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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS


Programa de Pós-graduação em Produção e Crítica Cultural

UM PANORAMA DO CINEMA
INDEPENDENTE BRASILEIRO

Lunara Araujo de Vasconcelos

Belo Horizonte
2011
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Lunara Araujo de Vasconcelos

UM PANORÂMA DO CINEMA
INDEPENDENTE BRASILEIRO

Monografia apresentada à Pontifícia


Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Especialista
em Produção e Crítica Cultural.

Orientação: Prof. Dr. Leonardo


Cunha

Belo Horizonte
2011
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LUNARA ARAUJO DE VASCONCELOS


UM PANORÂMA DO CINEMA INDEPENDENTE BRASILEIRO

Monografia apresentada à Pontifícia


Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Especialista
em Produção e Crítica Cultural.

Orientação: Prof. Dr. Leonardo


Cunha

______________________________________
Prof. Dr. Leonardo Cunha

______________________________________
Examinador

______________________________________
Examinador

Belo Horizonte, de Setembro de 2011


4

À Eunice Nascimento Araujo


(in memorian),

À minha família,
sempre tão companheira
5

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Prof. Dr. Leonardo Cunha pela atenção e compromisso


que tornaram possível a realização deste trabalho.
Ao sempre amigo e companheiro de uma vida inteira Helton Paulino pela
dedicação e incentivo que há dez anos estimulam minha trajetória nessa vida.
À minha tia e amiga Nena por acreditar e auxiliar em um passo essencial para
o que sou agora.
Ao meu “companheiro da noite”, meu sobrinho Vinícius, que por tantas vezes
me fez companhia nas noites de estudo. Dormindo, mas fez!
Aos de casa por aguentar meu estresse nos últimos meses.
Ao amigo André Skores pela companhia fundamental na aventura em terras
mineiras.
Aos colegas mineiros pela acolhida e amizade oferecida.
Aos Belos Horizontes que preencheram os meus dias durante um ano e meio
de curso.
A todos aqueles que me apoiaram e torceram pelo meu êxito.
6

RESUMO

Este trabalho apresenta uma reflexão sobre a realidade do cinema independente


brasileiro, através do processo evolutivo dessa arte no Brasil e seus mecanismos de
produção. Abordando temas como: A relação Cinema-Estado; O Neorrealismo
Italiano enquanto influência fílmica nos anos 1960; e definindo aqueles que se
caracterizaram como independentes durante tal história. Para esta pesquisa fizemos
um breve questionando acerca da definição de cinema independente,
contextualizando-o à realidade cinematográfica brasileira, como também um estudo
analítico acerca dos meios de produção que tornaram possíveis os filmes: Cama de
Gato (Alexandre Stockler) e O Cheiro do Ralo (Heitor Dhalia).

Palavras-chave: cinema brasileiro; produção; independente; história.


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ABSTRACT

This work presents a reflection on the reality of independent filmmaking in Brazil,


through the evolutionary process of this art in Brazil and its production mechanisms.
Topics such as: The relationship Cinema-State; The Italian Neorealism as
cinematographic influence in the 1950 and 1960’s, and defining those who were
characterized as independents during this story. For this research we made a brief
questioning about the definition of independent film, contextualizing it to reality
Brazilian film, but also an analytical study on the means of production that made
possible the movies: Cama de Gato (Alexandre Stockler) and O Cheiro do Ralo
(Heitor Dhalia).

Key-words: brazilian cinema, production, independent, history.


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LISTA DE SIGLAS

Agência Nacional do Cinema (Ancine).


BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento
CBC – Congresso Brasileiro de Cinema
Concine – Conselho de Cinema
CPC – Centro Popular de Cultura
Embrafilme – Empresa Brasileira de Filmes
FCB – Fundação do Cinema Brasileiro
Gedic – Grupo Executivo de Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica
INCE – Instituto Nacional do Cinema
Pronac – Programa Nacional de Apoio à Cultura
TRAUMA – Tentativa de Realizar Algo Urgente e Minimamente Audacioso
UNE – União Nacional dos Estudantes
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 A EVOLUÇÃO DO CINEMA BRASILEIRO E SEUS MODOS DE PRODUÇÃO .... 12


2.1 O primeiro cinema brasileiro?.............................................................................. 12
2.2 Primeira tentativa de industrialização .................................................................. 14
2.3 Longe da indústria e perto da arte: Humberto Mauro e Mário Peixoto ................ 16
2.4 Segunda tentativa de industrialização ................................................................. 18
2.5 Paralelamente às tentativas industriais ............................................................... 20
2.6 Embrafilme, cinema, política. .............................................................................. 21

3 CINEMA INDEPENDENTE NO BRASIL ................................................................ 26


3.1 À base do Neorrealismo Italiano ......................................................................... 26
3.2 Fim da Vera Cruz e Rio 40º ................................................................................. 29
3.3 Do ideário independente ao desenvolvimento de uma política cinematográfica:
Cinema Novo............................................................................................................. 33
3.3.1 Cinco vezes favela ........................................................................................... 35
3.4 O Cinema Marginal da Boca do Lixo ................................................................... 36
3.5 O que é cinema independente no Brasil?............................................................ 38

4 O FATOR MERCADOLÓGICO DO CINEMA DA RETOMADA E AS LEIS DE


INCENTIVO ............................................................................................................... 42
4.1 Cinema da Retomada e a criação da Ancine ...................................................... 42
4.1.1 Globo Filmes .................................................................................................... 47
4.2 Os atuais independentes ..................................................................................... 48
4.2.1 Ousadia digital – “Cama de Gato” .................................................................... 49
4.2.2 A vida é dura – “O Cheiro do Ralo” .................................................................. 52
4.3 Leis de Incentivo geram independência? ............................................................ 55

5 CONCLUSÃO......................................................................................................... 57

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59
10

1 INTRODUÇÃO

Desde sua aparição, o cinema brasileiro busca industrializar-se e tornar-se


autossustentável, no entanto, sofre em decorrência das amarras colonialistas
deixadas pelos europeus. Em paralelo as inúmeras tentativas industriais, houve
quem procurou não apenas contar uma história, mas também expressar opiniões e
sentimentos através das imagens. Houve quem persistisse em sua ideia, mesmo
sem condições lógicas e aparentes de se chegar ao fim.
Exceções à regra, talvez. O fato é que foi devido à perseverança de alguns
que o cinema brasileiro se manteve, mesmo que de forma precária e insatisfatória, e
chegou ao estágio em que nos encontramos hoje. Revista pelos pesquisadores por
ciclos, a história do cinema brasileiro passa por momentos de euforia e tantos outros
de crise intensa. Dessa maneira, pretende-se com esta pesquisa transitar na história
cinematográfica brasileira, conhecendo a evolução dos seus modos operandos, a
fim de refletir a atualidade.
No primeiro capítulo é descrita de maneira cronológica as fases da Bela
Época, dos ciclos regionais, da Cinédia, Atlântida, Vera Cruz e Embrafilme.
Enfatizando os meios estabelecidos para se realizar um filme, como também, a
relação do Estado perante o cinema nessas épocas. Humberto Mauro e Mário
Peixoto são ressaltados como percussores de um cinema independente.
Apreciaram-se aqui obras de autores como: Paulo Emílio Salles, Anita Simis,
Antônio Moreno, Glauber Rocha e Melina Izar Marzon.
Em seguida, no segundo capítulo, o Neorrealismo Italiano é apresentado,
através de Mariarosaria Fabris, como forte influência para as gerações de cineastas
brasileiros dos anos 1950/60, os quais se destacam por atuarem de forma
independente, ao menos no início de suas carreiras, tais como: Nelson Pereira dos
Santos, Alex Viany, Roberto Santos, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade,
Paulo César Saraceni, Leon Hirszman, Carlos Diegues, David Neves, Rogério
Sganzerla e Júlio Bressani.
Expõe-se ainda a maneira como Nelson Pereira dos Santos realizou “Rio, 40
graus”; a proposta do Cinema Novo e o contexto do filme “Cinco Vezes Favela”; e o
Cinema Marginal realizado na Boca do Lixo. Após identificar momentos e
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movimentos independentes no decorrer da história, o termo “cinema independente”


é abordado enquanto sua definição e melhor adequação à realidade brasileira.
O terceiro capítulo, por sua vez, compreende os últimos vinte anos de
cinema, assinala as intervenções estatais e características da linguagem fílmica
desde o fim da Embrafilme, em 1990, até as leis de mecenato vigentes nos dias de
hoje. Propõe-se uma reflexão sobre os mecanismos de produção atuais, através da
abordagem dos meios encontrados para se produzir os filmes: “Cama de Gato”, de
Alexandre Stockler, e “O Cheiro do Ralo”, de Heitor Dhalia. Questionando-se, então,
acerca da real funcionalidade das leis de incentivo ao audiovisual.
Espera-se com este trabalho estabelecer a relação do cinema independente
com a época na qual foi realizado, considerando-se os aspectos políticos e os
mecanismos de produção predominantes. Para que assim, melhor compreenda-se a
realidade atual do cinema brasileiro e que se possa contribuir de forma positiva no
desenvolvimento do futuro.
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2 A EVOLUÇÃO DO CINEMA BRASILEIRO E SEUS MODOS DE PRODUÇÃO

2.1 O primeiro cinema brasileiro?

O cinema chega ao Brasil em meados de século XIX, tendo sua primeira


exibição acontecido no Rio de Janeiro, em 8 de julho de 1896. Nesta sessão foi
apresentado, para a imprensa e convidados, um aparelho, denominado
omniographo1, capaz de projetar sobre uma tela “imagens animadas”. A busca por
um aparelho com a finalidade de reproduzir imagens em movimento aconteceu
simultaneamente em diversos lugares no mundo. No entanto, foi o francês Louis
Lumière quem patenteou, em 1895, o invento de melhor eficiência técnica, o
cinematógrafo. Este foi trazido ao Brasil em 15 de julho de 1897 pela empresa
Germano Alves da Silva e apresentado por Henri Picolet, um dos operadores da
empresa Lumière que percorriam o mundo exibindo suas películas.
A autoria das primeiras filmagens brasileiras é controversa. Até
recentemente, o pioneirismo era atribuído ao italiano Afonso Segreto por algumas
imagens da Baía de Guanabara capturadas em 1898 ao regressar da França com
um cinematógrafo. Porém, em novembro de 1897, “o médico e advogado José
Roberto da Cunha Salles depositou, na seção de pedidos de Privilégios Industriais
do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, o relatório do invento que
denominou “fotografias vivas.” (SOUZA, 1993, p. 171). Tratava-se de um
documento descritivo acerca dos procedimentos que deveriam ser seguidos,
naquela época, para se obter um bom filme, em anexo haviam dois fragmentos de
filmes com 12 fotogramas cada, correspondendo a pouco mais de um segundo de
duração.
Cunha Salles, entre outras particularidades, foi sócio do italiano Paschoal
Segreto, irmão de Afonso Segreto. Juntos inauguraram, no dia 31 de julho de 1987,
o Salão de Novidades Paris no Rio, o cinema mais antigo do Rio de Janeiro. A
sociedade não durou muito, foi desfeita pouco tempo antes do registro. Cunha
Salles adquiriu outro aparelho Lumière e passou a fazer exibições ambulantes,
prática que por algum tempo prevaleceu no interior do país. Paschoal Segreto
continuou com o empreendimento juntamente com seu irmão Afonso, o qual

1
Aparelho que reproduz numa tela o movimento de uma sequência de fotografias.
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viajava constantemente aos Estados Unidos e à Europa em busca de novidades.


Durante alguns anos, os irmãos italianos foram os principais exibidores de filmes e
produtores de alguns poucos filmes curtos nacionais de atualidades.
A primeira década do cinema no Brasil não teve grandes progressos.
Existiam poucas salas de projeção fixas e apenas no Rio e em São Paulo. De
acordo com Paulo Emílio Sales Gomes, o que impediu o desenvolvimento do
cinema brasileiro nos primeiros anos era a insuficiência elétrica:

A justificativa principal para o ritmo extremamente lento com que se


desenvolveu o comércio cinematográfico de 1896 a 1906 deve ser
procurada no atraso brasileiro em matéria de eletricidade. A utilização, em
março de 1907, da energia produzida pela usina do Ribeirão das Lages
teve consequências imediatas para o cinema no Rio de Janeiro. Em
poucos meses foram instaladas umas vinte salas de exibição, [...].
(GOMES, 1996, p. 23).

Após a introdução da energia elétrica produzida industrialmente o comércio


cinematográfico pode, então, deslanchar. Rapidamente foram abertas dezenas de
salas no Rio e em São Paulo e, de imediato, a demanda de filmes cresceu. Mais
filmes estrangeiros foram importados e a produção cinematográfica brasileira foi
impulsionada. Os curtas-metragens de atualidades foram produzidos em grande
número e incitou a produção de filmes mais longos de ficção. Tratava-se de
encenações de crimes que obtinham repercussão na imprensa da época e eram
realizados pelos proprietários dessas salas de exibição. Em 1908, foi exibido “Os
Estranguladores”, produzido pela empresa Labanca & Cia e dirigido por Antônio
Leal, o filme narrava um fato real, um crime no qual dois cidadãos foram
estrangulados.
Já nas primeiras décadas do século XX a tímida, mas crescente, produção
nacional concorria com os filmes estrangeiros vindos, principalmente, da Europa. A
participação de imigrantes no desenvolvimento inicial do cinema brasileiro é notória
desde os primórdios. Não só no aspecto importador, como também na produção e
exibição locais. Os brasileiros não se apropriaram da técnica cinematográfica de
imediato, não por incapacidade, mas sim pela existência de tradições culturais
ainda escravocratas e colonialistas, “em que o trabalho a mão era, quando mais
simples, obrigação de escravo, e, quando mais complexo, função de estrangeiro.”
(GOMES, 1996, p. 9). Dessa forma, os trabalhos relacionados ao cinema, tido
como difícil, como filmagens, revelação e até mesmo a projeção, foram realizados,
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principalmente, por estrangeiros. Posteriormente, os brasileiros foram aprendendo


a manejar uma câmera.
Durante a década de 1910, destacou-se a produção de filmes baseados em
obras literárias nacionais, como, por exemplo, adaptações de José de Alencar. No
entanto, não existia uma preocupação em criar algo novo, uma linguagem
expressiva própria. Paulo Emílio relata que os filmes eram retratados exatamente
como estivesse descrito nos livros:

“O filme brasileiro se estiolava dentro de uma estrutura dramática


rigidamente compartimentada, na qual a definição dos caracteres e
situações, assim como o desenvolvimento do enredo, ficavam na inteira
dependência dos letreiros explicativos.” (GOMES, 1996, p. 12).

