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O risco de alcançar os não-alcançados

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alcancados

Melody J.
Wachsmuth

Análise Global de Lausanne · Setembro de 2019 • Volume 8 / Edição 5

encontrando o equilíbrio entre segurança e compaixão

Sue Arnold

“Todos os lugares fáceis já estão tomados.” Esse axioma das missões


modernas resume que lugares ainda precisam de missionários. Há um
motivo para os grupos de povos não alcançados e não engajados (PNAs)
ainda não terem acesso às boas novas:[1]

Esses grupos de pessoas que não sabem sobre Jesus estão tipicamente em
áreas onde a igreja é perseguida ou em regiões geograficamente isoladas.
Os PNAs frequentemente estão no topo de montanhas, no meio de desertos,
em selvas escondidas, perdidos em favelas urbanas, vivendo uma vida
nômade, ou vivendo em pequenas ilhas no meio dos grandes oceanos.

Alcançá-los não será fácil por diversos fatores: perseguição

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governamental, hostilidade dos moradores locais, estradas perigosas,
guerras, política, crime, terrorismo ou clima extremo são apenas alguns
dos fatores.

Aversão ao risco?

Muitos cristãos tem aversão ao risco e não estão dispostos a irem para
esses povos. Pode ser também que outros cristãos são insensatos. Ficou
claro em novembro do ano passado, quando o missionário John Chau da
All Nations foi morto ao tentar alcançar os sentineleses, que existe uma
discordância disseminada entre os cristãos sobre sua missão:

Muitos condenaram e alguns louvaram a atitude de John Chau.


Algumas pessoas pensaram criticamente sobre as questões envolvidas ou
questionaram os detalhes do ocorrido.

O propósito desse artigo não é analisar esse incidente específico, mas sim
ressaltar a necessidade de ponderarmos sobre o risco.[2]

O que espero fazer com esse artigo é tomar um passo para trás e
sobriamente (apesar da parcialidade) responder às seguintes questões: o
que a Bíblia diz sobre isso? Como as agências missionárias e igrejas locais

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podem responder com sabedoria e obediência à grande comissão? Como
podemos equilibrar a segurança para missionários e compaixão pelos
povos que não tem acesso ao evangelho?

Ficou claro que nem todos os cristãos possuem a mesma compreensão


sobre missões. Portanto, eu gostaria de esclarecer três das minhas
crenças teológicas, que (talvez) devam ser explicitadas aqui:

1. Deus, em Jesus, é digno do louvor de todas as nações e receberá todo o louvor


de todas as nações.
2. Deus nos dá escolhas. É um direito fundamental humano o direito a escolher
ou não seguir a Jesus. Consequentemente, nenhuma pessoa ou povo tem o
direito de decidir por outra pessoa ou povo se eles devem ou não seguir a
Jesus. Logo é uma necessidade fundamental humana ter acesso ao
conhecimento das boas novas. Os missionários ajudam a oferecer essa
escolha.
3. Deus escolhe trabalhar através dos seus agentes humanos. Ele poderia ter feito
nossas escolhas por nós e, às vezes, de fato ele faz outras escolhas. No
entanto, seu plano normal é convidar seus filhos a irem e convidarem aqueles
que não conhecem o nome de Jesus para o experimentarem e conhecerem sua
bondade.

Risco no Novo Testamento


Quando Jesus enviou os doze discípulos em uma viagem missionária em
Mateus 10, ele oferece um de seus ensinamentos mais explícitos sobre o
sofrimento e perseguição. Desde o começo, o conceito de enviar, ir e
sofrer eram um só nos ensinamentos e ações de Jesus. Por exemplo:

Jesus “promete” que os apóstolos sofrerão e serão presos em seu nome, serão
traídos pelas suas próprias famílias, flagelados e terão que lutar contra o
medo.
Ele os encoraja a fugirem e a ficarem firmes, um equilíbrio que tem sido difícil
para os fiéis compreenderem desde que essa ordem foi dada.
Jesus também deixou claro que se os fiéis amarem suas famílias mais do que a
ele, se recusarem a tomarem sua cruz ou tentarem se agarrar às suas vidas,
não estarão trilhando o caminho estabelecido por ele. (Mt 10:37-39).

