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Introdução à Genética de Populações

Karla Yotoko
9 de outubro de 2009

1
Sumário
1 Equilı́brio de Hardy-Weiberg 6
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.2 Definição de População . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.3 Variação Populacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.4 Cálculo das Frequências Gênicas . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.4.1 Exercı́cio 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.5 Modelagem Matemática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.6 O Princı́pio de Hardy-Weinberg . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.7 Implicações do Princı́pio de Hardy-Weinberg . . . . . . . . . . 13
1.7.1 Simulação 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.7.2 Exercı́cio 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.8 Complicações da Dominância . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.9 Frequência de Heterozigotos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.10 O princı́pio de Hardy-Weinberg aplicado a 3 ou mais alelos . . 18
1.10.1 Exercı́cio 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.11 Genes ligados ao cromossomo X . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.11.1 Simulação 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.12 Formação de Casais e o Princı́pio de Hardy-Weinberg . . . . . 21

2 Endogamia e Acasalamentos Preferenciais 24


2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.2 A endogamia Medida em uma Famı́lia (f ) . . . . . . . . . . . 24
2.3 O Coeficiente de Endogamia (F ) . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.4 A Endogamia Sozinha Não Altera as Frequências Gênicas . . . 28
2.5 Cenário Adaptativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

3 Eventos Estocásticos e Deriva Genética 30


3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3.2 Deriva Genética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3.3 Deriva genética e distribuição binomial. . . . . . . . . . . . . 31
3.4 Paralelismo entre Deriva Genética e Endogamia . . . . . . . . 34
3.5 Tamanho efetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

4 Estrutura Populacional 39
4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.2 Estrutura Populacional Hierárquica . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.3 Reduções na Heterozigozidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
4.4 Divergência Genética entre Subpopulações . . . . . . . . . . . 42

2
5 Variação I - Mutação 44
5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
5.2 Modelo 1: Mutações Irreversı́veis . . . . . . . . . . . . . . . . 45
5.2.1 Simulação 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
5.3 Modelo 2: Mutações reversı́veis . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
5.3.1 Simulação 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
5.4 Probabilidade de fixação de um novo alelo mutante neutro . . 49
5.5 Modelo de alelos infinitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
5.5.1 Simulação 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
5.6 Mutações Neutras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

6 Variação II - Fluxo Gênico 56


6.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
6.2 Migração de mão única (modelo continente-ilha) . . . . . . . . 56
6.2.1 Simulação 6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
6.3 Modelo de ilhas: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
6.3.1 Simulação 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
6.4 Como a migração limita a divergência genética . . . . . . . . 60
6.5 Padrões Reais de Migração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
6.5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

7 Seleção Natural 64
7.1 Valor Adaptativo ou Fitness . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
7.2 Seleção em Organismos Diplóides . . . . . . . . . . . . . . . . 66
7.3 Modificações nas Frequências Gênicas por Seleção Natural . . 67
7.4 Funcionamento da Seleção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
7.4.1 Seleção contra o homozigoto recessivo . . . . . . . . . . 70
7.4.2 Seleção contra o fenótipo dominante . . . . . . . . . . 71
7.4.3 Seleção a favor do heterozigoto (ou seleção balanceada) 73
7.5 Cálculo do Valor Adaptativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
7.6 Significado do valor adaptativo médio . . . . . . . . . . . . . . 76

Lista de Tabelas
1 Frequência dos genótipos do locus MN em diferentes popula-
ções humanas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2 Exemplo de Cálculo do χ2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
3 Razão entre heterozigotos/homozigotos recessivos considerando
diferentes valores de p e q. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

3
4 Quadro de Punnet mostrando os resultados de acasalamentos
aleatórios de genes ligados ao X, com dois alelos, X A e X a . . 20
5 Cruzamentos aleatórios entre indivı́duos de genótipos diferen-
tes e os respectivos resultados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
6 Heterozigozidade total (HT ), heterozigozidade média das sub-
populações (HS) e ı́ndice de fixação (FST ) para vários orga-
nismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
7 Probabilidade de que um alelo α1 não seja representado na
próxima geração em populações com diferentes tamanhos efe-
tivos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
8 seleção natural em organismos diplóides para a sobrevivência
(viabilidade) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
9 Seleção contra o homozigoto recessivo . . . . . . . . . . . . . . 71
10 Seleção contra o fenótipo dominante. . . . . . . . . . . . . . . 72
11 Seleção a favor do heterozigoto. . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
12 Cálculo do valor adaptativo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

Lista de Figuras
1 Probabilidade do indivı́duo IV-1 ter herdado dois alelosA1 de
sua avó e portanto ter dois alelos idênticos por descendência.
As setas em cinza mostram quais são as rotas que devem ter
sido seguidas pelo alelo A1 até o indivı́duo IV-1 e com quais
probabilidades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2 Frequências dos genótipos A/A e A/a em uma população que
se reproduz exclusivamente por autofecundação. A primeira
geração é composta apenas por indivı́duos A/a. A cada ge-
ração, a frequência de A/a vai diminuindo à metade, e as
frequências de homozigotos vão aumentando. A frequência de
a/a não foi representada porque se sobrepõe à de A/A. . . . . 26
3 Alterações das frequências do alelo A em diferentes popula-
ções. O conjunto de cima representa populações com 20 indi-
vı́duos cada, o segundo representa populações com 100 indivı́-
duos cada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
4 Deriva genética em 107 populações de Drosophila melano-
gaster.Cada população inicial consistia em 16 heterozigotos
bw75 /bw (N = 16;bw = browneyes). A cada geração, 8 ma-
chos e 8 fêmeas foram sorteados para serem os parentais da
próxima geração. O eixo horizontal indica o número de alelos
bw75 presentes na população em cada geração. (Buri, 1956). . . 34

4
5 Representação dos 2N gametas de duas gerações consecutivas
de uma população, t − 1 e t. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
6 Variação da frequência de A (p) em uma população cuja taxa
de mutação (µ) é igual a 10−4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
7 Alteração da frequência de A sob pressão de mutação com
intensidades µ = 10−4 e ν = 10−5 . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
8 Frequência de homozigotos e heterozigotos sob pressão de mu-
tação com intensidade µ = 10−5 em populações de 2 a 100.000
indivı́duos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
9 Alteração da frequência de A devida à imigração em uma ilha
cuja frequência inicial de A é p = 0, 1. O continente próximo
a esta ilha que envia os migrantes tem ṗ = 0, 9, e a taxa de
migração continente → ilha é m = 0, 1. . . . . . . . . . . . . . 58
10 Alteração da frequência de A devida à imigração em quatro
ilhas cujas frequências iniciais de A eram p1 = 0, 0,p2 = 0, 3,
p3 = 0, 7 e p4 = 1, 0. A taxa de migração entre elas é m = 0, 05. 59
11 Diminuição no ı́ndice de fixação entre subpopulações no equi-
lı́brio no modelo de ilhas de migração. A curva foi feita a
partir da equação 54. No modelo de ilhas, N m é o número de
migrantes que chega a cada ilha por geração. . . . . . . . . . 62
12 Modificações nas frequências gênicas de adultos heterozigo-
tos de D. melanogaster (Cy/+), para o a mutação dominante
Cy(asas curly) em uma população experimental. w11 = 0,
w12 = 0, 5 e w22 = 1 (Teissier 1942). O valor adaptativo de
w12 = 0, 5 foi estimado por Wright (1977). . . . . . . . . . . . 70
13 Representação da alteração da frequência de a em seleção con-
tra o homozigoto recessivo, w11 = 1, 0; w12 = 1, 0 e w22 = 0. . . 72
14 Representação da alteração da frequência de a em seleção con-
tra o fenótipo dominante, w11 = 0; w12 = 0 e w22 = 1. . . . . . 73
15 Representação da alteração da frequência de a em seleção a
favor do heterozigoto, w11 = 0, 5; w12 = 1 e w22 = 0, 5. . . . . . 74

5
1 Equilı́brio de Hardy-Weiberg
1.1 Introdução
Quando aprendemos genética, estudamos como as caracterı́sticas são pas-
sadas de uma geração para a outra em termos de células e indivı́duos. Estuda-
mos como Mendel descobriu seus fatores e propôs as leis da hereditariedade.
Vimos que os geneticistas primeiro localizaram estes fatores ou genes nos cro-
mossomos e depois como descobriram que o DNA é a molécula responsável
por guardar a informação genética, já que possui estrutura e função apropri-
adas para tanto. Vimos também como os genes funcionam: os mecanismos
de transcrição, tradução e mesmo algumas formas de controle da expressão
gênica. Além disso, vimos que há genes fora do núcleo, que são transmitidos
pela linhagem materna. No entanto, a genética precisa ser estudada em nı́veis
mais altos. É preciso saber, por exemplo, quais as caracterı́sticas genéticas
de uma determinada população para poder prever a probabilidade de algu-
mas doenças. Por que será que a hemofilia é tão rara na humanidade inteira
enquanto a anemia falciforme é tão comum em algumas regiões da África?
Agrônomos e Zootecnistas precisam dominar genética de populações para po-
der selecionar melhor que linhagens cruzar para obter melhores resultados.
Ecólogos precisam saber o quão variáveis são as populações das espécies que
estudam para poder ter idéia de que estratégias de conservação devem ado-
tar. Bioquı́micos precisam ter a noção de que as populações variam, e que
esta variação pode alterar a tolerância a diferentes drogas que são utilizadas
como medicamento. Biólogos precisam conhecer os mecanismos que levam
ao surgimento de novas espécies e assim começar a compreender a evolução.

1.2 Definição de População


Informal e intuitivamente, população é um grupo de organismos perten-
centes a uma mesma espécie. Em genética de populações, é preciso especificar
melhor este conceito. A palavra população não se refere à espécie inteira, se
refere a um grupo de organismos de uma mesma espécie que vive em uma
área geográfica suficientemente restrita para que qualquer membro possa se
acasalar com qualquer outro do sexo oposto. Como sempre há estrutura ge-
ográfica dentro das espécies, devida a padrões não aleatórios de distribuição
espacial dos organismos, obter uma definição precisa de população é muito
difı́cil. Membros de uma mesma espécie raramente estão distribuı́dos homo-
geneamente no espaço: quase sempre há agregações, colônias etc.
A subdivisão das populações está quase sempre associada à heterogenei-
dade do ambiente: quase sempre há áreas apropriadas para uma população

6
separadas por áreas não apropriadas. Este tipo de padrão é óbvio em orga-
nismos terrestres que vivem em ilhas oceânicas, mas a subdivisão é comum
na maior parte dos habitats: lagos de água doce têm áreas profundas e ra-
sas, florestas têm áreas sombreadas e ensolaradas. A subdivisão populacional
também pode ser afetada por comportamento social. Mesmo populações hu-
manas são agregadas, em cidades isoladas por desertos ou montanhas, por
exemplo. Diversos fatores afetam a composição genética das populações,
dentre eles podemos destacar:

• O tipo de padrão de reprodução adotado pela população. Este pa-


drão pode ser aleatório, o que chamamos de acasalamentos ao acaso
(a.a.a.); é possı́vel que os indivı́duos tenham preferência por acasalar-
se com indivı́duos aparentados, ao que chamamos de endogamia ; ou
que prefiram acasalar-se com indivı́duos de fenótipo parecido (ex. pes-
soas altas preferem casar-se com pessoas altas), ao que chamamos de
acasalamento preferencial .

• A migração de indivı́duos de outras populações.

• As taxas de mutação e recombinação gênica.

• Os efeitos do ambiente sobre a taxa de reprodução de cada genótipo:


genótipos mais adaptados geram mais descendentes que os menos adap-
tados

• As flutuações aleatórias .

1.3 Variação Populacional


Quando falamos em composição genética de uma população e queremos
saber como é esta composição e como ela é afetada por diferentes fatores, no
fundo o que precisamos é quantificar a variação genética que existe na popula-
ção. A variação genética só pode ser avaliada a partir da variação genotı́pica;
no entanto, a variação que está disponı́vel é a variação fenotı́pica, que é a
que em geral interessa a agrônomos, zootecnistas, médicos, nutricionistas,
ecólogos e outros profissionais das ciências biológicas.
Como já vimos na genética básica, algumas caracterı́sticas fenotı́picas
estão diretamente relacionadas ao genótipo de um determinado lócus. Nestes
casos, é possı́vel saber o genótipo do indivı́duo pela simples observação de
seu fenótipo. Infelizmente isso não é tão simples em todos os casos.
Algumas caracterı́sticas são determinadas por mais de um gene, às vezes
por um complexo conjunto deles, além de serem fortemente influenciadas pelo

7
ambiente. Estas caracterı́sticas são melhor estudadas no âmbito da genética
quantitativa, outro tema importante na genética.
Neste capı́tulo nos limitaremos às caracterı́sticas que são definidas por
um único gene. O princı́pio geral de quantificação da variação genotı́pica é
simplesmente contar quantos indivı́duos apresentam cada genótipo em uma
determinada população.
Só para relembrar, numa espécie diplóide, se temos um gene com dois
alelos,A e a, os genótipos serão:A/A, A/a e a/a. As frequências genotı́picas
são dadas pelo número de indivı́duos de cada genótipo dividido pelo número
total de indivı́duos. Obviamente a soma das frequências dos diferentes ge-
nótipos deve ser 1. A variação pode ser simplesmente morfológica (cor de
flores, por exemplo), e para quantificá-la basta contar quantos indivı́duos em
cada população possuem um determinado fenótipo. Imagine que uma deter-
minada espécie de planta só apresenta flores vermelhas, cujo genótipo é B/B ;
rosa, cujo genótipo é B/b; e brancas, cujo genótipo é b/b. Para quantificar a
variação genotı́pica em uma população, basta contar quantas são vermelhas,
quantas são rosa e quantas são brancas.
Outro tipo de variação que pode ser observada é pela determinação de
grupos sanguı́neos. A determinação do grupo sanguı́neo MN, por exemplo,
fornece o genótipo de cada indivı́duo diretamente. A tabela 1 mostra as
frequências genotı́picas para o grupo MN em diferentes populações humanas.

Tabela 1: Frequência dos genótipos do locus MN em diferentes populações


humanas.
População M/M M/N N/N
Esquimós 0,835 0,156 0,009
Aborı́genes Australianos 0,024 0,304 0,672
Egı́pcios 0,278 0,489 0,233
Alemães 0,297 0,507 0,196
Chineses 0,332 0,486 0,182
Nigerianos 0,301 0,495 0,204

A determinação dos genótipos do grupo sanguı́neo ABO ou do fator Rh


pode ser um pouco mais complexa, já que existe relação de dominância en-
tre alguns alelos, e portanto é necessário conhecer genealogias para tentar
determinar os genótipos.
Outra maneira de quantificar a variação genotı́pica se faz pela quantifica-
ção do polimorfismo de proteı́nas. Na década de 1960 foi inventada a eletro-

8
forese de proteı́nas 1 . A partir deste método é possı́vel estabelecer quantos
alelos diferentes estão presentes em uma determinada população através da
determinação dos genótipos dos diferentes indivı́duos. Hoje é mais comum
determinar o genótipo dos indivı́duos, e, portanto, calcular a frequência ge-
notı́pica de uma população, diretamente através de sequências de DNA.
Um aspecto importante da quantificação da variação populacional é que
em geral consideramos a variabilidade como uma condição para que haja
evolução. De fato, evolução é tradicionalmente definida como alteração nas
frequências gênicas não há como evoluir se não houver tal variação. A va-
riação, ou variabilidade, permite que a população se adapte, por exemplo,
a modificações ambientais. Com isso, sempre que houver mais de um alelo
num mesmo lócus, este lócus pode ser considerado polimórfico. Alguns ge-
neticistas preferem chamar de polimórficos os locos (ou loci) cujo alelo mais
frequente tenha frequência menor que 99%. 2
Uma medida de variação genética é a quantidade de heterozigose em um
lócus em uma população, dada pela frequência total de heterozigotos neste
lócus. Se um alelo estiver em frequência muito alta e os demais em frequên-
cia muito pequena, teremos poucos heterozigotos e a variação é considerada
baixa. Espera-se que a heterozigose seja mais alta quando há muitos ale-
los em frequências relativamente próximas quanto mais alelos e quanto mais
altas suas frequências, maior a variabilidade neste lócus. Mais tarde, neste
mesmo capı́tulo, você compreenderá esta afirmação.

1.4 Cálculo das Frequências Gênicas


Quando falamos em calcular frequências gênicas (ou frequências alélicas),
queremos saber qual a quantidade de cada um dos alelos de um determinado
lócus está presente na população. Este procedimento é importante para pre-
ver as frequências genotı́picas deste lócus na próxima geração, o que pode ser
de grande interesse na criação de animais, cultivo de plantas, preservação de
espécies etc.
Para calcular as frequências gênicas, basta conhecer as frequências ge-
notı́picas a ela associadas. Se quisermos saber qual a frequência gênica dos
1
Eletroforese de proteı́nas: é uma técnica que consiste na visualização em gel de amido
da mobilidade relativa de diferentes formas de uma determinada proteı́na. Estas diferentes
formas existem porque mutações no DNA modificam a estrutura primária das proteı́nas.
Com isso, uma mesma proteı́na pode ter diferentes isoformas: estruturas primárias leve-
mente diferentes, que diferem em carga e tamanho, mas que são funcionais nas células.
Para mais detalhes, consulte livros de genética básica.
2
Outros geneticistas consideram como polimórficos apenas os loci cujo alelo mais fre-
quente tenha frequência menor que 95%. Isso é apenas uma convenção, e pode-se utilizar
qualquer uma, desde que seja definida a priori.

9
alelos M e N da tabela 1, basta contar quantos alelos M e quantos alelos N
há em cada população.
Tome como exemplo a população de esquimós. Transformemos as frequên-
cias em números só para facilitar os cálculos. Imagine que foram medidos
1000 indivı́duos, isso significa que 835 deles são M/M, 156 são M/N e 9 são
N/N. Nos 835 que são M/M, há 1670 alelos M (835.2)3 . Já nos 156 M/N 4 ,
há 156 alelos M. Com isso, temos um total de 1826 alelos M. Como o total
de indivı́duos contados foi 1000, então o total de alelos contados foi 2000.
Assim, a frequência do alelo M é :
f(M/M ) · 2 + f(M/N )
f(M ) = (1)
2 · total
Portanto, o alelo M está numa frequência de 91,3% enquanto o alelo N
está numa frequência de 8,7% (100%-91,3%) na população de Esquimós.

1.4.1 Exercı́cio 1

Calcule as frequências gênicas dos alelos M e N nas diferentes


populações humanas

1.5 Modelagem Matemática


Antes de começar a estudar os mecanismos evolutivos, é preciso com-
preender que eles são estudados através de modelos matemáticos. Modelos
matemáticos são ferramentas bastante úteis para o estudo de qualquer pro-
cesso. Através deles, é possı́vel estabelecer padrões e detectar processos,
para um melhor entendimento dos fenômenos naturais, nos quais se encontra
a evolução.
Conforme já foi dito, evolução é a alteração nas frequências gênicas em
uma população. Para compreender um cenário onde as frequências gênicas
mudam, é preciso descrever um cenário um pouco mais simples, no qual as
frequências gênicas simplesmente não mudam5 .
É preciso ter em mente que todo modelo matemático parte de uma super
simplificação da realidade. Isso pode parecer estranho em princı́pio, como é
que um modelo muito simples pode servir para compreender uma realidade
complexa? Isso se explica pela própria diferenciação entre modelo e descrição.
3
Cada homozigoto tem dois alelos M.
4
Cada heterozigoto tem apenas um alelo M.
5
Parece um contrasenso estudar evolução tomando como base um modelo de não-
evolução. A razão disso deve ser esclarecida adiante, mas é muito importante ter em
mente que precisamos de hipóteses nulas em ciências.

