teóricas sobre gêneros artísticos e audiovisuais, os desdobramentos originários da
pesquisa de videohaiku, a conceitualização da criação do namahaiku e a concepção do
espetáculo atual, “O apanhar do sonho-tempo”.
A comunicação com os integrantes do Human Connection Project se deu através
de canais virtuais como: e-mails, websites, redes sociais, SMS e principalmente
via Blog. Na primeira edição foram criados dois websites principais: https://
humanconnectionproject2013.wordpress.com/ e http://www.huconproject.com.br/ e em
o Blog “Redes e Parcerias”: http://hikikomorismos.blogspot.com.br. Além disso, algumas
universidades criaram seus próprios grupos de discussão nas redes sociais e procuraram
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Human connection Project 2014 e o Haiku expandido: Vjing e Live-image no Brasil
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Human connection Project 2014 e o Haiku expandido: Vjing e Live-image no Brasil
essa classificação não é estanque e não diz tudo sobre a obra. Arlindo Machado chama
a atenção também para o fato de que “os gêneros são categorias fundamentalmente
mutáveis e heterogêneas (não apenas no sentido de que são diferentes entre si, mas
também no sentido de que cada enunciado pode estar ‘replicando’ muitos gêneros ao
mesmo tempo)” (MACHADO, 2000, p. 71).
A noção de “replicar” (ou “replicabilidade”), colocada por Arlindo Machado no texto
acima, é discutida a partir da noção de Meme (replicador cultural, equivalente ao que o
gene faz na genética) presente na teoria do “Gene Egoísta”, de Richard Dawkins. Ciente
da origem latina de gênero, proveniente de genus/generis (família, espécie), Arlindo não
deixa de chamar a atenção para as palavras gene e genética, originadas do grego génesis
(geração, criação), apontando aí a “inequívoca relação entre o que faz o gênero no meio
semiótico (ou seja, no interior de uma linguagem) e o que faz o gene no meio biológico”
(MACHADO, 2000, p. 69). O problema na teoria de Dawkins, segundo Arlindo, é que
na cultura não são os enunciados que são “imitados” diretamente, e sim as “estruturas
abstratas, arranjos sintáticos, modos de selecionar e combinar”; sendo, portanto, a teoria
dos gêneros de Mikhail Bakhtin mais precisa para se dar conta do conceito de replicante
cultural.
Tanto na aplicação ao Videohaiku, quanto no desenvolvimento posterior, de haiku ao
vivo (Namahaiku) – a ser tratado posteriormente – e haiku expandido, o conceito de gênero
é pensado sem a preocupação quanto ao fechamento da obra em uma categorização
estática. Gênero é entendido aqui no contexto de sua diversidade, e, principalmente,
diante do hibridismo em que as obras contemporâneas se apresentam. Dessa forma, o
espetáculo de cinema expandido/live-image e haiku expandido “O apanhar do sonho-
tempo” pode ser percebido como um processo de hibridização e de transcriação
intersemiótica, na mesma linha evolutiva apontada pelo trabalho Videohaiku, que se
iniciou em 1990. Conforme dito à página 193, no artigo Videohaiku, publicado no livro/
anais do XI Encontro Nacional de Professores Universitários de Língua, Literatura e
Cultura Japonesa e I Encontro de Estudos Japoneses, no ano 2000,
“Desde o primeiro instante, isto é, desde o momento em que optamos por experimentar
uma forma poética casada ao vídeo, nossa intenção era fazer determinadas escolhas que nos
levassem às experimentações radicais em videoarte com leis e parâmetros da poesia escrita.
Ou seja, buscávamos um processo de experimentação e pesquisa em forma de transposição
de linguagens, ou recriação, ou ‘transcriação’” (ROSA, 2000A. p.193).
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Human connection Project 2014 e o Haiku expandido: Vjing e Live-image no Brasil
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Human connection Project 2014 e o Haiku expandido: Vjing e Live-image no Brasil
Acrescenta-se à divisão 5/7/5, da métrica, o uso do kireji (ou corte ou cesura), que
é a forma como o poeta faz cortes em sua métrica, dividindo-a em secções ou para dar
ênfase a um dos três momentos do haikai/haiku, e com o que cria o ritmo que o poema
apresenta.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Human connection Project 2014 e o Haiku expandido: Vjing e Live-image no Brasil
“A contagem métrica também nos leva a uma outra regra do haiku, a qual está ligada, que é o
uso de um corte ou cesura. Essa cesura vai ocorrer ou no final da primeira ou segunda linha.
O nome desse procedimento é kireji, palavra formada pelos ideogramas kiru (cortar) e ji (letra).
Na verdade, o kireji dá a pausa no haiku, dividindo-o sintaticamente em secções. Assim, o 5/7/5,
pode ser (5)/(7-5) ou (5-7)/(5), ou mesmo o (5-7-5). Ou então, o kireji é usado simplesmente para
dar ênfase, e nesse caso, aparece também no final da terceira linha.” (ROSA, 2000B. p. 46)
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Human connection Project 2014 e o Haiku expandido: Vjing e Live-image no Brasil
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Human connection Project 2014 e o Haiku expandido: Vjing e Live-image no Brasil
CONCLUSÃO
Como dito, na concepção do espetáculo “O apanhar do sonho-tempo”, bem como
na dos espetáculos de namahaiku, os conceitos de uso de linguagens, gêneros e dos
dispositivos e aparatos técnicos referencias de cinema e televisão são a base para a
criação de uma nova semiose estética e poética. Características do princípio da televisão,
como o a inscrição do tempo presente, a montagem/edição em tempo real, os cortes (ou
escolhas) a partir de diversas fontes de imagens e sons, o registro do acontecimento e sua
exibição simultaneamente, são assimiladas e fazem parte da condição para a existência
do espetáculo da forma como ele é concebido.
Ou seja, trazendo para conceitos atuais do fazer cinematográfico, pelas características
de transposição entre signos e de hibridização artística de linguagem e gêneros, pelo uso
do vídeo, da videoarte, das interfaces computacionais e de sistemas cibernéticos, essa
pesquisa, desde o videohaiku, aponta para a expansão do cinema, tanto em seus dis-
positivos, quanto nos procedimentos de linguagem e estética. Essa visão de um cinema
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Human connection Project 2014 e o Haiku expandido: Vjing e Live-image no Brasil
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Da cultura da portabilidade à cultura do acesso:
a reordenação do mercado de mídia sonora
From the portability culture to the access culture:
the rearrangement of sound media market
Marcelo Kischinhevsky1
Abstract: This article focuses on the online music content’s consumer market, a
digital business segment that articulates phonographic and radio industries and
enters on a collision course with the segment that bet, in the 2000s, on the down-
loads (paid or not). It starts with the hypothesis that, in the consumption of sound
media, we are living the transition from a portability culture to an access culture.
