Você está na página 1de 4

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CIÊNCIAS SOCIAIS

Reflexões a respeito da pesquisa qualitativa, sociologia reflexiva; Ian Flávio Costa.

Trabalho final; Metodologia da pesquisa em ciências sociais.

Certamente, a pesquisa de campo, ou entrevista é, atualmente, etapa crucial do


desenvolvimento de uma pesquisa cientifica sociológica de qualidade. Assim como
Alberto Melucci coloca em: Por uma sociologia reflexiva; a busca por uma pesquisa
qualitativa emerge em oposição a modernidade, ou as suas premissas cientificas
objetivistas que visam afastar o observador do objeto. Com as consequências que essa
mesma modernidade trouxe, as sociedades começaram a sentir a necessidade de uma
transformação, uma via alternativa onde o indivíduo seja o centro; assim como as
filosofias econômicas liberais e socialistas, sistemas teóricos, movimentos sociais e as
lutas de resistência, que buscavam reestruturar a sociedade ganharam força graças a
realidade em constante transição, a ciências sociais como ciência precisou (e precisa) se
adaptar a essas transformações. Por isso a necessidade de restaurar as categorias e
introduzir um método onde o sujeito, condicionado e condicionador da estrutura social
possa falar. Demonstrar seu ponto de vista a respeito da realidade e questioná-la,
questionando assim a si mesmo.
A ciências sociais, assim como afirma Pierre Bourdieu, é a ciência que perturba.
Ela segue junto as grandes transformações do mundo questionando cada movimento;
cada mínimo detalhe, até os mais ocultos ou esquecidos, na tentativa de explicar o
caminho, catalogar as experiencias e significar esse longo e ininterrupto processo que é
a vida em sociedade; ainda que cause perturbações, que incomode, que remexa o
passado ou coisas que precisam, segundo a cultura, permanecer esquecidas, todas essas
coisas, esses mínimos detalhes, atribuem valor a transformação de um grupo, de um
povo. A problematização é, segundo Delcio Vieira Salomon, essa constante surpresa
com a realidade. O quê, como, quando, onde, essas coisas que acontecem, acontecem? E
porquê? É a incerteza, a fascinação e o estranhamento com aquilo que não se sabe sobre
a realidade que leva às ciências sociais a descobrir as verdades, ainda que múltiplas,
mas verdades sobre a realidade que se constrói incessantemente na vida social.
Esse é o dever desse campo: questionar, ir à fundo em suas pesquisas, vasculhar
e encontrar as respostas para essas exigências que se fazem de acordo com as
transformações do mundo. Assim como o mundo está em constante devir, a ciências
sociais também; transformando-se e adaptando-se a fim de revelar as verdades que se
ocultam no cotidiano. Ainda que os indivíduos de uma sociedade desconheçam sua
história, seu funcionamento, seus propósitos como um grupo, ou aquilo que lhes
significa como tal; é as ciências sociais que virão em função dessa ignorância a fim de
desvelar as estruturas sociais que determinam os sujeitos, que por sua vez, determinam
ela. Mills credita a subjetividade, porém limita-a, como ela realmente é, à sua estrutura
social, afinal, o mundo é aquilo que se conhece dele. Portanto a realidade de cada
indivíduo é aquilo que lhe foi condicionado; trabalho, educação básica, família, amigos,
etc. nada além disso parece fazer sentido ou estar próximo. Essa armadilha da
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CIÊNCIAS SOCIAIS

consciência é o que distancia o sujeito da estrutura a qual ele pertence e, sem saber, ele
contribui para o fortalecimento da estrutura social. Assim como Mills, Bourdieu
exemplifica as ideias de Habitus, subjetividade e objetividade, ou seja,
condicionamento, indivíduo e sociedade. O indivíduo nasce sujeito a uma estrutura
social já estabelecida, ele não participou de sua criação, mas sua ação social certamente
irá reafirmar todas as instituições da sociedade; a educação que ele tem lhe condiciona,
o mundo externo é interiorizado e a participação dele no grupo obriga-o a se submeter.
Na submissão ele expõe sua interioridade que existe em função do exterior e assim
reafirma a estrutura.
Pode parecer que o sujeito, em relação a estrutura não tenha grande participação,
mas ele é o fator principal para que haja uma. É o ator social e sua ação que afirma as
instituições. É ele quem possibilita a permanência do corpo social. Piedade Lalanda, em
Sobre a metodologia qualitativa na pesquisa sociológica põe justamente esse conceito;
o indivíduo como fator principal das transformações. Pode-se entender em Bourdieu e
em Mills essa categoria transformadora no individuo, ainda que seja uma última
instancia, pois o condicionamento social lhe impõe ações preestabelecidas; mas ainda
assim ele tem ação, pois sua subjetividade, ainda que muito parecida, não é igual as
outras, portanto suas ações em última instancia são inovadoras e modificam,
minimamente, a estrutura. Essa percepção é proposta por Mills para que os sujeitos,
pesquisadores ou não pesquisadores, possam perceber o mundo, estranha-lo – como
Salomon propõe ‒ e questioná-lo, entende-lo e situar-se; esse ideal é a Imaginação
Sociológica, o que ele propõe não como uma obrigatoriedade de uma ciência, mas de
um estudo, um estudo social.
E é nessa perspectiva de estudo da sociedade, principalmente da ação individual,
ou seja, da subjetividade na construção da estrutura social, que Alberto Melucci traz em
Por uma sociologia Reflexiva, a tentativa de estruturar, assim como Bourdieu, Mills e
Lalanda, em seus termos a ideia de pesquisa sociológica qualitativa; fugindo da
objetividade cientifica criada pela ciência moderna. E é desse pressuposto de fuga do
“modernismo”, da distanciação obrigatória do observador para com o objeto, da
pesquisa prioritariamente quantitativa. Melucci assim como Lalanda, propõe o foco no
sujeito, na narrativa que ele apresenta sobre o mundo. Segundo Melucci a modernidade
trouxe consigo essa exigência cientifica de suspensão das categorias, sendo o
pesquisador; no entanto nenhum dos autores em questão creditam a possibilidade de se
manter excepcionalmente “afastado” do objeto. No entanto a modernidade trouxe
também as consequências sociais e essas consequências puseram o sujeito como uma
exigência. E o ponto de vista desse sujeito se mostrou crucial para entender a sociedade.
Nesse sentido, a pesquisa qualitativa se fez necessária. Bourdieu, Melucci, Lalanda, etc.
aceitam a impossibilidade da suspensão do observador. Ele é, de uma forma ou de outra,
um sujeito também detentor de valores e frente a outro sujeito irá interpretar as
narrativas de acordo com tais valores. A sociologia é dialética, segundo Salomon, é um
troca de informações que direcionam a verdade, ainda que em perspectiva. Melucci
reconhece que o pesquisador, já dotado de valores, influencia diretamente seu meio de
pesquisa e seu objeto. Da mesma forma Lalanda e Bourdieu afirmam isso. Para
Bourdieu esse problema deve ser enfrentado com uma certa ética profissional, ou seja, é
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CIÊNCIAS SOCIAIS