10
Se quiséssemos incluir todos os detalhes, farı́amos uma descrição detalhada
e não um modelo. Numa descrição detalhada é mais difı́cil visualizar os
padrões e detectar processos.
A primeira simplificação que temos que levar em conta é a não sobreposi-
ção de gerações, onde os indivı́duos de uma população nascem, amadurecem
sexualmente e morrem nesta geração antes que os indivı́duos da próxima ge-
ração amadureçam sexualmente6 . Este tipo de população hipotética, com
história de vida muito simples, é utilizado em genética de populações como
uma primeira aproximação a populações que tenham histórias de vida mais
complexas.
Apesar de parecer simples demais, os cálculos de frequência esperada na
próxima geração baseados neste modelo são adequados para diversos objeti-
vos, inclusive para espécies muito complexas, como a humana, por exemplo.

1.6 O Princı́pio de Hardy-Weinberg


É um modelo matemático muito simples, que permite prever as as frequên-
cias genotı́picas da próxima geração simplesmente conhecendo das frequên-
cias gênicas desta geração. Para fazer esta previsão, é preciso primeiro checar
certos pré-requisitos:

1. O organismo em estudo deve ser diplóide

2. A reprodução deve ser sexuada

3. Não pode haver sobreposição de gerações

4. O gene em estudo deve ter só dois alelos

5. As frequências dos alelos devem ser idênticas em machos e fêmeas

6. Os acasalamentos devem ocorrer ao acaso

7. A população deve ser muito grande (infinita)

8. A migração deve ser ignorável

9. A mutação também

10. A seleção natural não deve afetar os alelos em estudo.


6
Esta simplificação só se aplica literalmente a organismos com história de vida muito
simples, como certos insetos de vida efêmera ou plantas anuais.

11
Coletivamente, estes pressupostos sumarizam o modelo de Hardy-Weinberg,
ou o Equilı́brio de Hardy-Weinberg (EHW)7 . Conforme o pressuposto número
5, uma população obedece ao princı́pio de H-W quando os acasalamentos se
dão ao acaso, ou seja, a probabilidade de um indivı́duo X se acasalar com
o indivı́duo Y na população é rigorosamente igual à probabilidade dele se
acasalar com qualquer outro, desde que seja do sexo oposto.
Para entender exatamente como isso funciona, imagine um balde con-
tendo uma sopa de gametas8 , composta de milhares de óvulos e milhares de
espermatozóides. Estes gametas se unirão sem qualquer critério de escolha,
estritamente ao acaso.
Como a população em estudo deve ser sexuada (pressuposto número 2),
sempre temos que unir dois gametas para formar um zigoto. Imagine então
que metade dos óvulos, bem como metade dos espermatozóides, carrega o
alelo A e a outra metade carrega o alelo a. Podemos dizer, então, que a
frequência do alelo A, que de agora em diante chamaremos de p, é 0,5. De
forma análoga, podemos dizer que a frequência do alelo a, por sua vez, é
q=0,5. Assim, a probabilidade de formar um A/A depende unicamente da
frequência de A na população de óvulos e de espermatozóides.
Como esta frequência é de 0,5 em ambos os casos, a frequência de A/A
pode ser dada por p2 = 0, 25 = (0, 5 · 0, 5).
Seguindo o mesmo raciocı́nio, a frequência de a/a também será de 0,25,
2
q = 0, 25.
É preciso também calcular a frequência de A/a. Como não se trata da
junção aleatória de qualquer gameta com qualquer outro e sim de qualquer
óvulo com qualquer espermatozóide, é preciso considerar uma situação na
qual o óvulo contém A e o espermatozóide a, e outra, na qual o óvulo contém
a e o espermatozóide A. Com isso, a probabilidade de termos um heterozigoto
A/a é igual a 2pq = 0, 5.
Este raciocı́nio obedece à distribuição binomial.
Só para relembrar:

(p + q)2 = p2 + 2pq + q 2 (2)


Tendo isso em vista, é possı́vel saber se uma determinada geração de uma
população foi formada por acasalamentos ao acaso. Em outras palavras, é
possı́vel verificar se uma determinada população encontra-se em Equilı́brio
7
nomeado em homenagem aos seus formuladores: G. H. Hardy (um matemático) e W.
Weinberg (um fı́sico), que, independentemente, em 1908, formularam o modelo e deduzi-
ram suas predições teóricas para as frequências genotı́picas.
8
É claro que esta é mais uma supersimplificação. No entanto, surpreendentemente esta
supersimplificação funciona. No final do capı́tulo você vai compreender por que.

12
de Hardy-Weinberg. Volte agora à tabela 1. Ela mostra as frequências dos
genótipos para o lócus MN. Será que as populações humanas estão no EHW
para este lócus? Será que populações humanas podem ser estudadas como se
a reprodução fosse aleatória como a que ocorre em um balde de gametas?
Para responder a esta questão é preciso testar. Para testar, precisamos
saber qual a frequência dos alelos M e N em cada população. Entre os
esquimós, calculamos que a frequência do alelo M é de 0,913, que chamaremos
de p; enquanto que a frequência do alelo N é de 0,087, que chamaremos de
q (repare que não importa qual dos alelos é chamado de p ou q).
Sabendo disso, é possı́vel calcular as frequências esperadas de M/M, M/N
e N/N caso a população estivesse em EHW. Tendo o esperado, basta fazer
um teste de χ2 de aderência.
O número de graus de liberdade é dado pelo número de classes observadas
menos 1 (como normalmente se faz no χ2 ), menos o número de parâmetros
estimados para calcular o esperado. Neste caso, foi estimada a frequência de
M (p), e a frequência de N é dada simplesmente por (1 − p). 9
Não esqueça que para fazer o teste de χ2 precisamos utilizar números e
não frequências. Portanto utilizaremos uma população de 1000 pessoas para
facilitar os cálculos.

Tabela 2: Exemplo de Cálculo do χ2 .


2
genótipo Observado Esperado χ2 = (O−E)E
M/M 835 p · 1000 = (0, 913)2 .1000 = 833, 6
2
0, 002
M/N 156 2pq.1000 = 2.0, 913.0, 087.1000 = 158, 9 0, 05
N/N 9 q 2 .1000 = (0, 087)2 .1000 = 7, 5 0, 3
total= 0, 352

1.7 Implicações do Princı́pio de Hardy-Weinberg


Por se tratar de uma super simplificação da realidade, o Princı́pio de
Hardy-Weinberg pode ser considerado como um modelo de referência no qual
não há forças evolutivas em ação além das impostas pela própria reprodução.
Neste sentido, o modelo é similar ao pressuposto da fı́sica de que não há
atrito no deslocamento de um corpo. O modelo serve como base para a com-
paração com modelos mais realistas, nos quais as forças evolutivas modificam
as frequências gênicas. Talvez mais importante que isso, o modelo separa a
9
A redução do número de graus de liberdade se justifica pelo fato de que se os observados
foram obtidos a partir dos esperados, então esperamos que a diferença entre eles seja menor
do que se fossem independentes.

13
história de vida em dois intervalos: i. gametas → zigoto e ii. zigoto →
adulto10 .
Um modelo um pouco mais complexo pode incluir, por exemplo, a en-
trada de imigrantes entre os adultos, alterando as frequências gênicas, ou a
viabilidade diferencial de zigotos, de modo que alguns não cheguem à fase
adulta. Um aspecto interessantı́ssimo do EHW é que se os imigrantes en-
trarem na população dos adultos e se reproduzirem com os adultos desta
população, então a próxima geração de zigotos estará em equilı́brio de H-W,
porém com uma frequência gênica diferente. A comparação das frequências
gênicas em diferentes gerações da mesma população permite a detecção de
evolução (modificação nas frequências gênicas).
A implicação mais importante do EHW é a manutenção das frequên-
cias gênicas e genotı́picas em uma população. A constância das frequências
alélicas implica que, na ausência de forças evolutivas que alterem as frequên-
cias gênicas11 , o mecanismo da herança mendeliana, por si só, mantém as
frequências constantes e preserva a variação genética. A segunda implicação
mais importante é que em uma única geração de acasalamentos ao acaso, a
população volta ao estado de equilı́brio12 .
Um dos aspectos interessantes do EHW é que se uma população estiver
sob este equilı́brio em um determinado lócus, é possı́vel prever quais serão as
frequências genotı́picas nas próximas gerações. Isso, no entanto, só é verdade
se as populações forem grandes , se não houver imigração para a população,
se não houver mutações e se não houver seleção natural. Em outras palavras,
sob todos estes pressupostos, não há alteração nas frequências gênicas em
uma população, ou seja, ela não evolui.
Repare que quando fizemos o teste para saber se a população de esquimós
se encontra em EHW, só consideramos uma geração (não temos a amostragem
do locus MN dos filhos dessas pessoas nem dos pais). Este teste, portanto,
mostrou apenas que esta geração da população está em Equilı́brio de Hardy-
Weinberg, o que significa que a composição genotı́pica da população está de
acordo com a esperada por acaso, ou pelos acasalamentos ao acaso. Para
concluir que esta população não está evoluindo (ou sofrendo alterações nas
frequências gênicas) no locus MN, é preciso, necessariamente, fazer um estudo
10
Isso é muito importante porque esperamos que os zigotos sejam formados (a partir da
junção de gametas) seguindo H-W. No entanto, sabemos também que uma formados, uma
série de eventos podem provocar a morte ou a retirada de indivı́duos de uma população
(bem como a entrada de outros indivı́duos), fazendo com que a população eventualmente
saia do EHW.
11
ou alélicas
12
se não houver sobreposição de gerações, mas as frequências alélicas em fêmeas e machos
não forem iguais, a população volta gradualmente ao estado de equilı́brio - veja ı́tem 1.11).

14
ao longo de gerações.
Esta distinção é muito importante. Muitos biólogos concluem que se co-
letarem uma amostra de uma população, e ela estiver em EHW, isto significa
que esta população simplesmente não está evoluindo, o que é uma interpreta-
ção no mı́nimo especulativa13 . Por outro lado, se uma população não estiver
no EHW, e se você tiver analisado apenas uma geração, já é possı́vel infe-
rir que esta população esteja sofrendo a ação de um ou vários mecanismos
evolutivos, ou seja, é possı́vel que esta população esteja evoluindo.
A simulação 1 demonstra alguns percalços que uma população pode so-
frer. O objetivo é ver que, após uma geração de acasalamentos ao acaso, a
população volta ao equilı́brio de Hardy-Weinberg. Repare também que os di-
ferentes eventos têm efeitos diferentes a depender do tamanho da população
e da frequência dos genes.

1.7.1 simulação 1

No PVANet, abra o documento EHW.xls. Neste documento há


três planilhas, que você pode acessar na parte de baixo da página.
Entre na planilha EHW.
Se você não estiver acostumado a lidar com fórmulas no Excel,
tente aprender agora. Se estiver acostumado, pode pular este
box. Com a planilha aberta, repare que a célula B1 (coluna B,
linha 1) está pintada de amarelo. Nesta célula foi colocado um
valor de p (que pode ser, por exemplo, a frequência do gene do
alelo A). Você pode trocar este valor por qualquer outro entre 0
e 1.
Repare que se você trocar o valor de B1, toda a planilha se modi-
fica, a começar pelo valor de B2, que está programada para ter o
valor 1 − B1. Clique na célula B2 e confira. Repare que na célula
B2 está escrito (= 1 − B1). O sinal de igual (=) é necessário para
informar ao Excel que você deseja inserir uma fórmula.
Na célula B3 você deve indicar qual o tamanho da população que
deseja simular.
No quadrado vermelho estão as populações e as respectivas ge-
rações e acontecimentos que ocorreram nesta população. A po-
pulação inicial deve ser formada por acasalamentos ao acaso a
partir das frequências alélicas e o tamanho populacional que você
13
e bastante ingênua...

15
determinou. Clique na célula E9. Nela há uma fórmula [=B1ˆ
2B3]. Esta fórmula eleva ao quadrado a frequência do alelo A
(p) e multiplica pelo número de indivı́duos que você determinou.
Note que este número deve ser necessariamente inteiro, o que é
verdadeiro para todas as populações esperadas. Por este motivo,
foi inserida uma linha com o tı́tulo arredondado, que arredonda
o cálculo para o valor inteiro mais próximo.
Clique em E10 e repare que dentro da célula está escrito [=AR-
RED(E9,0)], que significa que o valor que está em E9 foi arre-
dondado com zero dı́gitos depois da vı́rgula.
Veja agora as fórmulas de E10 e E11. Viu a relação entre p, 2pq
e q?
As colunas I e J foram dedicadas ao cálculo das frequências aléli-
cas. Obviamente as frequências alélicas da população inicial serão
exatamente as que você determinou. As colunas L, M e N foram
dedicadas ao cálculo do número esperado de indivı́duos com cada
genótipo. Mais uma vez, o esperado deve ser compatı́vel com o
observado, e sua população inicial deve estar, necessariamente,
em equilı́brio de Hardy-Weinberg.
Repare nas fórmulas que estão determinadas em todas as células.
Tente compreender o que está acontecendo com a população a
cada momento e como estes acontecimentos interferem na popula-
ção. Especificamente, preste atenção nos valores de qui quadrado
totais.
Como estamos trabalhando sempre com um grau de liberdade,
sempre que o valor de qui quadrado for menor do que 3, 84, a po-
pulação está em H-W. Brinque com os valores de p e de tamanho
populacional à vontade! Faça várias simulações e tente detectar
se o número de indivı́duos interfere ou não no fato da população
permanecer ou não no EHW. Repare também que sempre, após
uma geração de acasalamentos ao acaso, a população retorna ao
equilı́brio.

1.7.2 Exercı́cio 2

Faça o teste e determine se cada uma das populações representa-


das está de fato em EHW.

16
1.8 Complicações da Dominância
Em caracteres onde há dominância, o fenótipo do homozigoto dominante é
exatamente igual ao fenótipo do heterozigoto, que se diferenciam do fenótipo
homozigoto recessivo. Com isso, se quisermos fazer uma análise populacional,
teremos duas classes observadas: o fenótipo dominante e o fenótipo recessivo.
Pelo equilı́pio de Hardy-Weinberg, as frequências de A/A, A/a e a/a
são, respectivamente, p2 , 2pq e q 2 . Suponha que estejamos interessados nas
frequências dos alelos que determinam os grupos sanguı́neos Rh+ e Rh− em
uma população. Suponha ainda que 84% da população seja Rh+ , sendo o
resto da população Rh− . O fenótipo Rh+ pode ser dado pelos genótipos
D/D e D/d, enquanto o Rh− é dado por d/d. 14 Para calcular as frequências
gênicas é portanto necessário assumir que este gene esteja em EHW.

f (d/d) = q 2 (3)
q q
q= q2 = 0, 16 = 0, 4

Se p + q = 1,então:
p = 0, 6
Assim:

p2 = 0, 36; 2pq = 0, 48; q 2 = 0, 16

Para testar se estas frequências estão em equilı́brio de Hardy-Weinberg,


terı́amos que comparar com as frequências esperadas. Você já deve ter per-
cebido que as frequências esperadas são exatamente iguais às observadas.
Além disso, o número de graus de liberdade é dado por número de classes
observadas (g.l. = 2 − 1 − 1 = 0).
Sem graus de liberdade, não é possı́vel fazer o teste. Com isso, se houver
dominância (e isso é bastante frequente nos caracteres em geral, inclusive em
alguns marcadores moleculares), não é possı́vel testar se a população está ou
não em EHW, fazendo com que o equilı́brio tenha que ser inferido para que
as outras análises sejam feitas.
Conforme veremos mais adiante, se tivermos mais conhecimento sobre a
população em estudo, este pode se tornar um problema menor e não preju-
dicar os resultados.
14
D/D e D/d estão juntos na mesma classe fenotı́pica.

17
1.9 Frequência de Heterozigotos
O princı́pio de Hardy-Weinberg também tem importantes implicações
para a frequência de heterozigotos que carregam alelos recessivos raros. Se a
frequência de heterozigotos pelo EHW é 2pq, então o valor máximo de hete-
rozigozidade ocorre quando as frequências dos dois alelos é 0,5. (2pq = 0.5).
15
Quanto maiores as diferenças entre as frequências dos dois alelos, menor a
heterozigozidade. Além disso, quanto menor a frequência do alelo recessivo,
maior a razão entre indivı́duos heterozigotos e os homozigotos recessivos. Em
outras palavras, o excesso de heterozigotos sobre os homozigotos recessivos16
se torna progressivamente maior à medida que o alelo recessivo se torna mais
raro.
Como exemplo real, considere a fibrose cı́stica, que atinge 1 em cada 1700
17
caucasianos
q nascidos. Com isso, a frequência do alelo recessivo é dada por
1
q = 1700 = 0, 024. Assumindo acasalamentos ao acaso, a frequência de
heterozigotos deve ser estimada em 2pq = 2(0, 024)(0, 976) = 0, 047, cerca de
1 em 21.
Em outras palavras, apesar de apenas 1 em 1700 caucasianos serem afe-
tados, 1 em cada 21 é portador 18 do alelo recessivo para a fibrose cı́stica.
Veja o que acontece com a razão heterozigotos/homozigotos recessivos com
diferentes valores de p e q:

1.10 O princı́pio de Hardy-Weinberg aplicado a 3 ou


mais alelos
Conforme iremos perceber ao longo do curso, algumas violações aos pres-
supostos do princı́pio de HW são possı́veis, um exemplo disso é o a violação
do princı́pio 3, pelo qual os loci em análise devem ter apenas dois alelos.
As frequências genotı́picas sob acasalamentos acaso para três alelos podem
ser calculadas aplicando a distribuição binomial. Se pudermos considerar que
os pares de acasalamento se formam aleatoriamente, podemos considerar que
os gametas se combinam dois a dois de forma também aleatória.
Só para recordar:
15
repare que esta frequência máxima só é válida se estivermos considerando apenas dois
alelos.
16
Carga genética é o nome técnico dado ao conjunto alelos recessivos deletérios raros
que permanecem na população escondidos nos heterozigotos
17
O experimento foi feito numa população de caucasianos. É importante mencionar isso
porque determinadas doenças aparecem em frequências diferentes quando são consideradas
diferentes etnias.
18
Heterozigoto

18
Tabela 3: Razão entre heterozigotos/homozigotos recessivos considerando
diferentes valores de p e q.
2pq
p q 2pq q2 q2
0,5 0,5 0,5 0,25 2
0,6 0,4 0,48 0,16 3
0,7 0,3 0,42 0,09 4,67
0,8 0,2 0,32 0,04 8
0,9 0,1 0,18 0,01 18
0,95 0,05 0,095 0,0025 38
0,99 0,01 0,0198 0,0001 198
0,999 0,01 0,001998 0,000001 1998

(a + b + c)2 = a2 + b2 + c2 + 2ab + 2ac + 2bc (4)


Se tivermos três alelos na população, por exemplo no sistema ABO, podemos
dizer que o alelo I A tem frequência p, I B tem frequência q e i tem frequência
r.
Suponha agora que numa cidade, o número de pessoas com sangue do
tipo A seja de 2625, do tipo B seja de 570, do tipo O seja 2892 e do tipo AB
seja 226. A melhor estimativa das frequências alélicas (que não é um cálculo
simples) é p = 0, 2593; q = 0, 0625 e r = 0, 6755.

