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Karla Yotoko
9 de outubro de 2009
1
Sumário
1 Equilı́brio de Hardy-Weiberg 6
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.2 Definição de População . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.3 Variação Populacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.4 Cálculo das Frequências Gênicas . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.4.1 Exercı́cio 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.5 Modelagem Matemática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.6 O Princı́pio de Hardy-Weinberg . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.7 Implicações do Princı́pio de Hardy-Weinberg . . . . . . . . . . 13
1.7.1 Simulação 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.7.2 Exercı́cio 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.8 Complicações da Dominância . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.9 Frequência de Heterozigotos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.10 O princı́pio de Hardy-Weinberg aplicado a 3 ou mais alelos . . 18
1.10.1 Exercı́cio 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.11 Genes ligados ao cromossomo X . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.11.1 Simulação 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.12 Formação de Casais e o Princı́pio de Hardy-Weinberg . . . . . 21
4 Estrutura Populacional 39
4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.2 Estrutura Populacional Hierárquica . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.3 Reduções na Heterozigozidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
4.4 Divergência Genética entre Subpopulações . . . . . . . . . . . 42
2
5 Variação I - Mutação 44
5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
5.2 Modelo 1: Mutações Irreversı́veis . . . . . . . . . . . . . . . . 45
5.2.1 Simulação 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
5.3 Modelo 2: Mutações reversı́veis . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
5.3.1 Simulação 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
5.4 Probabilidade de fixação de um novo alelo mutante neutro . . 49
5.5 Modelo de alelos infinitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
5.5.1 Simulação 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
5.6 Mutações Neutras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
7 Seleção Natural 64
7.1 Valor Adaptativo ou Fitness . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
7.2 Seleção em Organismos Diplóides . . . . . . . . . . . . . . . . 66
7.3 Modificações nas Frequências Gênicas por Seleção Natural . . 67
7.4 Funcionamento da Seleção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
7.4.1 Seleção contra o homozigoto recessivo . . . . . . . . . . 70
7.4.2 Seleção contra o fenótipo dominante . . . . . . . . . . 71
7.4.3 Seleção a favor do heterozigoto (ou seleção balanceada) 73
7.5 Cálculo do Valor Adaptativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
7.6 Significado do valor adaptativo médio . . . . . . . . . . . . . . 76
Lista de Tabelas
1 Frequência dos genótipos do locus MN em diferentes popula-
ções humanas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2 Exemplo de Cálculo do χ2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
3 Razão entre heterozigotos/homozigotos recessivos considerando
diferentes valores de p e q. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3
4 Quadro de Punnet mostrando os resultados de acasalamentos
aleatórios de genes ligados ao X, com dois alelos, X A e X a . . 20
5 Cruzamentos aleatórios entre indivı́duos de genótipos diferen-
tes e os respectivos resultados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
6 Heterozigozidade total (HT ), heterozigozidade média das sub-
populações (HS) e ı́ndice de fixação (FST ) para vários orga-
nismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
7 Probabilidade de que um alelo α1 não seja representado na
próxima geração em populações com diferentes tamanhos efe-
tivos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
8 seleção natural em organismos diplóides para a sobrevivência
(viabilidade) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
9 Seleção contra o homozigoto recessivo . . . . . . . . . . . . . . 71
10 Seleção contra o fenótipo dominante. . . . . . . . . . . . . . . 72
11 Seleção a favor do heterozigoto. . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
12 Cálculo do valor adaptativo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Lista de Figuras
1 Probabilidade do indivı́duo IV-1 ter herdado dois alelosA1 de
sua avó e portanto ter dois alelos idênticos por descendência.
