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UM PANORAMA DO CINEMA
INDEPENDENTE BRASILEIRO
Belo Horizonte
2011
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UM PANORÂMA DO CINEMA
INDEPENDENTE BRASILEIRO
Belo Horizonte
2011
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Prof. Dr. Leonardo Cunha
______________________________________
Examinador
______________________________________
Examinador
À minha família,
sempre tão companheira
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AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE SIGLAS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
5 CONCLUSÃO......................................................................................................... 57
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59
10
1 INTRODUÇÃO
1
Aparelho que reproduz numa tela o movimento de uma sequência de fotografias.
13
O que de certa forma sacrificou Humberto Mauro, e retardou sua glória, foi
a própria estrutura primária da cultura cinematográfica no Brasil. Nessa
época Mauro é a substância maior que não foi percebida. Na Europa
talvez tivesse realizado menos filmes, porque somente no Brasil poderia,
numa indústria amadorística, manter integridade profissional e liberdade
criadora. (ROCHA, 2003, p. 47).
abordar problemas sociais e, por outro lado, a ineficácia, nesse sentido, de “Limite”.
Ao referir-se deste, ele comenta que: “Segundo Octávio de Faria, é arte pela arte,
cinema puro, é idealismo. O cinema não pode, ainda mais pela condição de sua
própria força, deixar de manter um diálogo com a realidade.” (2003, p. 66).
É inegável a importância dessas duas personalidades para a história e
desenvolvimento do cinema brasileiro. Podemos associá-los através do pioneirismo
ao explorar uma expressão lírica, poética em seus filmes. Ambos foram ousados
ao se permitirem serem conduzidos por uma intuição artística pessoal, consentiram
que a criação fluísse sem podá-la com as convenções cinematográficas já
existentes até então.
As chanchadas eram alvos fáceis dos críticos, os quais alegavam que filmes
como esses rebaixavam a cultura nacional, pois não acrescentavam nada aos
espectadores, apenas alguns minutos de gargalhadas, retraindo qualquer senso
crítico que existisse, “[...] levava o público, de forma inevitável, à alienação,
afastando-o do processo político e social, que era de busca e questionamento dos
valores culturais brasileiros em todas as frentes possíveis, inclusive no cinema.”
(MORENO, 1994, p. 101).
No entanto, “[...] a chanchada era o produto mais estimulante e vivo no
cinema nacional.” (MORENO, 1994, p. 101) e fizeram grandes sucessos de
bilheteria, mantendo os cinemas bem movimentados. A fórmula das chanchadas,
notoriamente comercial, se esgotaria em meados de 1960 e, unido ao
fortalecimento da televisão, também teve seu fim.
Por sua vez, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em 1949, foi fundada
por empresários paulistas de origem italiana, como Franco Zampari e Francisco
Matarazzo Sobrinho, que propunham um cinema mais ‘sério’, opondo-se as
chanchadas produzidas na época, as quais a burguesia emergente considerava
uma ‘cultura menor’. A Vera Cruz, mais uma tentativa brasileira de seguir o modelo
hollywoodiano, investiu muito dinheiro nas suas produções com equipamentos
modernos e com os salários exorbitantes da equipe de profissionais, que era
composta, em sua maioria, por estrangeiros.
A finalidade da Vera Cruz “era criar um cinema brasileiro de qualidade, com
vistas ao mercado internacional.” (MORENO, 1994, p. 135). O esforço em haver a
qualidade de fato existiu, mas de brasileiro os filmes tinham pouco. Visto que boa
parte dos diretores que filmaram para Vera Cruz se tratavam de imigrantes
italianos que, embora possuíssem habilidades, eram totalmente ‘aculturalizados’
em termos de Brasil.
Atuou por pouco mais de vinte anos, passando por períodos animadores e
estimulantes, como também por difíceis tempos desacreditados. Em sua fase mais
produtiva, a Embrafilme aqueceu o mercado cinematográfico, sendo responsável
por dobrar o número de espectadores com filmes como “Dona Flor e seus dois
maridos” (1976), que até então seria a maior bilheteria do cinema nacional.