1.10.1 Exercı́cio 3

Calcule número esperado de indivı́duos com cada tipo sanguı́neo


e diga se esta população está em EHW para este lócus.

De forma geral, se tivermos n alelos: A1, A2, ..., An com frequências


p1, p2, ..., pn ,então as frequências fenotı́picas esperadas por acasalamentos
aleatórios serão:

homozigotos(Ai /Ai ) = p2i (5)

heterozigotos(Ai /Aj ) = 2pi pj (6)


Se quisermos saber qual a proporção de homozigotos esperada por acasa-
lamentos ao acaso, é só fazer o somatório da frequência de todos os i alelos
ao quadrado:

19
p2i
X
Homozigotos = (7)
De forma análoga, e como a prole é formada apenas de homozigotos e
heterozigotos, a proporção de heterozigotos esperada por acasalamentos ao
acaso será dada por:

p2i
X
Heterozigotos = 1 − (8)

1.11 Genes ligados ao cromossomo X


Em mamı́feros e em vários insetos, as fêmeas têm duas cópias do cromos-
somo X enquanto o macho só tem uma cópia (em geral acompanhada de
um Y ). Estes cromossomos segregam, e metade dos espermatozóides de um
macho contém um X e a outra metade um Y 19 .
Os alelos recessivos ligados ao X se expressam fenotipicamente nos ma-
chos, já que o cromossomo Y não contém o alelo compensador.
Para genes ligados ao X com dois alelos, portanto, há três genótipos
femininos (X A /X A , X A /X a e X a /X a ) e somente dois genótipos masculinos
(X A /Y e X a /Y ). As consequências dos acasalamentos aleatórios em genes
ligados ao X com dois alelos são mostradas na tabela abaixo, onde os alelos
são denominados X A e X a .

Tabela 4: Quadro de Punnet mostrando os resultados de acasalamentos ale-


atórios de genes ligados ao X, com dois alelos, X A e X a
X A (pm ) X a (qm ) Y
X A (pf ) pf .pm pf .qm pf
a
X (qf ) qf .pm qf .qm qf

Note que nas fêmeas, que têm dois cromossomos X, a frequência genotı́-
pica é dada pelo próprio EHW, enquanto que nos machos, que só têm 1, a
frequência genotı́pica é igual às frequências dos alelos.
Isso só é válido quando as frequências entre machos e fêmeas são iguais.
Quando as frequências são diferentes, a frequência do alelo A nos machos
nesta geração (p0m ) será idêntica à frequência das fêmeas da geração anterior
(pf ), enquanto que a frequência deste mesmo alelo nas fêmeas desta geração
(p0f ) seráa média
das frequências alélicas nos machos e nas fêmeas da geração
pm +pf
anterior 2
.
19
Os poucos genes presentes no cromossomo Y, até onde se sabe, estão envolvidos com
a masculinizaçãodo indivı́duo. O cromossomo X carrega tantos genes quanto qualquer
outro cromossomo.

20
Com isso, se as frequências alélicas entre machos e fêmeas forem diferen-
tes, serão necessárias 10 ou mais gerações até que a população entre em EHW
(ou seja, até que as frequências gênicas e genotı́picas permaneçam inalteradas
com o passar das gerações).

p0m = pf (9)

pm + pf
 
p0f = (10)
2

1.11.1 simulação 2

No PVANet, abra novamente o documento EHW.xls, mas agora


na planı́lia X.
Este documento serve para você brincar com as frequências dos
alelos em machos e fêmeas de uma determinada população.
Você pode modificar à vontade os valores que estão colocados nas
células marcadas em amarelo, só tome o cuidado de inserir valores
entre 0 e 1. Repare que o gráfico se modifica cada vez que você
muda os valores. Faça quantas simulações quiser com frequências
de machos e fêmeas diferentes e tente uma vez com frequências
iguais. Espera-se que a simulação o ajude a visualizar que em
10 gerações de acasalamentos ao acaso o equilı́brio de Hardy-
Weinberg é atingido.
Por outro lado, se as frequências alélicas de machos e fêmeas
forem iguais, o equilı́brio é atingido em apenas uma geração de
acasalamentos ao acaso.

1.12 Formação de Casais e o Princı́pio de Hardy-Weinberg


Até agora, tratamos a formação dos zigotos em um balde de gametas, onde
cada gameta feminino pode ser fecundado por qualquer gameta masculino,
ou cada gameta masculino pode fecundar por qualquer gameta feminino e
as probabilidades destes encontros acontecerem só dependem das frequências
alélicas nos gametas masculinos e femininos.
No entanto, se pensarmos na maioria dos organismos de reprodução sexu-
ada que conhecemos, as coisas não são tão simples assim. Temos que admitir
a existência de indivı́duos que se acasalam, tendo cada um o seu genótipo, o
que é diferente de uma simples sopa de gametas. Para averiguar se o equilı́-
brio de Hardy-Weinberg se aplica a acasalamentos entre indivı́duos, considere

21
as frequências dos alelos A e a como p e q. Considere também as frequências
dos genótipos A/A = P ; A/a = Q e a/a = R. Assim, se a população estiver
em EHW, as frequências alélicas não se alterarão na próxima geração, bem
como as frequências dos indivı́duos com cada genótipo.

Tabela 5: Cruzamentos aleatórios entre indivı́duos de genótipos diferentes e


os respectivos resultados.
Parentais Prole
Acasalamentos Frequência A/A = P A/a = Q a/a = R
A/A x A/A P2 1 0 0
A/A x A/a 2P Q 1/2 1/2 0
A/A x a/a 2P R 0 1 0
A/a x A/a Q2 1/4 1/2 1/4
A/a x a/a 2QR 0 1/2 1/2
aa x aa R2 0 0 1

20
Com isso em mente, temos que:
1 1 2
P 0 = P 2 + 2P Q + Q (11)
2 4
2
Considerando que A/A = p , A/a = 2pq e a/a = q 2 , temos:
 2 1 1
P 0 = p2 + 2p2 2(2pq) + (2pq)2
2 4

P 0 = p4 + p2 2pq + p2 q 2

P 0 = p4 + 2p3 q + p2 q 2

Como só temos dois alelos com frquências p e q, temos que q = (1 − p):

P 0 = p4 + 2p3 (1 − p) + p2 (1 − p)2

P 0 = p4 + 2p3 − 2p4 + p2 (1 − 2p + p2 )

P 0 = p4 + 2p3 − 2p4 + p2 − 2p3 + p4


20
Repare na terceria coluna da tabela: a proporção de A/A na prole será dada pela
soma de toda a prole do cruzamento P 2 , mais a metade da prole de 2PQ, mais 1/4 da
prole de Q2 .

22
Então:

P 0 = p2

Ou seja, se a população estiver em EHW, na próxima geração a proporção


de indivı́duos A/A vai continuar sendo p2 .

23
2 Endogamia e Acasalamentos Preferenciais
2.1 Introdução
No capı́tulo anterior, foi demonstrado que se os acasalamentos forem ale-
atórios, as populações têm proporções genotı́picas equivalentes às calculadas
pela distribuição binomial a partir de suas frequências gênicas, ou seja, estão
em Equilı́brio de Hardy-Weinberg. Com isso, se os indivı́duos preferirem, por
algum motivo, acasalar-se com indivı́duos aparentados, a população sai do
EHW.
Este acasalamento preferencial por indivı́duos aparentados pode ocorrer
simplesmente porque indivı́duos aparentados estão geograficamente próximos
e isolados de outros indivı́duos. Algumas cidades do interior de Minas Gerais
são conhecidas pelo alto grau de endogamia na população. São cidades pe-
quenas, onde as pessoas em geral guardam algum grau de parentesco umas
com as outras e os casamentos entre primos são comuns. Alguns animais de
hábito gregário também apresentam um alto grau de endogamia.
Populações muito pequenas sempre apresentam algum grau de endoga-
mia, já que os membros destas populações compartilham ancestrais recentes.
Tecnicamente a endogamia é constituı́da pela ancestralidade comum entre
pares de acasalamento.

2.2 A endogamia Medida em uma Famı́lia (f )


Para compreender a endogamia em termos populacionais, é preciso re-
lembrar o que significa a endogamia em termos individuais, ou familiares. Se
tivermos um acasalamento entre indivı́duos aparentados, é possı́vel que um
fruto deste acasalamento tenha dois alelos idênticos por descendência (aid ).
A figura 1 mostra a probabilidade de termos 2 aid num casamento entre
primos. Esta probabilidade é chamada de f .
Repare que para que o indivı́duo IV-1 tenha dois alelos idênticos por
descendência, ele deve ter herdado, por exemplo, o alelo A1 de sua avó, e
deve apresentá-lo em dose dupla.
Com isso, temos que a probabilidade de que IV-1 tenha dois alelos A1
idênticos, herdados de sua avó, é dada por:
 6
6 1 1
P (A1 /A1 ) = (0, 5) = = (12)
2 64
No entanto, isso não esgota as possibilidades de um indivı́duo ter dois ale-
los idênticos por descendência, uma vez que esta condição também pode ser
encontrada em A2 /A2 , A3 /A3 e A4 /A4 , ou seja, do acasalamento entre primos

24
Figura 1: Probabilidade do indivı́duo IV-1 ter herdado dois alelosA1 de sua
avó e portanto ter dois alelos idênticos por descendência. As setas em cinza
mostram quais são as rotas que devem ter sido seguidas pelo alelo A1 até o
indivı́duo IV-1 e com quais probabilidades.

podem surgir 4 genótipos diferentes compostos por alelos idênticos por des-
cendência. A probabilidade de se obter dois alelos idênticos por descendência
no casamento entre primos será então dada por:
1 1
P(aid,primos) = .4 = (13)
64 16

2.3 O Coeficiente de Endogamia (F )


Saindo do nı́vel individual e indo para o populacional, pode-se dizer que
se em uma determinada população o acasalamento entre indivı́duos aparen-
tados for comum, existe a probabilidade de encontrar um indivı́duo que tenha
dois alelos idênticos por descendência quando fazemos uma amostragem ale-
atória da população. Esta probabilidade é chamada de F 21 , ou coeficiente de
endogamia. Este F pode ser compreendido como uma medida populacional
e não a simples probabilidade de um indivı́duo ter dois alelos idênticos por
descendência.
Sendo assim, não basta saber quais as frequências dos alelos na população
para poder prever as frequências genotı́picas, como fazı́amos com uma popu-
lação em EHW. É preciso levar em conta o valor de F, ou a probabilidade de
encontrar indivı́duos com indexalelos idênticos por descendênciaalelos idênti-
cos por descendência, frutos de acasalamentos entre indivı́duos aparentados.
21
Repare que este é um F maı́usculo, diferente do minúsculo, que se aplica apenas em
genealogias.

25
Para tentar compreender o que acontece quando há endogamia, pense numa
planta que faz auto-fecundação22 . Se tomarmos um indivı́duo heterozigoto,
A/a (p = 0, 5; q = 0, 5), na primeira geração, apenas metade de sua prole será
heterozigota, a outra metade será dividida entre indivı́duos A/A e a/a, que
por sua vez só produzirão, deste ponto em diante, indivı́duos homozigotos.
Na segunda geração, somente metade dos heterozigotos gerará indivı́duos
heterozigotos e assim por diante. Isso significa que sob endogamia, o número
de heterozigotos é reduzido a cada geração.
A figura 2 mostra o gráfico com as frequências relativas de homozigotos
(representados apenas por A/A) e heterozigotos (A/a) a cada geração, con-
siderando que a população se iniciou com um indivı́duo heterozigoto, e que
depois disso todos os descendentes se reproduziram por auto-fecundação.

Figura 2: Frequências dos genótipos A/A e A/a em uma população que se


reproduz exclusivamente por autofecundação. A primeira geração é com-
posta apenas por indivı́duos A/a. A cada geração, a frequência de A/a vai
diminuindo à metade, e as frequências de homozigotos vão aumentando. A
frequência de a/a não foi representada porque se sobrepõe à de A/A.

Em termos matemáticos, precisamos saber o quanto os homozigotos são


aumentados e os heterozigotos diminuı́dos pela endogamia. Os cálculos em
geral são bastante simples e intuitivos: devemos primeiro calcular o quanto da
heterozigozidade foi perdida devido à endogamia. Com isso devemos subtrair
uma porção dos heterozigotos, que equivale a 1 − F :
22
o grau máximo de endogamia que pode haver, cujo F = 1.

26
A/a = 2pq(1 − F ) (14)

A/a = 2pq − 2pqF (15)


onde A/a é a proporção observada de heterozigotos, e 2pq é a proporção
esperada de heterozigotos pelo EHW.
Repare que 2pqF foi retirado dos heterozigotos, o que significa que este
valor deve ser acrescentado aos homozigotos na mesma proporção, já que a
soma das frequências genotı́picas em uma população sempre deve ser igual a
1. Assim:

A/A = p2 + pqF (16)

a/a = q 2 + pqF (17)


Onde A/A e a/a são as frequências observadas de homozigotos dominan-
tes e recessivos; e p2 e q 2 são as frequências esperadas destes genótipos pelo
EHW.
Estas fórmulas mostram a comparação das frequências gênicas esperadas
sob endogamia com as esperadas pelo EHW. Com a endogamia, há deficiência
no número de heterozigotos igual a 2pqF e um excesso de cada homozigoto
igual à metade da deficiência de heterozigotos (pqF ).
Mais adiante vamos lidar com a estatı́stica F de Wright, uma importante
ferramenta no estudo de genética de populações. Na estatı́stica F, a subdivi-
são das populações é encarada de modo hierárquico, para que uma descrição
mais precisa da dinâmica populacional seja possı́vel. Por enquanto, basta
saber que o F que nós acabamos de descrever corresponde ao FIS , ou seja, o
F medido entre os Indivı́duos dentro de cada subpopulação.
Se os valores de p e q forem conhecidos, bem como a quantidade de
heterozigotos presentes na população, então o F é dado por:

A/a = 2pq − 2pqFIS (18)

2pq − A/a
FIS = (19)
2pq

27
2.4 A Endogamia Sozinha Não Altera as Frequências
Gênicas
O ponto mais importante que deve ser observado é que a endogamia por si
só não altera as frequências gênicas de uma população. Conforme já foi dito,
ela altera as frequências genotı́picas, mas as frequências gênicas permanecem
inalteradas. Com isso, pode-se dizer que a endogamia isoladamente não é
um mecanismo evolutivo, já que não provoca evolução.
No entanto, se pensarmos em seleção natural + endogamia, o cenário se
modifica.
Imagine uma população que tenha a frequência q de um alelo recessivo
muito raro de 0,01. Pelo equilı́brio de Hardy-Weinberg, a probabilidade de se
obter um indivı́duo homozigoto para este alelo é q 2 = 0, 0001. No entanto, se
houver endogamia, com F = 0, 5, a probabilidade de se obter este indivı́duo
homozigoto sobe para q 2 + 2pqF = 0, 01 (100 vezes maior!). Assim, se este
alelo recessivo for deletério, a chance de que seja detectado pela seleção na-
tural é muito maior quando há endogamia do que quando os acasalamentos
se dão ao acaso.
Neste caso, a endogamia colabora para acelerar o processo de seleção
natural e portanto colabora para que haja evolução. Falaremos mais sobre
as consequências de endogamia combinada à seleção no capı́tulo 7, que será
dedicado à seleção natural.

2.5 Cenário Adaptativo


Conforme veremos quando estudarmos seleção natural, as populações po-
dem ser teoricamente colocadas em um cenário adaptativo. Imagine uma
serra, como a Mantiqueira. Há picos e vales, comparáveis aos picos e vales
adaptativos nos quais podem encontrar-se as populações. A coisa funciona
mais ou menos assim: a seleção natural atua no sentido de manter as popu-
lações em picos adaptativos altos. Isso significa que sempre que aparecer um
indivı́duo menos adaptado, ele será eliminado pela seleção23 .
No caso de doenças genéticas recessivas, a seleção natural só é capaz
de eliminar indivı́duos que sejam duplo recessivos. Com isso, e se houver
acasalamentos ao acaso, muitos alelos recessivos deletérios são mantidos na
população, escondido nos heterozigotos24 (ver item sobre heterozigozidade em
23
deixará menos descendentes que os outros melhor adaptados e tenderá a ter seus alelos
extintos pela seleção natural
24
o conjunto de alelos deletérios recessivos escondidos nos heterozigotos é chamado de
carga genética. É muito comum que a imprensa leiga erroneamente chame o genoma, ou
o material genético de um indivı́duo de carga genética.

28
EHW). No entanto, se por algum motivo uma população anteriormente pan-
mı́tica começar a fazer acasalamentos endogâmicos, haverá uma alta frequên-
cia de indivı́duos duplo heterozigotos para os alelos recessivos (com frequência
q 2 + pqF ). Estes indivı́duos serão obviamente banidos pela seleção natural.
Assim, valor adaptativo médio da população cairá, de modo que a população
entrará em um vale adaptativo. Se conseguir sobreviver a este vale, a popu-
lação terá as frequências dos alelos deletérios recessivos diminuı́da, de modo
que vai começar a subir em outro pico adaptativo. Como estes alelos terão
frequência menor, o próximo pico adaptativo será ainda maior.
A conclusão disso é que o inı́cio da endogamia em uma população an-
teriormente panmı́tica pode ter consequências terrı́veis para a população, e
pode mesmo levá-la à extinção. No entanto, com o passar das gerações, e se
a população conseguir sobreviver, ela entrará em um novo pico adaptativo,
mais alto que o anterior.

29
3 Eventos Estocásticos e Deriva Genética
3.1 Introdução
Um dos pressupostos para que uma população permaneça em equilı́brio
de Hardy-Weinberg e não tenha as frequências alélicas modificadas ao longo
das gerações é que ela tenha tamanho infinito 25 . Dado que nenhuma popu-
lação cumpre este requisito básico, pode-se concluir que nenhuma população
permanece sem modificações nas frequências gênicas.
O mecanismo evolutivo envolvido no tamanho das populações é a deriva
genética. Para entender o conceito de deriva genética, pense em um navio no
meio do Oceano Atlântico, sem leme e sem vela. Diz-se que este navio está
à deriva e é impossı́vel saber onde vai atracar, já que certamente, mais cedo
ou mais tarde, vai atracar em algum lugar (se ignorarmos a possibilidade de
naufrágio, obviamente). Bom, com as frequências gênicas em uma população
ocorre um fenômeno similar: a cada geração a frequência de um alelo aumenta
ou diminui um pouco, fazendo com que mais cedo ou mais tarde acabe se
fixando.