As setas em cinza mostram quais são as rotas que devem ter
sido seguidas pelo alelo A1 até o indivı́duo IV-1 e com quais
probabilidades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2 Frequências dos genótipos A/A e A/a em uma população que
se reproduz exclusivamente por autofecundação. A primeira
geração é composta apenas por indivı́duos A/a. A cada ge-
ração, a frequência de A/a vai diminuindo à metade, e as
frequências de homozigotos vão aumentando. A frequência de
a/a não foi representada porque se sobrepõe à de A/A. . . . . 26
3 Alterações das frequências do alelo A em diferentes popula-
ções. O conjunto de cima representa populações com 20 indi-
vı́duos cada, o segundo representa populações com 100 indivı́-
duos cada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
4 Deriva genética em 107 populações de Drosophila melano-
gaster.Cada população inicial consistia em 16 heterozigotos
bw75 /bw (N = 16;bw = browneyes). A cada geração, 8 ma-
chos e 8 fêmeas foram sorteados para serem os parentais da
próxima geração. O eixo horizontal indica o número de alelos
bw75 presentes na população em cada geração. (Buri, 1956). . . 34
4
5 Representação dos 2N gametas de duas gerações consecutivas
de uma população, t − 1 e t. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
6 Variação da frequência de A (p) em uma população cuja taxa
de mutação (µ) é igual a 10−4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
7 Alteração da frequência de A sob pressão de mutação com
intensidades µ = 10−4 e ν = 10−5 . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
8 Frequência de homozigotos e heterozigotos sob pressão de mu-
tação com intensidade µ = 10−5 em populações de 2 a 100.000
indivı́duos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
9 Alteração da frequência de A devida à imigração em uma ilha
cuja frequência inicial de A é p = 0, 1. O continente próximo
a esta ilha que envia os migrantes tem ṗ = 0, 9, e a taxa de
migração continente → ilha é m = 0, 1. . . . . . . . . . . . . . 58
10 Alteração da frequência de A devida à imigração em quatro
ilhas cujas frequências iniciais de A eram p1 = 0, 0,p2 = 0, 3,
p3 = 0, 7 e p4 = 1, 0. A taxa de migração entre elas é m = 0, 05. 59
11 Diminuição no ı́ndice de fixação entre subpopulações no equi-
lı́brio no modelo de ilhas de migração. A curva foi feita a
partir da equação 54. No modelo de ilhas, N m é o número de
migrantes que chega a cada ilha por geração. . . . . . . . . . 62
12 Modificações nas frequências gênicas de adultos heterozigo-
tos de D. melanogaster (Cy/+), para o a mutação dominante
Cy(asas curly) em uma população experimental. w11 = 0,
w12 = 0, 5 e w22 = 1 (Teissier 1942). O valor adaptativo de
w12 = 0, 5 foi estimado por Wright (1977). . . . . . . . . . . . 70
13 Representação da alteração da frequência de a em seleção con-
tra o homozigoto recessivo, w11 = 1, 0; w12 = 1, 0 e w22 = 0. . . 72
14 Representação da alteração da frequência de a em seleção con-
tra o fenótipo dominante, w11 = 0; w12 = 0 e w22 = 1. . . . . . 73
15 Representação da alteração da frequência de a em seleção a
favor do heterozigoto, w11 = 0, 5; w12 = 1 e w22 = 0, 5. . . . . . 74
5
1 Equilı́brio de Hardy-Weiberg
1.1 Introdução
Quando aprendemos genética, estudamos como as caracterı́sticas são pas-
sadas de uma geração para a outra em termos de células e indivı́duos. Estuda-
mos como Mendel descobriu seus fatores e propôs as leis da hereditariedade.
Vimos que os geneticistas primeiro localizaram estes fatores ou genes nos cro-
mossomos e depois como descobriram que o DNA é a molécula responsável
por guardar a informação genética, já que possui estrutura e função apropri-
adas para tanto. Vimos também como os genes funcionam: os mecanismos
de transcrição, tradução e mesmo algumas formas de controle da expressão
gênica. Além disso, vimos que há genes fora do núcleo, que são transmitidos
pela linhagem materna. No entanto, a genética precisa ser estudada em nı́veis
mais altos. É preciso saber, por exemplo, quais as caracterı́sticas genéticas
de uma determinada população para poder prever a probabilidade de algu-
mas doenças. Por que será que a hemofilia é tão rara na humanidade inteira
enquanto a anemia falciforme é tão comum em algumas regiões da África?