No início da década 1920, evidenciou-se a importância das revistas


cinematográficas e da crítica especializada como formadoras de opinião. Ademar
Gonzaga e Pedro Lima, após publicar sobre cinema brasileiro em revistas como
Paratodos e Selecta, resolveram editar a revista Cinearte, que, durante 1926 e
1942, teve grande importância na disseminação das informações cinematográficas
nacionais, influenciando a produção em diversos pontos do Brasil.
Por volta de 1925, existiram os denominados Ciclos Regionais, como o de
Porto Alegre, Recife, Cataguases, Pelotas, Campinas, Pouso Alegre, Belo
Horizonte, que consistiram em grupos de cineastas entusiasmados que produziram
em suas regiões filmes com certa precariedade, mas que fizeram sucesso local.
Pode-se dizer que foi nessa época que surgiram os primeiros sinais de uma
expressão artística nacional. Esses Ciclos aconteceram quase que
simultaneamente em lugares distantes e revelaram nomes importantes para
cinema brasileiro, como o mineiro Humberto Mauro.

2.2 Primeira tentativa de industrialização

Em meados dos anos 1930, com o mercado inundado de filmes


estrangeiros, produtores brasileiros reivindicaram obrigatoriedade de exibição de
produtos nacionais. Dessa maneira, foi instituído em 1932, o decreto 21.240 que
fixaria a proporção da metragem de filmes nacionais a serem obrigatoriamente
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incluídos na programação mensal das salas de exibição (SIMIS, 1996, p. 108). A


obrigatoriedade de exibição proporcionou um aquecimento da produção nacional.
Surgem, então, as primeiras produtoras e com elas a tentativa de industrialização,
aos moldes hollywoodianos, do cinema brasileiro.
O já citado jornalista Ademar Gonzaga, após dirigir “Barro Humano” (1929),
fundada, em 1930, a Cinédia, o primeiro estúdio cinematográfico brasileiro. Dentre
as produtoras contemporâneas, era a mais organizada empresarialmente.
Dispunha de palcos, camarins, escritórios e departamento técnico. Em 1936,
possuía quatro aparelhamentos de som, dois laboratórios e um conjunto de
gerador de corrente contínua, sendo possível filmar três produções
simultaneamente.
“Lábios sem beijos” (1930) e “Ganga Bruta” (1933), dirigidos por Humberto
Mauro, “Mulher” (1931), dirigido por Octávio Gabus Mendes, são as primeiras
produções realizadas de uma filmografia extensa.
Apesar de ter passado por inúmeras dificuldades, a Cinédia atravessou mais
de meio século e soube adequar-se ao mercado sem fechar as portas por
completo. Após mudanças de endereço passou a alugar seus estúdios e
equipamentos. Atualmente tem restaurado e digitalizado seu acervo, com o intuito
de criar um centro cultural destinado à disseminação da cultura cinematográfica, de
acordo com intenções iniciais do fundador.
Podemos destacar outras produtoras que atuaram simultaneamente com a
Cinédia, em busca de uma industrialização do cinema brasileiro, são elas a Brasil
Vita Filmes, de Carmem Santos, e Sonofilme, de Wallace Downey. Ambos já
haviam trabalhado com Ademar Gonzaga.
Carmem Santos, atriz portuguesa, após desvincular-se de Gonzaga durante
as filmagens de “Onde a Terra acaba”, dirigido por Otávio Gabus Mendes em 1933,
fundou a Brasil Vita Filmes. Essa foi a primeira realização da produtora, no entanto
foi distribuído pela Cinédia. Foi mantida por Antônio Seabra, marido de Carmem, e,
apesar de constituir importante referência como tentativa de industrialização,
produziu apenas alguns filmes de longa metragem, não conseguiu um
funcionamento contínuo.
O americano Wallace Downey co-produziu com Gonzaga “Alô, alô, carnaval”
(1936) e em seguida associou-se novamente com Alberto Byington Jr., reabrindo a
Sonofilmes. Os filmes lançados por essa produtora eram, em sua maioria, do
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gênero carnavalesco e comédias, como “João Ninguém” (1936), “Banana da terra”


(1939) ou “Laranja da China” (1940). (SIMIS, 1996, p. 124).

2.3 Longe da indústria e perto da arte: Humberto Mauro e Mário Peixoto

Em meio das tentativas de industrialização cinematográfica, destacaram-se


dois diretores: Humberto Mauro e Mário Peixoto. Um é detentor de uma filmografia
contínua com cerca de quinze títulos o outro realizou apenas um único filme. Em
comum podemos destacar a sensibilidade artística com a qual trabalhavam,
desenvolvendo uma linguagem expressiva própria de cada um.
Humberto Mauro nasceu em Cataguases, interior de Minas Gerais. Cresceu
longe de cinematecas, laboratórios, estúdios, não tinha muito acesso a revistas ou
livros especializados. Teve acesso a filmes expressionistas e a algumas
informações desordenadas acerca de realizadores russos, americanos, franceses.
Apesar de disso ele “tinha diante de si a paisagem mineira; dentro dele a visão de
um cineasta educada pela sensibilidade, inteligência e coragem.” (ROCHA, 2003,
p. 45). Mesmo com poucos recursos técnicos e financeiros produziu com êxito seus
primeiros filmes: “Valadião, o cratera” (1925), “Na primavera da vida” (1926),
“Tesouro perdido” (1927), “Brasa dormida” (1928), “Sangue Mineiro” (1929).
No início dos anos 1930, Mauro mudou-se para o Rio de Janeiro através de
um convite de Ademar Gonzaga, com o qual produz “Lábios sem beijos” (1930),
“Mulher” (1931) e “Ganga Bruta” (1933), sendo este o de maior referência dentro
de sua obra. Em 1935, produz “Favela de meus amores” com Carmem Santos. Foi
funcionário do Instituto Nacional de Cinema (INCE), momento em que se dedicou
ao documentário produzindo inúmeros deles.
Mesmo mantendo um trabalho cinematográfico contínuo, Humberto Mauro
não recebeu o reconhecimento merecido de imediato. Glauber Rocha acredita que
este fato se deva ao momento cultural cinematográfico vivido no Brasil ainda ser
imaturo, por outro lado, considera que o amadorismo industrial predominante
possibilitou que em suas obras prevalecesse a sua liberdade de criação:
17

O que de certa forma sacrificou Humberto Mauro, e retardou sua glória, foi
a própria estrutura primária da cultura cinematográfica no Brasil. Nessa
época Mauro é a substância maior que não foi percebida. Na Europa
talvez tivesse realizado menos filmes, porque somente no Brasil poderia,
numa indústria amadorística, manter integridade profissional e liberdade
criadora. (ROCHA, 2003, p. 47).

Em 1961, em um artigo no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, Rocha


relata a importância da obra de Humberto Mauro por proporcionar uma reflexão
sobre o cinema no Brasil:

[...], a tradição de Humberto Mauro não é apenas estética e cultural, mas é


também uma tradição de produtor que não encontra eco no delírio
milionário de hoje. Humberto Mauro – com o impacto de sua obra – obriga
repensar o cinema no Brasil, pelo menos aqueles que são honestos e não
temem assumir necessária consciência crítica. Partindo daí é que a
importância de Humberto Mauro passará a viver de fato.” (ROCHA, 2003,
p. 49).

Mário Peixoto, por sua vez, é descendente de família rica, nasceu na


Bélgica, na época em que seu pai frequentava um curso de química em Bruxelas.
Estudou em bons colégios no Rio de Janeiro até seus dezoito anos. Morou por
quase um ano no sul da Inglaterra. Quando retornou ao Brasil fundou com alguns
amigos o “Chaplin Club”, onde debatiam questões teóricas sobre cinema
(MÁRIO..., 2011)
Em 1929, viaja novamente para Europa com seu pai, de onde voltou com
um argumento para um filme. Conversou com Ademar Gonzaga e Humberto Mauro
sobre sua ideia, os quais o incentivaram a ele próprio realizar o filme. Logo, em
maio de 1931, é lançado “Limite”. Foi recebido com críticas positivas no Brasil e na
Europa. E vem sendo considerado o melhor filme brasileiro de todos os tempos.
Peixoto tentou ainda realizar outros projetos fílmicos, no entanto não conseguiu
concretizar nenhum deles. Seguindo apenas com sua carreira de escritor.
Muitos consideram “Limite” como um mito ou uma lenda. O filme perdeu-se
rapidamente, devido ao tempo e sua conservação inadequada e poucos foram o
que tiveram a chance de assisti-lo. As informações que temos hoje sobre essa obra
são baseadas em relatos e publicações, nacionais e internacionais, da época de
seu lançamento.
Glauber Rocha aponta um diferencial na trajetória desses dois artistas, que
seria a finalidade da utilização do cinema. Aponta a preocupação de Mauro em
18

abordar problemas sociais e, por outro lado, a ineficácia, nesse sentido, de “Limite”.
Ao referir-se deste, ele comenta que: “Segundo Octávio de Faria, é arte pela arte,
cinema puro, é idealismo. O cinema não pode, ainda mais pela condição de sua
própria força, deixar de manter um diálogo com a realidade.” (2003, p. 66).
É inegável a importância dessas duas personalidades para a história e
desenvolvimento do cinema brasileiro. Podemos associá-los através do pioneirismo
ao explorar uma expressão lírica, poética em seus filmes. Ambos foram ousados
ao se permitirem serem conduzidos por uma intuição artística pessoal, consentiram
que a criação fluísse sem podá-la com as convenções cinematográficas já
existentes até então.

2.4 Segunda tentativa de industrialização

Em 1940, surge a Atlântida Cinematográfica, fundada por Moacir Fenelon,


Alinor Azevedo e José Carlos Burle. Sem grandes investimentos, mas com
produção constante. A primeira produção é “Moleque Tião” (1941), com direção de
José Carlos Burle, baseado na vida de Grande Otelo e ele mesmo atua como
protagonista. O filme foi muito bem quisto na época, abrindo as portas para a
recém aberta produtora.
Um dos maiores sucessos foi “Tristezas não pagam dividas” (1943), traz à
tona Oscarito e em “Não adianta chorar” (1945), foi lançada uma feliz parceria
entre Oscarito e Grande Oltelo. E outros tantos atores consagraram-se na
Atlântida, como Cacilda Becker, Dercy Gonçalves, Anselmo Duarte e Zezé
Macedo.
Em 1947, Luiz Severiano Ribeiro, que já era dono do maior circuito exibidor
do Brasil, compra a Atlântida e associa a produção à exibição. São produzidas,
então, comédias facilmente assimiladas pelo público, as quais deram origem às
chanchadas. Este gênero fez muito sucesso nos anos 1950 devido ao grande
apelo popular, pois possuíam números musicais com artistas brasileiros e um
enredo por vezes baseado em filmes americanos, como “Nem Sansão nem Dalila”
(1954) e “Matar ou Correr” (1954), do diretor Carlos Manga.
19

As chanchadas eram alvos fáceis dos críticos, os quais alegavam que filmes
como esses rebaixavam a cultura nacional, pois não acrescentavam nada aos
espectadores, apenas alguns minutos de gargalhadas, retraindo qualquer senso
crítico que existisse, “[...] levava o público, de forma inevitável, à alienação,
afastando-o do processo político e social, que era de busca e questionamento dos
valores culturais brasileiros em todas as frentes possíveis, inclusive no cinema.”
(MORENO, 1994, p. 101).
No entanto, “[...] a chanchada era o produto mais estimulante e vivo no
cinema nacional.” (MORENO, 1994, p. 101) e fizeram grandes sucessos de
bilheteria, mantendo os cinemas bem movimentados. A fórmula das chanchadas,
notoriamente comercial, se esgotaria em meados de 1960 e, unido ao
fortalecimento da televisão, também teve seu fim.
Por sua vez, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em 1949, foi fundada
por empresários paulistas de origem italiana, como Franco Zampari e Francisco
Matarazzo Sobrinho, que propunham um cinema mais ‘sério’, opondo-se as
chanchadas produzidas na época, as quais a burguesia emergente considerava
uma ‘cultura menor’. A Vera Cruz, mais uma tentativa brasileira de seguir o modelo
hollywoodiano, investiu muito dinheiro nas suas produções com equipamentos
modernos e com os salários exorbitantes da equipe de profissionais, que era
composta, em sua maioria, por estrangeiros.
A finalidade da Vera Cruz “era criar um cinema brasileiro de qualidade, com
vistas ao mercado internacional.” (MORENO, 1994, p. 135). O esforço em haver a
qualidade de fato existiu, mas de brasileiro os filmes tinham pouco. Visto que boa
parte dos diretores que filmaram para Vera Cruz se tratavam de imigrantes
italianos que, embora possuíssem habilidades, eram totalmente ‘aculturalizados’
em termos de Brasil.

Os mentores da Vera Cruz queriam ‘criar’ o cinema brasileiro partindo da


premissa – que a história demonstrou não ser correta – de desprezar o
seu passado, ou seja, fazer de conta que ‘aquilo’ não era cinema, e sim
motivo de vergonha nacional. Era a carga colonialista mostrando sua cara.
Para completar o quadro, Cavalcanti promoveu a contratação de técnicos
estrangeiros para as funções principais, como direção, fotografia,
cenografia, montagens e outras mais, atribuindo-lhes ainda a chance de
trabalhar com ‘eles’, ocupando os cargos que não exigiam qualquer
atividade criativa. (MORENO, 1994, p. 135)
20

A burguesia paulista da década de 1950 teve boas intenções ao querer


contribuir com o desenvolvimento do cinema brasileiro, porém estavam
despreparados para administrar tamanho patrimônio material e cultural. Logo, os
filmes não conseguiram compensar o investimento e a Companhia fechou as
portas em 1953.