3.2 Deriva Genética


As frequências dos alelos podem variar ao acaso ao longo do tempo por
um processo chamado de Deriva genética. Imagine uma população com 10
indivı́duos, dos quais 3 têm o genótipo A/A, 4 apresentam o genótipo A/a e
3 o genótipo a/a. Existem, portanto, 10 alelos A nesta população e 10 a, de
modo que a frequência de cada gene é 0,5.
Admita que a seleção natural não esteja atuando. Quais serão as frequên-
cias gênicas na próxima geração? A resposta mais óbvia seria 0,5 de A e 0,5
de a. No entanto, esta é uma aproximação, não o que realmente ocorre.
Isso acontece porque os genes que farão parte da próxima geração são uma
amostra aleatória dos genes que fazem parte desta geração, portanto, se a
população for infinita, a proporção dos genes será idêntica à da geração an-
terior. Se a população for finita, sempre haverá algum desvio. Fazendo uma
analogia com um jogo de moedas, sabemos que a probabilidade de se obter
cara ou coroa é 0,5. No entanto, se jogarmos a moeda apenas duas vezes,
temos 50% de chance de obter duas caras ou duas coroas. Aumentando o
25
Repare que estamos falando de manter o EHW e não modificar as frequências alélicas.
Lembre-se que evolução foi definida como “alteração nas frequências gênicas. Lembre-se
também que para estar em EHW basta que os acasalamentos sejam aleatórios para o gene
em questão. Portanto, estamos dizendo que para que não haja evolução é preciso que as
populações sejam infinitas, o que obviamente nao acontece em nenhuma população real.

30
número de jogadas, a probabilidade de se obter sempre caras ou sempre co-
roas diminui (0, 5)n × 2. Assim, se jogarmos a moeda 3 vezes, teremos uma
chance de 0, 0625 × 2 = 0, 125 de obtermos só caras ou só coroas, se jogar-
mos 10 vezes, esta chance cairá para 0, 002 e assim por diante. Com isso,
pode-se prever que quanto mais jogadas fizermos, maior será a probabilidade
de termos proporções aproximadas a 50% caras e 50% coroas ao jogar uma
moeda.
Pensemos agora nos genes presentes em uma população. Se a população
tiver 10 indivı́duos, com 50% de cada alelo, A e a, a hipótese nula é a de que
esta população tenha também 50% de cada alelo na próxima geração. No
entanto, como são poucos os indivı́duos, é possı́vel que esta proporção seja
levemente desviada.
Ora, se nós definimos evolução como alteração das frequências gênicas em
uma população, isso significa que o simples fato de termos poucos indivı́duos
em uma população gera evolução, ou alteração nas frequências gênicas da
população. Indo um pouco além, é possı́vel perceber que mesmo numa po-
pulação muito grande as frequências gênicas não se mantêm absolutamente
inalteradas de uma geração para a outra, e que sempre há um desvio. Como
no caso do jogo de moedas, também pode-se inferir que quanto maior a po-
pulação, menor o desvio das frequências gênicas causado simplesmente pelo
acaso.

3.3 Deriva genética e distribuição binomial.


Considere uma população grande em EHW com alelos A e a em igual
frequência (1/2). Nesta população, as frequências dos genótipos são A/A,
A/a e a/a são p2 , 2pq e q 2 , respectivamente. Suponha que quatro indivı́duos
tenham sido amostrados aleatoriamente desta população para formar uma
colônia. É bem possı́vel, só por acaso, que todos eles sejam A/A [(1/4)4 =
1
256
].
De forma análoga é possı́vel que os quatro sejam a/a. Qualquer outra
combinação pode ser amostrada, e não é difı́cil trabalhar com as probabilida-
des de cada combinação a ser amostrada. Se a colônia continua tendo apenas
4 indivı́duos, o mesmo tipo de amostragem ao acaso dos alelos ocorre a cada
geração.
Em cada geração, há uma oportunidade de uma grande modificação nas
frequências gênicas causadas pelo processo de amostragem. Uma consequên-
cia da deriva fica logo evidente: eventualmente a população será composta
apenas de alelos A ou a. Uma vez que a população atinge este estado fi-
xado, ela para de evoluir. Somente novas mutações ou imigrações podem
reintroduzir a variação perdida.

31
No exemplo acima, foram amostrados quatro indivı́duos diplóides em cada
geração, o que é equivalente a amostrar 8 gametas ao acaso do pool 26 de
gametas disponı́veis. Isso é verdade se admitirmos que cada um dos quatro
indivı́duos produz um número infinito de gametas, que serão sorteados para
formar a próxima geração. Neste sorteio, apenas 8 gametas serão utilizados
para formar a nova geração de indivı́duos. Com 8 gametas, há nove possı́veis
combinações, sendo 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 ou 8 alelos A e o restante a.
A probabilidade de cada diferente combinação é dada pela distribuição
binomial. Cada indivı́duo será formado independentemente dos outros três,
e cada alelo sorteado tem 50% de chance de ser um alelo A (esta chance, ob-
viamente, varia com a frequência de A na população, neste exemplo estamos
considerando que A e a têm a mesma frequência, 0,5). Isso significa que a
1
chance de sortearmos oito alelos A é ( 12 )8 , ou 256 .
Na amostragem de uma população finita, o processo de amostragem
ocorre da maneira representada abaixo:
Nindivı́duos → ∞gametas → 2Ngametas → Nindivı́duos (20)
A cada geração, há N indivı́duos diplóides na população. Independen-
temente da forma que a fertilização ocorre, pode-se imaginar o processo de
amostragem como uma amostragem com reposição, de maneira que os indi-
vı́duos diplóides contribuam com um pool gênico essencialmente infinito cuja
frequência alélica é a mesma presente nos adultos que os geraram. Deste pool
infinito, 2N gametas são sorteados e unidos para formar a próxima geração.
Sob este tipo de processo, espera-se que a distribuição das frequências dos
gametas seja binomial.
Para dar um exemplo especı́fico, uma população com nove indivı́duos
diplóides surge de uma amostra de apenas 18 gametas, mas estes gametas fo-
ram sorteados de um pool de gametas virtualmente infinito. Como pequenas
amostras em geral não são representativas, as frequências dos genes numa
amostra assim tão pequena deve ser diferente do pool de gametas completo.
Assim, quando o número de gametas na amostra é 18 (2N ), a proba-
bilidade de que uma amostra contenha exatamente i alelos A é dada pela
probabilidade binomial:
2N i 2N −i
 
P r(i) = pq
i
 
(2N )!
Onde 2N i
= i!(2N −i)!
; p e q são, respectivamente, as frequências alélicas
de A e a no pool completo (p + q) = 1; e i pode ter qualquer valor entre
0 e 2N 27 . A nova frequência na população do alelo A (p0 ) será então 2N i

26
conjunto total
27
Não esqueça que qualquer número elevado à potência zero é igual a 1.

32
porque, por definição, a frequência do alelo A equivale ao número de alelos
A (no caso i) dividido pelo total de alelos (no caso 2N ).
Na próxima geração, o processo de amostragem ocorre novamente, e a
nova probabilidade do número de alelos A é dada novamente pela distribuição
binomial, com o p agora substituı́do por p0 e q por 1 − p0 . Com isso, as
frequências dos alelos muda ao acaso de uma geração para a outra.
A figura 3 28 mostra o comportamento de diferentes populações ao longo do
tempo. Apesar de ser impossı́vel prever o que acontecerá com cada população
sob deriva, é possı́vel prever o que acontecerá com um grande conjunto de
populações.

Figura 3: Alterações das frequências do alelo A em diferentes populações. O


conjunto de cima representa populações com 20 indivı́duos cada, o segundo
representa populações com 100 indivı́duos cada.

A figura 4 mostra os resultados de um experimento clássico de Drosophila,


(Buri, 1956) envolvendo 107 subpopulações com 16 indivı́duos em cada gera-
ção. Este experimento mostrou o que aconteceu a estas populações sob deriva
28
Procure em ftp://ftp.ufv.br/DBG/Bio240 um simulador de deriva genética, com o
qual você pode brincar à vontade.Faça várias simulações e conte quantas vezes cada um
dos alelos se fixou, e em quantas gerações isso aconteceu. Modifique o p inicial e veja o
que acontece. Modifique também o tamanho da população e compare os resultados.

33
depois de 19 gerações. Todas as populações começaram com uma frequência
gênica de 0,5, e quase todas elas fixaram A ou a (50% das vezes A e 50% das
vezes a).

Figura 4: Deriva genética em 107 populações de Drosophila melanogas-


ter.Cada população inicial consistia em 16 heterozigotos bw75 /bw (N =
16;bw = browneyes). A cada geração, 8 machos e 8 fêmeas foram sortea-
dos para serem os parentais da próxima geração. O eixo horizontal indica o
número de alelos bw75 presentes na população em cada geração. (Buri, 1956).

3.4 Paralelismo entre Deriva Genética e Endogamia


Considere quatro populações, cada uma começou com uma frequência
p = 0, 5 e cada uma evoluiu separadamente sob deriva e os acasalamentos
ocorreram ao acaso. Depois de um determinado número de gerações, cada
uma delas terá fixado um dos alelos, A ou a. Depois da fixação, os aca-
salamentos continuam ocorrendo ao acaso dentro de cada população. Com
isso, a frequência de heterozigotos dentro de cada população é exatamente a
esperada pelo EHW.
Se, no entanto, considerarmos as quatro subpopulações como uma única
população, teremos a seguinte situação: suponha que duas das quatro popu-
lações fixaram o alelo A, enquanto as outras duas fixaram o alelo a. Com
isso, a frequência do alelo A, considerando as quatro populações, é 0,5. Se
a frequência de A é 0,5, esperamos uma frequência de heterozigotos também
de 0,5, mas na verdade não temos nenhum heterozigoto na população!

34
Este efeito se deve à subdivisão das populações e à deriva que ocorreu
em cada uma delas, apesar dos acasalamentos continuarem sendo aleatórios.
Este efeito é conhecido como efeito Wahlund. Estamos agora em condições
de quantificar como populações divergem em frequências alélicas sob deriva
genética .
No último capı́tulo, medimos a endogamia pelo coeficiente de endogamia,
F, que é a probabilidade de sortearmos ao acaso numa população, dois alelos
idênticos por descendência (ou autozigotos). Mesmo que os acasalamentos
do exemplo anterior das quatro subpopulações tenham ocorrido ao acaso,
quaisquer dois alelos podem ser idênticos por descendência, só por causa do
tamanho pequeno das subpopulações. Portanto o valor de Ft não pode ser
zero.

Figura 5: Representação dos 2N gametas de duas gerações consecutivas de


uma população, t − 1 e t.

Repare na figura 5, ela mostra os 2N alelos da geração t − 1. Quando


da amostragem dos alelos para formar a geração t, o primeiro alelo a ser
amostrado pode ser qualquer um da geração t − 1, com igual probabilidade.
1
A probabilidade de que o segundo alelo seja igual ao primeiro é 2N , porque
esta é a frequência de cada um dos alelos da geração anterior. Por outro lado,
1
a probabilidade de que o segundo alelo seja diferente do primeiro é 1 − 2N .
No primeiro caso, a probabilidade de que os dois alelos sejam idênticos
por descendência é igual a 1(F = 1); no segundo caso, a probabilidade de
que os dois alelos sejam idênticos por descendência é Ft−1 , ou seja, a pro-
babilidade de que estes dois alelos já fossem idênticos por descendência na
geração passada.

35
1 1
 
Ft = + 1− F(t−1) (21)
2N 2N
Multiplicando ambos os lados por -1, temos:
1 1
−Ft = − − (1 − )Ft−1
2N 2N
Somando 1 dos dois lados, temos:
1 1
 
1 − Ft = 1 − − 1− Ft−1
2N 2N

1
1 − Ft = (1 − )(1 − Ft−1 )
2N
Quando estivermos em t1 :
1
1 − Ft1 = (1 − )(1 − F0 )
2N
Quando estivermos em t2 :
1
1 − Ft2 = (1 − )(1 − Ft1 )
2N
Substituindo as duas últimas fórmulas:
1 1
1 − Ft2 = (1 − )(1 − )(1 − F0 )
2N 2N
Então:
1 2
1 − Ft2 = (1 − ) (1 − F0 )
2N
Quando F0 = 0 :
1 2
1 − Ft2 = (1 − )
2N
Generalizando:
1 t
1 − Ft = (1 − ) (22)
2N
ou:

1 t
 
Ft = 1 − 1 − (23)
2N
Ou seja, o F aumenta um pouco a cada geração, e este aumento é inver-
samente proporcional ao tamanho populacional.

36
3.5 Tamanho efetivo
Nos cálculos mostrados até então, consideramos sempre populações de
tamanho estável geração após geração. Em situações reais, no entanto, isso
não é tão simples assim, e as populações variam de tamanho de uma geração
para a outra. Além disso, outro pressuposto que está implı́cito nas fórmulas
é que o número de machos e fêmeas é igual.
Para corrigir isso em populações reais, é preciso calcular o tamanho efetivo
da população (Ne ), ou seja, o número teórico de indivı́duos que teria o mesmo
nı́vel de deriva que a população real. Isso é necessário para que possamos
utilizar a equação 23 e calcular o aumento do F ao longo das gerações em
populações isoladas.
Pensemos um pouco...
Imagine uma população com um tamanho populacional bem grande, que
em uma determinada geração sofreu uma catástrofe e grande parte dos indi-
vı́duos morreram. Obviamente, sobreviver à catástrofe não é uma questão de
seleção natural, já que, só por acaso, o indivı́duo mais fértil e que atrai mais
fêmeas pode ter levado uma pedrada na cabeça quando o vulcão começou a
entrar em atividade. Se não foi seleção, foi o acaso...
Então suponha que esta população tenha o mesmo número de machos e
fêmeas, e que isso continuou assim após a catástrofe. Após a catástrofe e
depois que a lava esfriou, a terra ficou mais fértil, os competidores também
tiveram suas populações reduzidas, bem como os predadores. A população
em questão aumentou violentamente em poucas gerações. Com isso, antes
da catástrofe nossa população tinha 10.000 indivı́duos, a catástrofe matou
9.900 e deixou apenas 100 indivı́duos na população. O aumento subsequente
elevou o número de indivı́duos para 50.000. Agora precisamos pensar como
calcular os efeitos da deriva nesta população, ou o aumento do valor do F.
A primeira coisa que precisamos saber é o tamanho efetivo (Ne ) que
precisaremos utilizar. Se a população tivesse mantido constante seu tamanho,
o Ne seria o tamanho populacional a cada geração. No entanto, não foi isso
que aconteceu, e precisamos calcular o tamanho efetivo. Lembre-se de que
quanto menor a população maior o efeito da deriva (ou da amostragem dos
genes geração a geração).
Se em algum momento a população foi muito reduzida, nesta geração o
efeito da amostragem foi mais drástico, portanto espera-se uma redução na
variabilidade genética nesta população. Reduções na variabilidade levam à
diminuição do tamanho efetivo. Estudos empı́ricos em populações de labo-
ratório demonstraram que a melhor forma de calcular o tamanho efetivo de
populações que variaram muito em tamanho é calcular a média harmônica
do tamanho populacional ao longo de gerações, assim:

37
1 1 1 1 1 1 1
= ( + + + + ... + ) (24)
Ne t N0 N1 N2 N3 Nt
No nosso exemplo:
1 1 1 1 1
= ( + + ) = 272, 2
Ne 3 10000 100 50000
Repare que o tamanho efetivo é muito mais próximo do menor tamanho
que a população já teve que dos maiores, apesar do fato da população ter
passado mais tempo com tamanhos maiores 29 . Este fenômeno é conhecido
como “gargalo populacional”30 .
Outro fator que interfere no tamanho efetivo de uma população é a pro-
porção de machos e fêmeas (sex ratio). Isso acontece porque metade dos
alelos em cada geração tem necessariamente que provir de cada um dos se-
xos, e qualquer desvio à razão sexual aumenta as chances de ocorrer deriva,
em outras palavras, reduz o tamanho efetivo, que é dado por:
4Nf Nm
Ne = (25)
Nm + Nf
Em alguns paı́ses, a caça de algumas espécies é liberada e pede-se em
geral que sejam mais visados os machos que as fêmeas, já que um único
macho pode fecundar um número bem grande de fêmeas. Se pensarmos em
termos de deriva genética e variabilidade populacional, isso se constitui num
desastre. Só como um exemplo, se tivermos uma população com 500 machos
e 500 fêmeas, teremos um tamanho efetivo de 1000 indivı́duos, enquanto se
tivermos uma população 800 fêmeas e apenas 200 machos, teremos um tama-
nho efetivo de apenas 640. Estes números significam que a deriva atua com
mais força na segunda população, apesar de estas populações apresentarem
o mesmo número de indivı́duos total (1000).
29
Isso pode parecer estrano à primeira vista, mas uma análise mais detalhada pode
mostrar que isso faz sentido: quando a população teve seu tamanho muito reduzido, a
variabilidade genética certamente se perdeu. Se, por definição, o tamanho efetivo está
relacionado com a variabilidade, então uma redução brusca populacional reduz em muito
o tamanho efetivo.
30
Imagine que temos duas populações isoladas há pouco tempo. Se uma delas sofrer um
gargalo populacional, é possı́vel que se fique muito diferente da outra em pouco tempo,
acelerando os processos de diferenciação populacional ou mesmo de especiação.

38
4 Estrutura Populacional
4.1 Introdução
Até agora consideramos as populações como simples conjuntos homogê-
neos de genes. No capı́tulo 1 aprendemos que a palavra população não se
refere à espécie inteira, se refere a um grupo de organismos de uma mesma
espécie que vive em uma área geográfica suficientemente restrita para que
qualquer membro possa se casalar com qualquer outro do sexo oposto.
Você já deve ter parado para pensar que as populações reais não são
bem assim, os indivı́duos em geral estão espalhados em grandes áreas, que
apresentam habitats levemente diferentes que podem representar barreiras ao
movimento dos indivı́duos. É possı́vel inclusive detectar regiões com maior
densidade de indivı́duos que outras. Neste tipo de população, dificilmente
ocorrem os acasalamentos ao acaso, tão importantes para que a população
esteja em equilı́brio de Hardy-Weinberg.
De fato, os indivı́duos tendem a encontrar e acasalar com outros que
vivam no mesmo habitat local, grupo social ou faixa etária. A existência de
barreiras geográficas ou comportamentais geram populações estruturadas.
Diversas questões chave em evolução dependem da estruturação popula-
cional. As espécies se adaptam a microambientes locais? Como alelos favorá-
veis se espalham em uma determinada área? É possı́vel que haja especiação
em uma área restrita? Estas questões envolvem seleção natural, que será
tratada mais adiante, no capı́tulo 7 desta apostila. Neste capı́tulo vamos
estudar simplesmente como medir a estruturação populacional levando em
conta as heterozigozidades esperadas e observadas para tentar compreender
os efeitos da deriva genética nas populações. Nos capı́tulo 6 estudaremos o
fluxo gênico, e como ele contrabalança a deriva genética podendo evitar a
estruturação populacional.