Agrônomos e Zootecnistas precisam dominar genética de populações para po-
der selecionar melhor que linhagens cruzar para obter melhores resultados.
Ecólogos precisam saber o quão variáveis são as populações das espécies que
estudam para poder ter idéia de que estratégias de conservação devem ado-
tar. Bioquı́micos precisam ter a noção de que as populações variam, e que
esta variação pode alterar a tolerância a diferentes drogas que são utilizadas
como medicamento. Biólogos precisam conhecer os mecanismos que levam
ao surgimento de novas espécies e assim começar a compreender a evolução.
6
separadas por áreas não apropriadas. Este tipo de padrão é óbvio em orga-
nismos terrestres que vivem em ilhas oceânicas, mas a subdivisão é comum
na maior parte dos habitats: lagos de água doce têm áreas profundas e ra-
sas, florestas têm áreas sombreadas e ensolaradas. A subdivisão populacional
também pode ser afetada por comportamento social. Mesmo populações hu-
manas são agregadas, em cidades isoladas por desertos ou montanhas, por
exemplo. Diversos fatores afetam a composição genética das populações,
dentre eles podemos destacar:
• As flutuações aleatórias .
7
ambiente. Estas caracterı́sticas são melhor estudadas no âmbito da genética
quantitativa, outro tema importante na genética.
Neste capı́tulo nos limitaremos às caracterı́sticas que são definidas por
um único gene. O princı́pio geral de quantificação da variação genotı́pica é
simplesmente contar quantos indivı́duos apresentam cada genótipo em uma
determinada população.
Só para relembrar, numa espécie diplóide, se temos um gene com dois
alelos,A e a, os genótipos serão:A/A, A/a e a/a. As frequências genotı́picas
são dadas pelo número de indivı́duos de cada genótipo dividido pelo número
total de indivı́duos. Obviamente a soma das frequências dos diferentes ge-
nótipos deve ser 1. A variação pode ser simplesmente morfológica (cor de
flores, por exemplo), e para quantificá-la basta contar quantos indivı́duos em
cada população possuem um determinado fenótipo. Imagine que uma deter-
minada espécie de planta só apresenta flores vermelhas, cujo genótipo é B/B ;
rosa, cujo genótipo é B/b; e brancas, cujo genótipo é b/b. Para quantificar a
variação genotı́pica em uma população, basta contar quantas são vermelhas,
quantas são rosa e quantas são brancas.
Outro tipo de variação que pode ser observada é pela determinação de
grupos sanguı́neos. A determinação do grupo sanguı́neo MN, por exemplo,
fornece o genótipo de cada indivı́duo diretamente. A tabela 1 mostra as
frequências genotı́picas para o grupo MN em diferentes populações humanas.
8
forese de proteı́nas 1 . A partir deste método é possı́vel estabelecer quantos
alelos diferentes estão presentes em uma determinada população através da
determinação dos genótipos dos diferentes indivı́duos. Hoje é mais comum
determinar o genótipo dos indivı́duos, e, portanto, calcular a frequência ge-
notı́pica de uma população, diretamente através de sequências de DNA.
Um aspecto importante da quantificação da variação populacional é que
em geral consideramos a variabilidade como uma condição para que haja
evolução. De fato, evolução é tradicionalmente definida como alteração nas
frequências gênicas não há como evoluir se não houver tal variação. A va-
riação, ou variabilidade, permite que a população se adapte, por exemplo,
a modificações ambientais. Com isso, sempre que houver mais de um alelo
num mesmo lócus, este lócus pode ser considerado polimórfico. Alguns ge-
neticistas preferem chamar de polimórficos os locos (ou loci) cujo alelo mais
frequente tenha frequência menor que 99%. 2
Uma medida de variação genética é a quantidade de heterozigose em um
lócus em uma população, dada pela frequência total de heterozigotos neste
lócus. Se um alelo estiver em frequência muito alta e os demais em frequên-
cia muito pequena, teremos poucos heterozigotos e a variação é considerada
baixa. Espera-se que a heterozigose seja mais alta quando há muitos ale-
los em frequências relativamente próximas quanto mais alelos e quanto mais
altas suas frequências, maior a variabilidade neste lócus. Mais tarde, neste
mesmo capı́tulo, você compreenderá esta afirmação.
