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NOÇÕES GERAIS SOBRE AS NOVAS NORMAS QUE

DISCIPLINAM A PROPRIEDADE INTELECTUAL NO


BRASIL

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NOÇÕES GERAIS SOBRE AS NOVAS NORMAS QUE DISCIPLINAM A
PROPRIEDADE INTELECTUAL NO BRASIL
Revista dos Tribunais | vol. 827 | p. 49 | Set / 2004
Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 1 | p. 1319 | Dez / 2010
DTR\2004\557

Patrícia Aurélia Del Nero


Professora do Departamento de Direito da Universidade Federal de Viçosa - MG. Doutoranda do
Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina.

Área do Direito: Geral


Sumário:

1.Introdução - 2.Algumas considerações acerca da propriedade intelectual - 3.Conclusões -


4.Bibliografia

1. Introdução

Ao longo dos anos 90, o ordenamento jurídico brasileiro foi profundamente alterado em virtude da
proliferação de normas disciplinadoras da propriedade intelectual, em seu aspecto amplo.

A abrangência dos direitos relativos à propriedade intelectual incide sobre as criações artísticas,
científicas e literárias, os programas de computador, as normas relativas à propriedade industrial e
os direitos de melhorista. Desta forma, pode-se delinear o novo complexo de normas disciplinadoras
da propriedade intelectual, nos seguintes termos:

No que se refere às criações artísticas, científicas e literárias, a Lei 9.610 (LGL\1998\78) , de


19.02.1998, altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.
Essa norma disciplina os direitos do autor, bem como aqueles que lhe são conexos.

A proteção do programa de computador, por seu turno, se efetiva, por intermédio da Lei 9.609
(LGL\1998\77) , de 19.02.1998, que "dispõe sobre a proteção intelectual do programa de
computador, 1sua comercialização no país e dá outras providências". O regime de proteção do
programa de computador é o mesmo conferido às criações artísticas, científicas e literárias,
ressalvados os seus aspectos morais.

A Lei 9.279 (LGL\1996\56) , de 14.05.1996, imprime uma nova regulamentação para os direitos e
obrigações relativos à propriedade industrial. Por fim, deve-se mencionar a adoção da Lei 9.456
(LGL\1997\66) , de 25.04.1997, que "institui a proteção de cultivares, dispõe sobre o Serviço
Nacional de Proteção de Cultivares - SNPC, e dá outras providências".

Esse novo conjunto de normas disciplinadoras da propriedade intelectual foi construído a partir da
tramitação e formalização da "Rodada Uruguai do Gatt", 2que, ao instituir a Organização Mundial do
Comércio, impunha aos países membros um novo perfil quanto aos objetos e processos intelectuais
passíveis de apropriação. A Rodada do Uruguai do Gatt foi firmada pelo Brasil 3e, aos termos da
mesma, consta um Tratado Internacional específico quanto aos direitos e obrigações referentes à
propriedade intelectual - o TRIPs.

Nesse sentido, todos os países membros deveriam observar o prazo para atualizar e realinhar suas
legislações sobre o tema. Essa era uma das condições e motivos para a reestruturação do sistema
de normas disciplinadoras da propriedade intelectual no Brasil.

Também é preciso esclarecer que o contexto internacional, no qual o Brasil se inseria no início da
década de 90, era permeado pela existência de sanções unilaterais impostas ao País, pelos Estados
Unidos, no que dizia respeito à não-anuência daquele país quanto ao "Sistema de Propriedade
Intelectual" brasileiro. 4O ponto central dessas sanções consistia na imposição feita ao Brasil, por
parte dos Estados Unidos para permitir a proteção intelectual e, portanto, a apropriação de produtos
e processos emergentes e estratégicos.