2.5 Paralelamente às tentativas industriais

Na mesma época em que a Atlântida e a Vera Cruz, em meados dos anos


1950, Alex Viany e Nelson Pereira dos Santos realizaram, sem o intermédio dessas
companhias, “Agulha no palheiro” (1953) e “Rio, 40 graus” (1955),
respectivamente.
Quase uma década depois, em 1960, eclode na Bahia um novo Ciclo
Regional que vai atrair cineastas de outros estados em busca da temática
nordestina. Dessa época temos “Bahia de todos os Santos” (1960), de Trigueirinho
Neto, “Barravento” (1961), de Glauber Rocha e “O Pagador de Promessas” (1962),
de Anselmo Duarte.
A ideia de se filmar o Brasil tal como ele é, cheio de conflitos sociais e
políticos, também presente nas produções dos Ciclos Regionais da década de
1920, é retomada por jovens cineastas do Rio de Janeiro que propunham uma
nova maneira do fazer cinematográfico no Brasil. Através de uma nova perspectiva:
a “Estética da fome”. Os principais nomes dessa época são: Joaquim Pedro de
Andrade, com “O padre e a moça”; Leon Hirszman, com “São Bernardo”; Paulo
César Saraceni, com “Arraial do Cabo”; Carlos Diegues, com “Bye, bye Brasil”; e
Glauber Rocha, como “Deus e o Diabo na terra do sol”.
Em paralelo ao Cinema Novo, por volta de 1966, existiram outros nomes que
filmavam com baixos custos de produção às cinematográficas apresentadas. Essa
parcela da produção brasileira ficou conhecida como Cinema Marginal, que não se
tratou de um movimento em si, pois não possuíam uma coesão interna, apesar de
haverem algumas características presentes em sua filmografia, como a contra-
cultura e uma crítica à sociedade de consumo. No entanto, o fato das produções
21

terem sido deixadas à parte do circuito exibidor os integralizaram em uma mesma


categoria.
Rogério Sganzerla (“O Bandido da Luz Vermelha”, 1968), Júlio Bressane (“A
Família do Barulho”, 1970), Andrea Tonacci (“Serra da Desorndem”, 1971), Carlos
Reichenbach (“Ilha dos Prazeres proibidos”, 1978) e José Mojica (“A meia-noite
levarei sua alma”, 1986) são alguns nomes do Cinema Marginal.
A lei de obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais (1968) e sua rígida
fiscalização aqueceu o mercado cinematográfico brasileiro e os exibidores
passaram a associar-se nas produções dos filmes marginais. Um fenômeno então
aconteceu, o cinema da Boca do Lixo.

De certa forma, o cinema da Boca conseguiu realizar a tão sonhada


integralização vertical no cinema brasileiro, aliando produção, distribuição
e exibição. Essa modalidade de produção ficou conhecida como
“cineminha”, em contraposição ao “cinemão”, herdeiro da tradição do
Cinema Novo, mais “culto” e financiado pela Embrafilme. (MARZON, 2009,
p. 19).

Produtores do centro de São Paulo passaram a contar com a ajuda de


pequenos comerciantes da região que, assim como os exibidores, compravam
cotas dos filmes. Os filmes não possuíam cunho autoral, preocupavam-se apenas
em lotar as sessões. Foi produzido bastante filme na Boca entre 1970 e 1980.
Ficou mais conhecida pelas pornochanchadas, mas eram filmados também outros
gêneros, como kung fu, faroestes e, na sua decadência, o pornô erótico.

2.6 Embrafilme, cinema, política.

A Embrafilme surge durante a ditadura militar, em 1969, fruto de intenções


dirigistas conservadoras. Uma empresa de economia mista com capital
majoritariamente estatal. Juntamente com o Instituto Nacional do Cinema (INC), era
responsável por fomentar a produção cinematográfica, garantindo financiamento
para as produções nacionais, assim como também a exibição e distribuição das
mesmas. Com a extinção do INC (Lei 6.281/75) as atribuições ampliaram-se,
passando a ser encargo da Embrafilme a “execução da política cinematográfica
nacional.” (MORENO, 1996, p. 198).
22

Atuou por pouco mais de vinte anos, passando por períodos animadores e
estimulantes, como também por difíceis tempos desacreditados. Em sua fase mais
produtiva, a Embrafilme aqueceu o mercado cinematográfico, sendo responsável
por dobrar o número de espectadores com filmes como “Dona Flor e seus dois
maridos” (1976), que até então seria a maior bilheteria do cinema nacional.

[...], a Embrafilme ajudou a proporcionar o encontro do filme nacional com o


público, durante meados dos anos 70 e início dos anos 80, quando o
cinema brasileiro bateu recordes de público que até hoje não se repetiram.
Segundo o historiador americano Randal Jonson (1987), entre 1974 e 1978
o número de espectadores do cinema brasileiro passou de 30 milhões para
60 milhões, e a fatia do cinema brasileiro em seu próprio mercado chegou a
30% em 1978. (MARZON, 2009, p. 18).

Contudo, esse período de sucesso não se sustentou nos anos 1980, o caixa
da Embrafilme ficou debilitado com as crises econômicas que aconteciam. Nessa
mesma época, cineastas e jornalistas já discutiam a integridade da Embrafilme.
Estes criticavam o dirigismo e a inoperância do órgão, enquanto os cineastas
recriminavam a má distribuição dos financiamentos, os quais acabavam sempre
nas mesmas mãos.

Com o agravamento da crise econômica durante o governo Sarney, a


Embrafilme passou a dar sinais de cansaço, e começou a ser questionada
dentro do próprio governo, entre os cineastas e, principalmente, pela mídia.
O Ministro da Cultura nomeado por Sarney, o economista Celso Furtado, já
acenava para um gradativo abandono do financiamento estatal do cinema,
[...]. (MARZON, 2009, p. 20).

Seguindo dessa maneira, a Embrafilme teve seu fim em 1990. O então


presidente eleito Fernando Collor de Mello, através de uma medida provisória,
extinguiu órgãos destinados às políticas públicas culturais, nos quais estavam
incluídos a Fundação do Cinema Brasileiro (FCB), a Embrafilme e o Concine 2. Pôs
fim ao “modelo de produção cinematográfica já desgastado e com poucas
possibilidades de continuidade.” (MARZON, 2009, p 22), mas não ofereceu
nenhuma proposta que solucionasse o caso, deixando o cinema nacional sem
nenhuma proteção estatal. Melina Izar Marzon argumenta o seguinte:

2
Conselho de Cinema, órgão vinculado a Embrafilme, responsável pelas normas e pela fiscalização
da indústria cinematográfica do mercado do cinema no Brasil, controlando a obrigatoriedade da
exibição de filmes nacionais.
23

O fim do modelo de produção cinematográfica da Embrafilme já era


esperado no campo cinematográfico – fato totalmente inesperado foi a
ausência de qualquer contra-proposta de política cultural por parte do
Estado. Havia indícios de que isso poderia acontecer quando Collor nomeou
para Secretário de Cultura o cineasta Ipojuca Pontes, notório opositor do
modelo de financiamento cinematográfico praticado pela Embrafilme
(Pontes, 1987) e também defensor da cultura como “problema de mercado”.
Mas foi difícil para a classe cinematográfica acreditar que, depois da
extinção da Embrafilme, nada fosse colocado em seu lugar, deixando o
campo cinematográfico à deriva. (MARZON, 2009, p 22).

Sem dinheiro em caixa, sem uma política de apoio e sem o auxílio do setor
privado, os cineastas sentiram-se perdidos e sem perspectivas, ficaram paralisados
diante do autoritarismo e procuraram, individualmente, outros meios para seguirem
suas vidas. Alguns enveredaram para a publicidade, videoclipes, televisão. Outros,
como Walter Salles e Hector Babenco, conseguiram continuar fazendo cinema
através de co-produções internacionais.
De acordo com o posicionamento do governo Collor em relação à área
cultural, considerando-a “papel do mercado, e não do Estado” (MARZON, 2009, p.
40), e através de uma comissão organizada dentro do governo, surge uma
proposta para o setor cinematográfico. Nessa comissão o filme foi tratado como
entretenimento, sem nenhuma relação com o campo artístico ou cultural, sendo o
cinema parte da indústria audiovisual. Resolveu-se utilizar o dinheiro que estava
parado da Embrafilme e também foi elaborado um projeto de financiamento por
meio de uma linha de crédito no BNDES.
No início de 1991, Sérgio Paulo Rouanet foi nomeado Secretário da Cultura,
substituindo Ipojuca Pontes; uma tentativa do presidente Collor em reatar a aliança
com alguns setores intelectuais. Após ouvir a classe artística, o novo Secretário
apresentou em agosto do mesmo ano o “Programa Nacional de Apoio à Cultura”
(Pronac), que ficou mais conhecido como Lei Rouanet (Lei nº 8.313). Esse
programa baseou-se nas medidas de incentivo cultural com base da dedução do
imposto de renda utilizadas anteriormente através da Lei Sarney, mas totalmente
reformulado para evitar as fraudes que existiram no passado.
Ainda não satisfeitos com as possibilidades que a Lei Rouanet propunha, os
cineastas continuaram solicitando ao governo medidas específicas para o setor
cinematográfico. Em janeiro de 1992, foi instituída a Lei 8.401 “que regulamentou a
cota de tela, definiu o que é filme nacional e voltou a esboçar uma política
cinematográfica.” (MARZON, 2009, p. 45). Apesar de ter sido promulgada em
24

janeiro, essa lei só foi regulamentada através do decreto 567 em junho do mesmo
ano, quase seis meses depois. E logo após, com o decreto 575, foi então liberado
o dinheiro da Embrafilme (referente aos impostos arrecadados do filme estrangeiro
no Brasil) e criada a Comissão de Cinema, destinada a elaborar projetos e
selecionar os filmes a serem financiados.
Enquanto o cinema esteve desprotegido pelo Estado, durante esse período
da dissolução da Embrafilme até as novas propostas de legislação para o cinema,
entre 1990 e 1992, foram desenvolvidos nos municípios e estados mecanismos de
estímulo à produção cinematográfica local. Destacaram-se mais as leis do Distrito
Federal, de São Paulo e do Rio de Janeiro, devido ao acúmulo de cineastas e dos
principais centros de formação profissional se concentrarem nessas localidades.
Marzon afirma que:

A pluralização das leis de incentivo e, principalmente, o caráter regional das


mesmas, possibilitou que a produção cinematográfica se diversificasse, seja
pelo regionalismo presente em algumas produções, seja pela possibilidade
de inserção no campo cinematográfico de diretores provenientes de outros
estados, fora do eixo Rio – São Paulo. (MARZON, 2009, p. 53)

Após o impeachment do presidente Collor, em meados 1992, o vice-


presidente Itamar Franco assumiu o governo e restaurou o Ministério da Cultura,
onde foi criada uma Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual. Foi então
que, em 1993, foi promulgada a Lei 8.685, Lei do Audiovisual. Foi formulada a
partir de uma revisão dos artigos vetados por Collor na Lei 8.401 e trata-se de uma
legislação de incentivos fiscais específica para a produção audiovisual.
Durante esse período, o cinema brasileiro praticamente parou. Pouco se
produziu e o público, que já não estava mais tão animador como na década de
1970, se afastou ainda mais. Mas, passados os anos terríveis o cinema nacional
conseguiu reerguer-se e voltou a dar sinais de atividade no ano em que o cinema
completaria 100 anos no mundo.
O filme “Carlota Joaquina”, de Carla Camurati, que estreou no início de
1995, com apenas 4 cópias, conseguiu despertar o interesse do público e da
crítica. É considerado como marco inicial do que chamamos de Cinema da
Retomada. Nesse mesmo ano foram lançados12 longas-metragens, frutos do
25

Prêmio Resgate3 e das leis de incentivo. E, devido ao aniversário do centenário, o


cinema foi tema recorrente na mídia.
“Para voltar a ocupar um espaço no mercado de bens simbólicos, o campo
cinematográfico teve de se articular, e contou com o apoio do Estado e da mídia”
(MARZON, 2009, p. 71). O cinema brasileiro, então, se ergueu sustentando-se em
três instâncias: o Estado, a mídia e o campo cinematográfico. O primeiro por,
mesmo que sob pressão, alterar a legislação, colocando o cinema nas discussões
das políticas culturais. O segundo pelo espaço concedido, legitimando o cinema
nacional. E, por fim, os próprios profissionais da área que se fizeram visíveis
através de debates e produções. Dessa forma, a partir de então, o cinema nacional
passou a produzir com mais vigor e o Estado tem acompanhado o
desenvolvimento do mesmo e propondo alterações na legislação.