Há muitos trechos no Novo Testamento nos quais os discípulos e igrejas

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abraçaram o risco. O exemplo básico apostólico parece ser quando Pedro
e os apóstolos desobedecem diretamente aos governantes da época (At
5:28-29):

Anteriormente anjos haviam soltado os apóstolos da prisão, mas nessa ocasião


nenhum anjo os resgatou. As autoridades flagelaram os apóstolos após sua
captura.
Pedro viu Anás e Caifás prenderem e executarem Jesus (através da
manipulação das autoridades romanas); portanto os apóstolos sabiam do risco
da desobediência.
No entanto, eles ainda assim escolhem obedecer a Deus em vez de
obedecerem aos homens.
Mais para frente, Pedro lembra os crentes que não se surpreendessem (isto é,
ver como sendo normal) quando passassem por duras provas de aflição (1Pe
4:12).

Em diversos incidentes, a igreja primitiva parece ter discordado sobre os


níveis de risco aceitáveis. Por exemplo:

Em Éfesos, Paulo queria falar com uma multidão, apesar do levante perigoso
que ocorria.
Alguns, inclusive os discípulos e amigos de Paulo, tentaram convencê-lo a não
fazer isso (At 19:30-31).
No fim, parece que não era necessário que Paulo se dirigisse à multidão.
No entanto, fica claro que houve dissenção entre os crentes bem-
intencionados sobre o que era e não era um risco aceitável.

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No próximo capítulo, em Atos 20, Paulo vai decididamente rumo a
Jerusalém. Ele sabe que o cativeiro e dificuldades o aguardam lá, mas ele
considera que o custo vale a pena para cumprir a tarefa que Deus o deu
(At 20:22-24). A decisão fez os irmãos chorarem, abraçá-lo e até a se
lamentarem (At 20:37-38). Ágabo profetizou que Paulo seria amarrado e
entregue aos gentios (At 21:11).

É interessante notar que Ágabo não finalizou sua palavra profética


aconselhando Paulo a não ir para Jerusalém. De fato, olhando o texto,
sabemos que nada do que Ágabo disse era uma revelação nova para
Paulo. No entanto, quando os fiéis ouviram isso, imploraram a Paulo que
não fosse a Jerusalém (At 21:12). As pessoas pareceram tirar a conclusão
de que o perigo significava que Paulo não deveria ir, mas não foi isso que
Paulo concluiu à partir da mesma profecia. De fato, Paulo falou aos irmãos
que eles estavam o deixando triste por chorarem e que ele se recusava a
ser convencido por eles (At 21:12-14). O apóstolo sabia do perigo e sentiu
que deveria ir para Jerusalém mesmo assim.

Avaliação do risco: conversas e atos de coragem


Às vezes, eu penso como seria essa cena se tivesse acontecido na minha

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igreja ou agência missionária. No texto fica claro que crentes sinceramente
não entendiam ou abraçavam o risco no mesmo nível. Me pergunto se
minha igreja ou agência concluiriam que Paulo cometeu um erro quando
acabou sendo preso. Lamentaríamos “a perda de um grande líder”?

Frequentemente penso se simplesmente o chamaríamos de ‘tolo’ ou se


daríamos de ombros quando no fim perdeu sua vida em Jerusalém,
sabendo que Paulo havia sido advertido diversas vezes. Questiono se
teríamos nos recusado a enviá-lo, e talvez até desobedecêssemos ao plano
de Deus para que sofresse em nome de Jesus.

Como as agências e igrejas locais podem responder ao risco? Se a igreja


simplesmente adota a atitude de que nenhum grau de risco é aceitável,
isso nega o exemplo de Cristo e dos apóstolos. No entanto, simplesmente
mergulhar de cabeça no risco e perigo sem fazer o que podemos de um
ponto de vista humano também não honra a Deus. O processo traçado
abaixo cumpre com a sabedoria e evita a insensatez como definida em
Provérbios 14:16 – “Quem tem juízo toma cuidado para não se meter em
dificuldades, mas o tolo é descuidado e age sem pensar”:

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1.