preciso estra centrado em seu objetivo para que não acabe por direcionar o objeto para
quilo que você como pesquisador que afirmar. A sociologia para ele não é um meio de
amaciar o ego do pesquisador, mas de buscar verdade, como Mills, ainda que perturbe,
ainda que contrarie a sua visão é preciso ir, refutar-se, como Salomon afirma; a grande
maravilha é a incerteza. Lalanda por sua vez reitera a importância de uma suspensão
relativa, não de se descaracterizar como indivíduo, mas de empatizar à medida que se
faça necessário, entende as suas categorias e entender o objeto. Qualquer que seja a
relação entre objeto e observador deve estar dentro de uma zona segura, isso defende
Bourdieu, Lalanda e Melucci (com mais ênfase), pois a proximidade demais levará a
certas reflexões, digamos, superestimadas, e afastamento pode levar a presunções
teóricas sem nem conhecer o objeto em seu meio.
De toda forma, a pesquisa qualitativa tem como centro a relação entre
observador e objeto. E é crucial, como diria Bourdieu, a técnica de contar a história do
objeto, e ninguém melhor para dar os dados que o próprio objeto. Lalanda reforça
sempre a importância de deixar o entrevistado/objeto no centro, deixar contar-se, deixa-
lo refletir. Melucci trata isso como o fator mais importante, pois a epistemologia, ou
forma que o objeto tem de se conhecer é o ponto principal da pesquisa, ainda que crie
um suspense devido a relativização da realidade; uma vez que cada individuo enxerga o
mundo por si, e que o pesquisador narrará uma narrativa, sempre relativizando a
perspectiva de cada um. Aqui entra a importância de aceitar a diversidade e basear a
teoria, a cada transformação, nos protagonistas dessa realidade. Assim podemos inserir
categoricamente o pensamento de Boaventura de Sousa Santos; as epistemologias do
Sul, que assim como o que incita Melucci, propõe dar o foco àqueles que por muito não
foram.
Boaventura então repensa a transformação das sociedades de acordo com o que
os indivíduos que pertencem a elas. Portanto é preciso criar os caminhos de significação
e transformação da sociedade, como se exige com os movimentos pós-modernos,
decoloniais, etc. que buscam a afirmação das individualidades, inclusão, etc. que
conversam diretamente com o que busca a pesquisa qualitativa/reflexiva das ciências
sociais. A modernidade trouxe estranhamento entre a diversidade, entre o pensamento
hegemônico e o subalterno e o que Boaventura coloca é a necessidade de, dentro dessas
transformações, é preciso verificar as realidades que foram omitidas e que agora se
propõem a falar sobre si. Pois são elas que significam e constroem a estrutura social
existente.

Conclusão
Dentro do campo teórico das ciências sociais nos deparamos com as múltiplas
realidades sociais, de grupo para grupo, de pessoa para pessoa. O inegável é que a
subjetividade desses grupos e consequentemente desses indivíduos é crucial para o
desenvolvimento de hipóteses e teorias sociais plausíveis.
A disciplina de Metodologia da pesquisa em ciências sociais abre um leque na
imaginação do “como fazer” a prática em campo na coleta dos dados; a metodologia, as
preocupações com o meio e com o objeto. A metodologia da pesquisa deve, como
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CIÊNCIAS SOCIAIS

Lalanda diz, ser mais que só mera coleta de dados, mas uma experiencia humana, de
confiança e dialética, onde as múltiplas interpretações da realidade se expõem e se
conversam a fim da verdade social. A relação da sociologia com o campo é de extrema
importância, não só para a pesquisa em si, mas para todos aqueles que se servem da
atividade e conclusões sociológicas extraídas da prática; instituições públicas,
econômicas, a academia e a própria comunidade. As transformações que as ciências
sociais, munida de teorias reflexivas sobre si e sobre o meio, pode possibilitar, a
expansão de consciência que pode favorecer é inestimável. Por isso é tão cara para as
ciências sociais a pesquisa qualitativa; uma sociologia reflexiva.

***

Você também pode gostar