3
O Prêmio do Resgate do Cinema Brasileiro, em 1993, foi possível através da liberação do dinheiro
da Embrafilme.
26

3 CINEMA INDEPENDENTE NO BRASIL

3.1 À base do Neorrealismo Italiano

O Neorrealismo Italiano teve inicio durante a Segunda Guerra Mundial no


momento em que o cinema internacional estava em crise. Surgiu da resistência de
intelectuais e artistas ao fascismo e questionava o realismo cinematográfico de
então e as tradicionais formas de produção, defendendo uma atitude mais crítica
nos âmbitos social e político.
Temas do cotidiano passaram a ser abordados, valorizando-se o instante
presente e o seu significado social e político. As ruas com suas imperfeições e as
pessoas comuns que por ali circulavam tornaram-se, respectivamente, os cenários
e os atores. Os roteiros eram mais flexíveis e comumente sofriam modificações de
acordo com as improvisações que surgiam com o desenrolar da ação. São,
segundo Mariarosaria Fabris, em História do Cinema Mundial organizado por
Fernando Mascarello, (2009), características presentes na estética do cinema
italiano do imediato pós-guerra. Como também, a oposição aos artifícios técnicos,
uma montagem sem efeitos particulares e a utilização de recursos financeiros
modestos.
O filme “Obsessão” (Ossessione, 1942), de Luchino Visconti, é considerado
por muitos críticos o marco inicial do Neorrealismo. Embora não tivesse um caráter
político-social ostensivo, o filme apresentava um novo estilo e uma nova forma de
ver a realidade italiana.
Dirigido por Roberto Rosselini, em 1945, “Roma – Cidade Aberta” (Roma –
Città Aperta) foi o primeiro grande sucesso e um dos maiores filmes do
neorrealismo italiano. Rompia com certas convenções literárias e teatrais, narrando
acontecimentos que foram transmitidos ao realizador por participantes da
Resistência. Em Paisá (Paisà), de 1946, Rossellini voltava às jornadas de
libertação do país, construindo um mosaico social, um exemplo da combinação de
ficção e documentário.
Em 1948, três filmes marcaram época: “Ladrões de Bicicleta” (Ladri di
Bicicleti), de De Sica e Zavattini, história aparentemente simples, em que um pobre
27

colador de cartazes de filmes procura recuperar a sua bicicleta roubada, um


acontecimento banal que é relacionado ao desemprego e à solidão humana;
“Alemanha – Ano Zero” (Germania – Anno Zero), de Rossellini, mostrava a
desorientação de uma criança na Alemanha do pós-guerra; em “A Terra Treme”
(La Terra Trema), de Visconti, pescadores procuram escapar de um opressor
regime de trabalho.
Segundo Fabris, embora os filmes realizados na Itália após a Segunda
Guerra Mundial contenham pontos semelhantes em seu processo de produção e
escolhas estéticas, o Neorrealismo não pode ser caracterizado como um
movimento ou escola. Para enfatizar essa afirmação a autora cita Luigi Chiarini
(1974):

[...] o neorrealismo não foi uma escola nem um movimento e, se é possível


reconhecer uma certa unidade nessa tendência cinematográfica, não é
tanto “pelo estilo, muito variável dependendo dos realizadores, mas por sua
orientação no sentido de atualidade social e de estudo do povo italiano no
decorrer do imediato pós-guerra.” (FABRIS, 2009, p. 205).

O Neorrealismo influenciou a prática do cinema em vários países em relação


ao sentido da crítica social, ao despojamento das formas dramáticas e a adesão a
modos mais simples de produzir e filmar. Em essência, o Neorrealismo deixou um
legado de integridade artística e preocupação com as verdades humanas. De
acordo com Fabris:

A afirmação de Lênin de que o cinema (assim como o teatro) poderia levar


um povo a mudar seu modo de pensar era lembrada constantemente e
procurava-se confiar às classes populares a defesa do cinema nacional.
(FABRIS, 2009, p. 194).

No Brasil, durante o período de declínio da industrialização cinematográfica


paulista – em meados da década de 1950, o neorrealismo influenciou jovens como
Alex Viany, Roberto Santos e Nelson Pereira dos Santos. Esses são alguns dos
responsáveis pelo cinema nacional não se deixar abater diante da crise eminente.
Enquanto muitos acreditavam que o cinema brasileiro passava por uma
crise, havia jovens preocupados com o processo pelo qual o sistema de produção
estava atravessando. Questionamentos e discussões sobre as temáticas
abordadas e a maneira como estavam sendo produzidos os filmes da época
28

contribuíram para a existência de uma maior consciência cultural e política


relacionada ao cinema.
O crítico e cineasta brasileiro Alex Viany absorveu muito bem a ideologia do
neorrealismo italiano e procurava disseminar e explorar esses conhecimentos. De
acordo com Glauber Rocha (2003), foi ele quem primeiro experimentou o realismo
no BrasiL. Filmou “Agulha no palheiro”, considerado como realismo carioca, “Cinco
canções”, que seria um realismo socialista e “Sol sobre lama”, sendo um realismo
crítico. Viany sempre se dedicou a escrita de críticas e não cansou de discutir o
conteúdo do cinema brasileiro e o seu poder de influência.

Atuando no Rio, ponto de convergência, uma função demolidora contra a


mentalidade ainda dominante em São Paulo (um cinema industrial e
certinho); contra a chanchada plantada no Rio; contra a invertida de
cineastas estrangeiros, apoiados por intelectuais brasileiros, [...]. (ROCHA,
2003, p. 103).

Nelson Pereira dos Santos também sofreu influências dos italianos, o início
da sua carreira cinematográfica é marcado pelos traços neorrealistas. A utilização
de cenários reais e atores não profissionais e, principalmente, a crítica socialista
estão presentes em “Rio, 40 graus” e “Rio, Zona Norte” (realizados em 1955 e
1957, respectivamente). Em ambos, o diretor, através da câmera, “narra e expõe
com ardor os dramas, as misérias e as contradições da cidade grande”. (ROCHA,
2003, p. 110)
Outro filme com fortes influências neorrealistas é “O Grande Momento”,
dirigido por Roberto Santos. Rocha analisa-o da seguinte forma:

Este é um filme definido, seguro. Um filme novo para o Brasil de então,


carregado de neorrealismo, mas corajoso. A história de um casamento no
bairro proletário do Brás leva a câmera de Roberto Santos a uma aguda
observação psicológica e social dos habitantes daquela zona, conflagrados
entre a falta de dinheiro e um sentimento pequeno-burguês. (ROCHA, 2003,
p. 115)

Esses jovens cineastas atuantes na década de 1950, influenciados pelas


ideias propostas pelo Neorrealismo italiano, tiveram participação significativa na
construção da história do cinema brasileiro. Eles deram os primeiros passos para o
que hoje conhecemos como Cinema Moderno Brasileiro, e, por sua vez,
influenciaram as gerações futuras de cineastas comprometidos com a arte e a
sociedade.
29

3.2 Fim da Vera Cruz e Rio 40º

No início da década de 1950, atuavam no cinema brasileiro a Atlântida


Cinematográfica, nessa época voltada ao sucesso popular das chanchadas, e a
ambiciosa Companhia Cinematográfica Vera Cruz, com o seu cinema brasileiro
com qualidade internacional. Com projetos mais baratos e mais rápidos também
existiram a Multifilmes e Maristela (posteriormente Kinofilmes), porém sem longa
durabilidade.
Em 1953, a Vera Cruz viria à falência após seus projetos pretensiosos não
terem rentabilidade. Os intelectuais paulistas desprezavam as chanchadas da
Atlântida e tinham o anseio em produzir filmes mais ‘cultos’ e com temáticas
nacionais. No entanto, as produções possuíam orçamentos altíssimos e uma
equipe técnica repleta de estrangeiros, resultando em filmes com uma visão
distorcida do que é o Brasil, e o seu povo, e sem grandes sucessos de bilheteria.
Dessa forma, a Cia foi alvo de muitas críticas, desde a sua base
administrativa e os diretores italianos até os filmes realizados. Glauber Rocha é
categórico ao comentar que “os diretores não tinham senso de ritmo, de
enquadramento, de nada: um plano geral de situação, e tome primeiros planos de
efeitos. Os diálogos [...] eram joias de mau gosto da língua” (2003, p. 80). Nelson
Pereira dos Santos, em um artigo publicado na revista paulista Fundamentos, disse
ainda: “O filme (Caiçara) que a Vera Cruz lançou nas telas de São Paulo não é o
cinema brasileiro que a sua propaganda procura fazer crer” (SALEM, 1987, p. 71).

Se até Ângela, com defeitos de Caiçara e Terra é sempre terra, ainda havia
uma intenção de temática brasileira daí por diante o desastre foi total. Tico-
tico no fubá, vida e amores de Zequinha de Abreu, é peça importante nesse
museu de incompetência: filme de época caríssimo, estava identificado com
os dramalhões argentinos de uma época passada e respirava pretensão em
todos os corte; [...]. (ROCHA, 2003, p. 80).

O estilo de produção da Vera Cruz, que seguia o padrão americano em


todos os aspectos, não agradava os jovens intelectuais da época, que tinham uma
visão crítica do mundo e percebiam o cinema não apenas como uma expressão
artística, mas também como forma de expressão ideológica. Posicionando-se
30

dessa maneira, Nelson Pereira dos Santos diz o seguinte: “Para mim, o cinema
tinha que mostrar uma realidade e encontrar uma solução, [...].” (SALEM, 1987, p.
76). E é a partir desse princípio que ele começa a traçar seu caminho na história do
cinema brasileiro.
Enquanto a Vera Cruz produzia em São Paulo, Nelson Pereira dos Santos
mudou-se para o Rio de Janeiro, à princípio para trabalhar como assistente de
direção de Alex Viany, no filme “Agulha no palheiro” (1952). Foi então que
escreveu o roteiro para “Rio, 40 graus”, considerado como o primeiro filme
neorrealista brasileiro. (FREITAS, 2005).
Rio, 40 graus foi o primeiro passo de Nelson para uma brilhante carreira
cinematográfica como roteirista e diretor. O filme foi consagrado pela crítica e bem
recebido pelo público, embora, tenha sido arbitrariamente censurado pelo Coronel
Geraldo de Menezes Cortes, chefe do Departamento Federal de Segurança
Pública. Segundo Nelson, em entrevista cedida a Helena Salem, como fonte de
pesquisa para o livro Nelson Pereira dos Santos, o sonho possível do cinema
brasileiro, o Coronel alegava que:

[...] o filme tinha uma técnica perfeita, igual à de dois filmes tchecos que ele
tinha apreendido. [...] O problema dele era a ‘técnica perfeita’ do filme. Ele
nunca tinha visto filme brasileiro antes, pra ele aquilo só podia ser coisa de
comunista tcheco, eu não podia ter feito sozinho. (SALEM, 1987, p. 114).

Essa censura repercutiu na mídia e culminou em vários protestos e abaixo-


assinado. Jornalistas, escritores, estudantes, deputados, artistas, todas as áreas
envolveram-se em prol da liberação do filme para exibição nas salas de cinema.
Até que, em dezembro de 1955, a Justiça Federal revogou a censura e em março
do ano seguinte o filme foi lançado com sucesso em algumas capitais do Brasil.
Ganhou o prêmio Jovem Talento no Festival de Karlovy Vary
(Tchecoslováquia, 1956), o de Melhor Roteiro no Prêmio Governador (São Paulo,
1956), Melhor Filme, Diretor, Ator (Jece Valadão) e Argumento no Festival de
Cinema do Distrito Federal (Rio de Janeiro, 1956). E até hoje é considerado um
marco na história do cinema brasileiro, influenciando as futuras gerações de
cineastas.
“Rio, 40 graus” foi extraído, do roteiro à sua montagem, através de um
processo de produção cooperativista. Após apresentar o argumento para alguns
31

produtores e nenhum aceitar, Nelson resolveu então montar uma empresa e


vender suas cotas, como o próprio explica na revista Ele, em 1977, ressaltado por
Helena Salem:

“Ninguém aceitava o meu argumento, nenhum produtor existente achava


que aquilo era cinematográfico, aí eu inventei uma empresa para fazer o
filme.” Como? A proposta é fazer uma cooperativa, mediante a venda de
cotas de 5.000 a 100.000 cruzeiros, num esquema de produção
independente. (SALEM, 1987, p. 86).

E foi assim que o fez. Boa parte da contratação da equipe técnica e dos
atores também foi realizada dessa maneira, em cotas. Caso, no futuro, o filme
fosse lucrativo, todos receberiam proporcionalmente às suas parcelas como
produtores. Idealistas seduzidos pelo fazer cinematográfico, dispostos a renunciar,
mesmo que por hora, os seus honorários em função de uma causa maior, realizar
o que acreditavam que, de fato, deveria ser o cinema brasileiro.
A equipe Moacyr Fenelon, como Nelson nomeou, era composta por Hélio
Silva, fotógrafo; Ronaldo Lucas Ribeiro, assistente de câmera; Jece Valadão,
assistente de direção e ator; Olavo Mendonça, gerente de produção; Guido Araújo,
continuísta; Ciro Curi, diretor de produção; Rafael Valverde, montagem; Zé Kéti,
ator e assistente de câmera. Entre outros tantos que contribuíram no processo,
esses formavam a base da equipe.
O núcleo dos artistas era Ana Beatriz, Roberto Batalin, Glauce Rocha, Sadi
Cabral, Modesto de Souza, Jackson de Souza. Mas também atuaram pessoas
comuns, do povo, que foram escolhidas na região das locações, em sua maioria no
morro do Cabuçu.
De acordo com Helena Salem (1987), os negativos foram adquiridos mais
baratos, devido a uma disposição legal que autorizava a importação de filme
virgem sem despesas alfandegárias e impostos. Humberto Mauro, então diretor do
Instituto Nacional de Cinema Educativo, através de Hélio Silva, que integrou a
equipe como fotógrafo, emprestou uma câmera do INCE que estava abandonada.
Foi preciso desmontá-la para fazer alguns ajustes, mas foi com ela que rodaram
mais de 18 mil metros de negativo sem nenhum problema.
As filmagens foram iniciadas em março de 1954, no estádio do Maracanã.
Mas, devido a problemas de ordem financeira, depois de dois dias precisou-se
interromper o trabalho, sendo retomado três meses depois. Dessa vez, a fim de
32

diminuir os custos da produção, os membros da equipe, que já haviam deixado


seus empregos anteriores, agora deixavam suas casas e passaram morar juntos
no mesmo apartamento. Inclusive aqueles que eram casados, tendo suas esposas
retornado para a casa dos pais temporariamente.
“Num apartamento ruinzinho (o 1.012) à Rua Carlos de Carvalho, na Praça
da Cruz Vermelha, de dois quartos e sala.” (SALEM, 1987, p. 88). Foi onde a
equipe Moacyr Fenelon precariamente se instalou durante quase nove meses.
Essa medida não foi suficiente, o dinheiro era realmente escasso comprometendo
por vezes a alimentação.
Salem em seu livro: Nelson Pereira dos Santos, um sonho possível do
cinema brasileiro (1897) transcreve trechos de depoimentos de Hélio Silva e Guido
Araújo em que eles relatam algumas das dificuldades enfrentadas pela equipe:

“A gente se levantava mais ou menos às cinco e meia, fazia um café puro,


não tinha pão, ia pra filmagem, e voltava às cinco horas da tarde, sem café,
geralmente sem almoço. Às vezes não tinha água, então nos dividíamos:
um grupo ia buscar água e outro fazer a comida.” – Hélio Silva sobre o
cotidiano no apartamento. (SALEM, 1987, p. 89).

