Você está na página 1de 5

'Zebras gordas' de Weintraub,

professores universitários que


ganham o teto são minoria
Criticados pelo Ministro da Educação, docentes
federais dão aulas, atendem orientandos,
participam de projetos de pesquisa e têm
funções administrativas

UFRJ tem 49% dos professores com salácios acima de R$ 15 mil: eles têm pelo menos 11 anos de
formação e mais 16 de atuação como docentes Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo

RIO — Paulo Gomes, de 55 anos, é, na avaliação do ministro da


Educação, uma "zebra gorda": professor universitário federal que
ganha entre R$ 15 mil e R$ 20 mil, sinônimo para a elite docente no
dicionário de Abraham Weintraub.

Há 22 anos ensinando engenharia de produção na Faculdade de


:
Tecnologia da UnB (Universidade de Brasília), com doutorado e
dedicação exclusiva, Paulo dá 14 horas de aulas semanais na
graduação, divididas em seis turmas que somam 410 alunos.

Separa quatro horas por semana para atender orientandos e outras


16 para projetos de extensão e pesquisa, além de se desdobrar em
funções administrativas. Somadas, as 40 horas contratadas são
escassas para tanto trabalho.

— Preparo as aulas no período das férias escolares, entre os


semestres letivos — diz.

Especial Enem: Teste o seu português em 40 questões rápidas

Leia 44 redações que tiraram 1000 nos últimos anos

Quiz: o que você sabe sobre a Venezuela

Os salários dos professores universitários foram tratados


diretamente por Weintraub em evento realizado há duas semanas
em São Paulo. Para uma plateia de dirigentes de instituições
privadas de ensino superior, ele afirmou que, para recompor o
orçamento do Ministério da Educação (MEC), vai “atrás da zebra
gorda, que é o professor de uma federal, com dedicação exclusiva,
que dá oito horas de aulas por semana e ganha de R$ 15 mil a R$ 20
mil por mês”.

Mais qualificação
Na Unifesp, onde Weintraub dava aula até assumir a Educação,
somente um terço dos professores recebe a partir de R$ 15 mil — de
acordo com dados da folha de pagamento de agosto de 2019,
publicados após pedido via Lei de Acesso à Informação. O mais alto
chega a R$ 30 mil.
:
LEIA MAIS: Weintraub diz que universidades privadas 'têm que se
virar' por financiamento e fazer 'autorregulação'

Nos últimos dez anos, o Brasil viveu uma expansão do ensino


superior aliada à qualificação dos docentes, e a combinação desses
fatores acarretou em um aumento de 77% da folha de pagamento de
pessoal do MEC.

O número de alunos da rede federal cresceu 52% no mesmo


período, o de professores de ensino superior da rede pública subiu
55% e o de docentes com doutorado, 125%.

— O problema fiscal do Brasil não é por conta dos salários. O que


causou impacto na folha de pagamento foi o crescimento do número
de federais. Aí o país deveria ter sido mais cauteloso — aponta
Cláudia Costin, professora da FGV e diretora do Centro de
Excelência e Inovação em Políticas Educacionais.

Sem cargos de comissão ou bolsas de pesquisa, apenas professores


com doutorado, dedicação exclusiva e 16 anos de carreira
conseguem chegar ao patamar salarial mais alto na Educação
pública superior. Ou seja, são pelo menos 27 anos de qualificação
somando o tempo na graduação, no mestrado e no doutorado.

— Se os salários não forem atrativos, as universidades não


conseguirão bons professores. Estamos falando de profissionais
altamente qualificados para os quais o mercado de trabalho oferece
postos bem remunerados — argumenta o professor Paulo Gomes.

Na UFRJ, 49% dos professores chegaram ao teto salarial. Lá, 52%


dos professores têm mais de 51 anos. A reitora da universidade,
Denise Carvalho, afirma que a remuneração brasileira não se
compara à de outros países.
:
— Um professor que ganha menos nos EUA, em universidades que
não são de ponta, ganha US$ 80 mil por ano na área de Ciências
Humanas e Sociais. Mesmo os que ganham R$ 20 mil mensais no
Brasil não chegam a esse patamar anual — diz a reitora. — O salário
(dos docentes da UFRJ )é acima da média dos trabalhadores no
país, mas a qualificação deles é muito acima da média nacional.

Trabalho extra
Márcio Markendof, de 38 anos, é doutor com dedicação exclusiva da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Com sete anos de
casa, ainda não está no patamar salarial criticado por Weintraub. No
entanto, publicou na internet o texto "Como me tornei uma zebra
gorda" que viralizou entre docentes:

— Assumi nesse semestre, a coordenação de pós-graduação em


Literatura. Vou ter mais trabalho sem ganhar nada por isso, pois não
recebemos por orientação.

Um professor com dedicação exclusiva, como Márcio, não pode


trabalhar em outro lugar além da universidade, onde dedica 40 horas
semanais de atividades. Dessas, dá um mínimo de oito horas de
aulas.

O restante é dividido para três grupos de atividades: pesquisa,


projetos de extensão e funções administrativas (como a participação
de comitês ou a produção de pareceres).

LEIA MAIS: Proposta de Weintraub para contratação de docentes via


CLT divide especialistas

O salário dele pode passar do teto de R$ 20,5 mil com atividades


como obtenção de bolsa de pesquisa ou participações em comitês,
sempre aprovados pela universidade.
:
Sistema de remuneração
A carreira de docente aparece em relatório da área econômica como
a que provoca maior impacto nos gastos públicos. Isso se dá menos
pelo valor do salário e mais pela quantidade de servidores federais
dessa categoria profissional. Segundo relatórios divulgados pelo
Ministério da Economia, o contingente de docentes é de 146 mil
pessoas.

A remuneração média de um professor federal, ligado ao Ministério


da Educação, foi de R$ 11.109 em junho de 2018, de acordo com os
dados do Ministério da Economia. Nesse mesmo mês, as carreiras
jurídicas do Poder Executivo federal receberam, em média, R$
24.025 — mais alta remuneração média entre as categorias que mais
pesam no Orçamento da União.

Existem seis cargos na carreira do magistério superior federal, com


diferentes classes, denominações e níveis. Um professor titular com
doutorado e dedicação exclusiva pode ter remuneração bruta de R$
19.985. Já a remuneração de um professor associado com título de
doutor e em regime de dedicação exclusiva varia de R$ 16.199 a R$
18.152. A de um professor adjunto com essas características vai de
R$ 11.561 a R$ 12.893. Sem dedicação exclusiva, o salário é
reduzido. Um professor com carga horário de 40 horas, titular e com
doutorado, tem como remuneração bruta R$ 11.201. O do adjunto,
R$ 10.205. Para um contrato de 20 horas de professor titular com
doutorado, a remuneração bruta é de R$ 6.874.
:

Você também pode gostar