Ore e tenha conversas corajosas com a equipe da matriz, conselho da


agência e com igrejas locais. Converse sobre a questão de forma honesta,
aberta e sem condenação em nenhum dos lados. Estudem a Bíblia juntos e
busquem a sabedoria do Espírito Santo. Comece a conversa com o comitê local
de missões, mas com o passar do tempo, as conversas precisam incluir a igreja
toda. Cada nível de envio precisa submergir a missão toda em oração: a igreja
local, a agência missionária, o conselho da agência, a família (inclusive pais e
avós), e a equipe de envio do missionário. É possível que haverá noites sem
sono e algumas lágrimas quando o Senhor começar a orientar. Prepare-se para
desentendimentos, mas negocie-os através da oração e discernimento. Afirme-
se em suas teologias de sofrimento, risco e relacionamento com autoridades.

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2.

Consulte especialistas, inclusive advogados, pessoal de segurança, grupos


de aconselhamento, trabalhadores locais, etc. Preste atenção aos seus
conselhos e comece a se preparar. Há muitos bons grupos na área de missões
hoje em dia que podem ajudar com isso. É provável que você não tenha todos
os especialistas que precisa na sua igreja local ou agência missionária.
Consulte os especialistas, mas mantenha em mente que as decisões
missionárias podem ser diferentes das decisões tomadas por ONGs e oficiais
do governo.

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3.

Avalie o risco sobriamente com voluntários de serviço missionário em


locais de risco. Siga um método simples para pensar sobre todas as coisas que
poderiam dar errado e as consequências possíveis de cada item. Compile a lista
mais completa que conseguir. Faça isso com a equipe da matriz da sua agência
missionária, equipe de envio e cada grupo que terá níveis diferentes de
responsabilidade na missão. (Não se esqueça dos familiares do/a
missionário/a, isto é, os que não estão indo, e sim enviando seus familiares
para uma situação de risco).

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4.

Mitigue os riscos o tanto quanto possível sem sentir que você está
comprometendo a missão. Lembre-se que missionários não podem se
esconder atrás de muros ou ter uma equipe enorme de guarda-costas com
eles. Às vezes planejar os descansos é a forma mais simples de diminuir o risco
de esgotamento mental para as famílias em contextos de alto risco. Portanto,
não ignore as mitigações como descanso, sono, diversão e férias.

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5.

A missão deve estar equipada. Treine sua equipe e levante fundos para o
que pode ser feito razoavelmente e que seja necessário para cumprir a missão
e proteger seus missionários. As agências e igrejas locais devem juntas criarem
fundos de emergências e planos de contingência para lidar com: evacuações de
emergência, treinamento especial, aconselhamento psicológico especial, férias,
descanso, repatriação de restos mortais, respostas para mídia, etc. Seus fundos
emergenciais deverão ser de pelo menos dezenas de milhares de dólares, ou
mais.

Essas não são decisões ou discussões fáceis. No entanto, são necessárias


e honram a Deus e os povos do mundo que ainda não tiveram a chance
de ouvir sobre Jesus. As decisões de abraçar o risco envolvem amar aos
outros mais do que amamos a nós mesmos. Não são decisões que devem
ser feitas de forma leviana, mas cada vez mais as agências missionárias e
igrejas estarão escolhendo enviar seus amados para lugares de risco, pelo
bem do evangelho. Façamos isso com sabedoria e ousadia para a glória de
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Jesus Cristo.

Notas de fim

1. Nota do Editor: Veja o artigo de Ben Thomas chamado: ‘Como podemos finalmente
alcançar os não alcançados?’ na edição de março de 2018 da Análise Global de
Lausanne https://www.lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-
br/2018-03-pt-br/como-podemos-finalmente-alcancar-os-nao-alcancados ↑
2. Para ler uma análise profunda do incidente, veja:
https://margarethensley.wordpress.com/2019/03/04/two-mind-sets/ . ↑

Date: 10 set 2019 · Grouping: Análise Global de Lausanne · Topics: Liberdade religiosa, Povos não alcançados, Proclamação
do Evangelho

The Lausanne Movement connects influencers and ideas for global mission, with a vision of the gospel for every person, an
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