Como boa parte das cenas eram externas, dependendo da luz do sol, logo,
era essencial que o tempo estivesse bom.

“[...] a gente na pior, numa miséria desgraçada, saía pra filmar, passava o
dia inteiro no corcovado, por exemplo, não conseguia uma tomada sequer,
aquilo tinha um efeito muito negativo psicologicamente para nós.” – Guido
Araújo sobre as questões climáticas. (SALEM, 1987, p. 89).

Apesar de tantos problemas, um sentimento em comum guiava essa equipe:


a paixão pelo cinema. Os obstáculos foram ultrapassados e as filmagens chegaram
ao fim em março de 1955. Mesmo com o filme concluído a equipe Moacyr Fenelon
permaneceu morando junta. “Alugaram uma casarão na Rua Real Grandeza
esquina com Visconde Silva, no bairro de Botafogo.” (SALEM, 1987, p. 113). Nesse
momento as esposas e filhos juntaram-se a eles. Assim permaneceriam até que os
frutos de “Rio, 40 graus” começassem a brotar.
Com a polêmica causada pela censura, os dias de miséria se prolongavam.
Receberam ajuda de todas as partes, inclusive do proprietário da casa que passou
alguns meses sem receber o aluguel. Após o atordoado lançamento, finalmente, os
esforços e sacrifícios passaram a ser recompensados, através dos lucros das
33

bilheterias e de prêmios em dinheiro, levando dois anos para que a produção fosse
custeada.

3.3 Do ideário independente ao desenvolvimento de uma política


cinematográfica: Cinema Novo

Em meados da década de 1960, jovens cinéfilos dão início a um movimento


cinematográfico que transformaria a maneira de pensar cinema no Brasil, desde a
forma técnica de produção até o conteúdo abordado. Glauber Rocha, Joaquim
Pedro de Andrade, Paulo César Saraceni, Leon Hirszman, Carlos Diegues e David
Neves foram os principais articuladores do que ficou conhecido como Cinema
Novo.
Esses jovens, em sua maioria, participavam de cineclubes e compartilhavam
de opiniões semelhantes. De acordo com suas ideias, para se construir um futuro
melhor era preciso antes conhecer e analisar sua própria história, “acreditavam
que, ao realizarem seus filmes, também escreveriam um novo capítulo da história
do Brasil.” (CARVALHO, 2006, p. 292). Estavam fortemente influenciados pelo
Neorrealismo Italiano e seus adeptos brasileiros como Alex Viany e Nelson Pereira
dos Santos, e pela Nouvelle Vague, movimento que defendia a política de autores4
na França, em 1950.
Os cinemanovistas propunham uma reflexão maior em relação aos temas
discutidos em seus filmes, entre os quais estavam presentes críticas sociais,
políticas e culturais. A utilização de poucos recursos e uma produção sem tantos
aparatos tecnológicos faziam parte do ideário do movimento. Pregava-se que para
obter um bom filme uma câmera na mão e uma ideia na cabeça eram suficientes.
Maria do Socorro Carvalho – em artigo publicado no livro História do Cinema
Mundial, organizado por Fernando Mascarello – resume da seguinte maneira:

A baixa qualidade técnica dos filmes, o envolvimento com a problemática


realidade social de um país subdesenvolvido, filmada de um modo

4
A política dos autores surge a partir de artigos publicados na década de 1950 por François Truffaut,
Jean-Luc Godard, Jaques Rivette e críticos da revista Cahiers du Cinéma. O diretor é considerado
um autor que deseja transmitir uma mensagem própria ao escrever com a imagem, através de uma
câmera, fazendo uso das diversas possibilidades fílmicas. Essa ideia vai de encontro à produção
industrializada, filmes encomendados com regras a serem cumpridas.
34

subdesenvolvido, e a agressividade, nas imagens e nos temas, usada como


estratégia de criação, definiram os traços gerais do Cinema Novo, [...].
(CARVALHO, 2006, p. 291).

Glauber Rocha, peça fundamental para o movimento, escreveu em 1965 a


“Estética da Fome”, relacionando as concepções estéticas que caracterizavam o
Cinema Novo à “crise de dependência crônica da América Latina”, sendo o Brasil
um país subdesenvolvido, faminto cultural, social, política e economicamente.

O “miserabilismo” do qual o movimento era acusado mostrava, na verdade,


a capacidade dos cinemanovistas de pensar o Brasil. Seus filmes não
reforçariam a fantasia desenvolvimentista, que criara uma pequena ilha de
modernidade no país, mas refletiriam sobre graves problemas da realidade
nacional, no campo e na cidade, mostrando seu lado oculto, sombrio,
desesperado e injusto. (CARVALHO, 2006, p. 296).

“Ganga Zumba, o rei dos Palamares” (1963) e “Os herdeiros” (1970), de


Carlos Diegues, “O Desafio” (1965), de Paulo César Saraceni, “Deus e o diabo na
terra do sol” (1964) e “Terra em transe” (1967), de Glauber Rocha.
Com o golpe militar em 1964, o proposta do Cinema Novo de discutir o
Brasil abertamente é interrompida e os cinemanovistas são obrigados a readequar
as temáticas e estéticas, devido à forte censura instaurada. No decorrer da
ditadura, os cineastas mais envolvidos aos poucos se dispersaram e, mesmo que
individualmente tenham tentado manter alguma coerência com o ideário, as
circunstancias impostas pelo regime militar acabaram dissolvendo a essência
inicial do movimento.
A temática inicial possuía traços fortemente rurais – “a escravidão, o
misticismo religioso e a violência predominantes da região do Nordeste.”
(CARVALHO, 2006, p. 292), durante a ditadura militar a temática passou a tratar
dos acontecimentos políticos, como por exemplo: O desafio (1965), de Paulo Cezar
Saraceni e Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha.
Os filmes da fase inicial do movimento possuíam baixos orçamentos e
equipes mínimas e foram produzidos a partir de verba própria dos realizadores,
muitas vezes financiados através de linhas de créditos do Banco do Brasil e do
Bando Nacional de Minas Gerais.
Nessa época ainda não existia uma legislação que incentivasse e
fornecesse meios para a produção cinematográfica, além do decreto 21.240,
35

datado de 1932, no qual se exigia uma obrigatoriedade de exibição de filmes


educativos nos cinemas comerciais. Dessa forma, Glauber Rocha disse o seguinte:

A legislação é inexistente, mas é melhor que não exista até agora a existir
com erros graves: temos de salvar o cinema independente, temos de
construir o cinema brasileiro com os independentes. Somente assim os
diretores terão liberdade para criar filmes novos. (ROCHA, 2003, p. 174).

Rocha refere-se a modificações na legislação que poderiam vir a acontecer


durante a década de 1960, através dos relatórios das comissões oficiais do
Governo Federal, que foram criadas para estudar os problemas econômicos do
cinema brasileiro. Segundo o autor, esses relatórios propunham “soluções falsas”,
que de nada resolveriam os problemas de distribuição e concorrência de
distribuidores estrangeiros, sendo estes considerados os principais problemas de
um produtor independente no Brasil.
Já na primeira metade da década de 1960, os filmes realizados a partir do
ideário do Cinema Novo tiveram repercussão entre os críticos nacionais e
internacionais, participaram de festivais e alguns prêmios foram recebidos. No
entanto, não conseguiu atingir o público em sua maioria, a massa popular.
No decorrer dos anos, os cineastas que iniciaram sua produção com o
movimento cinemanovistas conquistaram seu espaço no meio cinematográfico e
continuaram a produzir mesmo com as dificuldades encontradas durante a ditadura
militar. Com o surgimento da Embrafilme, em 1969, passaram a ter um apoio direto
do Estado, o qual financiava e distribuía os filmes realizados.

3.3.1 Cinco vezes favela

“Cinco vezes favela” (1961/62) é fruto do movimento político e ideológico do


Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC/UNE) que, de
acordo com Estevão Garcia, em artigo publicado na revista eletrônica
Contracampo, pretendia “esculpir uma cultura popular própria baseada na visão de
seus integrantes, e assim jogá-la para o povo.”
36

O CPC pretendia politizar o público através de arte e cultura, mostrando por


meio do teatro e do cinema os motivos pelos quais a população encontra-se em
más condições de vida. Partindo dessa ideia cinco jovens, e inexperientes,
cineastas resolvem filmar a favela, a partir do ponto de vista de cada um. Surgem
assim os curtas: “Um favelado” (Marcos Farias), “Escola de Samba Alegria de
Viver” (Carlos Diegues), “Zé da Cachorra” (Miguel Borges), “Couro de Gato”
(Joaquim Pedro de Andrade) e “Pedreira de São Diogo” (Leon Hirszman).
O crítico Jean-Claude Bernardet, em seu ensaio sobre o cinema brasileiro
Brasil em tempo de cinema, analisa que, embora com intenções altruístas, o filme
mostra uma visão preconcebida da classe burguesa em relação à favela e ao povo
que a ocupa, visão esta que não provém de experiências vividas na realidade. De
acordo com o autor, os problemas são mostrados, no entanto, seguidos de suas
soluções.

O resultado dessa estrutura dramática simplista não era um convite à


politização, mas sim à passividade. [...] O espectador encontra-se diante de
um circuito fechado: a realidade só se abre para um único problema, que
está apresentado esquematicamente; o problema tem uma única solução
positiva, que também está apresentada esquematicamente [...]. O filme
fecha-se sobre o próprio, e o espectador, limitando sua participação a
aceitar ou recusar, fica de fora. (BERNARDET, 2007, p. 42-47).

O que é importante ressaltar nesse filme são os meios e não o fim. Embora
o resultado técnico tenha sido algumas vezes desastroso, o experimentalismo
político proposto pelo CPC, mesmo que imaturo, é válido e significante para a
percepção futura do cinema brasileiro. Uma produção realizada por entidade
extracinematográfica, a partir de um sistema cooperativista, que revelou nomes
importantes na continuidade do fazer fílmico em nosso país.

3.4 O Cinema Marginal da Boca do Lixo

O Cinema Marginal surge na capital paulista na região que compreendia as


ruas do Triunfo, dos Gusmões e dos Andradas, localizadas no bairro da Luz,
próximos ao centro da cidade. A região ficou conhecida como Boca do Lixo, essa
37

denominação deve-se à atuação constante de prostitutas, as quais atraiam a


presença de outros marginais.
Devido à existência de duas estações ferroviárias e, posteriormente, uma
rodoviária que atendia ônibus intermunicipais e interestaduais, as distribuidoras,
brasileiras e estrangeiras, instalaram-se nessas imediações. Consequentemente, a
região atraiu outros profissionais da área, formando-se ali um reduto
cinematográfico.
Alfredo Sternheim, em “Cinema da Boca: dicionários de diretores”, aponta
que os profissionais que passaram a se instalar na região da Boca haviam passado
por experiências nos grandes estúdios como Vera Cruz, Maristela e a Multifilmes. E
já no início da década de 1960, “estimulada pela obrigatoriedade da exibição do
filme nacional através da reserva de mercado, a Boca se tornava de forma
gradativa o centro do cinema paulista”. (2005, p. 20)

O fato é que lá o cinema nacional crescia por méritos próprios, E quase


todos que se lançavam à realização tinham os pés no chão, faziam filmes
capazes de amortizar os custos e ainda dar lucros apenas no mercado
exibidor. Ainda não existia o vício do mecenato oficial que gerou
acomodamento criativo entre inúmeros cineastas dos nosso país. Ainda não
tinha surgido a Embrafilme. (STERNHEIM, 2005, p. 21-22).

Com a cota de tela, os exibidores passaram a investir nas produções locais.


Os filmes eram feitos para atrair público e ganhar dinheiro. Os lucros eram
investidos em outros filmes e dessa maneira o mercado cinematográfico na Boca
do Lixo mantinha-se aquecido. João Callegaro, um dos diretores de “As libertinas”,
explica como funcionava o sistema:

“Se a sua idéia fosse minimamente comercial, você conseguia um apoio de


produção. Os custos eram baixos e os produtores, picaretas e ingênuos. Se
vislumbrassem uma pequena possibilidade de lucro investiam. Pouco, mas
investiam. Mesmo que entrassem com equipe, equipamento ou custos de
laboratório” – João Callegaro sobre as formas de produção na Boca do Lixo
(STERNHEIM, 2005, p. 29).

Mesmo com a evidente intenção mercantilista, os realizadores que


procuravam a Boca para produzir buscavam também certa liberdade criativa, dessa
forma eram produzidos filmes de gêneros variados. Logo de início surgem nomes
como José Mojica Martins, Ozualdo Candeias e Luiz Sérgio Person.
38

Jovens estudantes recém-saídos das universidades procuravam na Boca


estágios em algumas das produções e alguns acabaram ficando e fazendo história,
como Rogério Sganzerla, Antônio Lima, Alfredo Sternheim, João Callegaro e
Carlos Reinchenbach. Os filmes destes eram mais intelectuais e pretendia ir contra
o convencional. Foi então que o Cinema Marginal aconteceu, entre 1967 e 1971.
Reinchenbach afirma que “os neófitos confundem os dois movimentos
(Cinema Marginal e Cinema da Boca do Lixo) que, na verdade, foram dois
momentos” (STERNHEIM, 2005, p. 28). O Cinema Marginal acontece no decorrer
do desenvolvimento do sistema de produção existente na Boca do Lixo. A
diferença estaria na abordagem temáticas dos filmes e suas intenções.
O sistema de produção que foi estabelecido na Boca do Lixo funcionava a
partir de negociações feitas com os donos das salas de exibição. Sternheim (2005)
cita o depoimento de Antônio Galante, no documentário “Galante – O Rei da Boca”,
para sintetizar essa mecânica:

“Eu vendia os filmes praticamente só no título. Eu chegava neles e dizia:


Vou fazer um filme chamado... Filhos e Amantes. É bonito? É. O exibidor
dizia: O filme é meu. Era feito um contrato e eu saía com promissórias. Não
era dinheiro, eles nunca tinham dinheiro. Eu pegava as promissórias, jogava
no banco. Tinha crédito e pegava o dinheiro para fazer o filme.” – Antônio
Galante sobre o mecanismo de produção na Boca do Lixo. (STERNHEIM,
2005, p. 31).