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A partir da tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei 824/1991, 5o novo perfil das relações
e prescrições normativas sobre propriedade intelectual foi se delineando no cenário brasileiro. A
tramitação dessas novas regras não foi pacífica e muito menos linear no Congresso Nacional. 6O
Projeto de Lei 821/1991 foi marcado por ser uma modalidade de legislação projetada polêmica e que
se arrastou no Congresso por longos seis anos, delineando lobbies e mobilizando a sociedade civil
brasileira. O mérito dessas regras ocupou a mídia e o noticiário nacional.

Finalmente, ao término da década de 90, o Brasil construiu um amplo leque de normas que
disciplinam os direitos e deveres de propriedade intelectual, em sua acepção lato sensu, conforme já
mencionado anteriormente.

Verifica-se que o novo perfil das normas disciplinadoras da propriedade intelectual era uma exigência
que o País necessariamente deveria cumprir. No entanto, após a sua institucionalização e até os
dias atuais, deve-se realizar uma ampla campanha informativa acerca das novas formas de
apropriação dos produtos e processos advindos do intelecto humano. Além do mais, é imperativo
que sejam realizados, também, esclarecimentos acerca da aplicabilidade concreta dessas novas
formas de proteção.
2. Algumas considerações acerca da propriedade intelectual

A propriedade intelectual, segundo Aurélio Wander Bastos, compreende "a legislação sobre a
propriedade de criações intelectuais, particularmente as invenções tecnológicas e as obras literárias
e artísticas. Os direitos de propriedade intelectual estendem-se, também, para proteger marcas,
invenções modelos de utilidade, desenhos industriais, indicações de procedências, denominações de
origem, a concorrência desleal, know-how, direitos autorais e conexos e o software. No direito
brasileiro e na maioria absoluta das demais legislações estrangeiras, a propriedade intelectual
engloba as proteções oferecidas, conjuntamente, pela propriedade industrial e pelo direito do autor.
Encontramos exceção no direito espanhol que designa por propriedade intelectual as provisões
referentes exclusivamente a direito autoral". 7

Portanto, conforme se verifica, o rol de normas, bem como de categorias institucionais


disciplinadoras da propriedade intelectual, é considerável, prevendo inúmeras formas e
possibilidades de proteção no campo jurídico, quanto aos bens concebidos e criados a partir do
intelecto humano ou de sua força de trabalho intelectual.

No contexto específico da propriedade industrial, a Lei 9.279/1996 (LGL\1996\56) disciplina as regras


referentes às invenções tecnológicas. Essa lei ficou conhecida impropriamente como "Lei de
Patentes". Diz-se impropriamente pois seu âmbito de normatização vai além das patentes. A Lei
9.279/1996, em seu art. 2.º, determina que: "A proteção dos direitos relativos à propriedade
industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País,
efetua-se mediante: I - concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade; II - concessão
de registro de desenho industrial; III - concessão de registro de marca; IV - repressão às falsas
indicações geográficas; e V - repressão à concorrência desleal".

Verifica-se que a disciplina jurídica da Lei 9.279/1996 vai além das patentes e engloba, inclusive, a
disciplina jurídica referente à repressão à concorrência desleal.

A nova Lei de Propriedade Industrial modificou consideravelmente o seu rol de direitos e de deveres,
bem como os bens passíveis de proteção e apropriação pelo titular.

As invenções tecnológicas, conforme assinalado anteriormente, são protegidas por intermédio das
patentes de invenção. Nesse sentido, é preciso esclarecer que a patente é um instituto jurídico que
garante a propriedade de determinado produto ou processo a um titular. Uma vez concedida a
proteção das invenções tecnológicas por intermédio da patente, resta instituído e constituído em
favor do titular o monopólio de exploração de seu objeto (produto ou processo).

O titular da patente, durante a vigência do seu direito, detém o monopólio, ou seja, é o único que
pode explorar o objeto da patente, produzindo, vendendo ou transferindo esses direitos a terceiros,
definitiva ou temporariamente.