Keywords: Communication. Radio. Music. Portability culture. Access culture.
S ERVIÇOS DE streaming vêm catalisando, nos últimos anos, o redesenho das etapas
de produção, circulação e consumo de mídia sonora em nível planetário. Conteúdos
musicais ganham ubiquidade, e conteúdos radiofônicos superam a fugacidade
das transmissões em ondas hertzianas, com a possibilidade do armazenamento e da
recuperação de áudios, facilmente acessíveis aos internautas.
Em todo o mundo, de acordo com o Digital Report da International Federation
of Phonographic Industry (IFPI), em 2013, havia 28 milhões de usuários pagantes de
serviços de streaming de música como Spotify, Deezer, Rdio, KKBox e WiMP, uma
expansão de 40% frente a 2012. Em 2013, a receita das empresas do segmento cresceu
51,3%, superando pela primeira vez a barreira de US$ 1 bilhão. Com isso, a indústria
fonográfica obteve 27% de seu faturamento em royalties pagos por estes serviços, contra
14% no ano anterior2.
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Da cultura da portabilidade à cultura do acesso: a reordenação do mercado de mídia sonora
Marcelo Kischinhevsky
MUDANÇA CULTURAL
Poucas palavras foram objeto de tantos abusos quanto “cultura”. Espera-se que, aqui,
não se cometam excessos no recurso à expressão, que permeia grande parte dos estudos
em ciências sociais e humanas desde a primeira metade do século XX. Na maioria dos
casos, prevalece certo determinismo, fruto de leituras apressadas de Marx, em que o
cultural aparece sempre subsumido pelo econômico.
3. O crescimento foi puxado pelos downloads pagos, que tiveram alta de 87,15%. No mesmo período,
a expansão da receita com serviços de streaming de áudio e vídeo remunerados por publicidade e/ou
assinatura foi de 1,56%. A fatia dos serviços de streaming, no entanto, responde por R$ 59,6 milhões, ou
27,4% das receitas totais com o segmento digital no Brasil, contra R$ 44,4 milhões, ou 21,3%, dos serviços
de download pago. Dados disponíveis em http://www.abpd.org.br/noticias_internas.asp?noticia=245.
Última consulta: 9/1/2015.
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Da cultura da portabilidade à cultura do acesso: a reordenação do mercado de mídia sonora
Marcelo Kischinhevsky
Um dos primeiros a tentar escapar a esta visão determinista foi Raymond Williams,
para quem a cultura deveria ser vista como todo um modo de vida, e não como algo
determinado pela base econômica (infraestrutura), nem como a mera reprodução da
Cultura com C maiúsculo das classes dominantes. Interessado como outros pioneiros
dos estudos culturais, como Richard Hoggart e E. P. Thompson na cultura das classes
trabalhadoras, Williams entende as práticas do cotidiano destas populações como
realizações culturais criativas. Particularmente, interessam ao autor os mecanismos
que possibilitam a mudança cultural:
Dominante, residual e emergente são três categorias que Raymond Williams utiliza para
descrever elementos de diferentes temporalidades e origens que configuram qualquer pro-
cesso cultural. [...]
A discussão [...] aparece recorrentemente nas obras de Williams, e sempre como um modo de
analisar o processo de incorporação tão fundamental para compreendermos como valores
e sentidos do hegemônico são ativamente vividos e configuram práticas e expectativas de
sujeitos sociais em situações sociais concretas e, assim, constroem uma cultura como cultura
hegemônica. Por outro lado, a discussão sobre esses elementos evidencia a preocupação de
Williams com o processo ativo de produção de sentido na cultura e com seu esforço, ao
mesmo tempo teórico e político, de valorizar a mudança cultural (GOMES, 2011, pp. 43-44)
Ana Carolina Escosteguy, por sua vez, destaca o trabalho de Hoggart, que teria
desencadeado uma “virada cultural”, a partir da percepção de que qualquer ordem
econômica só funciona plenamente se for constituída por uma dimensão simbólica,
ou seja, que “o ‘econômico’ é operacionalizado ou se torna ‘real’ dentro da dimensão
cultural” (ESCOSTEGUY, 2012, p. 15).
Já João Freire Filho lembra que a emergência dos estudos culturais ocorre em meio
à proliferação de pesquisas mais ou menos apocalípticas sobre a nova ordem capitalista
do pós-guerra, da “sociedade do consumo capitaneada pelos meios de comunicação
de massa” (FREIRE FILHO, 2007, p. 20). O autor alerta que a noção de cultura, nas
últimas décadas, passou a ganhar uma centralidade inesperada nas dinâmicas sociais,
tornando-se chave para investigação de práticas às quais se atribui resistência de grupos
em posição subalterna. Daí viria o interesse crescente pelas mobilizações sociais nos
estudos contemporâneos de Comunicação e de áreas afins.
A partir do momento em que o conceito de cultura é atrelado expressamente pelos cultural
studies a uma problemática de poder, torna-se inevitável a interrogação sobre dominações e
resistências – seja ela formulada sob os auspícios da obra de Gramsci ou sob o impacto mais
recente dos escritos de Certeau e Foucault. Na realidade, tais contendas constituem a própria
essência do protocolo analítico do novo campo de investigação, cujo objetivo principal é,
em poucas palavras, esmiuçar (por meio de análises textuais e abordagens etnográficas) de
que maneiras os recursos culturais funcionam tanto para forjar a aceitação do status quo e
a dominação social quanto para habilitar e encorajar os estratos subordinados a resistir à
opressão e a contestar ideologias e estruturas de poder conservadoras. A partir dos anos
1980, a segunda parte desta equação passou a ser cada vez mais enfatizada, configurando-se
uma tendência de celebração extrema da capacidade reagente dos grupos inferiorizados
[...] (FREIRE FILHO, op. cit. p. 21)
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Da cultura da portabilidade à cultura do acesso: a reordenação do mercado de mídia sonora
Marcelo Kischinhevsky
Essa percepção da cultura como parte essencial de uma equação das dinâmicas
sociais foi herdada, mais recentemente, por pesquisadores filiados à chamada ciber-
cultura. Proliferaram conceitos como cultura da interface (JOHNSON, 2001), cultura
da virtualidade real (CASTELLS, 1999), cultura da mobilidade (SANTAELLA, 2003),
cultura da convergência (JENKINS, 2008), cultura do compartilhamento (ZANETTI,
2011) e cultura da conexão (JENKINS, GREEN e FORD, 2014). Muitas vezes, as práticas
culturais representadas nestes trabalhos são abordadas como se pairassem acima de
contextos econômicos e políticos. Tratadas de forma totalizante, acabam oferecendo
perspectivas reducionistas dos processos sociais mobilizados nas mudanças culturais
– não raro, atribuindo ao desenvolvimento tecnológico um indevido papel de protago-
nismo e silenciando completamente sobre as relações de poder que se constituem no
próprio ato do consumo.