3.5 O que é cinema independente no Brasil?

Atualmente, torna-se difícil definirmos com exatidão o que viria a ser cinema
independente. Pois, dependendo da forma que o termo for conceituado é possível
extrair inúmeras definições corretas, “sendo mais bem compreendido em relação a
manifestações específicas de independência cinemática dentro de um contexto
histórico e cultural particular.” (PEARSON; SIMPSON, apud SUPPIA; PIEDADE;
FERRARAZ, 2008, p. 235). Se considerarmos o cinema que é produzido em escala
industrial e possui um alcance global, estritamente comercial, o cinema
independente seria aquele que é produzido à revelia desse sistema, ou seja, fora
dos ‘grandes estúdios cinematográficos’. Como exemplo mais evidente temos os
EUA que após a I Guerra Mundial sofreu uma forte transformação no seu processo
39

de produção, sendo a nova estratégia comparada ao fordismo5. Nesse momento,


deu-se o que chamamos de integração vertical, que consiste em: as grandes
empresas, as majors, controlarem a produção, distribuição e exibição de seus
filmes. Posteriormente, essas mesmas majors unir-se-iam e formariam um
oligopólio que mais tarde, na década de 1940, seria desfeito devido à legislação
americana instituída em combate a esse tipo de acordo (MARZON, 2009). Assim,
as produtoras menores puderam competir pelas salas de exibição e o cinema
independente americano ganhou algum espaço.
No entanto, ao nos referirmos ao Brasil não é possível definirmos o cinema
independente através dessas características. Mesmo havendo em nossa história
tentativas da industrialização do cinema através da implantação de estúdios como
a Cinédia, a Atlântida, a Vera Cruz e atualmente com a atuação minoritária do Polo
de Cinematográfico de Paulínia6. Pois, estamos inseridos em uma realidade
diferente, onde atuam outros mecanismos de produção, como as Leis de Incentivo
Fiscais. Então, a partir de que parâmetros poderíamos definir o cinema
independente brasileiro?
De acordo com os dicionários ser independente significa, entre outros, não
estar sob domínio ou influência estranha, ou ainda ter liberdade moral ou
intelectual. Quando nos referimos a alguém como independente queremos dizer
que aquela pessoa age de acordo com seus princípios e sua vontade sem
interferência moral e/ou financeira de terceiros. Dessa forma, ao adjetivarmos o
cinema como independente estamos dizendo que o mesmo deva ser autônomo e
auto-sustentável.
Historicamente no Brasil, o Estado intervém nos planos de produção,
distribuição, importação e exibição, regulando a atividade e atendendo, em termos,
as reinvindicações da classe cinematográfica. Essas medidas instauradas, ainda
na década de 1930, durante o governo de Getúlio Vargas, continham princípios de
grande parte das medidas que viriam a ser vinculadas posteriormente por Juscelino
Kubitschek e seu forte apelo ao nacionalismo, culminando na valorização da
tradição cultural brasileira intensificada durante a Ditadura Militar. (MELO, 2010). A

5
Sistema de produção em massa idealizado pelo empresário estadunidense Henry Ford (1863-1947).
6
Paulínia Magia do Cinema é um projeto de iniciativa pública que oferece recursos financeiros, via
editais e projetos de incentivo. Por meio desse projeto também foram idealizados o Polo
Cinematográfico de Paulínia, a Escola Magia do Cinema e a Paulínia Film Comission. (PACHECO,
2009)
40

Embrafilme, fundada durante a ditadura (1969), supriu os anseios dos cineastas e


manteve uma regularidade da produção de cinema no Brasil ao garantir
financiamento, exibição e distribuição dos filmes nacionais. Após sua dissolução
durante o governo de Fernando Collor de Mello, foram implantadas leis de
incentivo fiscal, como a Lei do Audiovisual e Lei Rouanet, juntamente com o órgão
estatal regulador, a Agência Nacional do Cinema (Ancine).
Assim, podemos constatar que as diversas legislações destinadas à
proteção e incentivo à cultura, de uma forma geral, vem sofrendo modificações ao
longo da história com propósito de oferecer melhorias aos atuantes da área
artística e a população como um todo.
Além da Lei do Audiovisual, da Lei Rouanet e das Leis de Incentivos
Estaduais e Municipais, a produção cinematográfica brasileira acaba também por
receber investimentos próprios daqueles que são deixados de fora do
protecionismo estatal. Seriam estes os independentes de fato? E até que ponto o
Estado interfere na concepção dos filmes viabilizados com dinheiro público?
Refletindo sobre essas questões nos deparamos com dois fatores que podem ser
norteadores ao classificarmos um filme como independente: financeiro e estético.
Levy, pontua essa questão da seguinte maneira:

Segundo Emanuel Levy (1999, p. 2), “idealmente, um indie é um filme de


baixo orçamento, com um estilo corajoso, sobre um assunto inusitado, que
expressa a visão pessoal de seu diretor.” O autor aponta duas concepções
diferentes de cinema independente: uma baseada na maneira como os
filmes são financiados, outra com foco sobre aspectos artísticos como
inovação ou autoria. Levy considera mais eficiente a combinação dessas
duas concepções. (LEVY apud SUPPIA; PIEDADE; FERRARAZ, 2008, p.
236).

A independência poderia estar relacionada a um parâmetro econômico, no


qual houvesse meios em que o cinema pudesse sustentar-se sem o apoio de
grandes produtoras, ou ainda relacionada a uma liberdade autoral, em que o diretor
concebe sua obra sem a intervenção do produtor preocupado com o mercado.
Logo, o cinema seria caracterizado como independente não só a partir da forma de
financiamento, mas também através da concepção íntegra idealizada pelo diretor.
Por outro lado, se pensarmos como cinema independente aquele que se
opõe ao mecanismo de produção dominante, esse deve ser contextualizado à
época e ao local onde é realizado. Teremos então uma gama de passíveis
41

modificações diante deste termo, que por fim irá depender do ponto de vista de
quem o utiliza.
42

4 O FATOR MERCADOLÓGICO DO CINEMA DA RETOMADA E AS LEIS DE


INCENTIVO

4.1 Cinema da Retomada e a criação da Ancine

Com as medidas devastadoras do governo Collor, que pôs fim a órgãos


públicos relacionados à cultura – e consequentemente relacionados também ao
cinema, como a Embrafilme e Concine – a produção cinematográfica brasileira
passou por um momento oco, sem produzir nada. O Estado não ofereceu nenhuma
proposta imediata para suprir os anseios despertados na classe artística.
Aos poucos e de forma tímida a preocupação com as políticas públicas
relacionadas à cultura foi sendo retomada. Em 1991, com a nomeação do secretário
de cultura Sérgio Paulo Rouanet, é sancionada a lei nº 8.313 que institui o Programa
Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC). Essa lei, conhecida como lei Rouanet,
possibilita que empresas privadas invistam em projetos culturais a partir da dedução
percentual do imposto de renda devido.
Posteriormente a classe cinematográfica conquista um reforço para garantir
sua produção, através das leis nº 8.401, que regulariza a cota de tela em 1992; e a
nº 8.685, chamada de lei do Audiovisual, em 1993, que permite a produção
cinematográfica através dos incentivos fiscais, assim como a lei Rouanet.
Através das leis de mecenato o Estado passa a tratar a cultura como
indústria. O cinema, juntamente com as outras manifestações artísticas e culturais,
passou a ser responsabilidade do mercado, mesmo que ainda por incentivo estatal.
Ou seja, o Estado continua investindo na cultura, mas é o mercado que escolhe
onde será feito o investimento. Segundo Marzon, “a cultura, então, precisa ser
atraente e lucrativa; se não dá retorno financeiro, deve ao menos dar retorno em
termos de marketing.” (2009, p. 73).
Foi diante desse cenário que o cinema retornou aos trilhos. Artistas e
técnicos, que durante o período de escassez profissional se refugiaram na
publicidade e televisão, voltaram a produzir cinema e trouxeram consigo
aprimoramentos técnicos e aspectos plásticos referentes às essas áreas. A televisão
43

e as produtoras publicitárias já trabalhavam com equipamentos de alta qualidade,


fator com o qual o cinema só ganhou.
Dessa forma, o Cinema da Retomada, como ficou conhecido, volta-se mais
ao mercado e ao grande público. Marzon (2009) arrisca ainda que mesmo com esse
perfil mercantilista a ideia de autor foi reforçada nesse período. Talvez, esse
pensamento deva-se ao fato de que o Cinema da Retomada não se caracterize
como um movimento, por não haver agrupamentos de artistas que difundissem suas
metas e ideais coletivos.
O Cinema da Retomada destacou-se por sua diversidade em temas e
abordagens, possibilitadas por essa liberdade de ideias. Os filmes tinham apenas a
cara do diretor/autor, sem o perfil de uma causa coletiva, a qual esteve presente em
outros ciclos já mencionados. Como Marzon explica:

Através da noção de cinema da diversidade, além da falta de um projeto


político mais amplo aliou-se a ideia de autor. A diversidade, então,
apresentou-se como total liberdade; não havia a necessidade de fazer um
tipo de cinema popular, revolucionário, comercial ou qualquer outro tipo de
cinema: o que importava era a manifestação artística do cineasta.
(MARZON, 2009, p. 105).

A diversidade regional, também presente, foi possível através das legislações


municipais pelo Brasil a fora que surgiram como alternativas para os artistas logo
após a medida provisória 151 decretada por Collor, em 15 de março de 1990. Esses
estímulos propiciaram a prática cinematográfica em regiões distintas do eixo central
Rio-São Paulo, possibilitando a descoberta de novos talentos.
A linguagem televisiva aplicada aos filmes aliada a qualidade técnica
agradaram o público e o sucesso de filmes como “O Quatrilho” (1996), “O que é isso
companheiro” (1998) e “Central do Brasil” (1999), os quais foram indicados ao Oscar
e ganharam prêmios internacionais, trouxeram de volta ao povo brasileiro o
“otimismo e o orgulho pelo Brasil, pelo cinema nacional.” (MARZON, 2009, 113).
As leis de incentivo foram criadas com o intuito de inserir no mercado um
sistema de produção cinematográfica que, ao longo do tempo, iria se solidificar e se
sustentar sozinho. Seriam vigentes por apenas dez anos e após o prazo acabado o
Estado sairia da intermediação, deixando que as empresas privadas investissem
diretamente no audiovisual. No entanto, essas leis foram prorrogadas. Elas podem
ter aquecido o mercado ao estimular a produção, mas não se preocupou em
44

viabilizar o restante do tripé pelo qual o cinema se sustenta, deixando desprotegidas


a exibição e distribuição.

[...] as leis de incentivo propiciaram que se voltasse a fazer filmes, mas não
houve a mesma preocupação com a circulação dos mesmos, fazendo com
que a atividade não conseguisse se tornar autossustentável, pois o ciclo de
circulação da mercadoria-filme não se completava de forma satisfatória.
(MARZON, 2009, p. 132).

O incentivo do Estado por meio da renúncia fiscal não cria condições para a
industrialização do cinema e, tão pouco, o torna autossustentável. Estimulando
apenas a produção, a cadeia cinematográfica não se completa e as chances do
investimento ter um retorno financeiro são mínimas.
Dessa maneira, erroneamente, os produtores oportunistas passaram a
garantir seus lucros durante a produção, superfaturando os orçamentos. E para
conquistar os investidores, diante da concorrência de tantos outros projetos, fraudes
passaram a ser executadas comumente no meio das superproduções. A situação é
descrita em Marzon:

Segundo denúncias apresentadas pela imprensa, os Certificados de


Investimento Audiovisual, que eram negociados por intermédio da
Comissão de Valores Mobiliários e valiam como ações, estavam sendo
compradas pelos próprios produtores imediatamente após a negociação
com os investidores, alguns produtores se comprometiam a recomprar os
certificados, já embutindo nessa compra “lucros futuros”. Ou seja, o
investidor deixava de pagar os impostos, divulgava a marca e ainda tinha
lucros com isso. Além disso, para conseguir recomprar os certificados, os
filmes estavam sendo superfaturados, e os custos de produção
cinematográfica no Brasil cada vez maiores. (Marzon, 2009, p. 115).

Essas denúncias somadas aos escândalos relacionadas aos filmes “Chatô”,


de Guilherme Fontes, e “O Guarani”, de Norma Bengell provocaram um período de
descrédito com o cinema brasileiro. “Chatô”, uma produção orçada em R$ 12
milhões, dos quais captou R$ 7 milhões, não foi concluído por falta de dinheiro,
segundo o diretor. Em “O Guarani”, a diretora foi investigada pelo Tribunal de Contas
da União após denúncia de irregularidades e foram detectadas notas fiscais
falsificadas para justificar os R$ 2,5 milhões gastos na produção.
Os investidores recuaram com receio de associar sua marca a projetos
fracassados por não serem finalizados ou por apresentarem irregularidades fiscais.
A imprensa questionou a viabilidade do fazer cinematográfico no Brasil, colocou em
45

questão a capacidade dos cineastas e produtores brasileiros. E assim, criou-se uma


polêmica relacionada à honestidade e competência dos brasileiros quanto ao
cinema.
Esse alvoroço fez com que o Senado Federal instalasse, em 1999, uma
subcomissão de cinema (ligada à comissão de educação) para desenvolver uma
investigação que diagnosticasse os problemas relacionados à atividade
cinematográfica do Brasil e que propusesse alternativas para solucioná-los. Ainda no
mesmo ano o Ministério da Cultura reformulou a Secretaria para o Desenvolvimento
do Audiovisual, sendo o cargo de secretário assumido por José Álvaro Moisés.
A nova Secretaria, entre outras medidas, criou limites para a captação e
definiu critérios mais rígidos para emissão de certificados audiovisuais. Passou a
avaliar mais rigorosamente o currículo do proponente. De acordo com Marzon
(2009), o caminho encontrado para reparar as falhas na legislação anterior, através
de uma generalização da culpa, puniu de forma injusta os iniciantes e beneficiou os
cineastas já estabelecidos.