Contudo, esse período de sucesso não se sustentou nos anos 1980, o caixa
da Embrafilme ficou debilitado com as crises econômicas que aconteciam. Nessa
mesma época, cineastas e jornalistas já discutiam a integridade da Embrafilme.
Estes criticavam o dirigismo e a inoperância do órgão, enquanto os cineastas
recriminavam a má distribuição dos financiamentos, os quais acabavam sempre
nas mesmas mãos.
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Conselho de Cinema, órgão vinculado a Embrafilme, responsável pelas normas e pela fiscalização
da indústria cinematográfica do mercado do cinema no Brasil, controlando a obrigatoriedade da
exibição de filmes nacionais.
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Sem dinheiro em caixa, sem uma política de apoio e sem o auxílio do setor
privado, os cineastas sentiram-se perdidos e sem perspectivas, ficaram paralisados
diante do autoritarismo e procuraram, individualmente, outros meios para seguirem
suas vidas. Alguns enveredaram para a publicidade, videoclipes, televisão. Outros,
como Walter Salles e Hector Babenco, conseguiram continuar fazendo cinema
através de co-produções internacionais.
De acordo com o posicionamento do governo Collor em relação à área
cultural, considerando-a “papel do mercado, e não do Estado” (MARZON, 2009, p.
40), e através de uma comissão organizada dentro do governo, surge uma
proposta para o setor cinematográfico. Nessa comissão o filme foi tratado como
entretenimento, sem nenhuma relação com o campo artístico ou cultural, sendo o
cinema parte da indústria audiovisual. Resolveu-se utilizar o dinheiro que estava
parado da Embrafilme e também foi elaborado um projeto de financiamento por
meio de uma linha de crédito no BNDES.
No início de 1991, Sérgio Paulo Rouanet foi nomeado Secretário da Cultura,
substituindo Ipojuca Pontes; uma tentativa do presidente Collor em reatar a aliança
com alguns setores intelectuais. Após ouvir a classe artística, o novo Secretário
apresentou em agosto do mesmo ano o “Programa Nacional de Apoio à Cultura”
(Pronac), que ficou mais conhecido como Lei Rouanet (Lei nº 8.313). Esse
programa baseou-se nas medidas de incentivo cultural com base da dedução do
imposto de renda utilizadas anteriormente através da Lei Sarney, mas totalmente
reformulado para evitar as fraudes que existiram no passado.
Ainda não satisfeitos com as possibilidades que a Lei Rouanet propunha, os
cineastas continuaram solicitando ao governo medidas específicas para o setor
cinematográfico. Em janeiro de 1992, foi instituída a Lei 8.401 “que regulamentou a
cota de tela, definiu o que é filme nacional e voltou a esboçar uma política
cinematográfica.” (MARZON, 2009, p. 45). Apesar de ter sido promulgada em
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janeiro, essa lei só foi regulamentada através do decreto 567 em junho do mesmo
ano, quase seis meses depois. E logo após, com o decreto 575, foi então liberado
o dinheiro da Embrafilme (referente aos impostos arrecadados do filme estrangeiro
no Brasil) e criada a Comissão de Cinema, destinada a elaborar projetos e
selecionar os filmes a serem financiados.
Enquanto o cinema esteve desprotegido pelo Estado, durante esse período
da dissolução da Embrafilme até as novas propostas de legislação para o cinema,
entre 1990 e 1992, foram desenvolvidos nos municípios e estados mecanismos de
estímulo à produção cinematográfica local. Destacaram-se mais as leis do Distrito
Federal, de São Paulo e do Rio de Janeiro, devido ao acúmulo de cineastas e dos
principais centros de formação profissional se concentrarem nessas localidades.
