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Uma questão entre pai e filho: Ego e superego

Paulo Silva1

Intrigado novamente pela questão “humor”, após a produção de sua obra “Os Chistes e
sua Relação com o Inconsciente”, Freud produz novamente, desta vez um texto explicativo a
respeito da incógnita intrigante: “a produção do prazer humorístico”. Afim de tecer um pano de
fundo para melhor compreensão dos aspectos que serão abordados aqui posteriormente,
comentarei como Freud começa o texto e como chega ao ponto que abordarei, a relação entre ego
e superego e sua pertinência na produção do prazer humorístico.
Freud começa o texto explanando que em seu volume anterior, teria ele abordado a
produção do humor apenas do ponto de vista econômico, isto é, que a produção do prazer
humorístico surge de uma economia em relação aos sentimentos. Ele continua, realçando
maneiras as quais podem originar o processo humorístico. A primeira seria a que o sujeito se
coloca na produção do humor, tornando-se isolado; uma segunda, que ocorre entre duas pessoas,
causando assim prazer ao expectador (a outra pessoa que partilha a cena), essa pessoa não toma
parte alguma na produção do humor, e sim observa o desenrolar da produção. Farei uso do
exemplo de Freud afim de tornar mais esclarecedora a informação. “Um criminoso, levado à
forca, comenta: ‘Bem, a semana está começando otimamente’”. O próprio criminoso se coloca
em uma posição isolada, produzindo humor a respeito de si mesmo, como também, poderia haver
inúmeros espectadores que apreciaram, como expectadores, o seu enunciado. Outra maneira
seria, de acordo com Freud, quando narradores ou escritores descrevem atividades de pessoas
(“reais ou imaginárias”) de maneira humorística. Essas pessoas não necessitam demonstrar
humor, o que importa é o leitor, tal como o exemplo anterior, no qual o expectador que importa
no processo.
Para assimilar melhor a “economia” de sentimentos na “gênese” do prazer humorístico
é preciso compreender o processo que acontece no ouvinte perante uma produção de humor.
Diante de determinada situação, algumas sensações são esperadas pelo o ouvinte, porém o
narrador, coloquemos assim, segue por outra vertente surpreendendo assim o ouvinte, e então
ocorre a economia de sentimentos, transformando-se assim em prazer humorístico. Como um
resumo deste tópico Freud afirma: “Não há dúvida de que a essência do humor é poupar os afetos


1 Mestre em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
em que a situação naturalmente daria origem e afastar com uma pilhéria a possibilidade de tais
expressões de emoção”.
Até então o que acontece no humorista, acontece no ouvinte, as sensações tem de ser
refletidas, o processo no ouvinte “tem que ter copiado o do humorista”. Aderindo a suposição que
o ouvinte seja apenas um eco, uma cópia nesse processo, Freud busca então focar seus estudos no
lado que produz o humor, propriamente dito, no humorista. Dando algumas características ao
humor, Freud afirma: “O humor tem algo de libertador ao seu respeito, mas possui também
qualquer coisa de grandeza e elevação [...] Essa grandeza reside claramente no triunfo do
narcisismo [...] na invulnerabilidade do ego”.
Chegamos então a questão primariamente mencionada, um primeiro fator da mesma
surge: o ego. O ego prega que não se pode sofrer, não se traumatizará e que não será atingido
pelas tristezas do mundo, tornando-as assim em ocasiões para obtenção do prazer2. Em um
exemplo de outro criminoso, Freud cita uma das melhores características do humor em minha
opinião. Este criminoso ao ir à forca afirmava: “Isso não me preocupa. Que importância te, afinal
de contas, que um sujeito como eu seja enforcado? O mundo não vai acabar por causa disso.” Um
discurso como esse, como Freud diz, apresenta total superioridade sobre a situação atual. O que
ele diz é verdadeiro, tem traços da realidade, mas joga por terra a característica do humor. E eis a
afirmação: “O humor não é resignado, mas rebelde”. Significa não apenas o agir do ego, e sim
uma criação de prazer. Colocando o ego em questão, livra-se das circunstâncias momentâneas
não tão favoráveis e então produz humor (como no exemplo do primeiro criminoso). Mas em que
consiste essa atitude de supervalorização do ego? Em que consiste essa atitude em que a pessoa
se recusa a aceitar as condições presentes e não se afeta pelos traumas externos produzindo assim
humor? Como podemos explicá-la?
À luz de sua obra “Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente”, Freud traz à tona
um exemplo dado sobre quem produz humor: “O indivíduo se comporta para com eles como um
adulto o faz com uma criança, quando sorri da trivialidade dos interesses e sofrimentos que
parecem tão grandes a essa última”. Dizendo de outra maneira, o humorista se tornaria o pai e
seus ouvintes as crianças. Tal explicação abrange os fatos, mas ele próprio afirma que tal
explicação não é conclusiva. Surge então uma questão, talvez originadora da hipótese que irei
focar (relação entre humor e ego/superego). E quando o humorista se faz dele próprio artefato de

2 Exemplo do criminoso levado à forca.
humor? Seria possível ele ser a criança e o pai ao mesmo tempo? Como podemos explicar esta
questão? De acordo com Freud, o ego não é uma entidade solitária, abriga dentro dele o superego
e por vezes os dois combinam-se de maneira que não podemos diferenciá-los, todavia em outros
momentos a diferença se faz nítida e clara. A explicação que Freud propõe para o ato de
produção de prazer é a seguinte:

Geneticamente o superego é o herdeiro do agente paterno. Frequentemente ele


mantém o ego em estrita dependência e, ainda, realmente o trata como os
genitores, ou o pai, outrora trataram o filho, em seus primeiros anos. Obteremos
uma explicação dinâmica da atitude humorística, portanto, se supusermos que
ela consiste em ter o humorista retirado a ênfase psíquica de seu ego,
transpondo-a para o superego. Para o superego, assim inflado, o ego, pode
parecer minúsculo, e triviais todos os seus interesses, e, com essa nova
distribuição de energia, pode tornar-se coisa fácil para o superego reprimir as
possibilidades de reação do ego (FREUD, p. 192).
Uma problematização então surge, se o superego, por vezes dá vazão ao ego para
produzir prazer, isso talvez contradiga sua natureza de “senhor severo”. Voltarei a essa questão
um pouco mais tarde. Freud termina com uma frase que sintetiza bem sua ideia a respeito da
produção de chistes: “Quanto à origem destes, fui levado a supor que um pensamento pré-
consciente é entregue por um momento à revisão inconsciente. Um chiste é portanto a
contribuição feita ao cômico pelo inconsciente”. E então, talvez, resolve a dúvida originadora do
texto, aplicando a frase dos chistes ao humor: “Exatamente do mesmo modo, o humor seria a
contribuição feita ao cômico pela intervenção do superego”. O texto termina afirmando que a
capacidade de produção de humor não é dada a todos e que trata-se de um dom raro e precioso. E
Freud termina afirmando que se realmente for o superego que tece tais palavras de prazer visando
o conforto do ego, muito ainda há para se aprender sobre a natureza do superego e de maneira
alguma isso contradiz sua natureza paterna, visto que tenta consolar o ego (através do humor)
assim como um pai (da sua posição maioral) ao filho (em suas dores e traumas).

Referências bibliográficas:

FREUD, S. “O Humor” in Obras Completas, vol. VIII, Rio de Janeiro: Imago Editora, [1905],
2006.

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