Ao tentar sanar a crise e estabelecer melhores critérios para a utilização dos


recursos públicos, o que aconteceu foi que, tanto os cineastas já
consagrados no campo quanto o Estado acabaram adotando um discurso
que puniu os iniciantes e os “oportunistas”: crucificaram os novos cineastas,
e os que já estavam estabelecidos no campo conseguiram mais privilégios.
[...], essas novas exigências terminaram por gerar uma espécie de “reserva
de mercado” para os cineastas já consagrados, limitando cada vez mais o
acesso de novos realizadores aos recursos públicos. (MARZON, 2009, p.
141).

Essas decisões ressoaram na classe cinematográfica questionamentos


acerca da viabilidade das superproduções, com orçamentos fantásticos, disputando
com os filmes de baixos orçamentos a captação de seus recursos junto aos
investidores. Os filmes com apelo comercial foram claramente priorizados a partir de
então, com o intuito, mais uma vez, da solidificação do cinema no mercado.
Os realizadores, então, se dividiram. Uns defendiam a priorização da
distribuição dos incentivos entre produções de baixo orçamento e para que assim
mais filmes fossem lançados. Outros, ao contrário, alegavam necessárias as
superproduções para manter um padrão técnico de qualidade internacional, mesmo
que significasse que menos filmes seriam produzidos.
Em meados dos anos 2000, o Estado apresentou um projeto que possibilitaria
a extensão das leis de audiovisual às emissoras de televisão e radiodifusão. Ou
46

seja, as redes de TV poderiam inserir-se no campo cinematográfico dispondo dos


mesmos benefícios que outras produtoras, no entanto, somados a concessão estatal
que já possuem.
Assustados com o que essa medida poderia representar para o mercado
cinematográfico, os profissionais da área organizaram-se em Porto Alegre/RS para o
III Congresso Brasileiro de Cinema (CBC), 47 anos após a realização do II CBC. Na
ocasião discutiram a realidade política econômica da classe e deixaram de lado,
temporariamente, as questões divergentes sobre os orçamentos. “O congresso
enfatizou a necessidade de politização do cinema brasileiro, através do discurso dos
cineastas e da afirmação da importância da atividade para a formação e difusão da
identidade nacional, [...].” (MARZON, 2009, p. 149).
O III CBC resultou em diversas propostas que buscavam solucionar, ou pelo
menos suavizar, os problemas vivenciados pelos profissionais. O relatório final foi
apresentado ao Estado, que por sua vez, articulou um documento com a mesma
ênfase: “Diagnóstico Governamental da Cadeia Produtiva do Audiovisual”. Segundo
Marzon, as propostas do III CBC coincidiam em sua maioria com as soluções
oferecidas pela Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual, “[...] mas se
diferenciavam em um ponto que, para os cineastas, era crucial: a taxação das
emissoras de televisão e das produtoras de publicidade, que permitia ao cinema se
sustentar.” (2009, p. 154).
Em setembro de 2000, foi criado o Grupo Executivo de Desenvolvimento da
Indústria Cinematográfica, o Gedic, constituído por representantes dos Ministérios
da Casa Civil, da Fazenda, de Comunicações, da Cultura e o Secretário Geral da
Presidência, e por profissionais do cinema representando segmentos distintos como
a produção, a direção, a pesquisa, a distribuição, a exibição e a televisão.
O Gedic teve como enfoque o filme enquanto mercadoria de exportação,
deixando de lado questões estéticas e temáticas e centralizando objetivos como o
combate a hegemonia cinematográfica norte-americana, a promoção da integração
cinema-TV e a redução dos preços dos ingressos para as exibições dos filmes.
Dentre as várias propostas oferecidas, surgiu a Ancine (Agência Nacional de
Cinema), destinada a normatizar e fiscalizar o mercado e foram criados o Conselho
Superior de Cinema, responsável pela elaboração da política cinematográfica e a
Política Nacional do Cinema, para garantir a produção, o consumo e a divulgação
interna e externa dos filmes nacionais.
47

4.1.1 Globo Filmes

O caráter mais comercial da televisão e da publicidade vai de encontro ao


pensamento mais artístico e ideário da boa parte dos cineastas brasileiros,
dificultando uma interação entre esses três campos da indústria audiovisual. O
distanciamento entre eles muitas vezes é apontado como razão do atraso no
desenvolvimento dessa indústria.
Em 1998, a Rede Globo de Televisão criou a Globo Filmes “[...] com os
objetivos de contribuir para o fortalecimento da indústria audiovisual brasileira e
aumentar a sinergia entre o cinema e a TV.” (cf. o site Globo Filmes apud MARZON,
2009, p. 97) A atuação se daria através de coproduções com produtoras que
poderiam captar junto aos investidores através das leis de incentivo.
A atuação da Globo Filmes no mercado cinematográfico tornou mais evidente
a apropriação da linguagem televisiva das novelas pelo cinema. Passou-se a usar
mais planos fechados, fotografias e interpretações naturalistas, um maior número de
cortes de cena e um elenco televisivo já consagrado. São exemplos filmes como
“Bossa Nova” (2001), de Bruno Barreto, “A partilha” (2001), de Daniel filho e
“Avassaladoras” (2002), de Mara Mourão.
A estética televisiva não predominou apenas pela inserção da Globo Filmes
no mercado. A fórmula da telenovela, que há muito conquistou o grande público, no
cinema tem agradado e estimulado o consumo dos filmes nacionais. Tornando-se
assim uma estratégia também de sucesso, ao menos de bilheteria, pois se aproxima
do público através de uma linguagem já decodificada, estabelecendo um vínculo de
compreensão com o mesmo.
O mecanismo de estímulo à produção por intermédio da dedução fiscal, que
vigora até o presente momento, passou a tratar o filme como mercadoria, cabendo
às empresas privadas decidirem em que produto investir. Dessa maneira, boa parte
dos projetos é formulada com foco no investidor, o qual é atraído por aqueles que
conquistem mais facilmente o público e, consequentemente, deem um retorno mais
provável.
Seguindo nessa lógica, o cinema nacional dos últimos anos tem, aos poucos,
conquistado o público, no entanto o caráter comercial, muitas vezes, se sobressai à
48

arte. E a linguagem “mais limpa e bonita”, herdada das telenovelas, tem ganhado
força com as superproduções e seus orçamentos altíssimos.

4.2 Os atuais independentes

A caracterização do filme como mercadoria, visto nos últimos anos, gerou um


viés mais comercial boa parte das produções recentes. A entrada no mercado da
Globo Filmes enfatizou a linguagem televisiva no cinema, que tem se aproximado do
público através deste artifício. Essa fórmula para agradar o público e os investidores,
talvez esteja conseguindo uma visão mais industrial para o cinema, no entanto, os
recursos tem sido destinados a poucos produtores, já consagrados, e a Globo
Filmes, deixando muitos outros sem chances de competir no mercado. Os
investidores passam a achar mais certeiro e proveitoso investir em projetos com uma
visibilidade já garantida, pelas inserções publicitárias na programação da Rede
Globo e/ou a partir da presença de elenco conhecido.
E os outros projetos como ficam? Onde se encaixam os cineastas iniciantes?
Como ficam os projetos autorais? Muitas vezes engavetados, mesmo com
autorização do Ministério da Cultura para captar. Produções com perfil mais autoral
e politizado dificilmente conquistam os olhares das empresas investidoras e esses
filmes acabam por não sair do papel.
Mesmo diante desse cenário hegemônico do cinema comercial presente nos
dias atuais, podemos perceber a atuação de realizadores que encontram saídas das
mais adversas para conseguirem finalizar seus projetos. Como por exemplo “Cama
de Gato” (2004), de Alexandre Stockler e “O Cheiro do Ralo” (2007), de Heitor
Dhalia, os quais serão analisados a seguir.
49

4.2.1 Ousadia digital – “Cama de Gato”

Em meados do século XXI, em meio tantas discussões entre o Estado e a


classe cinematográfica sobre como solucionar os problemas presentes há tanto
tempo no cinema brasileiro, surgiu um movimento denominado como TRAUMA –
Tentativa de Realizar Algo Urgente e Minimamente Audacioso. Jovens
inexperientes, em sua maioria, que acreditavam que a realização de um filme não
deveria ser justificada pelo comércio e sim pelo seu conteúdo. A partir do TRAUMA,
Alexandre Stockler tornou possível a concepção de “Cama de Gato”, seu primeiro
filme longa-metragem.
O tema abordado por Stockler discute os conceitos de ética e preceitos
morais, confrontando-os a partir dos princípios coletivo e individual, construindo de
forma ousada uma crítica à sociedade dirigida, especialmente, à classe média alta.
A história concentra-se em três garotos, com em média de 18 anos, recém-passados
no vestibular que procuram se divertir a todo custo e que querem mais é “aproveitar
a vida” enquanto podem, enquanto são jovens.
Eles são apresentados logo inicialmente através de discursos politicamente
corretos, cada qual com uma opinião pré-estabelecida. Esses discursos
permanecem durante o decorrer do filme e expõem problemas sociais atuais, e
recorrentes, resultantes da grande disparidade econômica encontrada no Brasil. A
busca inconsequente pela diversão acaba os levando a cometer verdadeiras
atrocidades. E a imaturidade para enfrentar e assumir os erros faz com que percam
o controle da situação, se é que o tinham, desencadeando uma série de
barbaridades.
Na época, as tecnologias não eram as mesmas que dispomos hoje e o
formato do vídeo digital ainda era um campo pouco explorado pelo cinema. O roteiro
foi iniciado em 1999 e o diretor pretendia que o filme tivesse uma linguagem tão
atual quanto o tema que estava tratando (comportamento dos jovens
contemporâneos). A escolha em trabalhar com vídeo digital não foi gratuita. Foram
utilizadas três câmeras digitais com definições de imagens diferentes com o intuito
de representar cada garoto, já que o filme é contado a partir do ponto de vista de
cada um.
50

“[...] Uma das razões para eu filmar em digital foi não fazer um filme
bonitinho. [...] Gravei em três câmeras diferentes, porque eu queria três
‘bitolas’ diferentes para os três olhares dos garotos. [...] as três câmeras
davam realmente três definições de imagens diferentes. E eu queria isso
para ter os três olhares dos meninos. É uma coisa que é muito sutil no filme
e tem gente que olha e acha que tá com defeito. [...]” – Alexandre Stockler
sobre a utilização do vídeo digital e de três câmeras com definições de
imagem diferentes.7

Mesmo que o vídeo digital signifique a redução dos custos no orçamento de uma
produção, pois se economiza com os negativos, existia certo preconceito no meio
cinematográfico em relação ao uso desse aparato. Inclusive a lei do Audiovisual
ainda não aceitava projetos que utilizassem esse recurso. Os produtores (Alexandre
Stockler, Gisele Jordão Costa e Otávio Ribeiro), tentaram junto à Secretaria do
Audiovisual, explicar que fazia parte da concepção conceitual do filme, mas foi em
vão. Acabaram adaptando a planilha orçamentária para o uso da película, passando
de R$ 200 mil para R$ 2 milhões. Se já estava difícil captar um orçamento baixo,
pode-se imaginar como os problemas se multiplicaram.
Por se tratar de uma denúncia social e retratar o comportamento
inconsequente dos jovens contemporâneos de classe média alta, o projeto não
interessou os investidores, os quais se assustaram com a ideia de se associar a
polêmicas como esta. Stockler comenta sobre essa fato no depoimento que compõe
o material extra do DVD lançado posteriormente:

“A gente chegava nos ‘pretensos patrocinadores’, que usam dinheiro público


pra patrocinar, mas... E eles diziam que não iam investir no filme. A
resposta era essa e a nossa pergunta sempre era: Mas, porque? ‘Ah, não...
o filme é muito violento...’ Até que depois eles abriam o jogo: [...] ‘Fala de
uma faceta da juventude de classe média alta que não nos interessa
mostrar’. [...]” – Alexandre Stockler sobre a dificuldade da captação. 8

Não aceitando modificar o conteúdo do filme, através das imposições do


mercado, a captação de recursos foi ineficaz. Contudo, o diretor decidiu por em
pratica um dos preceitos do TRAUMA:

Realizar filmes ficcionais da forma mais barata possível, assumindo os


problemas de produção e de limitação do orçamento como parte integrante
dos filmes, incorporando-os como linguagem cinematográfica, de forma a

7
Depoimento integrante dos extras do DVD do filme Cama de Gato. (2002).
8
Ibdem
51

estabelecer nossa condição de ‘colonizados’ como força criativa e não como


trauma a ser evitado. (Manifesto...)

Dessa maneira, “Cama de Gato” foi filmado, editado e mixado com apenas R$
13 mil. Isso só foi possível a partir do envolvimento da equipe com ideais que
acreditou na relevância do tema proposto e achou válido discutir os problemas
apresentados.

“Nem um curta é feito com tão pouco dinheiro. Dizem que nem comercial de
30 segundos é feito com tão pouco. Nós fizemos um longa-metragem. Todo
mundo entrou e se empenhou, foi uma coisa muito de... Uma espécie de
cooperativa e todo mundo muito interessado em fazer porque queria falar
desse tema e falar sobre essa juventude e discutir o Brasil hoje.” – Stockler
sobre o envolvimento da equipe. 9

A nova realidade interativa que a tecnologia já proporcionava foi um trunfo


importante no desenvolvimento do projeto. Foram realizadas campanhas na internet
durante todos os estágios de produção. Desde concursos para selecionar os atores,
figuração e, inclusive, estagiários, como também as músicas que compõem a trilha
sonora, até convites para assistir ao primeiro dia de gravações externas. O site que
um dos personagens do filme possui também foi realizado através de concurso e foi
utilizado para disponibilizar materiais extras, como a cena do estupro, que teria sido
filmada pela webcam, e as músicas selecionadas para trilha sonora.
Através de campanhas como essas, o público acompanhou todo o processo
de produção do filme, tornando-o, de certo modo, um pouco interativo. O problema
financeiro foi convertido a favor do filme, ao encontrar saídas criativas para os
infortúnios ao mesmo tempo em que estimulou o público a participar do projeto.
O formato digital mesmo depois que o filme ficou pronto continuou sendo um
empecilho. Muitos festivais não possuíam ainda recursos para exibir mídia digital, ou
não queriam mesmo. Stockler se viu obrigado a fazer a transferência do vídeo digital
para a película em 35mm. Esse processo custa caro e para conseguir fazê-lo
precisou pedir empréstimos a familiares, amigos e ao banco, somando quase R$
100 mil.
Com o transfer o filme percorreu diversos festivais pelo mundo a fora com
uma boa repercussão. Como era previsto, casou muita polêmica quanto ao tema,
gerando discussões positivas nas escolas entre pais e alunos. A linguagem

9
Depoimento integrante dos extras do DVD do filme Cama de Gato. (2002).
52

cinematográfica utilizada foi outro ponto bastante discutido, por não seguir as ‘regras
certinhas’ do cinema norte-americano e que recentemente estava sendo incorporada
no Brasil.