Marzon afirma que:
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O Prêmio do Resgate do Cinema Brasileiro, em 1993, foi possível através da liberação do dinheiro
da Embrafilme.
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Nelson Pereira dos Santos também sofreu influências dos italianos, o início
da sua carreira cinematográfica é marcado pelos traços neorrealistas. A utilização
de cenários reais e atores não profissionais e, principalmente, a crítica socialista
estão presentes em “Rio, 40 graus” e “Rio, Zona Norte” (realizados em 1955 e
1957, respectivamente). Em ambos, o diretor, através da câmera, “narra e expõe
com ardor os dramas, as misérias e as contradições da cidade grande”. (ROCHA,
2003, p. 110)
Outro filme com fortes influências neorrealistas é “O Grande Momento”,
dirigido por Roberto Santos. Rocha analisa-o da seguinte forma:
Se até Ângela, com defeitos de Caiçara e Terra é sempre terra, ainda havia
uma intenção de temática brasileira daí por diante o desastre foi total. Tico-
tico no fubá, vida e amores de Zequinha de Abreu, é peça importante nesse
museu de incompetência: filme de época caríssimo, estava identificado com
os dramalhões argentinos de uma época passada e respirava pretensão em
todos os corte; [...]. (ROCHA, 2003, p. 80).
dessa maneira, Nelson Pereira dos Santos diz o seguinte: “Para mim, o cinema
tinha que mostrar uma realidade e encontrar uma solução, [...].” (SALEM, 1987, p.
76). E é a partir desse princípio que ele começa a traçar seu caminho na história do
cinema brasileiro.
Enquanto a Vera Cruz produzia em São Paulo, Nelson Pereira dos Santos
mudou-se para o Rio de Janeiro, à princípio para trabalhar como assistente de
direção de Alex Viany, no filme “Agulha no palheiro” (1952). Foi então que
escreveu o roteiro para “Rio, 40 graus”, considerado como o primeiro filme
neorrealista brasileiro. (FREITAS, 2005).
Rio, 40 graus foi o primeiro passo de Nelson para uma brilhante carreira
cinematográfica como roteirista e diretor. O filme foi consagrado pela crítica e bem
recebido pelo público, embora, tenha sido arbitrariamente censurado pelo Coronel
Geraldo de Menezes Cortes, chefe do Departamento Federal de Segurança
Pública. Segundo Nelson, em entrevista cedida a Helena Salem, como fonte de
pesquisa para o livro Nelson Pereira dos Santos, o sonho possível do cinema
brasileiro, o Coronel alegava que:
[...] o filme tinha uma técnica perfeita, igual à de dois filmes tchecos que ele
tinha apreendido. [...] O problema dele era a ‘técnica perfeita’ do filme. Ele
nunca tinha visto filme brasileiro antes, pra ele aquilo só podia ser coisa de
comunista tcheco, eu não podia ter feito sozinho. (SALEM, 1987, p. 114).
E foi assim que o fez. Boa parte da contratação da equipe técnica e dos
atores também foi realizada dessa maneira, em cotas. Caso, no futuro, o filme
fosse lucrativo, todos receberiam proporcionalmente às suas parcelas como
produtores. Idealistas seduzidos pelo fazer cinematográfico, dispostos a renunciar,
mesmo que por hora, os seus honorários em função de uma causa maior, realizar
o que acreditavam que, de fato, deveria ser o cinema brasileiro.
A equipe Moacyr Fenelon, como Nelson nomeou, era composta por Hélio
Silva, fotógrafo; Ronaldo Lucas Ribeiro, assistente de câmera; Jece Valadão,
assistente de direção e ator; Olavo Mendonça, gerente de produção; Guido Araújo,
continuísta; Ciro Curi, diretor de produção; Rafael Valverde, montagem; Zé Kéti,
ator e assistente de câmera. Entre outros tantos que contribuíram no processo,
esses formavam a base da equipe.