A sistemática de funcionamento da patente, além de garantir o monopólio institucionalizado, é um


instrumento por intermédio do qual o conhecimento científico e tecnológico é transformado em bem

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econômico, pois seu objeto (produto ou processo) passa a ser apropriado e, portanto, um bem alvo
de transações mercantis. Desta forma, a ciência e a tecnologia, por seu turno, passam a incorporar o
sistema produtivo.

O termo patente 8deriva do latim (de patens, patentis, de patere) e significa: ser claro, ser evidente,
manifestar-se.

As patentes de invenção9devem ser reconhecidas pelo Estado para ter validade perante terceiros. A
entidade estatal, no Brasil, que garante esse reconhecimento e validade é o Instituo Nacional de
Propriedade Industrial (INPI). O autor da invenção tecnológica deve demonstrar que o
reconhecimento é pertinente, pois cumpre os requisitos legais, quais sejam: novidade, atividade
inventiva e aplicação industrial (art. 8.º da Lei 9.279/1996).

A novidade determina que o produto ou o processo a ser patenteado não se encontra compreendido
no "estado da técnica". O estado da técnica, 10por seu turno, é constituído por tudo aquilo tornado
acessível ao público, antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral,
por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior.

A atividade inventiva11é auferida sempre que o produto ou o processo objeto de patente de invenção,
para um técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica.
Finalmente a aplicabilidade industrial consiste na possibilidade formal e material da reprodução do
produto ou processo patenteado na escala industrial. Trata-se da produção em série pela industria
de um processo ou de um produto inventivo. 12

Conforme se verifica, na área das invenções tecnológicas podem ser patenteados tanto os produtos
quanto os processos. Os produtos são considerados os objetos finais do trabalho intelectual humano
que resultam a partir de um processo inventivo. Este, por seu turno, consiste no trabalho intelectual
metodológico e de conhecimento científico acumulado com vistas a um resultado final, passível
necessariamente de reprodução industrial.

O titular de uma patente possui o direito de exclusividade e de exclusão sobre as demais pessoas
quanto ao produto ou processo passível de apropriação. A patente traduz um direito de
exclusividade, pois decorre dos direitos de propriedade e, estes, de um modo geral são exclusivos,
isto é, conferidos apenas aos titulares. A exclusão engendrada pela patente consiste no fato de que,
a partir do reconhecimento estatal de tais direitos, todas as demais pessoas são excluídas do
exercício, bem como da percepção de frutos de tais direitos. Tanto a exclusividade quanto a
exclusão podem ceder passo nas hipóteses de licenciamento. 13

As patentes, conforme enfatizado anteriormente, podem consistir ou recair sobre um processo ou um


produto. Cumpre, no entanto, indagar: o que pode ser objeto de patente?

A resposta é fornecida pelas prescrições normativas constantes do art. 10 c/c o art. 18, ambos da Lei
9.279/1996. Os referidos dispositivos normativos disciplinam que: "Art. 10. Não se considera
invenção nem modelo de utilidade: I - descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos; II -
concepções puramente abstratas; III - esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais,
contábeis, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização; IV - as obras literárias,
arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética; V - programas de computador em
si; VI - apresentação de informações; VII - regras de jogo; VIII - técnicas operatórias ou cirúrgicas e
métodos terapêuticos ou de diagnósticos, para aplicação no corpo humano ou animal e; IX - o todo
ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela
isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos
naturais".

O art. 18 da Lei 9.279/1996, por seu turno, determina que: "Art. 18. Não são patenteáveis: I - o que
for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde públicas; II - as
substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a
modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou
modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e III - o todo ou parte dos
seres vivos, exceto os microorganismos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade -
novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8.º e que não sejam mera
descoberta. Parágrafo único. Para os fins desta lei, microorganismos transgênicos são organismos,

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exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana
direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie
em condições naturais".

Em face dos dois dispositivos legais transcritos, a questão anteriormente posta pode ser respondida
da seguinte forma: pode ser objeto de patente todo produto e/ou processo que não incida no rol das
proibições legais. Parece óbvio.