4.2.2 A vida é dura – “O Cheiro do Ralo”

“O Cheiro do Ralo”, filme do diretor Heitor Dhália, é inspirado no livro de


mesmo título do autor Lourenço Mutarelli, o qual também atua e divide a cena com
Selton Mello, Paula Braum e Silvia Lourenço. É um filme que propõe expor um lado
do ser humano que muitos procuram esconder, aquele lado sujo, sombrio e insano.
Uma proposta ousada se considerarmos os mecanismos de produção através das
leis de incentivo no Brasil.
Se na década de 1970, os produtores da Boca do Lixo vendiam o filme pelo
título, pode-se imaginar as dificuldades enfrentadas por Dhália e sua equipe de
produção, Marcelo Doria, Matias Mariani e Rodrigo Teixeira, durante a captação.
Antes de nos atermos aos obstáculos que surgiram e as soluções encontradas,
vamos compreender um pouco o universo do protagonista Lourenço, vivido por
Selton Mello.
Lourenço é um homem solitário, dono de uma loja que compra objetos
usados, um colecionador. Aproveita-se da necessidade financeira que leva os
clientes a se desfazer de seus pertences, muitas vezes objetos com valores
sentimentais, para explorá-los e até mesmo divertir-se as suas custas. Essa troca
insensível o satisfaz e o mantem equilibrado em sua própria loucura. Ele compra
objetos velhos e sem serventia, os quais ficarão jogados em algum depósito, mas na
verdade paga para contemplar a humilhação dos seus clientes, preenchendo o seu
vazio interior dessa maneira.
O encantamento pela bunda da garçonete do local onde ele costuma lanchar
o leva a tentar uma aproximação com a moça, com claras intenções apenas em seu
“objeto de desejo”, a bunda. Na cabeça dele tudo pode ser comprado, inclusive
pessoas. Selton Mello tenta descrever o perfil psicológico do personagem: “E ele
quer comprar aquela bunda, ele quer comprar as coisas. Pessoas e coisas são uma
53

coisa só na cabeça desse cara.”10 O fato de não poder tê-la, não poder compra-la o
consome intensamente durante o filme.
O ralo do banheiro do seu escritório entope, provocando um mau cheiro
terrível. Com o ralo entupido não tem por onde as impurezas escoarem,
acumulando-as até causarem danos. O cheiro do ralo em si funciona como uma
metáfora da essência do personagem. E, dentro da lógica de sua loucura, o que tem
acontecido em sua vida é decorrente daquele cheiro. Outro aspecto interessante
para traçarmos o perfil desse personagem é a relação que ele tenta construir com o
pai, que só existe em sua cabeça. A partir da visita de um ex combatente militar ele
passa idealizar o pai que não conheceu. Por achar que esse homem foi
companheiro do seu pai na guerra, ele compra desse cliente a prótese de um olho, o
qual ele acredita que pertenceu ao seu pai. Esse objeto peculiar transforma-se em
uma espécie de amigo imaginário com quem compartilha seus pensamentos e
devaneios.
Como a história de um homem desprezível, dono de uma loja decadente, que
compra objetos velhos e é obcecado pela bunda da garçonete da lanchonete barata
que frequenta, poderia oferecer perspectivas de um retorno de investimento?
Mesmo que esse investimento fosse feito através da renúncia fiscal, que empresa
associaria o seu nome, a sua marca ao um filme com o título “O Cheiro do Ralo”?
Durante dois anos, os produtores tentaram captar recursos da maneira
habitual, procurando empresas e parceiros. Mas, foi inútil. A resistência com roteiro
começava já no título e quando ultrapassava essa barreira a história não contribuía.
Heitor Dhália comenta o seguinte a esse respeito:

“Existiu uma resistência muito grande ao título. Quando a pessoa vencia o


título, você tinha a primeira página e o filme começa com: ‘câmera segue
uma bunda por uma rua...’. Então a pessoa já parava na bunda. ‘Como que
eu vou investir dinheiro? Como que um filme de um cara que se apaixona
por uma bunda vai ser feito?’” – Heitor Dhália sobre a dificuldade para
convencer investidores.11

Após muitas tentativas, constatou-se que seria impossível conseguir um


investidor para o filme. Todavia, a vontade de realizar o projeto não deixou que a
equipe baixasse a cabeça e engavetasse o roteiro. Foi montado então um sistema

10
Depoimento integrante dos extras do DVD do filme O Cheiro do Ralo. (2006)
11
Ibdem
54

de cooperativa em que alguns membros da equipe renunciaram ao cachê e ainda


investiram dinheiro do bolso para tornar possível o filme. Nos créditos encontramos
da seguinte forma: “Produzido por Heitor Dhália, Joana Mariani, Marcelo Doria,
Matias Mariani e Rodrigo Teixeira em associação com Lula Franco, Patrick Siaretta,
Selton Melo”. E outros tantos nomes da equipe aparecem como Co-Produtores.
Foram quatro semanas de filmagens com um orçamento de R$ 330.000 no
total. O pouco dinheiro disponível acabou por guiar toda a produção e a criatividade
foi fator decisivo na realização do filme. Desde os cenários e objetos de cenas até a
fotografia aplicada foram influenciados pelo recurso limitado. Guta Carvalho, diretora
de arte, construiu o mundo de Lourenço com apenas R$ 20.000. Negociou com
brechós algumas peças, tomou objetos emprestados em lojas de departamento e
outros foram trazidos de casa pela equipe, cada um que contribuísse de alguma
forma.
Na fotografia foram empregadas fontes de luz baratas, aproveitando a luz
natural que incidia pelas janelas do galpão utilizado como locação. A escolha da
maneira como a câmera iria ser manuseada também se deu devido as restrições,
como explica o diretor de fotografia José Roberto Eliezer:

“O orçamento definiu a estética sim! Principalmente a parte da fotografia.


[...] A gente tinha quatro semanas pra filmar tudo. [...] Não ia dá tempo de
montar trilho, botar o travelling pra funcionar, não tinha muito tempo pra
isso, nem dinheiro pra ter o travelling. Então, a câmera era fixa. O Heitor
desenhou o filme todo assim, com planos fixos e quando a gente sentia a
necessidade do movimento de câmera em algumas sequências de ação, a
câmera foi pra mão.” – José Roberto Eliezer sobre a forma como adequou a
fotografia ao baixo orçamento.12

A equipe, que foi enxuta ao máximo, comprou (literalmente) o projeto e se


doou de maneira peculiar para que “O Cheiro do Ralo” fosse concluído. Dhália
comenta que “O filme só é o que ele é por que foi feito daquela maneira, sem grana,
sem recurso, com a dedicação e amor de todas as pessoas que acreditaram no
filme”. A começar de Selton Mello que, ao saber que o livro de Mutarelli iria ser
filmado, logo se interessou e ficou enlouquecido pelo personagem: “Eu não fui
convidado para este filme, eu me convidei”.
Assim como Mello, o restante da equipe se envolveu passionalmente para
fazer o filme acontecer. O fato de aceitar trabalhar sem remuneração e até investir

12
Depoimento integrante dos extras do DVD do filme O Cheiro do Ralo. (2006)
55

do próprio bolso só comprova a dedicação e empenho por uma causa comum, o


fazer cinematográfico.
Esse modelo cooperativista de produção não é novidade. Como vimos no
segundo capítulo, Nelson Pereira dos Santos e sua equipe Moacir Fenelon fizeram o
mesmo para conseguirem filmar “Rio, 40 graus” na década de 1950. Embora os
tempos sejam outros, as circunstancias eram as mesmas: a ausência dos
investidores. Com o filme pronto foi possível captar recursos, através das leis de
incentivo, para o lançamento e distribuição. De maneira independente “O Cheiro do
Ralo” foi concluído e pôde ser lançado em 2006.

4.3 Leis de Incentivo geram independência?

“Cama de gato” (2002) e “O Cheiro do ralo” (2006). Cinco anos separam


essas produções, mas elas permanecem em uma mesma realidade do cinema
nacional, pois não mudou muita coisa durante esse período. Passaram por
problemas semelhantes, comumente vividos por aqueles que se dispõe a produzir
uma ideia diferente, independente da existência de apoios ou não.
Embora apresentem linguagens distintas, que não nos cabe aqui comparar,
percebemos pontos semelhantes durante o processo de produção de ambos. Os
dois foram aprovados pelo Ministério da Cultura para captarem recursos junto às
empresas privadas. No entanto, não conseguiram conquistar os investidores, pois
apresentavam ideias que vão de encontro aos interesses, puramente comerciais,
das empresas. Que, mesmo utilizando um dinheiro que não lhe pertence por direito,
o destina de forma que lhe rendam lucros.
Ou seja, os projetos que não apresentem dividendos ou, pelo menos, uma
repercussão considerada positiva para a empresa não consegue captar os recursos
necessários para desenvolver o filme. Dessa maneira, se o produtor não concordar
em fazer modificações no projeto a fim de agradar o investidor, a probabilidade de
se obter o apoio do empresariado é praticamente nula. Dificilmente encontra-se um
patrocinador disposto a investir sem levar em conta o retorno, positivos e negativos,
que o filme possa lhe trazer.
56

A questão do conteúdo se encontra, cada vez mais, alheia à produção


média audiovisual brasileira do período, já que o sistema de produção
passou a girar em torno de um eixo endógeno, fomentado pelas leis de
incentivo em todos os seus níveis – municipal, estadual e federal.
Entretanto, não apenas os bens audiovisuais são vítimas deste processo,
mas também a própria produção se encurralou nesta armadilha do mundo
contemporâneo mercantilizado e desprovido de estratégia política-industrial
para o setor. (GATTI, 2007, p.112)

Logo, a polêmica em torno do mecanismo de incentivo através das leis de


mecenato não se concentra apenas entre as divergências dos baixos orçamentos e
das superproduções, como já vimos. Mas, também divide a classe cinematográfica
sobre a viabilidade mercadológica imposta para conseguir captar recursos.
57

5 CONCLUSÃO

Para o desenvolvimento do presente trabalho, foi considerado como cinema


independente brasileiro filmes de cunho autoral que foram realizados através de
mecanismos que se opunham aos dominantes de sua época. É possível perceber,
através da contextualização histórica, que o caráter independente está intrínseco
ao desenvolvimento do cinematográfico, desde que existam aqueles que
questionem as conjunturas políticas e sociais em que estão inseridos.
Foi possível perceber que o Brasil, por diversas vezes, tentou industrializar-
se cinematograficamente. E que, através de cada uma dessas tentativas, foi
aprendendo a fazer cinema, descobrindo aos poucos um jeito próprio de filmar e
uma linguagem específica em cada época.
Talvez, o fator devido o qual o cinema brasileiro não alcança sua plena
industrialização seja a intrínseca independência autoral existente entre os
cineastas no decorrer da história. Visto que, a industrialização exige um filme que,
acima de tudo, renda lucros e não se atenha, necessariamente, às linguagens mais
autorais. Essa abordagem comercial tem sido mais bem difundida nos últimos
anos, embora tenha despertado na crítica questionamentos acerca da qualidade.
Após o governo Collor (1990-1993), o Estado designou à iniciativa privada o
fomento da cultura, através da dedução fiscal. Dessa forma, as empresas se
isentam do imposto de renda e aplicam o valor correspondente em produções
escolhidas a seus critérios. Com essa medida, pretendia-se consolidar, finalmente,
a indústria cinematográfica no Brasil. Contudo, ainda são poucas as empresas que
passaram a investir os recursos próprios, destinados a área do marketing,
diretamente em projetos culturais.
Dessa maneira, os projetos precisam apresentar um retorno satisfatório aos
investidores, ou seja, precisa-se atingir o maior número de pessoas possíveis, para
que a bilheteria seja proveitosa. O público, por sua vez, está “acostumado” ao
padrão estético hollywoodiano, devido a forte importação fílmica norte-americana, e
o determina como correto. Logo, linguagens cinematográficas que fujam desse
padrão são comumente rejeitadas em um primeiro instante. Embora aprovados
58

pelo Ministério da Cultura, muitos projetos são abandonados por não conseguirem
captar recursos mínimos para a sua realização.
O sistema atual beneficia os produtores renomados e de carreira
estabelecida, enquanto os iniciantes ficam limitados à captação de baixos
orçamentos, quando conseguem ser aprovados, já que é feita uma avaliação
criteriosa no currículo do proponente.
Para um realizador iniciante usufruir dos recursos advindos da renúncia
fiscal é preciso justificar a sua capacidade profissional. Sendo aprovada a
proposta, precisa-se convencer o investidor de que o projeto é interessante para o
negócio dele e, mais uma vez, que a equipe tem competência para realiza-lo. Esse
processo cansativo dificulta bastante a atuação de novos diretores, pois
dificilmente conseguem convencer o empresário a investir em seus projetos.
Diante desse panorama, e de acordo com a definição adotada
anteriormente, podemos considerar como o cinema independente brasileiro atual
aqueles que não conseguem que o seu projeto tenha destaque entre tantos outros
que se inscrevem e concorrem num mesmo edital, e, que apesar disso, ainda que
de forma precária, realizam seu filme.
Assim, constatamos que a saída que o Estado tem encontrado para fomentar
a produção cinematográfica no Brasil, não tem suprido de maneira eficaz os anseios
dos realizadores, pois não permite uma concorrência livre e sadia entre os gêneros e
propostas cinematográficas. Existe público para os ditos “filmes cultos”, ou “de arte”,
o que não existe é apoio para produzi-los.
59

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