Em outro trabalho (KISCHINHEVSKY, 2009), eu mesmo caí na tentação, ao propor
a noção de “cultura da portabilidade” para entender as novas práticas interacionais
que emergiam com a proliferação de tocadores multimídia, como iPods. Olhando-se
em perspectiva, no entanto, o conceito parece permanecer de pé, ao oferecer pistas para
compreender a reordenação do mercado de mídia sonora naquele período. Quando
aquele artigo foi escrito, o dispositivo da Apple havia superado, em abril de 2007, a
barreira de 100 milhões de unidades vendidas em todo o mundo. Pouco depois, em
setembro de 2010, bateria a marca de 275 milhões4. No mesmo período, o consumo de
mídia sonora seria impulsionado também pela chegada ao mercado de telefones móveis
inteligentes, processo que continua se acirrando e relegando a segundo plano os MP3
players tão populares em meados dos anos 2000. As vendas de smartphones superaram
as de celulares convencionais pela primeira vez no último trimestre de 2013, totalizando
967,7 milhões de unidades naquele ano, contra 680,1 milhões no ano anterior, um aumento
de 42,3%, segundo levantamento do Gartner Group5.
A partir da segunda metade dos anos 1990, formatos de compressão de áudio
digital como MP3, Ogg Vorbis e FLAC possibilitaram a circulação de conteúdos
sonoros em larga escala, não apenas na rede mundial de computadores, mas também
em dispositivos como tocadores multimídia e telefones móveis. Os arquivos passaram
a ser baixados em diversos serviços de compartilhamento (peer-to-peer ou de-pessoa-a-
pessoa) e entraram em cena novas modalidades de radiodifusão, como as web rádios e o
podcasting. Vale lembrar que o consumo on-line, sobretudo nos anos 2000, era altamente
instável, dependendo das condições de acesso à internet, em geral precárias em países
periféricos como o Brasil – situação que persiste ainda hoje, mesmo em grandes centros
urbanos. Neste cenário, o download assumiu certa centralidade como prática cultural,
a ponto de a Apple, fabricante do iPod, abocanhar cerca de 70% do mercado de música
baixada legalmente via internet6. Gisela Castro (2005) percebia naquele período uma
4. O iPod foi lançado em janeiro de 2001, oferecendo “1 mil músicas no seu bolso” (no original: “1,000 songs
in your pocket”). Outras informações disponíveis em: https://www.apple.com/pr/products/ipodhistory/.
Consultado em: 12/3/2015.
5. As vendas totais de telefones celulares atingiram a incrível marca de 1,806 bilhão de unidades em
2013, contra 1,746 bilhão no ano anterior. Disponível em http://www.gartner.com/newsroom/id/2665715.
Consultado em: 12/3/2015.
6. Cf. “Apple supera a marca de 100 milhões de iPods vendidos no mundo”, reportagem da AFP reproduzida
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Da cultura da portabilidade à cultura do acesso: a reordenação do mercado de mídia sonora
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“onipresença dos telefones celulares e dos fones de ouvido dos mais diversos aparelhos
portáteis que já fazem parte do vestuário urbano atual”.
Claro, a cultura da portabilidade de arquivos sonoros não nasce com o iPod ou
com o podcasting. Com mais de um século de história, remontaria às vitrolas portáteis,
inicialmente acionadas por manivela (STERNE, 2003), aos rádios a pilha viabilizados
pelo transístor (FERRARETTO, 2014) e a dispositivos como o Walkman da Sony (DU
GAY et al., 1997) – quando o consumidor, munido de fitas cassete, viu sua capacidade
de edição de áudio potencializada de forma inédita.
A ubiquidade das redes em banda larga, no entanto, vem mudando o cenário nos
últimos anos, particularmente em centros urbanos onde há investimentos das grandes
operadoras de telefonia móvel e TV a cabo. Políticas de criminalização do download,
articuladas pela indústria fonográfica e acolhidas pela Justiça em diversos países cen-
trais para o mercado da música, e a disseminação de pragas de computador, como vírus,
spywares e adwares, também ajudaram a desestimular a busca de áudio em serviços
P2P, empurrando os internautas para serviços de download pagos ou de streaming.
Com o colapso das vendas físicas de discos, o formato digital tem sido visto pelas
gravadoras como tábua de salvação. Em nível mundial, este segmento cresceu 4,3% em
2013, atingindo faturamento de US$ 5,9 bilhões, o que representa 39% das vendas globais.
No mesmo período, para se ter ideia, as vendas totais da indústria fonográfica totalizaram
US$ 15 bilhões, uma queda de 3,9%, segundo dados da IFPI (op. cit.). Downloads pagos
permanecem a principal fonte de receitas, com 67% do total, mas em cinco anos houve
saltos expressivos no faturamento com assinaturas (de 6%, em 2008, para 19%, em 2013)
e veiculação de publicidade em serviços de streaming (de 3% para 8% do bolo).
No Brasil, onde o download pago jamais liderou de forma inconteste, o mercado da
música digital é mais pulverizado. Segundo dados da ABPD (op. cit.), o faturamento – no
início fortemente concentrado em ringtones – encontrava-se em 2013 dividido de forma
bastante equilibrada, entre downloads pagos (21,3%), venda de fonogramas por telefonia
móvel (26%), serviços de streaming (25,3%) e streaming de vídeos remunerados (27,4%).
É preciso destacar, ainda, que nem sempre os serviços de streaming revertem royalties
para artistas e companhias discográficas, como veremos a seguir.
Muitos portais de grande tráfego seguem a cartilha dos antigos serviços de
compartilhamento, como Napster e KaZaA, que alegam não ter controle sobre os
conteúdos que circulam em suas redes – responsabilidade que seria dos internautas.
Evidentemente, essa postura está sujeita a questionamentos judiciais, como os enfrentados
pelo Grooveshark. O serviço foi processado por todas as grandes gravadoras de discos,
que reclamaram até US$ 17 bilhões em indenizações por violações de direitos autorais,
e teve seu aplicativo retirado da App Store e da Google Play, bem como do Facebook7.
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Da cultura da portabilidade à cultura do acesso: a reordenação do mercado de mídia sonora
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Da cultura da portabilidade à cultura do acesso: a reordenação do mercado de mídia sonora
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serviços de rádio social que têm como carro-chefe conteúdos radiojornalísticos, como
Radiotube e Radioteca.net.