No entanto, é necessário ter em consideração que a concessão de patente de produtos e processos


deve observar ao Princípio da Estrita Legalidade constante do art. 5.º da CF. 14Anote-se ainda que a
aplicabilidade deste Princípio Constitucional comporta duas ordens de leitura, quais sejam: aos
particulares só é possível fazer o que a lei não proíbe; enquanto ao setor público só é permitido
realizar aquilo que estiver expressamente autorizado em lei. Para a interpretação dos dois
dispositivos citados, necessário se faz aduzir que a técnica utilizada pela Lei de Propriedade
Industrial que enuncia expressamente o que não pode ser objeto de patente de invenção; elenca a
forma negativa, isto é, "não dever-ser".

Verifica-se que houve uma inversão quanto à apresentação e aplicabilidade do princípio da


legalidade por parte das prescrições contidas na Lei de Propriedade Industrial. As disposições
constantes da Lei 9.279/1996 disciplinaram o instituto da patente como se este fosse inerente ao
setor privado. Trata-se de instituto essencialmente público, haja vista que, conforme assinalado
anteriormente, a entidade responsável pela tramitação e concessão do procedimento de patente é o
INPI 15e, portanto, uma entidade pública, ou seja, uma autarquia federal.

Pode, portanto, ser objeto de patente, respondendo à questão formulada, todo produto e/ou processo
que não incida nas proibições legais. Nesse sentido, pode ser, em tese, objeto de patente de
invenção produtos e processos relativos aos seguintes setores industriais: alimentos, fármacos,
cosméticos, químicos e biotecnológicos, bem como as invenções na área genética. Todas essas
modalidades de produtos e/ou processos não colidem com as proibições legais, sendo, portanto
passíveis de apropriação por meio de patente de invenção.

Pode-se perceber que a atual Lei de Propriedade Industrial brasileira permite o patenteamento de
determinados produtos e processos considerados estratégicos pela indústria, bem como inúmeros
produtos e processos emergentes - de tecnologia de ponta.

Cumpre esclarecer que, embora a matéria envolva a apropriação intelectual, ou seja, propriedade
intelectual, portanto seus bens (produtos ou processos), são caracterizados e conceituados como
bens imateriais, vale dizer, aqueles que não possuem existência tangível, corpórea. No entanto, para
os fins de sua disciplina jurídica esses bens são considerados bens móveis. Esta é a prescrição
contida no art. 5.º da Lei 9.279/1996. 16

Para requerer perante o Inpi a concessão e o deferimento de uma patente de invenção, a forma é a
procedimental, vale dizer, por intermédio de procedimento administrativo. As regras, nesse sentido,
encontram-se previstas nos art. 22 et seq. da Lei 9.279/1996. Esses dispositivos evidenciam as
condições do pedido, este terá de se referir a uma única invenção ou a um grupo de invenções
inter-relacionadas de maneira a compreenderem um único conceito inventivo.

A Lei 9.279/1996, ao disciplinar a partir do art. 30 a forma pela qual o titular pode requerer uma
patente de invenção, refere-se à matéria da seguinte forma: "Do processo e do exame do pedido".
Na verdade, consoante dispõe a doutrina, trata-se de um procedimento; nesse sentido, a lei
prescreveu o instituto de forma imprecisa. O processo, em sua essência, pressupõe a jurisdição,
enquanto o procedimento administrativo é, segundo a doutrina: 17"Uma sucessão itinerária e
encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo. Isto
significa que para existir o procedimento cumpre que haja uma seqüência de atos conectados entre
si, isto é, armados em uma ordenada sucessão visando a um ato derradeiro, em vista do qual se
compôs esta cadeia, sem prejuízo, entretanto, de que cada um dos atos integrados neste todo
conserve sua identidade funcional própria, que autoriza a neles reconhecer o que os autores
qualificam como 'autonomia relativa'. Por conseguinte cada ato cumpre uma função especificamente
sua, em despeito de que todos co-participam do rumo tendencial: destinarem-se a compor o
desenlace, em um ato final, pois estão ordenados a propiciar uma expressão decisiva a respeito de
dado assunto, em torno do qual todos se polarizam".

