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Processo de criação do espetáculo “A Paixão Segundo Hamlet” 

Adaptação e Direção de Kaio Gomes Bergamin 
 
 
A  Paixão  Segundo  Hamlet  não  tem  a  pretensão  de  ser  uma  montagem  clássica e 
tradicional.   Muito  pelo  contrário.  Busquei  com  essa  adaptação  trabalhar  com  os  atores 
tanto  o  lado  denso  e  pesado  da  obra  “Hamlet”  de  Shakespeare,  como  uma  pegada  mais  
leve   quase  com  um  tom  de  brincadeira,  assim  os  atores  seriam  colocados  em  uma 
situação  onde  deveriam  ativar  e  desativar,  ligar  e  desligar,  a  personagem  em  cena, 
criando  quebras  da  ação dramática.  O  que  seria  trabalhoso,  pois deveríamos ter domínio 
total  da  personagem  e  da  cena  para  que  essa  quebra  fosse  somente  uma suspensão  da 
ação   dramática,  e  após  a  quebra  a  personagem  e   a  energia  voltasse  do  ponto  em  que 
parou.  
Complementando  isso,  buscamos  brincar  com  símbolos  dentro  da  montagem, 
como  no  caso  as  penas  usadas  nos  figurinos  que  para  nós  significa  tanto  a  proteção  
natural  de  uma  ave,  bem  como  uma espada em uma situação mais simbólica. A proposta 
de  ter  um  cenário  de  cabeça  para baixo busca causar um estranhamento no público, pois 
para  nós,  essas  personagens  não  estão  em  seu  equilíbrio  psicológico  perfeito,  ou  seja, 
tudo está de pernas para o ar para eles. 
Estudada  a  estética  do espetáculo, partimos para a concepção das personagens e  
cenas  e  com  isso,   optei  por  usar  como  base  o  método   de  trabalho  de  Stanislavski  (a 
preparação  do  ator)  onde  os  atores  pesquisariam  essas  personagens  e  encontrariam  os 
porquês  e   as  verdades  delas  a  fim  de  serem  críveis  em  cena.  Então,  o  ponto  de  partida 
seria   estudar   e  entender  meu  corpo  não  somente  como  um  corpo,  mas  como  um 
instrumento  de  comunicação, que  deveria  ser  reconhecido, pesquisado  e  afinado. Foram 
trabalhadas  rotinas  de  alongamento  e  força.  Partindo  disso,  trabalhamos  em  nível 
pré­expressivo,  utilizando  a  dança  pessoal  (técnica  desenvolvida  pelo grupo LUME) a fim 
de  encontrar  a  presença  das  personagens,  explorando  os  sentimentos  de  cada 
personagem.  
Demos   segmento  ao  processo  com  uma  construção  psicológica  da  personagem 
onde  cada  ator  pode  pesquisar  referências  que  achassem  pertinentes  para  sua 
composição  compondo assim um quadro de referências. Com  isso precisamos entender e 
conceituar  o  significado  de  “movimento”  (ato  de  se  mover)  e  “Ação”  (resultado  do fato de 
agir,  manifestação  de  uma  força agente), pois embora em um primeiro momento pareçam 
ser a mesma coisa,  seus significados são distintos e fundamentais para a nossa pesquisa. 
“Em  cena  é  necessário  agir,  não  importa  se  interna ou  externamente. Tudo que acontece  
em  cena  tem  um  objetivo  definido.  No  teatro  toda  ação deve ter uma justificativa interior.” 
(O  Manual  do   Ator).  Então,  iniciamos  com  os  estudos  dos  objetivos  das  personagens. 
Com  esse  trabalho um  pouco  mais firme, buscamos explorar as possibilidades de relação 
entre  as  personagens  a  fim  de  que  pudéssemos  encontrar  os  porquês  de cada relação e 
vivenciar  a   energia  da  personagem  dentro  de  situações  não  dadas  no  texto.  Foram 
trabalhados  exercícios  corpóreos­vocais  a  fim  de  conhecer  e  afinar nosso instrumento de 
trabalho  em  sua totalidade, bem como descobrir quais as possibilidades da voz a partir da 
energia  da  personagem.  Concomitantemente   a  esse   trabalho,  recorremos  a  alguns 
apontamentos  do  livro  “O  Manual  do  Ator”  de  Stanislavski,  com foco maior  na “fé Cênica” 
