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FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRONÓMICAS

Apontamentos de Direito Processual Penal - 4° Ano/Direito

Tema: Instrução do processo penal

Instrução e fase instrutória do processo

A instrução de processo é indispensável para o julgamento, permitindo a mesma a


recolha de elementos (prova) necessários à formação do juízo (de facto) e consequente
decisão pelo tribunal. Portanto, a instrução é de capital importância no processo,
enquanto conjunto de actos coordenados orientados para um fim, o julgamento ou
decisão.

Para efeitos de recolha de prova de elementos que permitam esclarecer a verdade


material, no julgamento deve-se se observar o princípio do contraditório, permitindo o
debate das partes, bem assim deve-se observar o princípio de investigação por força do
qual o tribunal não deve se limitar aos elementos trazidos pela acusação e defesa, mas
também ordenar as diligencias que julgar pertinentes que lhe permitam recolher, ele
próprio, as bases de sua decisão. Tal permitirá que, efectivamente, a decisão tenha como
pressuposto “… a instrução, e esta exige na sua conformação processual a
contraditoriedade das partes”.

A propósito do princípio do contraditório, para que as partes, em especial a defesa, e


para que sobrevenha a decisão, é importante que do processo conste previamente a
definição do seu objecto, pois só assim relativamente a este as partes poderão tomar
posição e intervir na sua elaboração e definição.

Desenvolvendo-se o esquema do processo de modo que instrução, acusação e defesa, e


julgamento correspondam a outras tantas fases do desenvolvimento do processo, aliás a
marcha normal do processo penal, há que não confundir a instrução, pressuposto do
juízo, como a fase instrutória no processo.
A instrução enquanto pressuposto de juízo é a instrução para o julgamento, ou seja, a
produção de prova em julgamento para efeitos de decisão em processo penal.

Ora, nos processos penais, a instrução para julgamento e o julgamento concentrados na


audiência de discussão e julgamento são precedidos duma outra instrução que se destina
a averiguar provisoriamente da probabilidade dos factos que fundamentariam uma
decisão penal, nela baseando o envio do processo a julgamento ou, ao invés, a abstenção
de acusação. Trata-se, então, da fase instrutória enquanto uma fase do processo com fins
de ordem processual.

Conclui-se pela existência de uma característica particular do processo penal, que se


traduz na dupla instrução: por um lado, a instrução com meros fins processuais, e por
outro, a instrução para julgamento. É o princípio da dupla instrução.

A instrução com meros fins processuais culmina no despacho de pronúncia ou não


pronúncia, isto é, no envio dos autos (processo) ao julgamento.

A instrução para julgamento tem lugar na audiência de discussão e julgamento, devendo


necessariamente se basear nela a decisão condenatória deve ter por base prova
produzida em audiência de discussão e julgamento.

O princípio da dupla instrução acima mencionado comporta excepçoes nomeadamente:


“nos processos, raros, sem fase instrutória porque praticamente só comportam a fase da
audiência de discussão e julgamento. Assim sucede com o processo sumário, e sempre
que a fase instrutória é substituída por auto com força de corpo de delito”.

Divisão das fases de instrução

A instrução do processo penal compreende duas fases nomeadamente: a instrução


preparatória e a instrução contraditória.

A fase de instrução preparatória abrange todo o conjunto de provas que formam o corpo
de delito e tem por fim reunir os elementos de indiciação necessários para fundamentar
a acusação. Na instrução preparatória devem efectuar-se não só diligências conducentes
a provar a culpabilidade dos arguidos, mas também aqueles que possam concorrer para
demonstrar a sua inocência e irresponsabilidade.
Distingue a instrução preparatória da contraditória, o facto de a primeira ser dirigida
pelo Ministério Público (MP) e revestir forma inquisitória, e a segunda (instrução
contraditória) ser dirigida pelo juiz e revestir forma contraditória, surgindo deste modo
também com uma finalidade especial, que é a garantia de defesa, se bem que relativa á
apreciação judicial da introdução do feito penal em juízo.

A instrução preparatória e contraditória revestem a mesma natureza, coincidem no


aspecto de ambos se destinarem “a averiguar dos pressupostos para prossecução do
processo, isto é, da sequência da acusação, defesa e julgamento”. Decisão de mérito,
com base na instrução, quer preparatória, quer contraditória, só tem lugar no caso de
absolvição, de decisão negativa. A pronúncia só autoriza uma nova instrução em
julgamento, com base na qual será proferida a decisão de fundo.