9
alelos M e N da tabela 1, basta contar quantos alelos M e quantos alelos N
há em cada população.
Tome como exemplo a população de esquimós. Transformemos as frequên-
cias em números só para facilitar os cálculos. Imagine que foram medidos
1000 indivı́duos, isso significa que 835 deles são M/M, 156 são M/N e 9 são
N/N. Nos 835 que são M/M, há 1670 alelos M (835.2)3 . Já nos 156 M/N 4 ,
há 156 alelos M. Com isso, temos um total de 1826 alelos M. Como o total
de indivı́duos contados foi 1000, então o total de alelos contados foi 2000.
Assim, a frequência do alelo M é :
f(M/M ) · 2 + f(M/N )
f(M ) = (1)
2 · total
Portanto, o alelo M está numa frequência de 91,3% enquanto o alelo N
está numa frequência de 8,7% (100%-91,3%) na população de Esquimós.
1.4.1 Exercı́cio 1
10
Se quiséssemos incluir todos os detalhes, farı́amos uma descrição detalhada
e não um modelo. Numa descrição detalhada é mais difı́cil visualizar os
padrões e detectar processos.
A primeira simplificação que temos que levar em conta é a não sobreposi-
ção de gerações, onde os indivı́duos de uma população nascem, amadurecem
sexualmente e morrem nesta geração antes que os indivı́duos da próxima ge-
ração amadureçam sexualmente6 . Este tipo de população hipotética, com
história de vida muito simples, é utilizado em genética de populações como
uma primeira aproximação a populações que tenham histórias de vida mais
complexas.
Apesar de parecer simples demais, os cálculos de frequência esperada na
próxima geração baseados neste modelo são adequados para diversos objeti-
vos, inclusive para espécies muito complexas, como a humana, por exemplo.
9. A mutação também
11
Coletivamente, estes pressupostos sumarizam o modelo de Hardy-Weinberg,
ou o Equilı́brio de Hardy-Weinberg (EHW)7 . Conforme o pressuposto número
5, uma população obedece ao princı́pio de H-W quando os acasalamentos se
dão ao acaso, ou seja, a probabilidade de um indivı́duo X se acasalar com
o indivı́duo Y na população é rigorosamente igual à probabilidade dele se
acasalar com qualquer outro, desde que seja do sexo oposto.
Para entender exatamente como isso funciona, imagine um balde con-
tendo uma sopa de gametas8 , composta de milhares de óvulos e milhares de
espermatozóides. Estes gametas se unirão sem qualquer critério de escolha,
estritamente ao acaso.
Como a população em estudo deve ser sexuada (pressuposto número 2),
sempre temos que unir dois gametas para formar um zigoto. Imagine então
que metade dos óvulos, bem como metade dos espermatozóides, carrega o
alelo A e a outra metade carrega o alelo a. Podemos dizer, então, que a
frequência do alelo A, que de agora em diante chamaremos de p, é 0,5. De
forma análoga, podemos dizer que a frequência do alelo a, por sua vez, é
q=0,5. Assim, a probabilidade de formar um A/A depende unicamente da
frequência de A na população de óvulos e de espermatozóides.
Como esta frequência é de 0,5 em ambos os casos, a frequência de A/A
pode ser dada por p2 = 0, 25 = (0, 5 · 0, 5).
Seguindo o mesmo raciocı́nio, a frequência de a/a também será de 0,25,
2
q = 0, 25.