4.2 Estrutura Populacional Hierárquica


Uma população apresenta estrutura populacional hierárquica quando suas
subpopulações podem ser agrupadas em nı́veis progressivamente inclusivos
nos quais os grupos pequenos estejam incluı́dos em grupos maiores, que por
sua vez possam ser incluı́dos em grupos ainda maiores e assim por diante.
Com isso, pode-se dizer que uma espécie tem distribuição disjunta, ocupando
grandes regiões geográficas, e que cada região contenha populações isoladas,
que por sua vez contêm subpopulações, que por sua vez podem estar subdi-
vididas em famı́lias, associações, colônias etc.

39
4.3 Reduções na Heterozigozidade
Segundo o princı́pio de Hardy-Weinberg (capı́tulo 1), se em uma popula-
ção os acasalamentos se derem ao acaso, e se um determinado lócus tiver dois
alelos com frequências p e q, a frequência esperada de heterozigotos é dada
por 2pq. Aprendemos também, nos capı́tulos 2 e 3 desta apostila, que tanto
a endogamia quanto a deriva genética provocam diminuição da heterozigozi-
dade, e que esta diminuição pode ser medida pelo coeficiente de endogamia,
ou F (probabilidade de sortear um indivı́duo com dois alelos idênticos por
descendência).
O F populacional é calculado com base nas frequências observadas e espe-
radas de heterozigotos , seguindo o raciocı́nio de que o F mede a diminuição
da heterozigozidade numa população, de modo que:

A/a = 2pq − 2pqF

ou

(2pq − A/a)
F = (26)
2pq
Nesta equação, A/a corresponde à proporção de heterozigotos observada
(heterozigozidade observada), enquanto 2pq corresponde à proporção de he-
terozigotos esperada por Hardy-Weinberg (heterozigozidade esperada).
Seria interessante então poder diferenciar a diminuição da heterozigozi-
dade provocada pela endogamia da provocada pela deriva genética31 . No
capı́tulo 2, foi mencionada a estatı́stica F de Wright, mais especificamente,
foi mencionado o FIS , que se refere ao aumento da probabilidade de sor-
tearmos, dentro de uma dada subpopulação, um indivı́duo contendo dois
alelos idênticos por descendência. Este aumento se deve aos acasalamen-
tos ocorrerem preferencialmente entre indivı́duos aparentados dentro de uma
subpopulação32 , ou seja, este aumento se deve aos efeitos da endogamia.
Se estivermos trabalhando com várias subpopulações e quisermos medir
o efeito da endogamia em todas elas ao mesmo tempo, temos que calcu-
lar, para as n subpopulações amostradas, a média observada de indivı́duos
heterozigotos
33
, e chamaremos esta média de HI.
31
Lembre-se que tanto a endogamia quanto a deriva reduzem a heterozigozidae. Se você
por acaso não se lembra como iso funciona, volte aos capı́tulos 2 e 3 antes de seguir adiante.
32
Repare que estamos falando de populações e subpopulações. Considere que dentro de
uma população haja subpopulações que podem ou não estar isoladas geneticamente.
33
Média da Heterozigozidade Observada.

40
H1 + H2 + H3 + ... + Hn
HI = (27)
n
Teremos também que calcular as frequências esperadas de heterozigotos
em cada subpopulação (2pi qi ) e calcular a média 34 para todas as subpopu-
lações. Chamaremos esta média de HS :
2p1 q1 + 2p2 q2 + 2p3 q3 + ... + 2pn qn
HS = (28)
n
A partir de HS e HI, seremos capazes de calcular o FIS , ou seja, a proba-
bilidade de sortear um indivı́duo com dois alelos idênticos por descendência
em uma população que se deve exclusivamente à endogamia dentro das sub-
populações:
HS − HI
FIS = (29)
HS
É possı́vel também calcular o F devido à subestruturação da população
(FST ), ou seja, calcular o F devido à deriva genética. Sabemos que o efeito
da deriva é diferenciar as subpopulações isoladas pela fixação de alelos (den-
tro de cada subpopulação a variabilidade diminui, mas ela aumenta entre
subpopulações).
Para este cálculo, devemos considerar o HS calculado acima e estimar o
HT, que é a heterozigozidade esperada para a população como um todo, ou
seja, a heterozigozidade calculada a partir das frequências médias de p e q
(p̄ e q̄ ) para todas as populações:
p1 + p2 + p3 + ... + pn
p̄ = (30)
n

q̄ = 1 − p̄ (31)

HT = 2p̄q̄ (32)

HT − HS
FST = (33)
HT
É possı́vel ainda calcular o F total, ou seja, a probabilidade de sortear
um indivı́duo com dois alelos idênticos por descendência em uma população
sem associar esta probabilidade à deriva ou à endogamia (FIT ). Para isso é
necessário utilizar o HI e o HT.
34
Média da Heterozigozidade Esperada.

41
HT − HI
FIT = (34)
HT
Em suma, a estatı́stica F de Wright, ou o ı́ndice de fixação, equivale à re-
dução na heterozigozidade esperada sob acasalamentos ao acaso em qualquer
nı́vel da hierarquia populacional relativo a qualquer outro nı́vel mais inclu-
sivo35 . Para calcular estes ı́ndices, basta saber qual seria a heterozigozidade
esperada para um determinado nı́vel (calculada a partir das frequências de p
e q no nı́vel desejado) e comparar com a heterozigozidade esperada em um
outro nı́vel hierárquico36 .
Estes cálculos são úteis para, por exemplo, saber se há mais diferenci-
ação entre subpopulações de regiões climáticas diferentes ou se a variação
está uniformemente dividida entre todas as subpopulações. Outro aspecto
interessante da estatı́stica F é poder separar fenômenos diferentes, tais como
a endogamia e deriva, já que a primeira diz respeito a aspectos compor-
tamentais dos indivı́duos, enquanto a segunda diz respeito à estruturação
populacional.

4.4 Divergência Genética entre Subpopulações


O FST , ou o ı́ndice de fixação calculado anteriormente, é amplamente
utilizado para medir diferenças genéticas entre subpopulações. As frequências
alélicas variam entre as subpopulações por causa de diversos processos, dentre
eles a deriva genética e a seleção natural.
A tabela 6 mostra nı́veis de divergência genética entre subpopulações
humanas e de outros organismos 37 .
Os valores de FST significam que a divergência genética entre subpopula-
ções humanas são muito pequenas. Da variação genética total medida entre
humanos (incluindo indivı́duos das três grandes “raças”), apeas 7% é atri-
buı́da à diferença entre as “raças”, o que significa que 93% da variação está
35
Se os indivı́duos não tiverem hábitos endogâmicos e a população não estiver estrutu-
rada (ou com subpopulações isoladas), a frequência observada de heterozigotos deve ser
aquela prevista pelo princı́pio de Hardy-Weinberg. Com isso, se a proporção de heterozi-
gotos for menor que a esperada, podemos inferir que a população está subestruturada. A
partir da estatı́stica F de Wright, é possı́vel saber em que nı́veis esta estruturação existe
e qual deles é mais importante.
36
Conforme já foi explicado, calcula-se a heterozigozidade esperada na população como
um todo (com as médias de p e q) e compara-se esta heterozigozidade com a heterozigozi-
dade média esperada para as subpopulações. Esta diferença fornece o nı́vel de estruturação
em subpopulações.
37
Fonte: Eletroforese de proteı́nas (vários loci - Nei, 1975).

42
Tabela 6: Heterozigozidade total (HT ), heterozigozidade média das subpo-
pulações (HS) e ı́ndice de fixação (FST ) para vários organismos
Organismo N. Populações N. loci HT HS FST
Humanos (principais “raças”) 3 35 0,130 0,121 0,069
Yanonamis 37 15 0,039 0,036 0,077
Mus musculus 4 40 0,097 0,086 0,113
Drosophila equinoxialis 5 27 0,201 0,179 0,109
Limulus 4 25 0,066 0,061 0,076
Lycopodium lucidulum 4 13 0,071 0,051 0,282

presente dentro de cada uma delas. De maneira similar, da variação gené-


tica total encontrada nos ı́ndios Yanonami do Brasil e da Venezuela, apenas
7.7% é devida a diferenças entre tribos, ou seja, 92,5% da variabilidade se
encontra dentro das tribos. Repare que os outros organismos incluı́dos na
tabela apresentam valores muito maiores de FST , enfatizando ainda mais as
pequenas diferenças encontradas entre grupos humanos, o que reflete
O valor de FST varia muito38 , o que pode ser atribuı́do ao fato de que o FST
é influenciado pelo tamanho das populações (que é o principal determinante
da intensidade daderiva genética), pela seleção natural, pelos padrões de
migração entre populações e outros fatores.

38
Quanto maior for o valor do FST , maior a estruturação das populações ou subpopu-
lações.

43
5 Variação I - Mutação
5.1 Introdução
Existem vários processos que criam39 novos tipos de variação genética
nas populações ou que permitem a reorganização da variação pré-existente,
tanto dentro de genomas quanto dentro e entre subpopulações. Dentre estes
processos, podemos citar a mutação, a recombinação gênica e o fluxo gênico.
No entanto, é praticamente consenso entre os geneticistas de populações que
a única fonte efetiva de variação genética é a mutação, ou seja, qualquer
modificação herdável no material genético.
Por mutações entendemos mutações de ponto (modificações de uma única
base), inserções e deleções em um único gene ou rearranjos cromossômicos.
A recombinação é muito importante, mas apenas permite que mutações que
ocorreram em diferentes genes (ou em regiões diferentes de um mesmo gene)
e em diferentes indivı́duos fiquem juntas em um único cromossomo. A mi-
gração, por sua vez, permite que as mutações se espalhem entre as subpo-
pulações. Com isso, a partir dos eventos de mutação, que podem ou não
ser seguidos de fluxo gênico e recombinação, a variação é introduzida nas
populações.
Apesar da importância das mutações, a maior parte dos genes muta em
uma taxa extremamente baixa (na ordem de 10−4 a 10−6 novas mutações por
gene por geração). Mesmo uma taxa tão baixa de mutação pode criar muitos
alelos mutantes já que, em uma população grande, cada um dos genes está
sujeito a mutações.
Numa população de N organismos diplóides, há 2N cópias de cada gene,
e cada uma tem uma probabilidade de mudar em cada geração. Só para
tomar como exemplo, se a taxa de mutação em humanos for de 10−9 por
par de nucleotı́deos por geração, então em cada gameta humano (cujo DNA
tem aproximadamente 109 pares de nucleotı́deos), haverá em média uma nova
mutação em cada geração. Com isso, cada óvulo fertilizado conterá em média
2 novas mutações. A população humana atual tem 6 bilhões de indivı́duos,
os quais devem conter aproximadamente 12 bilhões de novas mutações que
não estavam presentes na geração anterior. Neste capı́tulo, vamos estudar
diferentes modelos de mutações, que nos ajudarão a compreender como a
mutação interfere na evolução das populações.
39
Ou que fazem com que novas variantes passem a existir dentro de uma população.

44
5.2 Modelo 1: Mutações Irreversı́veis
Neste modelo, uma mutação cria um novo alelo, que não estava anterior-
mente presente na população. Isso significa que a frequência inicial do novo
alelo é muito pequena se a população for grande (sua frequência inicial na
população é 1/2N ). Mutações recorrentes nas gerações subsequentes podem
aumentar o número de alelos mutantes, mas este fenômeno por si só aumenta
a frequência dos mutantes de forma muito lenta.
Considere que o alelo A é o selvagem, enquanto a é o alelo mutante. Se
houver exatamente uma mutação por geração, então a frequência do alelo a
aumentará de acordo com a sequência 1/2N , 2/2N , 3/2N ,...
Portanto, a tendência de modificação das frequências alélicas como resul-
tado de mutações recorrentes (pressão de mutação) é muito pequena. Por
outro lado, o efeito cumulativo das mutações por longos perı́odos de tempo
pode ser apreciável. Uma única modificação nos pressupostos modelo de
Hardy-Weinberg nos ajudará a estudar os efeitos das mutações. Conside-
raremos por hora apenas mutações com efeito tão pequeno na aptidão do
organismo que a seleção natural 40 não é capaz de alterar a frequência des-
tas mutações41 . Também assumiremos que as mutações são irreversı́veis, o
que significa que um alelo a não sofre mutação reversa para A. Para evitar
complicações resultantes das modificações das frequências alélicas devidas ao
acaso, também consideraremos populações de tamanho infinito.
Considere um gene com dois alelos A e a e suponha que A muta para a
numa taxa de µ mutações por alelo A por geração (i.e. cada alelo A tem uma
probabilidade µ de mutar para a em cada geração). Seja pt a frequência de
A e qt a frequência de a na geração t (onde t = 0, 1, 2...). Em cada geração,
pt + qt = 1, já que A e a são os únicos alelos considerados.
Agora deduziremos a formula de pt (frequência de A na geração t) em
termos de pt−1 (frequência de A na geração anterior). Na geração t, pt inclui
todos os alelos A da geração t − 1 que não mutaram nesta geração, ou seja:

pt = pt−1 (1 − µ) (35)
No entanto, pelo mesmo raciocı́nio, pt−1 inclui todos os alelos A da geração
t − 2 que não mutaram naquela geração, ou seja:

pt−1 = pt−2 (1 − µ) (36)


Substituindo 35 em 36, temos:
40
sem seleção natural
41
Isto é o que chamamos de substituições neutras, ou seja, que não afetam a capaciade
de sobrevivência ou de reprodução do indivı́do que a cotém.

45
pt = pt−2 (1 − µ)(1 − µ) = pt−2 (1 − µ)2 (37)
Seguindo este raciocı́nio, teremos:

pt = p0 (1 − µ)t (38)
A figura 6 mostra a diminuição da frequência de A na população à medida
que o tempo passa, considerando µ = 10−4 . Repare que o número de gerações
requeridos até que A seja eliminado da população é muito alto.

Figura 6: Variação da frequência de A (p) em uma população cuja taxa de


mutação (µ) é igual a 10−4 .

5.2.1 simulação 3

No PVANet, abra o documento mutação.xls. Abra a planilha


“Recorrentes”.
Modifique à vontade os valores de µ e de p. Veja como pequenos
aumentos da taxa de mutação aumentam a velocidade de modi-
ficações nas frequências gênicas. Repare na escala do eixo X.

5.3 Modelo 2: Mutações reversı́veis


Neste modelo, além da mutação de A para a, consideraremos também a
mutação de a para A. Neste caso, a pressão de mutação sobre a frequência de

46
p ocorre em ambas as direções. A primeira tende a diminuir p (exatamente
como no modelo 1) e a reversa gente a aumentar p. Eventualmente uma
situação de equilı́brio, na qual a frequência de p fica constante de uma geração
para a outra, é alcançada. Neste ponto de equilı́brio, a perda de alelos A pela
mutação direta é compensada pelo ganho de alelos A pela mutação reversa.
Para deduzir o ponto de equilı́brio, suponha que a taxa de mutação direta
(de A para a) é µ por geração e que a taxa de mutação reversa (de a para A)
é ν por geração. Sejam pt e qt 42 as frequências dos alelos A e a na geração
t, de modo que pt + qt = 1. Um alelo A na geração t pode ter se originado
de uma de duas maneiras: ele pode ter sido um A da geração t − 1 que não
mutou para a (com probabilidade de 1 − µ), ou pode ter sido um alelo a da
geração t − 1 que mutou para A (com probabilidade ν). Assim:

pt = pt−1 (1 − µ) + (1 − pt−1 )v (39)


Para resolver equações deste tipo, um truque matemático pode ser bas-
tante útil. A idéia verificar se a relação entre t e t-1 pode ser expressa na
forma pt − A = (pt−1 − A)B, onde A e B sejam constantes dependentes
somente de µ e ν.
Simplificando, podemos obter pt = pt−1 B + A(1 − B).
Colocando a equação 39 na mesma forma, teremos pt = pt−1 (1−µ−v)+v.
Igualando os termos, é possı́vel deduzir que B = 1 − µ − ν e A(1 − B) = ν.
Consequentemente, A = ν/(u + ν). Portanto, é possı́vel reescrever a equação
39 na forma:
!
ν µ
pt − = pt−1 − (1 − µ − ν) (40)
µ+ν µ+ν
Como a relação entre pt−1 e pt−2 é a mesma que entre pt e pt−1 . a solução
da equação 40 é:
!
ν ν
pt − = p0 − (1 − µ − ν)t (41)
µ+ν µ+ν
Para compreender o que acontece com a frequência dos alelos depois de
muitas gerações, considere a equação 41 em 105 ou 106 gerações. Mesmo sa-
bendo que 1−µ−ν é um número muito próximo de 1, o valor de t pode ser tão
grande que eventualmente o valor de 1 − µ − ν tende a zero. Portanto, o lado
direito da equação tende a zero, e portanto pt atinge um valor que permanece
constante de uma geração para a outra. Este valor de p é chamado de valor
de equilı́brio deve ser representado por p̂. No caso de mutações reversı́veis,
42
qt = 1 − pt

47
o ponto de equilı́brio é atingido quando o lado direito da equação 41 é zero,
portanto:
ν
p̂ = (42)
µ+ν
A maneira pela qual pt converge para o valor de equilı́brio está mostrada
na figura 7 para o caso de µ = 10−4 e ν = 10−5 . Note que, qualquer que seja
a frequêcia inicial de A, a frequência alélica de A eventualmente chega a p̂,
0,00001
que neste exemplo será 0,0001+0,00001 = 0, 091. A figura 7 também indica que
a pressão de mutação é muito fraca para modificar as frequências alélicas, de
modo que a população requer dezenas de milhares de gerações para atingir o
equilı́brio.

Figura 7: Alteração da frequência de A sob pressão de mutação com intensi-


dades µ = 10−4 e ν = 10−5 .

5.3.1 simulação 4

No PVANet, abra o documento mutação.xls. Abra a planilha


“Reversı́veis”.
Modifique à vontade os valores de µ, de ν, de A1 e de A2 , que
são os valores iniciais de p em duas populações distintas. Veja
como modificações nas taxas de mutação direta e reversa alteram
o gráfico. Repare na escala do eixo X.

48
5.4 Probabilidade de fixação de um novo alelo mutante
neutro
Nos modelos anteriores assumimos que as populações têm tamanhos efe-
tivos infinitos, o que não é nada realı́stico. Num modelo mais acurado no
qual a população é finita, as modificações na frequência de um alelo mu-
tante depende não apenas da pressão de mutação, mas também dos sorteios
aleatórios geração após geração (deriva genética).
Já aprendemos no capı́tulo sobre deriva genética43 que amostras aleatórias
do pool gamético podem fazer com que alguns alelos sejam super-amostrados
na geração t + 1 em relação à sua frequência na geração t. Por outro lado,
outros alelos podem ser subamostrados. De fato, qualquer alelo tem uma boa
chance de ser pouco representado na próxima geração, fazendo com que ele
seja extinto da população. Para ser preciso, cada alelo da geração t tem uma
chance de aproximadamente 1/e = 0, 368 de não ser representado na geração
t + 1. Para entender por quê, considere um alelo α1 . A frequencia de α1 no
pool gamético é 1/2N e a frequencia de todos os outros alelos é 1 − 1/2N .
Como os genótipos da geração t + 1 são formados a partir do pool em sorteios
aleatórios de 2N alelos, a distribuição do número de alelos α1 e não-α1 na
geração t + 1 é dada por:
2N
1 1
   
α1 + 1 − α (43)
2N 2N
Onde α representa todos os alelos não-α1 . Portanto a probabilidade de
que α1 não seja representado em t + 1 é:
2N
1

1− ≈ 1/e = 0, 368 (44)
2N
É interessante notar que este número é quase uma constante de fato.
Mesmo quando o tamanho populacional é muito pequeno, os valores são bem
parecidos. A tabela 7 mostra o resultado da equação 44 para diferentes
tamanhos populacionais.
O importante da equação 44, é que, devido à deriva genética, cada alelo
tem um risco substancial de se extinguir em cada geração. À medida que
o tempo passa, as linhagens progressivamente desaparecem, uma a uma ou
em pequenos grupos. Eventualmente se atinge uma situação na qual todas
as linhagens alélicas, exceto uma, se extinguiram. Neste ponto, todos os
alelos da população serão idênticos por descendência de um determinado
alelo presente na população ancestral.
43
Ver capı́tulo 3 desta apostila.