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A lei, portanto, se refere impropriamente ao processo, e, tendo em vista o exposto trata-se, na


verdade de procedimento administrativo que possui seu trâmite em face do INPI. De forma acertada,
o Ato Normativo 127/97, 18em suas considerações, destaca o seguinte: "O presidente do INPI, no uso
de suas atribuições, e considerando a necessidade de se estabelecer normas gerais de
procedimentos para explicitar e cumprir dispositivos da Lei de Propriedade Industrial - Lei 9.279, de
14.05.1996 (adiante LPI), no que se refere às patentes de invenção e às patentes de modelos de
utilidade, e aos certificados de adição de invenção, resolve: estabelecer as seguintes normas de
procedimentos: (...)" (grifos da autora).

Inequivocamente se verifica que a matéria é disciplinada por intermédio de procedimento


administrativo. Uma vez concluído esse procedimento e deferindo-se a concessão de patente de
invenção, o titular pode utilizar e explorar seu objeto pelo prazo de 20 anos, nos termos de art. 40 da
Lei 9.279/1996, para as patentes de invenção e 15 anos para as patentes de modelo de utilidade. Ao
mesmo tempo, é importante anotar que é nula a patente concedida contrariando as disposições da
lei. 19No que se refere à nulidade, esta produz seus efeitos, desde a data do depósito da patente,
segundo o art. 48 da Lei de Propriedade Industrial.

Em um primeiro momento, pode-se verificar que, em face das novas possibilidades facultadas pela
Lei 9.279/1996, a matéria objeto de proteção suscitou maiores controvérsias no que diz respeito à
tramitação da referida lei no Parlamento brasileiro. Essa matéria foi alvo de inúmeros lobbies e objeto
de audiências públicas para esclarecimento dos parlamentares quanto aos seus pontos mais
polêmicos. A matéria veiculada pela Lei 9.279/1996 não era absolutamente pacífica. Os maiores
pontos de discórdia e de mobilização da sociedade civil referiram-se à possibilidade de
patenteamento dos processos e dos produtos advindos da biotecnologia. 20

No que diz respeito à possibilidade de patenteamento dos setores provenientes da moderna


biotecnologia, este foi considerado controverso, tendo em vista a possibilidade de patenteamento
dos microorganismos transgênicos e, em última análise, a possibilidade de apropriação privada de
matéria vida, ou seja, o reconhecimento estatal da propriedade dos microorganismos que são
transgênicos e que cumprem os requisitos do patenteamento, conforme analisado anteriormente.

Os microorganismos, da forma em que são encontrados na natureza, são considerados descobertas


21
e, portanto, não podem ser objeto de patente; mas os microorganismos "engenheirados", 22quer
dizer, os melhorados ou modificados geneticamente, podem ser objeto de patente de invenção, por
incidirem no campo das invenções biotecnológicas.

Esse foi o aspecto da lei que gerou controvérsia quando de sua tramitação no Congresso Nacional.
A grande questão que se formulava na época era: o que pode ser considerado "microorganismo
transgênico"?

Primeiramente, deve-se levar em consideração que os microorganismos naturais não são passíveis
de patenteamento, pois são considerados descobertas e não invenções. Deve-se tomar em conta
que os processos microbiológicos, para a obtenção de produtos que têm aplicabilidade industrial,
assim como os processos obtidos nesse contexto, são passíveis de proteção por meio de patente,
pois são considerados processos inventivos.

Para que o governo brasileiro pudesse adotar a regulamentação de "microorganismo", o primeiro


passo dado foi localizar o significado do verbete no dicionário: " Microorganismo. 23[ Do gr. Micr(o) - +
organismo] S.m. Micróbio". 24

A redação que prevaleceu no texto da Lei 9.279/199625determina que: "Para os efeitos desta lei,
microorganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que
expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica
normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais".