Apesar da enorme diversidade entre estes novos atores do mercado de mídia sonora,
há um ponto em comum: todos franqueiam acesso a fonogramas em volume inédito,
proporcionando múltiplas práticas interacionais aos internautas e disputando atenção
com os serviços que apostam no download (pago ou não). Quase todos os serviços
de streaming vêm desenvolvendo versões para dispositivos móveis que redesenham
o consumo de mídia sonora, esvaziando a prática de se baixar os arquivos para o
computador e depois transferi-los para tocadores multimídia ou telefones móveis.
Aplicativos para celulares e tablets permitem a rápida leitura de bibliotecas gigantescas,
mesmo sem conexão à internet ou à rede de dados da companhia telefônica.
Estudo realizado pela Edison Research e pela Triton Digital, em 2014, nos Estados
Unidos, maior mercado consumidor de mídia sonora, revela que 47% dos americanos,
o equivalente a 124 milhões de pessoas, ouviram rádio on-line no mês anterior à entre-
vista, contra 45% em 2013. O percentual vem crescendo desde 2007, quando era de 20%
da população com mais de 12 anos de idade. Na faixa até 24 anos de idade, o hábito
chega a 75% dos americanos. O telefone celular, acoplado ao painel do automóvel, pro-
porcionou acesso ao rádio on-line para 26% dos entrevistados – 43% na faixa até 24 anos
de idade. Para os ouvintes, não há distinção entre emissoras AM e FM e serviços de
rádio social, que já desfrutam de extraordinário recall. A marca Pandora é reconhecida
por 70% dos americanos, seguida por iHeartRadio (48%), iTunes Radio (47%, um feito
extraordinário para um serviço lançado apenas em setembro do ano anterior), Rhapsody
(40%) e Spotify (28%).
E a entrada de novos atores, oferecendo serviços por assinatura ou de modelo
freemium, como iTunes Radio, Beats Music (ambos da Apple), YouTube, Songza, Google
Play Music (os três da Google), deve ampliar ainda mais a concorrência no segmento
ao longo dos próximos anos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há sinais claros de que estamos vivendo um momento de transição rumo a uma
cultura do acesso, um momento em que os consumidores de mídia sonora tendem a fruir
serviços de streaming (pagos ou não), em vez de baixar arquivos digitais da internet
e transferi-los para tocadores multimídia ou telefones móveis. Uma evidência dessa
mudança cultural é o esforço de grandes serviços de download pago, como iTunes, para
desenvolver novos aplicativos que possibilitem a fruição de música em fluxo (no caso,
o iTunes Radio), bem como a interoperabilidade entre os mais diversos dispositivos
(iCloud, por exemplo, que franqueia acesso a bibliotecas crescentemente volumosas
através da tecnologia de computação em nuvem – cloud computing).
Não se pretende afirmar, evidentemente, que uma cultura (do acesso) substitui
a outra (da portabilidade). Seria mais apropriado afirmar que ambas coexistem e
se articulam em diversos níveis. A emergência de uma cultura do acesso deve ser
relacionada ao estágio atual do processo de digitalização das indústrias midiáticas, que
possibilita novas formas de consumo e práticas interacionais sonoras, estimuladas por
uma maior praticidade.
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Da cultura da portabilidade à cultura do acesso: a reordenação do mercado de mídia sonora
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Centros de mídia e inovação:
um estudo sobre o mercado audiovisual
brasileiro contemporâneo
Media centers and innovation:
A study of contemporary Brazilian broadcasting
João M assa rolo 1
D a r i o M e s q u i ta 2
R a m o n M a rl e t 3
Abstract: In this research about the media centers and innovation of the Brazilian
audiovisual entertainment, we intend to discuss the term ‘media capital’ as a
reference for drawing up a map of the media center of São Paulo.
Keyword: Audiovisual. Media capital.Series. Innovation
INTRODUÇÃO
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Centros de mídia e inovação: um estudo sobre o mercado audiovisual brasileiro contemporâneo
de um modelo industrial vertical com visão corporativa, para um modelo com visão
horizontal e articulado em redes interconectadas. Essas estratégias inovadoras que “cir-
culam pela internet e pelas redes sociais flexibilizam hábitos de consumo e fornecem
novos desafios para a colocação de produtos que não necessariamente devem seguir os
modelos de negócio do consumo de massa” (BIZERRIL, 2012, p.153).
Neste contexto, os centros de mídia expandem o campo das indústrias de conte-
údos e criam novos nichos de mercado, onde antes havia apenas fluxos de produtos
massificados. As relações entre ‘centro’ e ‘periferia’ se tornam mais complexas do que
era no ambiente midiático do século XX, promovendo um maior fluxo de trocas, ao
mesmo tempo em que formatos e canais de mídia se tornaram aparentemente invisíveis
diante da ubiquidade do conteúdo nas redes. A circulação de conteúdos pelas redes
predomina sobre produtos industriais do tradicional modelo centralizador, no qual o
discurso hegemônico se fazia sentir nas regiões mais periféricas do planeta. Esse mode-
lo unidirecional relegava as questões locais ao segundo plano ou subordinava-as aos
interesses de grandes corporações, mas essa situação começa a sofrer mudanças devido
ao aumento da velocidade e do volume de informações de caráter multi-direcional que
transitam entre os principais centros midiáticos contemporâneos.
Essas mudanças tecnológicas, comunicacionais e culturais afetam não somente a
modelagem de negócios que fornece sustentação aos tradicionais conglomerados de
mídia, mas o próprio ambiente de mídia, provocando mudanças significativas na produ-
ção e consumo de conteúdo audiovisual. Este complexo cenário faz com que as empresas
brasileiras produtoras de conteúdo procurem se adaptar às novas lógicas do merca-
do audiovisual, cujas demandam por inovação é cada vez mais crescente. O Governo
Federal, através do Ministério das Comunicações, por exemplo, criou as Diretrizes para
uma Poli’tica Nacional para Conteu’dos Digitais Criativos4 com objetivo de integrar e estimu-
lar o potencial econômico das cadeias produtivas dos setores de audiovisual como forma
de desenvolver e fortalecer os segmentos produtores de conteu’dos criativos no Brasil.