Fim e conteúdo da instrução preparatória

A instrução preparatória assim como a instrução contraditória integram ambos, a


instrução. Ora, se esta tem por fim, conforme prescreve o artigo 10, corpo do DL 35007,
e artigo 158 CPP, verificar a existência das infrações, determinar os seus agentes e
averiguar a sua responsabilidade, resulta dai que o fim em referência é comum á
instrução preparatória e instrução contraditória, ou seja, ambos tem idêntico fim.

Como todo o processo penal, a instrução deve ser norteada pelo princípio da verdade
material, pelo que a verificação da existência de infrações deve compreender a
verificação da existência ou inexistência da infração suspeita; de modo semelhante, a
averiguação da responsabilidade dos seus agentes deve compreender averiguação da
responsabilidade e irresponsabilidade, e constatando existir efectivamente a
responsabilidade, há que averiguar também a medida desta.

Acresce que, e em conformidade com o artigo 10 parag. Único do DL 35007 conjugado


com artigo 158 parag. Ùnico do CPP, na instrução devem, tanto quanto possível,
investigar-se os motivos e circunstâncias da infração, os antecedentes e estado psíquico
dos seus agentes, no que interessa á causa, e os elementos de facto que importe,
conhecer para fixar a indemnização por perdas e danos.

A instrução preparatória é dominada por um espirito que não difere dos que devem
presidir às fases ulteriores do processo, pese embora nela sejam usados meios de obter a
verdade material. Na instrução preparatória devem efectuar-se não só as diligências
conducentes a provar a culpabilidade dos arguidos, mas também aquelas que possam
concorrer para demonstrar a sua inocência e irresponsabilidade. E assim deve ser porque
em processo penal o interesse do Estado não é nunca um interesse á condenação, mas á
realização da justiça, e esta tem como pressuposto a descoberta da verdade material.

E dado o dever de os magistrados do MP actuarem em conformidade com os critérios de


legalidade, isenção e objectividade, não poderá se pretender que tais diligencias devam
ser promovidas pela defesa em instrução contraditória, ou apresentadas em julgamento,
dando por essa via azo a eventuais situações de imposição injusta aos arguidos de um
julgamento, em consequência de omissão de diligencias que comprovariam, logo na
instrução preparatória, a sua inocência ou irresponsabilidade, sendo o caso.

Prazos da instrução preparatória

Nos termos do CPP a instrução preparatória obedece a determinados prazos legais que
variam consoante haja ou não arguidos presos e em função da forma de processo ou
pena aplicável.

Assim, quando haja arguidos presos e tratando-se de crimes dolosos puníveis com pena
correcional de prisão superior a 1 ano ou nos processos de polícia correcional, é de 20
dias; tratando-se de crimes puníveis com pena de prisão maior ou para cujo o
julgamento deva seguir-se processo de querela, o prazo é de 40 dias e; quando se trate
de crimes cuja instrução preparatória é diferida ao SERNIC ou da sua exclusiva
competência, o prazo é de 90 dias, nos termos do artigo 308, parag. 1°/n°s 1, 2 e 3 e
artigo 337 CPP.

Não havendo arguidos presos, dispõe expressamente o corpo do artigo 337 CPP que o
prazo de instrução preparatória é de 3 meses em processo de querela é de 2 meses nos
restantes processos, os quais só começam a contar a partir do momento em que a
instrução preparatória seja dirigida contra determinada pessoa.

Prazos especiais para casos de criminalidade complexa pelo seu carácter altamente
organizada são previstas pela lei, a exemplo do prazo estabelecido para a instrução
preparatória tendo por objecto o regime jurídico e medidas de prevenção e repressão
relativamente a utilização do sistema financeiro e das entidades não financeiras para
efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, nos termos do
artigo 65 da Lei n° 14/2013, de 12 de Agosto (Estabelece o regime sobre o
Branqueamento de Capitais), é de 9 meses.

Caracteres da instrução preparatória: Inquisitória, secreta e escrita

A instrução preparatória e a instrução contraditória têm um fim comum, a verificação da


existência das infrações, determinação dos seus agentes e averiguação da sua
responsabilidade, conforme acima já aludida. A instrução preparatória em particular
reveste determinadas características, nomeadamente carácter inquisitório, o carácter
secreto e caracter escrito.

Carácter inquisitório da instrução preparatória

Se na instrução contraditória reveste carácter contraditório, a instrução preparatória é


inquisitória, nela procede-se oficiosamente às diligências de prova. Apesar disso o MP
não dirigindo a instrução como parte, senão como órgão (autónomo) de administração
da justiça, a instrução preparatória visa a descoberta da verdade.

Com efeito, a instrução preparatória não se traduz somente na averiguação dos


pressupostos de facto condicionantes da acusação, não serve somente para
fundamentar uma acusação, também serve de fundamento da abstenção da acusação, o
que obviamente dependerá da verdade material que for apurada nesta fase processual.