O núcleo dos artistas era Ana Beatriz, Roberto Batalin, Glauce Rocha, Sadi
Cabral, Modesto de Souza, Jackson de Souza. Mas também atuaram pessoas
comuns, do povo, que foram escolhidas na região das locações, em sua maioria no
morro do Cabuçu.
De acordo com Helena Salem (1987), os negativos foram adquiridos mais
baratos, devido a uma disposição legal que autorizava a importação de filme
virgem sem despesas alfandegárias e impostos. Humberto Mauro, então diretor do
Instituto Nacional de Cinema Educativo, através de Hélio Silva, que integrou a
equipe como fotógrafo, emprestou uma câmera do INCE que estava abandonada.
Foi preciso desmontá-la para fazer alguns ajustes, mas foi com ela que rodaram
mais de 18 mil metros de negativo sem nenhum problema.
As filmagens foram iniciadas em março de 1954, no estádio do Maracanã.
Mas, devido a problemas de ordem financeira, depois de dois dias precisou-se
interromper o trabalho, sendo retomado três meses depois. Dessa vez, a fim de
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Como boa parte das cenas eram externas, dependendo da luz do sol, logo,
era essencial que o tempo estivesse bom.
“[...] a gente na pior, numa miséria desgraçada, saía pra filmar, passava o
dia inteiro no corcovado, por exemplo, não conseguia uma tomada sequer,
aquilo tinha um efeito muito negativo psicologicamente para nós.” – Guido
Araújo sobre as questões climáticas. (SALEM, 1987, p. 89).
bilheterias e de prêmios em dinheiro, levando dois anos para que a produção fosse
custeada.
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A política dos autores surge a partir de artigos publicados na década de 1950 por François Truffaut,
Jean-Luc Godard, Jaques Rivette e críticos da revista Cahiers du Cinéma. O diretor é considerado
um autor que deseja transmitir uma mensagem própria ao escrever com a imagem, através de uma
câmera, fazendo uso das diversas possibilidades fílmicas. Essa ideia vai de encontro à produção
industrializada, filmes encomendados com regras a serem cumpridas.
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A legislação é inexistente, mas é melhor que não exista até agora a existir
com erros graves: temos de salvar o cinema independente, temos de
construir o cinema brasileiro com os independentes. Somente assim os
diretores terão liberdade para criar filmes novos. (ROCHA, 2003, p. 174).
O que é importante ressaltar nesse filme são os meios e não o fim. Embora
o resultado técnico tenha sido algumas vezes desastroso, o experimentalismo
político proposto pelo CPC, mesmo que imaturo, é válido e significante para a
percepção futura do cinema brasileiro. Uma produção realizada por entidade
extracinematográfica, a partir de um sistema cooperativista, que revelou nomes
importantes na continuidade do fazer fílmico em nosso país.
Atualmente, torna-se difícil definirmos com exatidão o que viria a ser cinema
independente. Pois, dependendo da forma que o termo for conceituado é possível
extrair inúmeras definições corretas, “sendo mais bem compreendido em relação a
manifestações específicas de independência cinemática dentro de um contexto
histórico e cultural particular.” (PEARSON; SIMPSON, apud SUPPIA; PIEDADE;
FERRARAZ, 2008, p. 235). Se considerarmos o cinema que é produzido em escala
industrial e possui um alcance global, estritamente comercial, o cinema
independente seria aquele que é produzido à revelia desse sistema, ou seja, fora
dos ‘grandes estúdios cinematográficos’. Como exemplo mais evidente temos os
EUA que após a I Guerra Mundial sofreu uma forte transformação no seu processo
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Sistema de produção em massa idealizado pelo empresário estadunidense Henry Ford (1863-1947).
6
Paulínia Magia do Cinema é um projeto de iniciativa pública que oferece recursos financeiros, via
editais e projetos de incentivo. Por meio desse projeto também foram idealizados o Polo
Cinematográfico de Paulínia, a Escola Magia do Cinema e a Paulínia Film Comission. (PACHECO,
2009)
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modificações diante deste termo, que por fim irá depender do ponto de vista de
quem o utiliza.