Este artigo trata dos estudos realizados na primeira etapa do projeto de pesquisa
5
em andamento sobre os centros de mídia e inovação do entretenimento audiovisual
brasileiro. Nesta primeira etapa, as discussões concentraram-se em torno da noção de
capital de mídia visando um maior entendimento da cidade de São Paulo como cen-
tro midiático estratégico para o desenvolvimento do setor audiovisual brasileiro. Na
segunda etapa de pesquisa, pretende-se elaborar indicadores para análises da produ-
ção de séries e webséries para diferentes plataformas com o objetivo de realizar uma
cartografia da produção audiovisual realizada no centro midiático de São Paulo. Os
resultados alcançados nos estudos sobre o centro midiático de São Paulo serão utiliza-
dos, posteriormente, como parâmetro para as análises que serão desenvolvidas sobre
outros centros midiáticos brasileiros 6.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Centros de mídia e inovação: um estudo sobre o mercado audiovisual brasileiro contemporâneo
CULTURA MAINSTREAM
A cultura mainstream é uma questão importante para a indústria audiovisual e
o seu estudo tem sido desenvolvido pelo campo da comunicação através da criação
de indicadores que permitam destacar e analisar os fatores que contribuem de forma
decisiva para que algumas cidades espalhadas ao redor do mundo sejam consideradas
como capital de mídia. Essas cidades erguidas em lugares estratégicos para a geopolítica
regional são importantes pólos de desenvolvimento econômico localizado, atraindo
sucessivas levas de imigrantes de diferentes regiões, fazendo com que a diversidade
cultural seja uma das principais marcas de sua vitalidade. A capitalização destas cidades
ofereceu condições para a criação de infra-estruturas midiáticas que impulsionaram
a circulação de conteúdos globais, principalmente os produtos dos conglomerados de
mídia tradicional (cinema e televisão, entre outras). Neste aspecto, o termo capital de
mídia se refere a cidades com passaporte global, que se tornaram importantes centros
da produção midiática globalizada.
Cidades que são centros de financeiros de produção e distribuição de produtos audiovisuais,
que apresentam suas próprias lógicas que não correspondem necessariamente aos interesses
políticos do Estado-nação. Nelas, forças complexas interagem, como a cultural, econômica
e a política. (CURTIN, 2003, p. 205)
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Centros de mídia e inovação: um estudo sobre o mercado audiovisual brasileiro contemporâneo
7. Termo do campo das relações internacionais, criado por Joseph Nye em 1990, sobre estratégias culturais
usado para influenciar questões internacional na diplomacia (hard power) (TRUNKOS, 2013).
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Centros de mídia e inovação: um estudo sobre o mercado audiovisual brasileiro contemporâneo
centros de poder ou que ajudem a sustentar um grande fluxo comercial – como um cen-
tro portuário ou ferroviário, ou atividades como o turismo – fatores que permitem não
apenas o fluxo e a troca econômica, mas também de valores culturais diversos. Curtin
(2007) classifica as capitais de mídias em duas principais categorias: a) comerciais, com
destaque para a lógica de migração criativa e cultural, dinâmica econômica e produção
voltada para a audiência; b) oficiais, com o controle e financiamento do Estado; produções
ideológicas orientadas por uma lógica cultural fechada, e economicamente marcada
pelo monopólio da comunicação e pela forte burocratização das trocas comerciais. O
Autor define como principais fatores para o estabelecimento dessas categorias a inte-
ração de três princípios: (1) acumulação; (2) fluxos migratórios criativos; e (3) variáveis
socioculturais.
Tendo em mente as questões geográficas citadas anteriormente, que permitem o fluxo
econômico de uma região, tais condições viabilizam a acumulação de recursos necessários
para investimentos para os mais diversos setores. De um lado, um centro econômico deve
concentrar e integrar diversas frentes de trabalho a fim de reduzir tempo e recursos para
manufatura de produtos e, por outro, aprimorar a distribuição a fim de atender outras
regiões. Tal dinâmica, segundo Curtin (2007), estabelece a acumulação como primeiro
passo para constituição de uma economia dinâmica e atrativa, que não apenas retém
recursos, mas também se foca em atender outras regiões para expansão do capital.
Toda essa dinâmica que provém da acumulação, contribui para construção de clus-
ters de empresas dos diversos setores, focados na inovação de produtos, serviços e de
distribuição. Para as capitais de mídia, tal demanda requer que elas sejam atendidas
por uma mão de obra qualificada. As cidades precisam atrair fluxos migratórios criativos,
que as abasteçam com pessoas motivadas para um trabalho tanto de inovação estética,
quanto de mercado, “ainda que o casamento entre arte e comércio nunca seja fácil”
(CURTIN, 2007, p. 14).
Mas o maior desafio, como aponta o autor, não é apenas atrair pessoas criativas,
mas mantê-las por valores que não são puramente econômicos, como boas condições de
trabalho e boa qualidade de vida na cidade. Se bem sucedido nesses quesitos, uma capital
de mídia é capaz de se conduzir para a construção de uma forte rede entre comunidades
criativas de diversos interesses econômicos e culturais, não sendo restrito apenas ao
audiovisual, mas abrangendo setores voltados a explorar a cultural e as propriedades
intelectuais criadas nesse ambiente.
Por trás desses princípios ainda há outras forças que envolvem variáveis sociocultu-
rais, que envolvem instituições nacionais e locais com papéis relevantes nas dinâmicas
de produção e especial. O Estado, por exemplo, é um ator importante na regulamen-
tação ou no financiamento da comunicação, podendo criar incentivos para produção
e exportação de produtos culturais de interesse nacional ou regional, criar barreiras
ou cotas para empresas de comunicação ou obras estrangeiras no país, além de deter-
minar a legislação de concessões de rádio e televisão e as normas de dizem respeito a
propriedades intelectuais.
Além da primeira classificação entre comercial e oficial, e os princípios para formação
das capitais de mídias, Curtin (2003) estabelece um segundo eixo de categorização que
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Centros de mídia e inovação: um estudo sobre o mercado audiovisual brasileiro contemporâneo
cada vez mais irrelevantes, prevalecendo a lógica em rede. Se os cenários das mídias estão
configurando-se como rede, as cidades tornam-se os nós de onde pulsam os conteúdos
de mídia. Talvez, as cidades sejam algo mais ambíguo e transformador do que uma
idéia de capital (que remete a institucionalização, setorização, geografia estabelecida,
autoridade política, etc.). Compreende-se que um centro de mídia é uma capital de
mídia, mas inserida na lógica da convergência e as análises realizadas da cidade de São
Paulo como um centro midiático, permeado por outros centros brasileiros, convergem
para uma rede inovadora de produção e distribuição de conteúdo audiovisual para
multiplataformas.