e  no  “agir  para  crer  e  crer  para  agir”.  Trabalhando  dessa  forma, acabamos entrando num 
jogo  de  improvisação  de  contato,  onde  foi  solicitado  que  os  atores  criassem  as  cenas 
como  se   fosse  uma  coreografia,  visando  explorar  o  corpo   como  um  instrumento 
comunicados,   sem  o  recurso  da  fala,  para  que  fosse  experimentado  a  expressão  de 
sensações  e  sentimentos  somente  utilizando  o  corpo  para  que  mais  tarde esse  material 
levantado  pudesse  ser  afinado  e  transformado   em  cena,  assim  a criação  do espetáculo 
seria também responsabilidade dos atores.  
Com  esse  material  decodificado,  começamos  a  buscar  a  organicidade  da  cena 
para  em  seguida  inserirmos  o  texto.  Foi  solicitado  ao  elenco  que  buscasse  material  e 
referências  para  as  cenas  bem  como  o estudo em casa das ações e fala. Mesmo durante 
esse  processo   de  busca  da  organicidade  da  cena,  demos  continuidade  aos  trabalhos  de 
dança  pessoal agora  com  foco  em  ativar  essa  presença  de  forma mais  rápida  e  precisa, 
ou  seja  durante  a  dança,  cada  ator  era   instigado  a  encontrar  qual  parte  de  seu  corpo 
ativava   a  presença  da  personagem.  Foi  feito  também  o   exercício  de  “liga­desliga”  da 
personagem  para  que  a compreensão desse mecanismo fosse maior. Como continuidade 
do  trabalho,  foi  proposto  ao  elenco  um  trabalho  utilizando  a  energia  do  “koshi”, 
apresentada  no  livro de  Eugênio  Barba  “A  Canoa  de  Papel”.  Entendendo  o  “koshi”  como 
uma  tensão  entre  forças  opostas,  e  que  enquanto  essa  energia  me  aterra,  outra 
contrapõem  me  deixando  em  pé.  Dessa  forma,  conseguimos uma sustentação corporal e 
energética  da  personagem.  Forças  contrapostas.  Com  isso  podemos  fazer um link com a 
fala  de  Ney   Piacentini  no  livro  “Stanislavski  revivido”  quando  ele  diz  que:  “O  movimento 
simbólico   é  sempre  negativo,  nunca  um  estado,  mas  uma  tarefa  concreta,  um  processo. 
Só age quem realiza o negativo da ação”.  
Esse  conhecimento  seria  de  extrema  importância  no  processo  de  “A  Paixão 
Segundo  Hamlet”  por  ser  uma  adaptação  do  clássico  “Hamlet”  de   Shakespeare  e  com 
isso  o  texto  já  vir  arraigado  do  pré  conceito  de  uma  energia pesada  e  densa, sendo uma 
armadilha  fácil   de  cair, um  clichê  de  interpretação,  porém,  buscar  o  negativo  da ação  foi 
necessário. 
Com o processo de ensaios, os atores são instigados a trazer novas possibilidades 
de  fazer  a  cena  a  fim  de  não cristalizar a pesquisa desenvolvida. Com isso a cada ensaio 
é  descoberto  algo  sobre  as  personagens,  desde  as  entonações,  possibilidades  de  
sonoplastia,  maquiagem, bem  como  os  objetivos  internos  e  externos.  Isso se deu porque 
coube ao grupo montar os figurinos e criar cenários, maquiagem e iluminação. 
Como  embasamento  teórico  para  nortear  nossas  pesquisas,  foi  pedido aos atores 
que lessem os seguintes livros e resenhassem em seus diários de bordo: 
­ A Preparação do Ator (Stanislavski) 
­ A Arte do Ator (Richard Boleslavski) 
­ Para trás e para frente (David Ball) 
­ Artigo:  ​
A  imaginação  no  método  das  ações  físicas   de  K.  Stanis​
lavski 
(​
Michele Zaltron​

­ Artigo:  A  conscientização  do  movimento  de  Angel  Vianna  e  o  Treino 
Criativo (Kaio Gomes Bergamin) 
­ Artigos  da  web:  A  Loucura  em  Hamlet  ­  Ofélia,  personagem  suicida  de 
Shaekespeare 
http://medicineisart.blogspot.com.br/2010/11/o­suicidio­de­ofelia­em­haml
et­de.html 
­ Artigos  da  web:  Resenha  de  Hamlet,  de  William  Shaekespeare. 
http://felipepimenta.com/2013/03/11/resenha­de­hamlet­de­william­shakes
peare/ 

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