49
Tabela 7: Probabilidade de que um alelo α1 não seja representado na próxima
geração em populações com diferentes tamanhos efetivos.
 2N
1
Ne 1 − 2N
2 0.316406
10 0.358486
20 0.363232
50 0.366032
100 0.366958
500 0.367695
103 0.367787
106 0.367879
109 0.367879
6.109 0.367879

Com isso, neste ponto de equilı́brio, todos os alelos presentes em uma


população podem ser descendentes de um novo mutante que surgiu na po-
pulação há várias gerações. Assim, existe uma probabilidade de que uma
mutação neutra nova eventualmente se fixe na população, e esta probabili-
dade é igual à frequência inicial do novo alelo na população (1/2N ). Repare
que, quanto menor for a população, maior será a probabilidade de que um
novo alelo mutante se fixe nesta população. Este processo de fixação, po-
rém, leva um tempo, em média 4N gerações (ou seja, quanto menor for a
população, mais rápido o novo alelo irá se fixar).

5.5 Modelo de alelos infinitos


Lembre-se que considerar apenas dois alelos por gene é apenas uma sim-
plificação para melhor compreendermos como funciona a genética de popu-
lações. Na verdade, a maioria dos genes tem muito mais que dois alelos. Isso
é muito importante para definir o nı́vel de variação genética sob pressão de
mutação. Uma medida conveniente da variação genética é a heterozigozidade
(proporção de genótipos heterozigotos). Se um gene apresenta mais hetero-
zigozidade que a esperada sob a pressão de mutação, então outras forças que
operam na natureza tendem a preservar a variação genética. Por outro lado,
se um gene apresenta menos heterozigozidade que a esperada pela pressão de
mutação, então estas forças tendem a eliminar a variação genética.
A heterozigozidade de um gene é função do número de alelos e de sua
frequência relativa (veja a tabela 3, do capı́tulo 1). Em princı́pio, o nú-
mero de alelos de qualquer gene pode ser muito grande. Por exemplo, uma

50
proteı́na com 300 aminoácidos é codificada por uma sequência de 900 nucleo-
tı́deos. Como cada nucleotı́deo pode potencialmente ser um A, um C, um G
ou um T, o número de alelos possı́veis é 4900 , que equivale a aproximadamente
10542 . Assim, podemos supor que cada nova mutação cria um alelo que não
existia na população. Isso é o chamado modelo de alelos infinitos. Ape-
sar de ser uma visão um tanto simplificada das mutações, este modelo pode
ser bastante útil na comparação com modelos mais complexos de frequências
alélicas observadas. No modelo de alelos infinitos, dois alelos idênticos são
necessariamente idênticos por descendência, por causa do pressuposto que
cada mutação cria um único alelo. Com isso, neste modelo, todos os genóti-
pos homozigotos são também autozigotos44 . Para medir a homozigozidade,
teremos que medir a autozigozidade. Considere que Ft é a probabilidade de
que, na geração t, dois alelos sorteados ao acaso sejam idênticos por descen-
dência, ou seja, um indivı́duo tomado ao acaso tenha dois alelos idênticos
por descendência (seja um autozigoto). Com isso, Ft mede a autozigozidade
na geração t. Pela fórmula 21, que mede o efeito do aumento de F devido à
deriva genética,
1 1
 
Ft = + 1− Ft−1
2N 2N
o F aumenta a cada geração devido ao sorteio aleatório dos alelos, que
podem ser idênticos por descendência por dois motivos: (i) o mesmo alelo
presente na geração t − 1 foi sorteado duas vezes, com probabilidade 1/2N ;
(ii) dois alelos diferentes de t−1 foram sorteados, mas estes dois alelos já eram
idênticos por descendência em t − 1, com probabilidade (1 − 1/2N )Ft−1 . Se
incluirmos mutações nesta fórmula, teremos que considerar que o termo 1/2N
só aumentará o F se nenhum dos dois alelos idênticos por descendência sofrer
mutação. Ou seja, o termo deve ser multiplicado por (1 − µ)2 . A potência
de dois indica que nenhum dos alelos pode ter sofrido mutação45 . Da mesma
forma, o termo (1−1/2N )Ft−1 só pode aumentar o valor de F se nenhum dos
alelos que eram idênticos em t − 1 e foram sorteados em t sofreram mutação.
Com isso, este termo também deve ser multiplicado por (1 − µ)2 .
A fórmula geral do modelo de alelos infinitos fica então assim:
1 1
 
Ft = (1 − µ)2 + 1 − (1 − µ)2 Ft−1 (45)
2N 2N
Reparando bem na fórmula, o efeito dos sorteios da deriva faz o F aumentar,
no entanto, o efeito das mutações faz o F diminuir, de modo que eventual-
44
Que equivale a dizer que são idênticos por descendência.
45
o que equivale a dizer que o primeiro alelo E o segundo alelo não sofreram mutações
- utilize a regra do produto neste raciocı́nio.

51
mente o F para de se modificar, atingindo um ponto de equilı́brio. O valor
do F no ponto de equilı́brio é dado por F̂ , no qual F̂ = Ft = Ft−1 . Subs-
tituindo Ft e Ft−1 por F̂ na equação 45 e ignorando os termos contendo µ2 ,
bem como µ/2N (porque são números muito pequenos), a solução é:
1
F̂ = (46)
1 + 4N µ
O F̂ assim calculado é uma excelente aproximação dos efeitos da deriva
e da mutação considerados juntos. Segundo este modelo, o número de alelos
seletivamente neutros sob pressão de mutação aumenta até que F atinja o
ponto de equilı́brio (F̂ ), que também é o valor de equilı́brio da autozigozidade.
Como um dos pressupostos do modelo de alelos infinitos é o de que cada
alelo só surge uma vez por mutação, todos os genótipos homozigotos são
de fato autozigotos. Portanto, o F̂ também pode ser interpretado como o
valor de equilı́brio da proporção de homozigotos. A equação 46, portanto,
oferece o equilı́brio da homozigozidade na população sem qualquer referência
às frequências alélicas.
Por outro lado, a maneira usual de calcular a homozigozidade esperada
com acasalamentos ao acaso para n alelos é:
n
= p21 + p22 + ... + p2n
X
(47)
i=1

Com isso, no equilı́brio46 , é possı́vel igualar as equações 46 e 47, portanto:


P 2
p i = F̂ = 1(4N µ + 1).
É necessário ressaltar que a homozigozidade é a proporção de genótipos
homozigotos em uma população, enquanto a heterozigozidade é a proporção
de genótipos heterozigotos47 . Assim, se a homozigozidade é dada por F̂ =
1/(4N µ − 1), a heterozigozidade será dada por 1 − F̂ = 4N µ/(4N µ + 1).
46
Note que no equilı́brio as frequências de homozigotos permanecem constantes, bem
como as de heterozigotos. Neste ponto faz sentido igualar as equações 46 e 47. Isto é
muito conveniente se pudermos partir do pressuposto que uma determinada população
está em equilı́brio mutação-deriva.
47
Neste ponto é muito importante refletir sobre o significado de heterozigozidade e ho-
mozigozidade. Repare que quanto maior a homozigozidade, maior o valor de F, e portanto
maior a probabilidade de que dois alelos numa população sejam idênticos por descendência.
Por outro lado, quanto maior a heterozigozidade, mais variável é a população. Conside-
rando variabilidade como um fator importante para a manutenção das espécies a longo
prazo, uma população vai estar tanto melhor quanto mais variável for. Pelas fórmulas
apresentadas, podemos deduzir que quanto maior a população, mais variável ela será. Ou-
tra maneira de aumentar a variabilidade é aumentando a taxa de mutação, o que pode
não ser muito positivo, uma vez que a grande maioria das mutações são deletérias.

52
A figura 8 mostra as equações 46 e 47 em populações com tamanhos po-
pulacionais diferentes (que variam de 2 a 100.000 indivı́duos) e uma taxa de
mutação de 10−5 . Repare que quanto maior a população, maior a heterozi-
gozidade esperada nesta população.

Figura 8: Frequência de homozigotos e heterozigotos sob pressão de mutação


com intensidade µ = 10−5 em populações de 2 a 100.000 indivı́duos.

5.5.1 simulação 5

No PVANet, abra o documento mutação.xls. Abra a planilha


“Alelos Infinitos”.
Modifique à vontade o valor de µ, e veja como isso afeta a velo-
cidade com que a população entra em equilı́brio mutação-deriva.
Repare o que acontece com uma taxa de mutação de 10−4 , e de-
pois com 10−5 , 10−6 ou 10−8 . Um padrão óbvio que emerge desta
simulação é que quanto mais alta for a taxa de mutação, maior a
frequência de heterozigotos na população e vice-versa.
Uma complicação na interpretação da equação 47 é que vários valores
de frequências alélicas resultam na mesma heterozigozidade. Por exemplo,
uma população em EHW tem 4 alelos com frequências p1 = 0, 7; p2 = 0, 1;
p3 = 0.1 e p4 = 0, 1. A homozigozidade desta população, dada pela equa-
ção 47 é de 0, 52. Da mesma forma, uma outra população em EHW, com

53
2 alelos, p1 = 0, 6 e p2 = 0, 4 também apresenta homozigozidade de 0, 52.
O prolema de vários dados resultarem na mesma homozigozidade pode ser
resolvido pelo pressuposto de que todos os alelos têm a mesma frequência.
Se a população contém n alelos igualmente frequentes, então p1 = p2 = p3 =
... = pn = 1/n; a homozigozidade pode então ser calculada pela equação 47
como p2i = n(1/n)2 . No equilı́brio, portanto, 1/n = F̂ = 1/(4N µ + 1), ou
P

n = 4N µ + 1. O número de n alelos igualmente frequentes é chamado de


número efetivo de alelos, simbolizado por ne . Várias distribuições de frequên-
cias alélicas podem ser comparadas em termos de seus números efetivos de
alelos. Biologicamente falando, ne é o número de alelos igualmente frequentes
requeridos para produzir a mesma homozigozidade conforme observado em
uma população real. Com isso, tanto a população de quatro alelos quanto
a de dois alelos do começo do parágrafo têm homozigozidade idêntica e o
mesmo número efetivo de alelos, ou ne = 1/0, 52 = 1.92.

5.6 Mutações Neutras


A hipótese de que grande parte do polimorfismo genético resulta de muta-
ções seletivamente neutras mantidas na população pelo balanço entre muta-
ções e deriva genética é conhecida como teoria neutra ou neutralidade seletiva
(Kimura 1968; King e Jukes 1969). Mutações introduzem novos alelos na po-
pulação e a deriva determina se um alelo vai ser fixado ou perdido (a maioria
é perdida). No equilı́brio, há um balanço entre mutação e deriva genética, de
forma que, em média, cada novo alelo adquirido por mutação é contrabalan-
çado por um alelo que foi extinto. O ponto de balanço para a homozigozidade
no modelo de alelos infinitos foi dado na equação 46.
A hipótese de neutralidade se pauta no princı́pio de que muitas mutações
têm um efeito tão pequeno no organismo que sua influência na sobrevivência
e reprodução é desprezı́vel. A frequência de alelos neutros presentes na popu-
lação não é, portanto, determinada pela seleção natural. Consequentemente,
se esta hipótese estiver correta, muito do polimorfismo observado pode não
ter qualquer significado na adaptação das espécies a seus respectivos ambien-
tes. Com isso, os estudos sobre a distribuição geográfica das populações, ou
mesmo a diferenciação entre espécies se beneficia do fato de se poder excluir
caracteres adaptativos, que poderiam ser tão sujeitos à ação do ambiente e
da seleção natural que poderiam haver convergências, fazendo com que os
padrões fossem confusos e de pouca utilidade.
Pela hipótese de neutralidade, a deriva genética é um importante meca-
nismo evolutivo que deve sim ser levada em conta em estudos de filogenia e
de populações. Alguns autores discordam desta visão. É importante frisar,
no entanto, que os defensores da teoria neutra não negam a importância da

54
seleção natural48 . Darwin, quando propôs a teoria da origem das espécies
pela seleção natural, não tinha idéia do que eram genes, não sabia da exis-
tência dos trabalhos de Mendel, não conhecia os cromossomos e muito menos
o DNA. Depois de todas estas descobertas, e depois da junção do Darwi-
nismo com o Mendelismo, começou a ser possı́vel o estudo da dinâmica das
populações através de modelos, que é o que estamos estudando neste curso.

48
Se você parar para refletir, a probabilidade de uma mutação que atinge uma sequencia
codificadora ou reguladora do genoma ser deletéria é muito maior do que a probabilidade
de ser neutra ou benéfica. Usando uma velha analogia, se for dada uma martelada no
motor de um carro, é muito mais provável que ele pare de funcionar ou que funcione
menos eficientemente do que antes. Outra possibilidade é que ele continue funcionando
do mesmo jeito, se a martelada atingir um ponto menos importante. Por outro lado,
uma martelada que faça o motor melhorar é de fato muito rara. Quando falamos de teoria
neutra, estamos falando dos alelos que se mantiveram na população, ou seja, que não foram
eliminados rapidamente pela seleção natural por serem muito deletérios ou diminuirem a
probabilidade de sobrevivência ou reprodução do organismos.

55
6 Variação II - Fluxo Gênico
6.1 Introdução
Numa população estruturada49 , a deriva genética promove a divergência
entre as subpopulações. A migração ou fluxo gênico, que é o movimento de
organismos entre subpopulações, promove o inverso, ou seja, torna homo-
gêneas as subpopulações, limitando o aumento de divergência entre elas, o
que fatalmente ocorreria caso elas ficassem totalmente isoladas (ou seja, não
trocassem genes). Os animais se movem de um lugar para o outro em busca
de comida ou pares de acasalamento. Pólen e sementes de plantas podem ser
carregados pelo vento ou transportados por animais. Bactérias podem se dis-
persar no ar, água, ou ser transportadas por seus hospedeiros. Qualquer que
seja o mecanismo,um gene pode mudar de localização de uma geração para
a outra. A este movimento damos o nome de fluxo gênico. Neste capı́tulo,
vamos tentar compreender o efeito homogeneizante da migração através de
modelos extremamente simples. É importante ter em mente que não basta
haver migração50 , é preciso que haja fluxo gênico.

6.2 Migração de mão única (modelo continente-ilha)


Quando a migração ocorre predominantemente de uma população X para
uma Y , sem migração reversa (de Y para X), então esta migração é dita de
mão única (one-way migration). Este tipo de migração ocorre principalmente
de uma população grande (continente) para uma pequena (ilha). Por sim-
plicidade, imagine um gene com 2 alelos, A e a, com frequências ṗ e q̇ na
população grande e p e q na população pequena.
Suponha que, em cada geração, ocorre a imigração de indivı́duos do con-
tinente para a ilha, e que estes imigrantes se acasalam com os ilhéus e contri-
buem com uma proporção m dos gametas que formam os zigotos da próxima
geração de ilhéus. Então, se pt−1 e pt são as frequências de A na população
da ilha em duas gerações consecutivas, é possı́vel dizer que:

pt = pt−1 (1 − m) + mṗ (48)


49
Numa população estruturada, os indivı́duos não realizam acasalamentos ao acaso de-
vido à estruturação geográfica, social ou etária da população. Consulte o capı́tulo 4, sobre
estrutura populacional para compreender melhor este conceito.
50
Andorinhas, por exemplo, fazem migração anual e nem por isso há necessariamente
fluxo gênico, uma vez que a população inteira se desloca de uma localidade para a outra. É
importante ressaltar que estes animais retornam aos locais de origem. O mesmo acontece
com as baleias jubarte, que migram dos pólos, ou áreas de alimentação para os trópicos,
ou áreas de reprodução.

56
Na equação 48, m é chamado de taxa de migração entre o continente
e a ilha. Com isso, (1 − m) corresponde aos indivı́duos que contribuem
com a próxima geração e não são migrantes51 , enquanto m corresponde aos
migrantes, que têm a frequência de A = ṗ. Subtraindo ṗ de ambos os lados
da equação e simplificando, temos:

pt − ṗ = (1 − m)pt−1 + mṗ − ṗ (49)

pt − ṗ = (1 − m)pt−1 + (m − 1)ṗ = (1 − m)pt−1 − (1 − m)ṗ

pt − ṗ = (1 − m)(pt−1 − ṗ)

Comparando p1 e p0 :

p1 − ṗ = (1 − m)(p0 − ṗ)

Comparando p2 e p1 :

p2 − ṗ = (1 − m)(p1 − ṗ)

Substituindo:

p2 − ṗ = (1 − m)(1 − m)(p0 − ṗ) = (1 − m)2 (p0 − ṗ)

Generalizando:

pt − ṗ = (1 − m)t (p0 − ṗ)

ou seja:

pt = ṗ + (1 − m)t (p0 − ṗ) (50)


A equação 50 expressa matematicamente o que intuitivamente se espera:
se a população da ilha receber constantemente imigrantes do continente, com
o passar do tempo as frequências gênicas da ilha vão ficar idênticas às do
continente.
A figura 9 mostra a variação da frequência do alelo A em uma ilha, que
recebe migrantes de um continente cuja frequência de A é diferente.
51
Ou seja, já estavam presentes na população da ilha.

57
Figura 9: Alteração da frequência de A devida à imigração em uma ilha cuja
frequência inicial de A é p = 0, 1. O continente próximo a esta ilha que envia
os migrantes tem ṗ = 0, 9, e a taxa de migração continente → ilha é m = 0, 1.

6.2.1 simulação 6

No PVANet, abra o documento migracao.xls. Neste documento


há três planilhas, que você pode acessar na parte de baixo da
página. Entre na planilha continente-ilha.
A planilha tem três células amarelas, que correspondem, respec-
tivamente à taxa de migração (m), à frequencia do alelo A no
continente, ṗ, e à frequencia inicial do alelo A na ilha, p0 . Mude
à vontade estes três valores, só não se esqueça que nenhum deles
pode ser menor do que zero nem maior que 1. Veja o que acontece
com diferentes taxas de migração e com diferentes valores de ṗ
e valores iniciais de p0 (quantas gerações seriam necessárias para
homogeneizar as duas populações?).