Esse processo de mescla/fusão de diferentes culturas num mesmo espaço acaba por
gerar um novo modelo de cultura marcado pela hibridização dessas manifestações, cujas
práticas multiculturais são possibilitadas justamente por estes encontros (CANCLINI,
2011). De acordo com Canclini (2011), desse encontro resulta a formação de gêneros impu-
ros, cuja desarticulação cultural é marcada por dois processos: o descolecionamento, que
da’ sentido, sobretudo, ao fim da produção de bens culturais coleciona’veis, produzindo
a quebra de divisões entre diferentes modalidades de cultura, principalmente devido
ao desenvolvimento dos recursos tecnológicos que permitem que um bem cultural seja
reproduzido e disponibilizado mais facilmente para o público em geral.
Por outro lado, a desterritorialização rompe definitivamente com as barreiras geográ-
ficas físicas ao descentralizar os pólos de produção cultural, permitindo que diversas
instituições interajam de forma mais natural e harmoniosa, possibilitando migrações
efetivas e trocas simbólicas entre os novos mercados estabelecidos. Em linhas gerais, o
multiculturalismo é visto como um espaço que possibilita o diálogo entre as culturas e
permite, entre outros fatores, a consolidação de determinadas localidades como capitais
de mídia, quando observamos a cultura audiovisual contemporânea.
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Centros de mídia e inovação: um estudo sobre o mercado audiovisual brasileiro contemporâneo
Para Curtin (2003), capital de mídia é um conceito relacional porque o que seria
especifico de uma cidade é o fato de ser um lugar de encontros, de interações e intercâm-
bios entre os imigrantes. Segundo o autor, os estudos de Martin-Barbero apontam que
formas culturais complexas das experiências cotidianas da migração e que são memória
popular da América Latina, encontraram expressão na produção cultural das empresas
de comunicação no século XX. Neste sentido, capital de mídia oferece algo mais que
infra-estrutura física e tecnológica, fazendo uso do talento e da criatividade de seus
moradores para encontrar soluções, superar problemas e conhecer a si mesmo, sabendo
que a sua cultura é única e que só poderá ser encontrada naquela localidade específica.
Valorizar a criatividade é desenvolver a unicidade que marca um determinado
local, o que acaba por determinar seu reconhecimento perante o público. Uma produ-
ção audiovisual pode se aproveitar das particularidades do local, ao passo que o local
também se aproveita dessa produção, ao movimentar toda a cadeia produtiva relacio-
nada a este setor, além de ser um catalisador do comércio local, de atividades culturais
e demais atividades correlatas.
Neste sentido, a cidade de São Paulo se caracteriza por sua vocação de atrair pes-
soas de todas as partes do país e esse histórico a credencia como um centro que agrega
a sede de “importantes empresas produtoras de todos os tipos de mercadorias, onde
o audiovisual poderia ser um importante instrumento de divulgação, modernização,
aperfeiçoamento, competitividade e expansão destas empresas” (GATTI, 2013, p.7). Esses
fatores são os alicerces para uma economia sustentável à cidade e se estendem ao mercado
audiovisual, como pode ser observado na tabela 1 sobre os investimentos da Secretaria
Municipal de Cultura (SMC) no setor Audiovisual (2005 – 2012), na gestão de Carlos
Augusto Calil.
8. Fonte: GATTI, 2013. ECINE - São Paulo City Film Commission.
<https://www.facebook.com/saopaulofilmcommission>. Acesso em: março/2015.
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Centros de mídia e inovação: um estudo sobre o mercado audiovisual brasileiro contemporâneo
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Centros de mídia e inovação: um estudo sobre o mercado audiovisual brasileiro contemporâneo
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, as pesquisas contemporâneas realizadas no campo do audiovisual pri-
vilegiam a elaboração estratégica de cartografias do setor através da coleta de dados
com o objetivo de fazer um mapeamento das atividades. Elas buscam identificar carac-
terísticas locais por meio de avaliações de desempenho do setor perante as atividades
culturais como um todo.
Neste sentido, o aprofundamento dos estudos sobre lugares denominados capitais
de mídia, e a sua atualização em centros de mídia no contexto da convergência, é de
fundamental importância para que se possa elaborar a cartografia do audiovisual –
considerando quais são os segmentos envolvidos e o impacto da atividade na realidade
socioeconômico da cidade, do estado e do país. A associação com a visão de convergência
de mídia, permite a esta abordagem ir além do mapeamento econômico e produtivo
setorizado convencional, tratando questões amplas de inovação e interligadas no campo
do audiovisual.
Problematizando a noção de capital de mídia, com ênfase sobre os centros de mídia
e os processos de inovação no mercado audiovisual brasileiro de entretenimento, este
artigo pretendeu explorar algumas questões da cartografia do audiovisual de São Paulo.
A revisão do conceito de capital de mídia e o estudo comparativo do perfil da cidade
de São Paulo com o de um centro de mídia destacam a existência nestes lugares de
atividades midiáticas criativas, bem como permite observar quais são as suas relações
com outras localidades e quais são as dinâmicas culturais e de poder.
Uma das conclusões que emerge destes estudos é a importância dos estudos sobre
os centros de mídia e inovação para a elaboração de políticas para o setor audiovi-
sual. Tais pesquisas, também ajudariam a compreender as dinâmicas que vêem se
estabelecendo no mercado audiovisual fora do âmbito das grandes redes televisivas
abertas e da produção cinematográfica, que já são objetos de estudos por diferentes
perspectivas, compreendendo produções independentes e alternativas para web e a
TV Paga. Na próxima etapa da pesquisa, pretende-se sistematizar a base de dados e
elaborar indicadores para análises da produção de séries e webséries para diferentes
plataformas com o objetivo de realizar uma cartografia da produção audiovisual do
centro midiático paulista.
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Centros de mídia e inovação: um estudo sobre o mercado audiovisual brasileiro contemporâneo
REFERÊNCIAS
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São Paulo: UNESP.
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Seduzidas pelo Demônio: sobre traduções e traições
nas Cartas portuguesas de Jess Franco
Seduced by The Devil: on translations and betrayals
in Jess Franco’s Love letters of a Portuguese nun
Ti a g o J o s é L e m o s M o n t e i r o 1
Abstract: This paper aims to discuss some of the narrative procedures which
characterize the euro horror as a very popular and controversial movie style
during the 60’s and the 70’s. The background to this work is a newly started
research on the Portuguese horror cinema, or rather, on the theoretical and
empirical silences about horror movies made in Portugal (but not necessarily by
Portuguese filmmakers). According to the authors with whom I work, the concept
of euro horror presents several problems in itself: one of them is the attempt to
treat as equal and homogenic the diversified film production of countries such as
Italy, France, Spain and England, among others. Here, I analyze the german-swiss
co-production Love letters of a Portuguese nun, directed by the spanish filmmaker
Jess Franco, as an exponent of the style, mainly due to the peculiar “translation”
done by Franco, who turns it’s romantic literary source into a nunexploitation
1. Doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense. Professor do Instituto Federal do Rio
de Janeiro - Campus Nilópolis. E-mail: tjlmonteiro@yahoo.com.br.