A partir da aprovação da lei até a atualidade, o INPI já esboçou interpretação quanto à matéria
consubstanciando que estão excluídos do entendimento do art. 18 da Lei 9.279/1996 aqueles
microorganismos cujas células são capazes de formar tecidos e, conseqüentemente, órgãos.

Em face do exposto, verifica-se que as invenções no campo biotecnológico permitem a apropriação


privada de elementos vivos, tais como os microorganismos, possibilitando, por expressa disposição
legal constante na Lei 9.279/1996, o patenteamento de formas vivas.

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Ainda no contexto da nova Lei de Propriedade Industrial, deve-se enfatizar que todo produto
patenteado pode ser também protegido por meio dos direitos marcários, quer dizer, pode-se utilizar o
patenteamento do produto, bem como a concessão de um registro de marca. Normalmente, a ênfase
direciona-se para o patenteamento, em detrimento da amplitude da proteção intelectual. As marcas
podem ser concomitantemente solicitadas perante o Inpi.
3. Conclusões

O Brasil, ao longo dos anos 90, construiu um novo conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da
propriedade intelectual, possibilitando, permitindo e reconhecendo a apropriação de diversos
produtos e processos na área de tecnológica.

A ênfase especial do conjunto de normas relativas à propriedade intelectual é conferida à nova Lei
de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996), que permite o reconhecimento por parte do Estado das
patentes de invenção de material genético e de seres vivos, entendidos como microorganismos.
Nesse sentido, o novo perfil das regras referentes à propriedade intelectual do Brasil segue e
acompanha os modelos preconizados pelos países centrais, ou seja, os países desenvolvidos.

Inegavelmente, os instrumentos asseguradores da propriedade intelectual, em especial o instituto


das patentes, são caracterizados por fomentar o desenvolvimento industrial e, em conseqüência, o
desenvolvimento sustentado dos países que os disciplinam expressamente em seus ordenamentos
jurídicos. A aplicabilidade das invenções biotecnológicas possibilita, em tese, o desenvolvimento
sustentável desse setor.

O Brasil regulamentou, conforme verificado, a propriedade intelectual em seus mais amplos


aspectos; no entanto, continua sendo caracterizado como País "em vias de desenvolvimento" ou
"País emergente". A grande inferência conclusiva que acena em face do exposto é que a
institucionalização desse novo conjunto de normas no campo da propriedade intelectual é uma
medida necessária para o desenvolvimento sustentável do país. Mas, se aplicada de forma isolada, é
medida insuficiente, pois é necessário levar a efeito uma política nacional de propriedade intelectual
ou, em especial, de uma política nacional de propriedade industrial. Do contrário, o País possuirá
apenas um conjunto amplo de princípios e normas acerca da propriedade intelectual, sendo
denominado, ao longo da história, "País eternamente emergente".

Além disso, conforme apresentado, é imprescindível uma ampla campanha de difusão dos
instrumentos e das modalidades de propriedade intelectual, especialmente no que se refere à
aplicabilidade desses mecanismos na agropecuária, como forma de fomentar e desenvolver, ao
máximo, esse setor.
4. Bibliografia

BASTOS Aurélio Wander. Dicionário de propriedade industrial e assuntos conexos. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 1997.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1996.

BRASIL. Ata final em que se incorporam os resultados da Rodada Uruguai de negociações


comerciais multilaterais. Brasília, 15.04.1994.

--------_______. Lei5.649, de 11 de dezembro de 1970. Fixa a estrutura do Instituto Nacional de


Propriedade Industrial. Brasília, 1970.

______. Lei 5.772, de 21 de dezembro de 1971. Institui o Código de Propriedade Industrial e dá


outras providências. Brasília, 1971.

______. Lei 9.279, de 14 de maio de 1996. Disciplina os direitos e obrigações referentes à


propriedade industrial. Brasília, 1996.