6.3 Modelo de ilhas:


No modelo de ilhas, uma pequena modificação do modelo continente-ilha
é proposta . Ao invés de duas populações, podemos lidar com várias ao

58
mesmo tempo considerando estas populações isoladas, como ilhas em um
arquipélago. Para utilizar o modelo, é necessário calcular a frequência média
do alelo A considerando todas as ilhas:
p1 + p2 + p3 + ... + pn
p̄ = (51)
n
Além disso, é preciso assumir que a migração ocorra de forma que a
frequência média do alelo A entre os migrantes de uma população para a ou-
tra também seja p̄. Agora considere uma subpopulação de uma das ilhas na
geração t. Se esta população recebeu migrantes na geração t − 1, que contri-
buı́ram com uma fração m dos alelos desta geração e que tinham frequência
de A = p̄, então a frequência de p desta ilha nesta população nesta geração
é dada por:

pt = pt−1 (1 − m) + p̄m (52)


Repare nas semelhanças entre as equações 48 e 52. Basicamente, a única
diferença é que o ṗ foi substituı́do por p̄. Com isso, os mesmos desdobramen-
tos matemáticos podem ser feitos a 52 gerando:

pt = p̄ + (1 − m)t (p0 − p̄) (53)


A figura 10 mostra a variação da frequência gênica em 4 diferentes ilhas
devida à migração entre elas.

Figura 10: Alteração da frequência de A devida à imigração em quatro ilhas


cujas frequências iniciais de A eram p1 = 0, 0,p2 = 0, 3, p3 = 0, 7 e p4 = 1, 0.
A taxa de migração entre elas é m = 0, 05.

59
6.3.1 simulação 7

Ainda no documento migracao.xls, abra a planilha “ilhas”.


Nesta planilha é possı́vel manipular as frequências iniciais de p
em cada ilha bem como a taxa de migração (m) entre elas. Veja
quantas gerações de migrantes são necessárias para homogeneizar
as populações. Teste quantos valores desejar e quantas taxas
de migração tiver vontade e veja os efeitos de diferentes taxas
de migração na velocidade de homogeneização das frequências
alélicas.

6.4 Como a migração limita a divergência genética


É impressionante o quão poucas migrações são necessárias para deixar
as populações homogêneas. Para compreender o efeito homogeneizante das
migrações, lembre-se do nosso modelo de deriva genética esboçado na equação
21 (capı́tulo 3):
1 1
 
Ft = + 1− Ft−1
2N 2N
Segundo este modelo, o F de uma geração é o resultado da soma de todos
alelos idênticos por descendência desta geração (1/2N ) com os alelos que
já eram idênticos por descendência na geração passada (1/2N )Ft−1 . Com
isso, o F aumenta a cada geração dentro de uma subpopulação. Vimos
também que se uma grande população for subdividida em várias pequenas
subpopulações, cada uma delas terá o F aumentado52 . Como o F no fundo é
uma medida da variabilidade genética dentro de uma subpopulação53 , quanto
maior o F , menor a variabilidade dentro das subpopulações, e portanto maior
a variância, ou a divergência entre populações.
Quando avaliamos o efeito das mutações sobre o F , chegamos à conclusão
de que era preciso multiplicar cada termo à direita da equação acima por
(1−µ)2 (veja a equação 45), uma vez que dois alelos só poderiam ser idênticos
por descendência caso ambos não sofressem mutações. Considerando o caso
da migração, a situação é bem parecida, e podemos utilizar a mesma fórmula,
apenas trocando o µ, que era a taxa de mutação, por m, que é a taxa de
migração. Com isso, a equação 46, que era escrita desta maneira:
52
O F aumentou porque tamanho efetivo em cada população foi reduzido pela divisão.
53
Lembre-se do capı́tulo 5, onde foi demonstrado que 1-F é igual à heterozigozidade
em uma população, uma vez que F pode ser igualado à homozigozidade. Não lembra?
Consulte o capı́tulo sobre mutações!

60
1
F̂ =
1 + 4N µ
pode ser tranquilamente escrita desta outra maneira, só que agora consi-
derando a taxa de migração, ao invés da taxa de mutação:
1
F̂ = (54)
1 + 4N m
Para tentar compreender como isso é possı́vel, imagine uma população
que recebeu migrantes de outra população. Se estas duas populações esta-
vam isoladas, é razoável supor que a deriva genética atuou sobre elas no
sentido de reduzir a variabilidade dentro das mesmas. Consequentemente,
espera-se que a variabilidade entre as populações tenha aumentado, ou seja,
que as populações tenham frequências alélicas diferentes. Portanto, quando
uma população recebe migrantes ela necessariamente altera suas frequências
gênicas (e o número de alelos diferentes aumenta, aumentando a variabili-
dade). Se a variabilidade é maior, então isto deve ter um efeito negativo no
F , que em última instância, mede a diminuição da variabilidade.
Repare que quanto maior for o número de migrantes, mais diversa se
torna a população, já que os alelos migrantes estarão em frequência maior na
população, ou seja, menor ainda vai ser o F . Observe atentamente a equação
54. Nela, é dito que no equilı́brio migração-deriva, os efeitos da deriva (que
tendem a aumentar o F ) são contrabalançados pelos efeitos da migração,
exatamente como fazia a mutação. No entanto, a taxa de migração em uma
população é necessariamente muito maior que a de mutação.
Como o número de migrantes por geração é igual a Nm, a equação 54
mostra que a diminuição de F com o aumento de Nm é extremamente rápida,
conforme mostrado na figura 11. No caso extremo de isolamento completo
entre populações, N m = 0 e F̂ = 1.
N m = 0, 25 (um migrante a cada 4 gerações) F̂ = 0, 50
N m = 0, 5 (um migrante a cada 2 gerações) F̂ = 0, 33
N m = 1 (um migrante por geração) F̂ = 0, 20
N m = 2 (dois migrantes por geração) F̂ = 0, 11
A implicaçao da figura 11 é que a migração é uma potente força contra a
divergência genética entre populações.
No entanto, é preciso estar atento para não superestimar o efeito homo-
geneizador da migração. A medida da divergência genética dada na figura 11
é o FST , um valor predominantemente determinado por alelos polimórficos
em frequências intermediárias. Alelos raros presentes em uma subpopulação
e ausentes em outras dificilmente exercerão algum efeito no FST . Como são

61
Figura 11: Diminuição no ı́ndice de fixação entre subpopulações no equilı́brio
no modelo de ilhas de migração. A curva foi feita a partir da equação 54.
No modelo de ilhas, N m é o número de migrantes que chega a cada ilha por
geração.

raros, estes alelos dificilmente serão transportados pelos migrantes, a menos


que a taxa de migração seja muito alta54 . Com isso, alelos raros tendem
a permanecer em uma ou em poucas populações numa área restrita até que
sua frequência aumente o suficiente para que sejam dispersos por migração55 .
Um alelo encontrado em apenas uma subpopulação é dito alelo privado.

6.5 Padrões Reais de Migração


6.5.1 Introdução
A migração em populações reais é bem mais complexa que a assumida
em modelos de migração de ilhas. Na natureza, os migrantes em geral pro-
vêm das populações vizinhas. Uma vez que populações vizinhas devem conter
54
Isto é só uma questão de probabilidade. Quanto mais frequente for um alelo, maior
será a probabilidade de que ele esteja presente nos indivı́duos migrantes.
55
Repare que, numa população, sempre existirá uma probabilidade de que um alelo raro
simplesmente seja extinto. Por outro lado, uma vez que este alelo permanece na população,
existe uma probabilidade, ainda que pequena, que venha a ser fixado. Com isso, um alelo
raro pode se extinguir ou se tornar muito frequente, quando certamente será transportado
pelos indivı́duos migrantes com alta probabilidade.

62
frequências alélicas similares, os efeitos da migração são menores, e muitas ve-
zes muito menores que os preditos nos modelos. Populações naturais podem
estar distribuı́das em uma só dimensão, como o leito de um rio. Também
podem estar distribuı́das regularmente em duas dimensões, ou pode haver
uma grande população com estrutura genética interna causada por tendên-
cias ao acasalamento entre indivı́duos que nasceram numa mesma região.
Análises dos efeitos da migração neste tipo complexo de população são em
geral mais difı́ceis. Entre humanos, as taxas de migração dependem do sexo,
da idade, estado civil, status econômico, densidade populacional entre ou-
tros fatores. As taxas de migração também variam rapidamente. Portanto,
uma teoria completa, envolvendo todos os detalhes da migração, tende a ser
extremamente complexa.

63
7 Seleção Natural
Seleção natural é um mecanismo evolutivo bastante conhecido, inclusive
pelo público leigo, uma vez que foi o único mecanismo proposto por Darwin
na Origem das Espécies, onde ele enfatizava o efeito da seleção na luta pela
sobrevivência, definida por ele não como uma luta estrita ou direta. Nas
próprias palavras de Darwin:

Devo frisar que emprego o termo luta pela sobrevivência em


sentido lato e metafórico, que implica relações mútuas de depen-
dência dos seres organizados, e, o que é mais importante, não
somente a vida do indivı́duo, comom a sua aptidão e bom êxito
em deixar descendentes. Afirma-se que dois animais carnı́voros,
em tempos de fome, lutam um contra o outro em busca de alimen-
tos necessários para sua sobrevivência. Mas chegar-se-á a dizer
que uma planta, à beira de um deserto, luta pela sobrevivência
contra a falta de água, embora fosse mais correto dizer que a sua
sobrevivência depende da umidade. Poder-se-ia dizer com mais
exatidão que uma planta, que produz anualmente um milhão de
sementes, das quais uma, em média, chega a desenvolver-se e a
amadurecer por seu turno, luta com as plantas da mesma espécie,
ou espécies difeentes que cobrem já o solo. O visco56 depende da
macieira e de algumas outras árvores; ora, é somente no sentido
figurado que se poderá dizer que luta contra estas árvores, porque
se grande número de parasitas se estabelecerem na mesma árvore,
esta enfraquece e morre; porém, pode-se dizer que muitos viscos,
vivendo sobre o mesmo ramo e produzindo sementes lutam uns
contra os outros. Como são as aves que espalham as sementes
do visco, a sua sobrevivência depend delas, e dir-se-á, em sentido
figurado, que o visco luta contra as outras plantas que tenham fru-
tos, porque importa a cada planta levar os pássaros a comer os
frutos que produz, para disseminar as sementes. Emprego, pois,
para uma maior comodidade,o termo geral luta pela sobrevi-
vência, nos diferentes sentidos que se confundem uns com os
outros.

Dada a definição da luta pela sobrevivência, podemos partir para a defi-


nição de seleção natural dada por Darwin:
56
planta arbustiva hemiparasita, da famı́lia das Lorantáceas, nativa das regiões tem-
peradas da Europa e do Oeste da Ásia. Parasita diversas espécies de árvores - fonte:
Wikipedia

64
Devido a esta luta, as variações, por mais fracas que sejam e
seja qual for a causa de onde provenham, tendem a preservar os
indivı́duos de uma espécie e transmitem-se comumente à descen-
dência logo que sejam úteis a esses indivı́duos nas suas relações
por demais complexas com outros seres organizados e com as con-
dições fı́sicas da vida. Os descendentes terão, por si mesmos,
em virtude disso, maior probabilidade de sobrevida; porque, dos
indivı́duos de uma espécie nascidos periodicamente, um pequeno
número poderá sobreviver. Dei a este preceito, em virtude do qual
uma variação por mı́nima que seja, se conserva e se perpeta, se
for útil, a denominação de Seleção Natural.

As formulações modernas da seleção natural são menos literárias mais com-


pactas:

1. Em todas as espécies, são produzidos mais descendentes do que os que


conseguem sobreviver e se reproduzir;

2. Os organismos diferem em sua habilidade de sobreviver e se reproduzir


- parte desta diferença se deve a diferenças no genótipo;

3. Em cada geração, genótipos que promovam a sobrevivência no atual


ambiente estarão em maior número que os demais, na idade repro-
dutiva, e com isso contribuirão desproporcionalmente para a próxima
geração.

Através da seleção natural, portanto, alelos que aumentam a probabilidade


de sobrevivência e reprodução aumentam em frequência gradualmente na
população de uma geração para a outra, e a população se torna então mais
hábil em sobreviver e se reproduzir no ambiente. O aumento progressivo
nas habilidades de sobrevivência e reprodução resultantes da seleção natural
constitui o processo de adaptação.
Na breve descrição de seleção natural dada por Darwin e transcrita acima,
a palavra indivı́duo aparece três vezes. A unidade de seleção é o indivı́duo,
não a espécie ou a subpopulação. É a performance do indivı́duo que conta.
Cada indivı́duo compete na luta pela existência e sobrevive ou perece por si
mesmo. Darwin também utilizou o termo luta pela existência e sobrevivência
do mais adaptado como sinônimos de seleção natural, mas enfatizou que
empregou estes termos em sentido estritamente metafórico para incluir não
apenas a sobrevivência do organismo, mas também seu sucesso reprodutivo: a
fecundidade é tão importante quanto a sobrevivência. Neste capı́tulo, vamos
estudar de forma mais formal o que Darwin quis dizer com sobrevivência

65
do mais apto através das alterações das frequências alélicas esperadas por
seleção em modelos simplificados. Estes modelos mostram que a seleção
atua simultaneamente em diferentes componentes do fitness 57 , e pode operar
em diferentes nı́veis da estrutura populacional.

7.1 Valor Adaptativo ou Fitness


Consideraremos como valor adaptativo a probabilidade de sobrevivência e
reprodução de um determinado genótipo. O valor adaptativo, ou fitness será
representado pela letra w, sempre acompanhada por um sı́mbolo subscrito,
representativo do genótipo em questão. Uma vez que estamos estudando
seleção natural, a análise deve ser sempre comparativa, ou seja, é necessário
detectar qual dos genótipos efetivamente deixa mais descendentes para a
próxima geração (ou seja, teve maior probabilidade de sobrevivência até a
fase adulta, possui maior fecundidade, acasalou com mais parceiros, foi mais
criterioso no cuidado com a prole etc). A este genótipo que deixou mais
descendentes, atribuı́mos o valor 1 (o maior possı́vel, ou 100%). A todos os
demais genótipos deve ser atribuı́do um valor relativo ao maior. Só para citar
um exemplo muito simples, se na nossa sala de aula, Sicrano teve 3 filhos,
Fulano 2, Beltrano 1 e todo o resto não nos reproduzimos, poderı́amos dizer
que o valor adaptativo de Sicrano é 1, o de beltrano é 2/3, o de Beltrano 1/3
e o dos demais é 0 (zero). Vamos discutir melhor o termo e os cálculos do
valor adaptativo mais adiante, ainda neste capı́tulo.

7.2 Seleção em Organismos Diplóides


Para facilitar o estudo da seleção natural, considere o modelo de acasa-
lamentos aleatórios dado no capı́tulo 1, incorporando agora a seleção. Para
isso teremos que considerar que o valor adaptativo dos diferentes genótipos
varia. Neste modelo, assuma que a seleção atue nos genótipos diplóides58 .
Utilizaremos os sı́mbolos w11 , w12 e w22 para representar o fitness dos genó-
tipos A/A, A/a e a/a, respectivamente. A forma mais simples de interpretar
o fitness é em termos de viabilidade, que é a probabilidade de que um genó-
tipo atinja a idade reprodutiva. Se o fitness de cada genótipo é igual à sua
probabilidade de sobrevivência, este fitness é dito absoluto, porque seu valor
57
Ou valor adaptativo. Os principais componentes do fitness são a probabilidade de
sobrevivência, ou viabilidade e a probabilidade de reprodução, que se refere a caracteres
como fertilidade, capacidade de encontrar parceiros sexuais, probabilidade de cópula e
principalmente a probabilidade de sobrevivência e reproduação da prole
58
obviamente a seleção também atua em genótipos haplóides, e com qualquer outro nı́vel
de ploidia, este é só o modelo que estudaremos aqui.

66
é independente dos valores adaptativos dos outros genótipos. Na prática, fre-
quentemente se sabe apenas o valor da viabilidade de cada genótipo relativo
aos outros genótipos. Quando o valor do fitness é expresso em relação aos
outros genótipos, este fitness é chamado de relativo. Ao fitness relativo do
fenótipo escolhido como comparação é arbitrariamente atribuı́do o valor 1.
Considerando um exemplo especı́fico, suponha que os genótipos A/A, A/a
e a/a tenham probabilidades de sobrevivência de 0,75, 0,75 e 0,5, respecti-
vamente. Estas são as viabilidades absolutas de cada genótipo59 . Como a
seleção depende da magnitude da viabilidade, é mais conveniente expressar
as viabilidades em termos relativos. Tomando o genótipo (ou genótipos) de
maior viabilidade como padrão, a viabilidade relativa de A/A, A/a e A/a
serão 0, 75/0, 75; 0, 75/0, 75 e 0, 5/0, 75, ou 1,0, 1,0 e 0,5. Se tomarmos o
genótipo de menor viabilidade como padrão, nossos valores adaptativos se-
rão então 1,5; 1,5 e 1,0. No entanto, é bem mais conveniente calcular a
viabilidade relativa considerando que o genótipo de maior viabilidade seja
aquele de valor igual a 1. A viabilidade relativa é igual ao fitness relativo dos
genótipos coniderando que todos os genótipos são igualmente capazes de se
reproduzir60 61 .

7.3 Modificações nas Frequências Gênicas por Seleção


Natural
Se representarmos as frequências dos alelos A e a como pt e qt , respec-
tivamente, na geração t, então é possı́vel construir equações para inferir as
frequências alélicas em t em função das frequências em t − 1. Só para facilitar
a visualização das equações utilizaremos p0 e q 0 para pt e qt e p e q para pt−1
e qt−1 .
A relação entre as frequências alélicas entre duas gerações consecutivas
está deduzida na tabela 8, onde os valores adaptativos w11 , w12 e w22 repre-
sentam as viabilidades relativas.
Na geração t − 1, as frequências dos genótipos A/A, A/a e a/a entre os
ovos recém fertilizados são dadas por p2 , 2pq e p2 , respectivamente, assumindo
59
Estes valores podem ser considerados verossı́meis ou não depois de especificado o tipo
de organismo em questão. Se estivermos falando de aves ou mamı́feros, estes valores são
razoáveis, uma vez que a probabilidade de sobrevivência da prole destes organismos é
bastante alta. Por outro lado, em insetos ou moluscos estes valores tornam-se irreais uma
vez que a maior parte da prole não sobrevive.
60
isto significa que a seleção em questão atua apenas na viabilidade, e não na capacidade
reprodutiva - lembre-se que isso é mais uma simplificação da realidade.
61
A conveniência de utilizar valores relativos é que a viabilidade de moluscos e insetos
também poderia ser quantificada em 1,0; 1,0 e 0,5, sendo os valores absolutos 0,00075;
0,00075 e 0,0005.