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Seduzidas pelo Demônio: sobre traduções e traições nas Cartas portuguesas de Jess Franco
cum horror movie. By doing this, Franco’s Love letters... helps to redefine the
very idea of “faithful adaptation”, also changing the way viewers will possibly
understand some aspects of Portuguese culture.
Keywords: Horror movies. Exploitation films. Jess Franco. Portuguese horror
cinema.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
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Seduzidas pelo Demônio: sobre traduções e traições nas Cartas portuguesas de Jess Franco
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Seduzidas pelo Demônio: sobre traduções e traições nas Cartas portuguesas de Jess Franco
destes filmes, parece-me haver uma nítida diferença entre as preocupações estéticas
de um Lucio Fulci e de um Mario Bava, apenas para nos atermos à Itália como recorte
espacial. E no que tange à homogeneidade entre territórios nacionais, a prática apenas
exige uma complexificação ainda maior do conceito. A Grécia faz parte da Europa: há
um cinema de horror grego?
O que o rótulo euro horror termina por mascarar, portanto, são as assimetrias políti-
cas, econômicas e culturais que, ao fim e ao cabo, constituem a própria ideia de Europa
até os dias de hoje. Não me parece coincidência que a consagração do termo euro horror
no âmbito dos film studies estadunidenses ocorra mais ou menos em paralelo à ins-
titucionalização da Comunidade Econômica Europeia e, posteriormente, da própria
União Europeia (primeira metade dos anos 1990), e que sua problematização enquanto
conceito “guarda-chuva” se dê em um contexto no qual o projeto europeu em si mesmo
encontra-se sob forte questionamento.
2. Ver as considerações de Delumeau (2001) sobre o caráter social e cultural do medo, embora não diretamente
associado às suas manifestações audiovisuais.
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Seduzidas pelo Demônio: sobre traduções e traições nas Cartas portuguesas de Jess Franco
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Seduzidas pelo Demônio: sobre traduções e traições nas Cartas portuguesas de Jess Franco
limitados a alguns poucos rolos sem som, em função de incêndios nos antigos estúdios,
da conservação mal gerida e da indisponibilidade destes filmes em outros formatos.
Em que se pese a (in)validade da comparação entre contextos históricos e sociais
distintos, se tomarmos por exemplo o caso espanhol (ALARCÓN, 2009), veremos nele
tantos pontos de contato em relação ao seu vizinho que o discurso da inexistência de um
cinema de horror português parece ainda mais falho: tanto Portugal quanto Espanha
atravessaram boa parte do século XX sob a vigência de regimes fascistas de orientação
conservadora (Franco na Espanha, Salazar em Portugal); em ambos os países, já à partida
atravessados por uma hegemonia do discurso e das práticas católicas, verificou-se a
permanência tardia dos Tribunais da Inquisição; por fim, tanto um quanto partilham
inúmeras tradições oriundas da mesma matriz ibérica. E mesmo levando-se em conta a
diferença em termos de pujança de suas respectivas indústrias audiovisuais, não deixa
de chamar a atenção a ausência quase total de informações acerca das incursões do
cinema português no universo do filme de gênero/B/ exploitation.
Hoje, Portugal sedia dois importantes festivais dedicados ao cinema de terror/
fantástico: o Fantasporto e o MoteLx, este último sediado na capital, Lisboa, durante
o mês de setembro. Atualmente a caminho de sua nona edição, desde 2009, o MoteLx
possui uma sessão intitulada “Quarto perdido”, cujo objetivo é lançar luz sobre as
eventuais incursões do cinema luso pela seara do terror. Na edição de 2011, Cartas de amor
de uma freira portuguesa foi exibido no “Quarto perdido”, não pelo fato de ser um filme
português que flertasse com a gramática do terror, mas por recorrer a um expediente
algo comum em se tratando da lógica co-produtiva que norteava o Euro Horror dos
anos 1970 – a utilização de Portugal como locação, tópico a que retornarei na próxima
subseção deste artigo, a propósito da análise do longa de Jess Franco.
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Seduzidas pelo Demônio: sobre traduções e traições nas Cartas portuguesas de Jess Franco
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5. Distante ma non troppo do universo do euroexploitation, o mesmo expediente seria posteriormente utilizado
pelo realizador chileno Raul Ruiz, em seu longa O território, de 1981, no qual um grupo de viajantes perdido
(mais uma vez) na Serra de Sintra se vê forçado a recorrer ao canibalismo diante da ausência de socorro.
No ano seguinte, seria a vez do diretor alemão Wim Wenders ambientar seu longa metalinguístico O estado
das coisas no eixo Lisboa-Sintra-Cascais, ao qual retornaria cerca de 10 anos depois, com O céu de Lisboa.
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Seduzidas pelo Demônio: sobre traduções e traições nas Cartas portuguesas de Jess Franco
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Seduzidas pelo Demônio: sobre traduções e traições nas Cartas portuguesas de Jess Franco
REFERÊNCIAS
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Cortez.
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Claudia Andujar:
poéticas visuais sobre o cotidiano Yanomami
A n a S h i rl e y P e n a f o r t e C a r d o s o 1
Abstract: This research proposes to analyze, in the image theory field, discussed
by: (BARTHES 2009); (DUBOIS 2010) and (SONTANG 2004) the junction points
among the documentary photography and the artistic photography. For this it
will be assumed as analysis corpus three photos produced by Claudia Andujar,
in the states of Roraima and Amazonas, in 1970. Those images were readapted, by
her, in the period from 2000 to 2005 and were named “Sonhos Yanomami”. The
studied project have as central theme the everyday of the Yanomami indigenous
society, which is composed by scenes, cut from a woven “reality” by means of
a poetic movement, of light, color, moved by affection and interaction, among
the visual narratives subjects. The photography (re)create one esthetic around of
Yanomami’s life and universe that surrounds them. The photos tells about over-
lapped bodies, which confuses themselves among elements, as rocks and trees
and have the goal to show the encounter of these people with the nature spirit.
So, it can be said that “fusion” results in one symbolic visual construction of the
encounter among the human and the supernatural which may be understood
as statements crossed by speeches about what is to be an indigenous nowadays.
Keywords: Indigenous society, Amazon, photography.