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[...] as leis de incentivo propiciaram que se voltasse a fazer filmes, mas não
houve a mesma preocupação com a circulação dos mesmos, fazendo com
que a atividade não conseguisse se tornar autossustentável, pois o ciclo de
circulação da mercadoria-filme não se completava de forma satisfatória.
(MARZON, 2009, p. 132).
O incentivo do Estado por meio da renúncia fiscal não cria condições para a
industrialização do cinema e, tão pouco, o torna autossustentável. Estimulando
apenas a produção, a cadeia cinematográfica não se completa e as chances do
investimento ter um retorno financeiro são mínimas.
Dessa maneira, erroneamente, os produtores oportunistas passaram a
garantir seus lucros durante a produção, superfaturando os orçamentos. E para
conquistar os investidores, diante da concorrência de tantos outros projetos, fraudes
passaram a ser executadas comumente no meio das superproduções. A situação é
descrita em Marzon:
arte. E a linguagem “mais limpa e bonita”, herdada das telenovelas, tem ganhado
força com as superproduções e seus orçamentos altíssimos.
“[...] Uma das razões para eu filmar em digital foi não fazer um filme
bonitinho. [...] Gravei em três câmeras diferentes, porque eu queria três
‘bitolas’ diferentes para os três olhares dos garotos. [...] as três câmeras
davam realmente três definições de imagens diferentes. E eu queria isso
para ter os três olhares dos meninos. É uma coisa que é muito sutil no filme
e tem gente que olha e acha que tá com defeito. [...]” – Alexandre Stockler
sobre a utilização do vídeo digital e de três câmeras com definições de
imagem diferentes.7
Mesmo que o vídeo digital signifique a redução dos custos no orçamento de uma
produção, pois se economiza com os negativos, existia certo preconceito no meio
cinematográfico em relação ao uso desse aparato. Inclusive a lei do Audiovisual
ainda não aceitava projetos que utilizassem esse recurso. Os produtores (Alexandre
Stockler, Gisele Jordão Costa e Otávio Ribeiro), tentaram junto à Secretaria do
Audiovisual, explicar que fazia parte da concepção conceitual do filme, mas foi em
vão. Acabaram adaptando a planilha orçamentária para o uso da película, passando
de R$ 200 mil para R$ 2 milhões. Se já estava difícil captar um orçamento baixo,
pode-se imaginar como os problemas se multiplicaram.
Por se tratar de uma denúncia social e retratar o comportamento
inconsequente dos jovens contemporâneos de classe média alta, o projeto não
interessou os investidores, os quais se assustaram com a ideia de se associar a
polêmicas como esta. Stockler comenta sobre essa fato no depoimento que compõe
o material extra do DVD lançado posteriormente:
7
Depoimento integrante dos extras do DVD do filme Cama de Gato. (2002).
8
Ibdem
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Dessa maneira, “Cama de Gato” foi filmado, editado e mixado com apenas R$
13 mil. Isso só foi possível a partir do envolvimento da equipe com ideais que
acreditou na relevância do tema proposto e achou válido discutir os problemas
apresentados.
“Nem um curta é feito com tão pouco dinheiro. Dizem que nem comercial de
30 segundos é feito com tão pouco. Nós fizemos um longa-metragem. Todo
mundo entrou e se empenhou, foi uma coisa muito de... Uma espécie de
cooperativa e todo mundo muito interessado em fazer porque queria falar
desse tema e falar sobre essa juventude e discutir o Brasil hoje.” – Stockler
sobre o envolvimento da equipe. 9
9
Depoimento integrante dos extras do DVD do filme Cama de Gato. (2002).