67
Tabela 8: seleção natural em organismos diplóides para a sobrevivência (vi-
abilidade)
genótipo total
Geração t − 1 A/A A/a a/a 1 = p2 + 2pq + q 2
frequência antes da seleção p2 2pq q2
viabilidade w11 w12 w22
depois da seleção p2 w11 2pqw12 q 2 w22 w̄ = p2 w11 + 2pqw12 + q 2 w22

p2 w11 2pqw12 q 2 w22


normalizado w̄ w̄ w̄

p2 w11 +pqw12
Geração t p0 = w̄
pqw12 +q 2 w22
q0 = w̄

acasalamentos ao acaso. Por definição, ovos recém fertilizados sobrevivem


na proporção de w11 :w12 :w22 , e portanto a proporção A/A:A/a:a/a entre os
adultos será:
p2 w11 : 2pqw12 : q 2 w22
Para prosseguir, devemos converter os termos da expressão acima em
frequências relativas pela divisão de cada termo pela soma. O valor da soma
está indicado na tabela 8 como

w̄ = p2 w11 + 2pqw12 + q 2 w22 (55)


O sı́mbolo w̄ corresponde ao valor adaptativo médio da população na
geração t − 1. Dividir classe de sobreviventes por w̄ fornece as frequências
genotı́picas dos adultos:

p2 w11 2pqw12 q 2 w22


A/A = ; A/a = ; a/a = (56)
w̄ w̄ w̄
Entre os adultos sobreviventes, o genótipo A/A só produz gametas A, o
A/a produz gametas A e a (50% de cada) e o genótipo a/a produz apenas
gametas a. Portanto, as frequências dos gametas que se encontram ao acaso
para formar os zigotos da próxima geração são:

p2 w11 + pqw12 pqw12 + q 2 w22


A : p0 = ; a : q0 = (57)
w̄ w̄
Estas são as frequências dos alelos após seleção62 . A partir destas equa-
ções, o efeito da seleção pode ser deduzido.
62
Não esqueça que aqui p0 representa a frequência de A depois da seleção, e p representa
a frequência de A antes da seleção

68
Sempre que há alterações nas frequências gênicas, é conveniente conhecer
o ∆p, que é a diferença na frequência do alelo A em duas gerações conse-
cutivas, t-1 e t. Podemos representar por ∆p = p0 − p o resultado de uma
geração de seleção. Substituindo p’ pela equação 57, e w̄ pela equação 55,
teremos:
pq[p(w11 − w12 ) + q(w12 − w22 )
∆p = (58)

Demonstrando...
∆p = p0 − p

∆p = p2 w11 + pqw12 − p(p2 w11 + 2pqw12 − q 2 w22 )


Precisamos resolver o numerador, para isso, colocaremos p em evidência:
p(pw11 + qw12 − p2 w11 − 2pqw12 − q 2 w22 )
uma vez que p2 w11 = p(1 − q)w11 = pw11 − pqw11 ,

p(pw11 + qw12 + pw11 − pqw11 − 2pqw12 − q 2 w22 )


colocando q em evidencia:
pq(w12 + pw11 − 2pw12 − qw22 )
sabendo que 2pw12 = pw12 + pw12 , e que p = 1 − q:
pq(w12 + pw11 − pw12 − (1 − q)w12 − qw22 )

pq(w12 + pw11 − pw12 − w12 + qw12 − qw22 )

pq(pw11 − pw12 + qw12 − qw22 )

pq[p(w11 − w12 ) + q(w12 − w22 )]


Neste ponto, podemos observar um conjunto real de dados, que corres-
ponde às alterações nas frequências do alelo Cy em Drosophila melanogaster.
O alelo Cy é letal em homozigoze, portanto w11 = 0. A figura 12 mostra a
alteração da frequência dos indivı́duos heterozigotos para o alelo Cy. Como
Cy/Cy não sobrevive, a frequência alélica p de Cy equivale à metade da
frequência dos Cy/+ adultos. O experimento se iniciou com uma frequên-
cia de 0,67 Cy/+ adultos. Com isso, a as frequências iniciais dos alelos são
p0 = 0, 335 e q0 = 0, 665. Wright (1977) estudou estes dados e concluiu que
w12 = 0, 5 para os genótipos Cy/+, relativo ao valor de w22 = 1 para os
genótipos +/+.

69
Figura 12: Modificações nas frequências gênicas de adultos heterozigotos de
D. melanogaster (Cy/+), para o a mutação dominante Cy(asas curly) em
uma população experimental. w11 = 0, w12 = 0, 5 e w22 = 1 (Teissier 1942).
O valor adaptativo de w12 = 0, 5 foi estimado por Wright (1977).

7.4 Funcionamento da Seleção


Vamos a partir de agora compreender como a seleção funciona tendo
em vista diferentes tipos de seleção, ou seja, valores adaptativos diferentes
em diferentes genótipos. Veremos que as interações entre os alelos, como a
dominância, podem afetar a velocidade e a efetividade da seleção natural o
sentido de eliminar alelos deletérios para uma determinada população em um
determinado ambiente.

7.4.1 Seleção contra o homozigoto recessivo


Tomemos um exemplo simples, onde há dominância e o genótipo duplo
recessivo (a/a) é letal (inviabiliza o indivı́duo). Por outro lado, tanto A/A
quanto A/a têm, em média, 100% de chances de sobreviver. A tabela 9
mostra um exemplo matemático da seleção contra o homozigoto recessivo.
A geração de zigotos acabou de ser formada a partir da geração anterior
de adultos. Repare que a geração de zigotos em t = 0está em equlı́brio de
Hardy-Weinberg. A seleção aqui representada diz respeito à viabilidade dos
organismos, de modo que os zigotos a/a simplesmente não chegam à fase
adulta. Neste caso, o valor adaptativo de a/a = 0, uma vez que indivı́duos

70
que não chegam à fase adulta não poderão se reproduzir. Repare que as
freqüências de A e a serão diferentes na geração de adultos e de zigotos da
mesma geração. Esta diferença se refletirá na próxima geração de zigotos, que
também está em Equilı́brio de Hardy-Weinberg, mas levando em consideração
as novas freqüências gênicas da população.

Tabela 9: Seleção contra o homozigoto recessivo


A/A A/a a/a A a
zigotos (t = 0) 0,81 0,18 0,01 0,9 0,1
valor adaptativo (w) w11 w12 w11
1 1 0
adultos 0,81 0,18 0 p = 0,81×2+0,18
2×0,99
= 0, 91 q = 1 − p = 0, 09
zigotos (t = 1) 0,8281 0,1638 0,0081

Como todo mundo sabe, a seleção natural é um mecanismo que aumenta


a freqüência do gene mais apto na população. Veja na tabela acima que o
alelo mais apto é o A, posto que sua freqüência aumentou da formação dos
zigotos até os adultos. Este aumento de freqüência se deve exclusivamente
à viabilidade diferencial dos diferentes genótipos. Repare também que com
a exclusão do genótipo a/a, além da freqüência do alelo a ter diminuı́do, as
freqüências genotı́picas da próxima geração foram afetadas. A quarta linha
da tabela (Zigotos (t = 1)) se refere à previsão das freqüências genotı́picas da
geração 1. Se o processo ocorrer novamente, a freqüência de a vai diminuir
ainda mais. Repare também que esta seleção será mais lenta a cada geração
(à medida que a freqüência de a diminui, menor será a freqüência esperada
de a/a, e, portanto, menor a proporção de indivı́duos que não é viável e que
não deixa descendentes.
A figura 13 representa como a freqüência de a cai relativamente rápido nas
primeiras gerações. É importante mencionar que, apesar de diminuir muito
depressa, somente pelos efeitos da seleção natural, a freqüência de a jamais
chegará a zero, posto que os heterozigotos têm valor adaptativo máximo neste
exemplo, então o a jamais será eliminado.

7.4.2 Seleção contra o fenótipo dominante


A tabela 10 mostra um exemplo matemático da seleção contra o fenótipo
dominante. A geração de zigotos acabou de ser formada a partir da geração
anterior de adultos, na qual a seleção não estava atuando. Repare que a
geração de zigotos em t = 0 está em equlı́brio de Hardy-Weinberg. A seleção
aqui representada diz respeito à viabilidade dos organismos, de modo que

71
Figura 13: Representação da alteração da frequência de a em seleção contra
o homozigoto recessivo, w11 = 1, 0; w12 = 1, 0 e w22 = 0.

os zigotos A/A e A/a simplesmente não chegam à fase adulta. Neste caso,
o valor adaptativo de A/A e A/a é zero, uma vez que indivı́duos que não
chegam à fase adulta não poderão se reproduzir. Repare que as freqüências
de A e a serão diferentes na geração de adultos e de zigotos da mesma geração.
Esta diferença se refletirá na próxima geração de zigotos, que também está
em Equilı́brio de Hardy-Weinberg, mas levando em consideração as novas
freqüências gênicas da população. Repare que este tipo de seleção é muito
mais efetivo que a seleção contra o homozigoto recessivo.

Tabela 10: Seleção contra o fenótipo dominante.


A/A A/a a/a A a
zigotos (t = 0) 0,81 0,18 0,01 0,9 0,1
valor adaptativo (w) w11 w12 w11
0 0 1
adultos 0 0 0,01 p = 0,81×0+0,18×0
2×0,01
=0 q =1−p=0
zigotos (t = 1) 0 0 1

Neste caso, a freqüência inicial de A é 0,9 ( e a de a é 0,1). Repare que


se há dominância, o valor adaptativo de A/a é idêntico ao de A/A, o que
significa que todos os genótipos que contêm A são inviáveis, logo, só a/a é
viável e a freqüência de a nesta população será 1 em apenas uma geração.
A figura 14 mostra o gráfico que representa as modificações na freqüência de

72
a na população da tabela 10 durante 6 gerações. Repare que apenas uma
geração de seleção contra o fenótipo dominante é suficiente para fixar o alelo a
na população (portanto, se nenhum outro fator interferir, todos os indivı́duos
serão a/a daqui pra frente).

Figura 14: Representação da alteração da frequência de a em seleção contra


o fenótipo dominante, w11 = 0; w12 = 0 e w22 = 1.

7.4.3 Seleção a favor do heterozigoto (ou seleção balanceada)


A tabela 11 mostra um exemplo matemático da seleção a favor do ge-
nótipo heterozigoto, ou seleção balanceada. A geração de zigotos acabou de
ser formada a partir da geração anterior de adultos, na qual a seleção não
estava atuando. Repare que a geração de zigotos em t = 0 está em equlı́brio
de Hardy-Weinberg. A seleção aqui representada diz respeito à viabilidade
dos organismos, de modo que os zigotos A/A e a/a têm apenas 90% de
probabilidade de crescer e depois se reproduzir, enquanto A/a tem 100% de
probabilidade de crescer e se reproduzir, ou seja, tem valor adaptativo maior.
Repare que as freqüências de A e a serão diferentes na geração de adultos e de
zigotos da mesma geração. Esta diferença se refletirá na próxima geração de
zigotos, que também está em Equilı́brio de Hardy-Weinberg, mas levando em
consideração as novas freqüências gênicas da população. Agora a dinâmica é
um pouco diferente. Como a seleção é a favor do heterozitogo, as freqüências
gênicas tendem ao valor intermediário, de modo que a freqüência de a vai
aumentar até um limite, que está diretamente correlacionado com os valores

73
adaptativos de cada genótipo. Neste caso, como os valores adaptativos de
w11 e w22 são iguais, o valor tenderá a 0,5.

Tabela 11: Seleção a favor do heterozigoto.


A/A A/a a/a A a
zigotos (t = 0) 0,81 0,18 0,01 0,9 0,1
valor adaptativo (w) w11 w12 w11
0,9 1 0,9
adultos 0,729 0,18 0,009 p = 2×0,729+0,18×1
2×0,918
= 0, 892 q = 1 − p = 0, 108
zigotos (t = 1) 0,796 0,193 0,012

A figura 15 mostra um gráfico que representa as modificações na freqüên-


cia de a numa população onde ocorre seleção contra o heterozigoto durante
200 gerações. Repare que a freqüência inicial do alelo a é 0,1, conforme
indicado na tabela, e que esta freqüência vai aumentando aos poucos, até
que atinge 0,5. Não se esqueça de que se a freqüência do alelo a é 0,5, a
freqüência do alelo A também será 0,5. Portanto a seleção a favor do hetero-
zigoto, ao contrário da seleção direcional, mantém63 a variabilidade dentro
da população.

Figura 15: Representação da alteração da frequência de a em seleção a favor


do heterozigoto, w11 = 0, 5; w12 = 1 e w22 = 0, 5.

63
é muito importante aqui visualizar que este é o único tipo de seleção capaz de manter
a variabilidade dentro da população. Nas outras formas de seleção, ela atua no sentido de
eliminar a variabilidade

74
7.5 Cálculo do Valor Adaptativo
Sempre que você estiver pensando em seleção natural, estará na verdade
pensando nas alterações das freqüências gênicas ao longo das gerações. No
entanto, a seleção natural não atua sobre os alelos, ou sobre os genótipos, ela
na verdade atua sobre os fenótipos dos indivı́duos, ou seja, os fenótipos se
adaptam ao ambiente, e não os genótipos. Com isso, só é possı́vel calcular a
intensidade de seleção quando os genótipos têm correspondência direta com
os fenótipos, o que nem sempre acontece. Bom, nos poucos exemplos em
que podemos considerar que temos uma boa correspondência entre genótipos
e fenótipos, podemos calcular a intensidade de seleção sobre cada genótipo,
e, com isso, calcular os valores adaptativos de cada genótipo. A tabela 12
mostra um exemplo de como calcular o valor adaptativo de cada genótipo a
partir da comparação das freqüências genotı́picas em uma população medi-
das em duas gerações, a primeira antes e a segunda após a seleção natural.
O procedimento padrão é dividir a freqüência de um genótipo após a seleção
pela freqüência deste mesmo genótipo antes da seleção. É importante ressal-
tar que o número resultante pode ser maior ou menor do que 1 (um). Se
for maior, significa que a freqüência do genótipo em questão aumentou, se
for menor, significa que diminuiu. Conforme já mencionamos neste capı́tulo,
para facilitar as contas e padronizar o raciocı́nio, consideraremos também que
o(s) genótipo(s) de maior valor adaptativo terá(ão) SEMPRE valor adapta-
tivo=1, enquanto os demais terão valores entre 0 e 1. Para padronizar estes
valores, basta dividir todos os valores adaptativos encontrados pelo maior
deles. Observe atentamente o exemplo a seguir:

Tabela 12: Cálculo do valor adaptativo.


A/A A/a a/a A a
zigotos (t = 0) 0,81 0,18 0,01 0,9 0,1
adultos 0,648 0,0,126 0,006 0,912 0,088
valor adaptativo (w) w11 w12 w11

f.p.s 0,648 0,126 0,006


f.a.s 0,81 0,18 0,01

w relativo 0,8 0,7 0,6

0,8 0,7 0,6


w absoluto 0,8
= 1, 0 0,8
= 0, 875 0,8
= 0, 75

75
7.6 Significado do valor adaptativo médio
Conforme já vimos neste capı́tulo, o valor adaptativo médio é represen-
tado por w̄ e o modo como é calculado está mostrado na equação 55 deste
capı́tulo (w̄ = p2 w11 + 2pqw12 + q 2 w22 ).

76
Índice Remissivo
acasalamento preferencial, 7, 24 Equilı́brio de Hardy-Weinberg, 11–18,
acasalamentos ao acaso, 7, 11–16, 18, 20, 21, 24, 28, 39, 40
19, 24, 28, 34, 35, 39, 40, 66, equilı́brio mutação direta, mutação re-
68 versa, 47
adulto, 14 equilı́brio mutação-deriva, 50, 52
alelo mutante, 45 especiação, 38
alelo novo, 45 estatı́stica F de Wright, 42
alelo recessivo deletério, 28 estatı́stica F de Wright, 27, 40, 42
alelo selvagem, 45 estrutura populacional, 39, 41, 42
alelos idênticos por descendência, 24, eventos estocásticos, 30
25, 35, 40, 41, 49, 51 evolução, 9, 10, 14, 28, 31, 45
alelos mutantes, 44 extinção de alelos, 49
alelos recessivos raros, 18, 28, 29 extinção populacional, 29
amostra aleatória, 30
ancestralidade recente, 24 F-coeficiente de endogamia, 25–28, 35–
autozigotos, 52 37, 40, 41, 51
autozigozidade, 51 FIS, 40, 41
FIT, 41
balde de gametas, 12, 21 fixação de um alelo, 31, 34, 41, 50
barreiras ao fluxo gênico, 39 flutuações aleatórias, 7
fluxo gênico, 7
carga genética, 18, 28 forças evolutivas, 14
cenário adaptativo, 28 frequência genotı́pica, 8, 9, 11, 12, 14,
composição genética, 7 17, 22, 28, 31
cromossomo X, 20 frequência genotı́pica esperada, 11, 13,
deriva, 42, 52 14, 16, 17, 19, 25
deriva genética, 30, 31, 33–35, 37–42, frequência gênica ou alélica, 9–15, 17,
49, 51 18, 20–22, 25, 28, 30–32, 34,
diferenciação entre populações, 38, 42 40, 42, 47
diferenciação populacional, 42 frequências gênicas ou alélicas, 35
distribuição binomial, 12, 18, 31, 32 FST, 41–43
distribuição disjunta, 39 gameta, 14
dominância, 17 gametas infinitos, 32
efeito Wahlund, 35 gargalo populacional, 38
eletroforese de proteı́nas, 8 graus de liberdade, 13, 16, 17
endogamia, 7, 24–26, 28, 29, 34, 35, heterozigozidade, 9, 12, 18, 26, 52
40, 42

77
heterozigozidade esperada, 12, 18, 20, probabilidade binomial, 32
27, 34, 39–42, 50
heterozigozidade observada, 27, 34, 40 recombinação, 44
HI, 40, 41 seleção natural, 7, 9, 11, 14, 28–30,
homozigozidade, 19, 51, 52 37, 39, 42, 45, 66
homozigozidade esperada, 52 sobreposição de gerações, 11
HS, 41 subdivisão populacional, 7, 35
HT, 41 subpopulações, 27, 39, 41, 42, 44
ı́ndice de fixação, 42 tamanho da população, 15, 16, 31, 37
indivı́duos, 6 tamanho efetivo, 37, 38, 49
locus polimórfico, 9 tamanho efetivo histórico, 38
tamanho populacional, 49
marcadores moleculares, 17 teste de qui-quadrado, 13, 16, 17
mecanismos evolutivos, 10, 28, 30
medida de variabilidade, 9 valor adaptativo, 66
Mendel, 6, 14 valor adaptativo médio, 29
migração ou fluxo gênico, 7, 11, 14, variabilidade, 7, 9, 14, 31, 37, 38, 41,
31, 39, 44 44, 50, 52
modelo de alelos infinitos, 50, 51 variação genotı́pica, 7
modelo matemático, 10, 11, 13 viabilidade, 14, 67
mutação, 7, 11, 14, 31, 44, 50–52 zigoto, 12, 14, 21, 68
mutação reversa, 47
mutações deletérias, 52
mutações neutras, 45
mutações recorrentes, 45
mutações reversı́veis, 46, 47

pool gamético, 49
pool genético, 32
população, 6, 39
população finita, 30, 32, 49
população infinita, 11, 14, 30, 45, 49
população muito grande, 31, 37
população panmı́tica, 29
populações estruturadas, 39
populações pequenas, 24, 37, 49
pressupostos do equilı́brio de Hardy-
Weinberg, 11, 14, 18, 30
pressupostos do equuilı́brio de Hardy-
Weinberg, 45

78

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