______. Lei 9.456, de 25 de abril de 1997. Institui a proteção de cultivares, dispõe sobre o Serviço
Nacional de Proteção de Cultivares - SNPC, e dá outras providências. Brasília, 1997.

______. Lei 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção intelectual de programa de
computador, sua comercialização no país, e dá outras providências. Brasília, 1998.

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______. Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos
autorais e dá outras providências. Brasília, 1998.

______. Projeto de Lei 824/91, de 30 de abril de 1991. Regulamenta direitos e obrigações relativos à
propriedade industrial. Brasília, 1991.

______. Constituição da República (LGL\1988\3) Federativa do Brasil. Brasília, 1998.

______. Ministério das Relações Exteriores. Pronunciamento do Ministro das Relações Exteriores na
Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, sobre o Projeto de Lei de Propriedade
Industrial. Brasília, Congresso Nacional 1995.

______. Presidência da República. Dec. 2.366, de 5 de novembro de 1997. Regulamenta a Lei


9.456/97, de 25.04.1997, que institui a Proteção de Cultivares, dispõe sobre o Serviço Nacional de
Proteção de Cultivares - SNPC e dá outras providências. Brasília, 1997.

______. Presidência da República. Dec. Leg. 30, de 15 de dezembro de 1994. Aprova a Ata Final da
Rodada Uruguai das Negociações Comerciais Multilaterais do Gatt. Brasília, 1994.

CANHOS, Dora Ann Lange. Patentes em biotecnologia, Fundação Tropical de Pesquisa e


Tecnologia "André Tosello", 1991.

DEL NERO, Patrícia. Aurélia. Propriedade intelectual: a tutela jurídica da biotecnologia. São Paulo:
Ed. RT, 1998.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1993. vol. 2.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, [s.d.].

INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Ato Normativo 127, de 5 de março de


1997. Dispõe sobre a aplicação da Lei de Propriedade Industrial em relação às patentes e
certificados de adição de invenção. Rio de Janeiro, 1997.

SILVEIRA, Newton. A propriedade intelectual e a nova lei de propriedade industrial. São Paulo:
Saraiva, 1996.

(1) O programa de computador é considerado, segundo o art. 1.º da Lei, a expressão de um conjunto
organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer
natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento de informações,
dispositivos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análogo, para fazê-los
funcionar de modo e para fins determinados.

(2) BRASIL. Ata final em que se incorporam os resultados da Rodada Uruguai de Negociações
Comerciais Multilaterais. Brasília, 15.04.1994.

(3) O Dec. Leg. 30, de 15 de dezembro de 1994, promulgou a Ata Final da Rodada Uruguai das
Negociações Comerciais do Gatt. Brasília, 1997.

(4) Nesse sentido, consultar: BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Pronunciamento do
Ministro das Relações Exteriores na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, sobre o
Projeto de Lei de Propriedade Industrial. Brasília, Congresso Nacional 1995.

(5) BRASIL. Projeto de Lei 824/91, de 30 de abril de 1991. Regulamenta direitos e obrigações
relativos à propriedade industrial. Brasília, 1991.

(6) Quanto à tramitação do Projeto de Lei 821/1991, pode-se consultar: DEL NERO, Patrícia Aurélia.
Propriedade intelectual: a tutela jurídica da biotecnologia. São Paulo: Ed. RT, 1998. Capítulo II, Item
2.1 - O encaminhamento do projeto brasileiro de alteração do Código de Propriedade Industrial e

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suas interações com a conjuntura internacional.

(7) BASTOS, Aurélio Wander. Dicionário de propriedade industrial e assuntos conexos. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 1997. p. 232.

(8) Consultar: DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1993. vol. 2, p.
328.