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cinematográfica utilizada foi outro ponto bastante discutido, por não seguir as ‘regras
certinhas’ do cinema norte-americano e que recentemente estava sendo incorporada
no Brasil.
coisa só na cabeça desse cara.”10 O fato de não poder tê-la, não poder compra-la o
consome intensamente durante o filme.
O ralo do banheiro do seu escritório entope, provocando um mau cheiro
terrível. Com o ralo entupido não tem por onde as impurezas escoarem,
acumulando-as até causarem danos. O cheiro do ralo em si funciona como uma
metáfora da essência do personagem. E, dentro da lógica de sua loucura, o que tem
acontecido em sua vida é decorrente daquele cheiro. Outro aspecto interessante
para traçarmos o perfil desse personagem é a relação que ele tenta construir com o
pai, que só existe em sua cabeça. A partir da visita de um ex combatente militar ele
passa idealizar o pai que não conheceu. Por achar que esse homem foi
companheiro do seu pai na guerra, ele compra desse cliente a prótese de um olho, o
qual ele acredita que pertenceu ao seu pai. Esse objeto peculiar transforma-se em
uma espécie de amigo imaginário com quem compartilha seus pensamentos e
devaneios.
Como a história de um homem desprezível, dono de uma loja decadente, que
compra objetos velhos e é obcecado pela bunda da garçonete da lanchonete barata
que frequenta, poderia oferecer perspectivas de um retorno de investimento?
Mesmo que esse investimento fosse feito através da renúncia fiscal, que empresa
associaria o seu nome, a sua marca ao um filme com o título “O Cheiro do Ralo”?
Durante dois anos, os produtores tentaram captar recursos da maneira
habitual, procurando empresas e parceiros. Mas, foi inútil. A resistência com roteiro
começava já no título e quando ultrapassava essa barreira a história não contribuía.
Heitor Dhália comenta o seguinte a esse respeito:
10
Depoimento integrante dos extras do DVD do filme O Cheiro do Ralo. (2006)
11
Ibdem
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12
Depoimento integrante dos extras do DVD do filme O Cheiro do Ralo. (2006)
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5 CONCLUSÃO
pelo Ministério da Cultura, muitos projetos são abandonados por não conseguirem
captar recursos mínimos para a sua realização.
O sistema atual beneficia os produtores renomados e de carreira
estabelecida, enquanto os iniciantes ficam limitados à captação de baixos
orçamentos, quando conseguem ser aprovados, já que é feita uma avaliação
criteriosa no currículo do proponente.
Para um realizador iniciante usufruir dos recursos advindos da renúncia
fiscal é preciso justificar a sua capacidade profissional. Sendo aprovada a
proposta, precisa-se convencer o investidor de que o projeto é interessante para o
negócio dele e, mais uma vez, que a equipe tem competência para realiza-lo. Esse
processo cansativo dificulta bastante a atuação de novos diretores, pois
dificilmente conseguem convencer o empresário a investir em seus projetos.
Diante desse panorama, e de acordo com a definição adotada
anteriormente, podemos considerar como o cinema independente brasileiro atual
aqueles que não conseguem que o seu projeto tenha destaque entre tantos outros
que se inscrevem e concorrem num mesmo edital, e, que apesar disso, ainda que
de forma precária, realizam seu filme.
Assim, constatamos que a saída que o Estado tem encontrado para fomentar
a produção cinematográfica no Brasil, não tem suprido de maneira eficaz os anseios
dos realizadores, pois não permite uma concorrência livre e sadia entre os gêneros e
propostas cinematográficas. Existe público para os ditos “filmes cultos”, ou “de arte”,
o que não existe é apoio para produzi-los.
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REFERÊNCIAS
FREITAS, Jânio. Um filme feito com gente mesmo das ruas e dos morros do Rio. In
CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL; UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE
JANEIRO. Nelson Pereira dos Santos, Uma cinebiografia do Brasil. Rio de
Janeiro: CCBB/UFRJ, 2005.
ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. São Paulo: Cosac & Naify,
2003.