1. Mestre em Comunicação Linguagens e Cultura pela universidade da Amazônia – UNAMA -spenafore@
gmail.com
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Claudia Andujar: poéticas visuais sobre o cotidiano Yanomami
2. O Etnômio “Yanomami” foi criado pelos antropólogos a partir das expressões yanamae thëp¨ou
yanãmami thëpë que significam “seres humanos” ALBERT, Bruce in: ANDUJAR, Claudia. Yanomami.
Curitiba: Gráfica e Editora Posigraf, 1998. p. 06 – 10.
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Claudia Andujar: poéticas visuais sobre o cotidiano Yanomami
a morte de sua família paterna, no entanto, a publicação dessas imagens exige, sobretudo,
ações governamentais efetivas, em relação à apropriação indevida das terras indígenas
no Brasil, que não está apartada dos heterogêneos processos históricos por que passam
esses povos desde a invasão portuguesa.
Os trabalhos da fotógrafa Claudia Andujar procuram há mais de 40 anos materializar
o cotidiano e as singularidades do povo Yanomami. Com especial destaque para seus
rituais sagrados, porque estas manifestações estão profundamente ligadas à relação
desse povo com espíritos da natureza. Esses projetos fotográficos circularam o mundo
e possibilitam perceber os processos de interação dessa sociedade com o universo que
os cerca. As imagens disponibilizadas por Cláudia Andujar transparecem a intimidade
e a cumplicidade construída entre eles ao longo desses anos como se pode conferir em
uma de suas últimas produções intitulada “Sonhos Yanomami”, e da qual nos deteremos
nesta comunicação.
Propõem-se, então, reflexões em torno das complexidades que giram em torno da
fotografia documental e/ou conceitual a partir da analise de três imagens que compõe
o projeto fotográfico “Sonhos Yanomami”, de Claudia Andujar, visto aqui como uma
(re)releitura da estética em torno da vida desta sociedade. Enfatizaremos nas análises
as condições de possibilidades históricas que viabilizam sua produção e circulação na
contemporaneidade, sem perder de vista, que são fotografias produzidas na década de
1970, e que em 2005 foram adaptadas para esse projeto. Tomaremos como base teórica
os estudos foucaultianos (2010, 2012) e as teorias de (BARTHES 2009); (DUBOIS 2010) e
(SONTAG 2004).
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Claudia Andujar: poéticas visuais sobre o cotidiano Yanomami
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Claudia Andujar: poéticas visuais sobre o cotidiano Yanomami
Quando se toma pela primeira vez o pó da árvore yãkãanahi os espíritos xaripë começam
chegar até você. Primeiro ouvem-se de longe seus cantos de alegria, tênues como zumbidos
de mosquitos. Depois, quando olhos estão morrendo, começam-se ver luzes cintilantes que
tremem nas alturas, vindas de todas as direções do céu. Aos poucos os espíritos se revelam,
avançando e recuando com passos de dança muito lentos. Eles são minúsculos e pintados de
cores brilhantes. Suas cabeças são cobertas de plumas brancas de gavião e suas braçadeiras
cheias de rabos de arara e de papagaio. Dançam em círculo sem pressa. Mas, de repente,
armados com grandes “espadas”, partem ao meio sua coluna vertebral. Cortam sua cabeça
e sua língua. Sente-se então uma dor intensa e você desmaia. Seu envelope corporal fica
no chão, mas os xaripë voam para longe, levando as partes do seu corpo imaterial. Deitam-
nas em seus espelhos, nas costas do céu, e pintam-nas com urucum. Raspam sua língua e
a cobrem de plumas brancas. Mais tarde recompõem seu corpo, mas ao contrário: juntam
a cabeça no lugar do traseiro e as pernas no lugar dos braços. Uma vez virado do avesso,
você pode responder aos espíritos e imitar seus cantos, você pode ser um xamã.
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Claudia Andujar: poéticas visuais sobre o cotidiano Yanomami
(2010), das quais também compartilhamos, especialmente, quando ele diz que o instante
recortado do cotidiano deixa de ser real, desde o momento em que vira uma imagem,
porque passa por um crivo, uma interpretação. Essa ideia é defendida também por
Susan Sontag (2010. p, 17): “fotos são interpretações o mundo”.
Para os Yanomami essa noção de realidade também é bastante questionável. Em
entrevista Andujar (2000)3 diz que houve momentos em que alguns indígenas não se
interessaram e nem se reconheciam nas fotografias, mas em outros, gostavam bastante
de serem vistos nas imagens e queriam ser fotografados. Havia uma preocupação espe-
cial em relação à fotografia e à morte entre eles. Claudia Andujar (2011)4 afirma que
as fotografias devem ser destruídas, para que suas almas não fiquem aprisionadas. Na
cosmologia Yanomami, tudo que pertenceu ao indígena que recebeu o ritual de passa-
gem deve ser destruído. Tudo que o ligue à vida deve desaparecer, até a cremação do
seu corpo, porque é o momento da liberação de sua alma.
A série “Sonhos Yanomami” versa sobre um universo entre o visível e o invisível que
atravessa as memórias pessoais, da fotógrafa, dos sujeitos representados nas imagens e
as memórias dos possíveis interlocutores dessa produção. As fotografias se confundem
entre visualidades poéticas e a foto documentação, deixando o espectador livre para
criar a partir de suas experiências e memórias pessoais, suas interpretações a respeito
dos elementos que compõe cada imagem. A série transcende o registro literal físico da
paisagem e do humano da Amazônia.
REFERÊNCIAS
ANDUJAR, Claudia. Yanomami. Curitiba: Gráfica e Editora Posigraf, 1998
BARTHES, Roland. A câmara clara: Nota sobre a fotografia. Lisboa, Portugal: 70, 2009.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, São Paulo: Papirus, 2010.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: Ensaios para um futura fotografia. São Paulo:
Annablume, 2011.
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
_______ . A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de
dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2010.
MAIORANA, Roberta. 29º Arte Pará. Belém Pará: Gráfica e Editora Halley, 2011.
PERSICHETTI, Simonetta. Imagens da fotografia brasileira 2. São Paulo: Estação liberdade/
Senac SP, 2000.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia de Letras, 2004.
Sites consultados:
<http://tvcultura.cmais.com.br/provocacoes/antonio-abujamra-entrevista-a-fotografa-
-claudia-andujar-bloco-02-> Acessado em 01/03/2015.
<http://www.frmaiorana.org.br/2010/2010.pdf> Acessado em 25/02/2015.
3. Entrevista disponibilizada em PERSICHETTI, Simonetta. Imagens da fotografia brasileira 2. São Paulo:
Estação liberdade/ Senac SP, 2000. p. 114 – 22.
4. Entrevista disponível em: <http://tvcultura.cmais.com.br/provocacoes/antonio-abujamra-entrevista-
a-fotografa-claudia-andujar-bloco-02->
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