(9) Segundo Aurélio Wander Bastos, "A patente de invenção é o título de exploração temporal,
concedido pela Administração (Estado) ao inventor, em contrapartida à divulgação, bem como da
exploração fidedigna do seu invento. O inventor precisa tender aos requisitos de novidade, atividade
inventiva e aplicação industrial. Pode-se afirmar que a Patente é um documento expedido pelo órgão
competente do Estado que reconhece o direito de propriedade industrial reivindicado pelo titular. A
Patente garante ao inventor (titular) o direito de explorar o seu objeto, e de autorizar a sua
exploração por terceiros, em decorrência do exercício do uso exclusivo e do direito de exclusão, que
caracterizam a tutela jurídica deste bem imaterial. O título é normalmente constituído de um
certificado (chamado de uma descrição completa da invenção), sua forma de reprodução e
delimitação da matéria protegida (...)" (Op. cit., p. 209-210).

(10) Art. 11, § 1.º , da Lei 9.279/1996.

(11) Art. 13 da Lei 9.279/1996.

(12) O art. 15 da Lei 9.279/1996 disciplina a matéria prescrevendo que: "A invenção e o modelo de
utilidade são considerados suscetíveis de aplicação industrial quando possam ser utilizados ou
produzidos em qualquer tipo de indústria".

(13) As licenças das patentes são disciplinadas na Lei 9.279/1996 e podem ser licenças voluntárias
(aquelas formalizadas por intermédio de contratos, normalmente onerosos, previstos no art. 61 et
seq.) ou licenças compulsórias (previstas no art. 68 et seq. da Lei 9.279/1996).

(14) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1998.

(15) Nesse sentido consultar: BRASIL. Lei 5.649, de 11 de dezembro de 1970. Fixa a estrutura do
Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Brasília, 1970.

(16) "Consideram-se bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial."

(17) Dizeres do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, São Paulo:
Malheiros, 1996, p. 291-292.

(18) INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Ato Normativo 127, de 5 de março


de 1997. Dispõe sobre a aplicação da Lei de Propriedade Industrial em relação às patentes e
certificados de adição de invenção. Rio de Janeiro, 1997.

(19) Art. 46 da Lei 9.279/1996.

(20) Biotecnologia é "definida como a aplicação de princípios científicos e de engenharia para o


processamento de materiais e energia por agentes biológicos, com a finalidade de prover bens e
serviços. A(s) biotecnologia(s) consiste(m) na utilização de bactérias, levedos e células animais e
vegetais em cultivo, cujo metabolismo e capacidade de biossíntese estão orientados para a
fabricação de substâncias específicas (...)" ( Dicionário de propriedade..., cit., p. 32).

(21) Uma consideração importante que deve ser levada a efeito, no plano da propriedade intelectual,
refere-se à distinção existente entre descoberta e invenção. Conceitos ou categorias que não se
confundem. A descoberta consiste como tudo o que pode ser encontrado na natureza. As invenções
são caracterizadas como atuações do homem em objetos naturais e que rendem ou podem render
margem à aplicabilidade industrial.

(22) "A terminologia 'engenheirado' é entendida como toda intervenção humana em elemento natural,

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NOÇÕES GERAIS SOBRE AS NOVAS NORMAS QUE
DISCIPLINAM A PROPRIEDADE INTELECTUAL NO
BRASIL

capaz de alterar sua estrutura. Significa, portanto, a alteração, pelo homem, em virtude de sua força
de trabalho intelectual, na estrutura genética do elemento microorganismo". Vide, nesse sentido, Del
Nero, op. cit., p. 127.

(23) A definição biológica usual de microorganismo caracteriza-o como o organismo unicelular


microscópico que existe de forma autônoma na natureza e é capaz de agregar-se para formar um
indivíduo multicelular complexo. Nesse contexto, incluem-se na categoria de microorganismos: as
bactérias, os fungos, os protozoários, as algas microscópicas e os vírus. Segundo a definição
decorrente dos conhecimentos da biologia celular, os microorganismos podem ser caracterizados
como células isoladas de organismos multicelulares (animais e plantas) mantidas em meio de cultura
adequados a sua sobrevivência enquanto organismos vivos autônomos.

(24) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Op. cit., p. 922.

(25) Par. ún. do art. 18.

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