Na verdade, decorre da lei a necessidade de realização, tanto das diligências


conducentes a provar a culpabilidade dos arguidos, como daquelas que possam
concorrer para demonstrar a sua inocência ou irresponsabilidade (artigo 12/1 DL
35007).

Carácter secreto da instrução preparatória

A instrução preparatória é secreta, conforme resulta do artigo 70, corpo do CPP, e artigo
13, corpo do DL 35007.

Decorre do carácter secreto da instrução preparatória, que o processo penal nesta fase
está sob segredo da justiça, que “implica o não conhecimento dos autos por terceiros;
este segredo de justiça quanto a terceiros estende-se até á notificação do despacho de
pronúncia ou equivalente ou até transitar em julgado o que mandou arquivar o
processo”.
O não conhecimento dos autos por terceiros e, por conseguinte, do seu conteúdo,
pressupõe que aquelas não devam assistir á prática de actos processuais ou tomem
conhecimento dos mesmos. Pressupõe ainda a proibição de divulgação dos termos dos
actos processuais, neste caso a proibição abrangendo inclusivamente a pessoa que tenha
o direito ou o dever de assistir e praticar o acto, como seria o caso de interrogatório de
arguido e de testemunhas.

Ao segredo de justiça estao vinculados os magistrados que dirijam a instrução e os


funcionários que nela participem (artigo 70, corpo, 1ᵃ parte), em termos de, tendo
naturalmente do conteúdo dos autos em instrução, bem assim não devem revelar, por
qualquer forma, o conteúdo dos autos em instrução, bem assim não devem permitir ou
dar lugar a que terceiros tenham acesso e conhecimento dos mesmos, sendo a violação
do segredo de justiça punível nos termos do artigo 290 CPP.

Em bom rigor a instrução ou fase instrutória do processo é secreta para terceiros, uma
característica que encontra a sua razão de ser por duas ordens de razoes:

 O facto de ser prejudicial á investigação que o resulta das várias diligências se


torne conhecido, permitindo o falseamento por terceiros da produção de prova,
mediante destruição, adulteração ou alteração desta, ou ainda a perturbação da
instrução, com finalidade de impedir a descoberta da verdade material;
 A segunda ordem de razão, é o facto de a publicidade dos actos instrutórios
poder afectar, desnecessariamente, o arguido, em termos de por em causa o seu
bom nome e reputação, numa fase em que somente se formulou um juízo de
suspeita sobre os factos.

Excepções ao carácter secreto da instrução

Há excepções ao carácter secreto da instrução (preparatória e contraditória)


relativamente a terceiros.

Assim o Ministério Público poderá dar conhecimento aos peritos, intérpretes ou


testemunhas, dos actos do processo ou documentos que convenha mostrar-lhes desde
que tal seja conveniente á melhor investigação da verdade, não devendo, contudo,
aqueles revelar o respectivo conteúdo (artigo 70 CPP).
Outrossim, a título excepcional permite o artigo 73 CPP, que o juiz ou MP possam
permitir que se passem certidões de processos em segredo de justiça, pedidas por um
outro tribunal ou MP, para serem juntas a outros processos, contanto estes também
estejam em segredo de justiça.

Portanto, na instrução preparatória o segredo de justiça não é absoluto quanto aos


sujeitos processuais, entenda-se o assistente e o arguido, a estes ou aos respectivos
advogados poderá ser mostrado o processo no decurso daquela fase processual, estando
tal condicionado ao facto de não haver inconveniente para a descoberta da verdade
material dos factos aduzidos (artigo 70 parag. 1° CPP).

O segredo de justiça cede mais relativamente ao assistente ou seu advogado, visto que
colaborando na descoberta da verdade material, embora com a sua actividade
subordinada à do MP, poderá o processo lhe se mostrado, em todo caso devendo
guardar segredo de justiça, pois só assim o assistente poderá exercer os poderes
processuais consagrados no artigo 13, Único do DL 35007, concretamente a solicitação
de diligencias de prova que entenda puderem contribuir para descoberta da verdade.

Carácter escrito da instrução preparatória

A instrução preparatória assim como a contraditória, são escritas, os actos ou


diligências realizadas no seu âmbito devem ser reduzidos a escrito.

Este carácter é corolário lógico do carácter secreto da instrução (preparatória e


contraditória), pois só dessa forma os actos de instrução podem ser apreciados, uma vez
registados, para efeito de introdução do feito em juízo, ou seja, dedução da acusação, e
consequente decisão de submissão ou não do processo para audiência de discussão e
julgamento, através do despacho de pronúncia ou equivalente.

NB. Os apontamentos não dispensam a consulta de manuais pelo estudante

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