É preciso também calcular a frequência de A/a. Como não se trata da
junção aleatória de qualquer gameta com qualquer outro e sim de qualquer
óvulo com qualquer espermatozóide, é preciso considerar uma situação na
qual o óvulo contém A e o espermatozóide a, e outra, na qual o óvulo contém
a e o espermatozóide A. Com isso, a probabilidade de termos um heterozigoto
A/a é igual a 2pq = 0, 5.
Este raciocı́nio obedece à distribuição binomial.
Só para relembrar:
12
de Hardy-Weinberg. Volte agora à tabela 1. Ela mostra as frequências dos
genótipos para o lócus MN. Será que as populações humanas estão no EHW
para este lócus? Será que populações humanas podem ser estudadas como se
a reprodução fosse aleatória como a que ocorre em um balde de gametas?
Para responder a esta questão é preciso testar. Para testar, precisamos
saber qual a frequência dos alelos M e N em cada população. Entre os
esquimós, calculamos que a frequência do alelo M é de 0,913, que chamaremos
de p; enquanto que a frequência do alelo N é de 0,087, que chamaremos de
q (repare que não importa qual dos alelos é chamado de p ou q).
Sabendo disso, é possı́vel calcular as frequências esperadas de M/M, M/N
e N/N caso a população estivesse em EHW. Tendo o esperado, basta fazer
um teste de χ2 de aderência.
O número de graus de liberdade é dado pelo número de classes observadas
menos 1 (como normalmente se faz no χ2 ), menos o número de parâmetros
estimados para calcular o esperado. Neste caso, foi estimada a frequência de
M (p), e a frequência de N é dada simplesmente por (1 − p). 9
Não esqueça que para fazer o teste de χ2 precisamos utilizar números e
não frequências. Portanto utilizaremos uma população de 1000 pessoas para
facilitar os cálculos.
13
história de vida em dois intervalos: i. gametas → zigoto e ii. zigoto →
adulto10 .
Um modelo um pouco mais complexo pode incluir, por exemplo, a en-
trada de imigrantes entre os adultos, alterando as frequências gênicas, ou a
viabilidade diferencial de zigotos, de modo que alguns não cheguem à fase
adulta. Um aspecto interessantı́ssimo do EHW é que se os imigrantes en-
trarem na população dos adultos e se reproduzirem com os adultos desta
população, então a próxima geração de zigotos estará em equilı́brio de H-W,
porém com uma frequência gênica diferente. A comparação das frequências
gênicas em diferentes gerações da mesma população permite a detecção de
evolução (modificação nas frequências gênicas).
A implicação mais importante do EHW é a manutenção das frequên-
cias gênicas e genotı́picas em uma população. A constância das frequências
alélicas implica que, na ausência de forças evolutivas que alterem as frequên-
cias gênicas11 , o mecanismo da herança mendeliana, por si só, mantém as
frequências constantes e preserva a variação genética. A segunda implicação
mais importante é que em uma única geração de acasalamentos ao acaso, a
população volta ao estado de equilı́brio12 .
Um dos aspectos interessantes do EHW é que se uma população estiver
sob este equilı́brio em um determinado lócus, é possı́vel prever quais serão as
frequências genotı́picas nas próximas gerações. Isso, no entanto, só é verdade
se as populações forem grandes , se não houver imigração para a população,
se não houver mutações e se não houver seleção natural. Em outras palavras,
sob todos estes pressupostos, não há alteração nas frequências gênicas em
uma população, ou seja, ela não evolui.
Repare que quando fizemos o teste para saber se a população de esquimós
se encontra em EHW, só consideramos uma geração (não temos a amostragem
do locus MN dos filhos dessas pessoas nem dos pais). Este teste, portanto,
mostrou apenas que esta geração da população está em Equilı́brio de Hardy-
Weinberg, o que significa que a composição genotı́pica da população está de
acordo com a esperada por acaso, ou pelos acasalamentos ao acaso. Para
concluir que esta população não está evoluindo (ou sofrendo alterações nas
frequências gênicas) no locus MN, é preciso, necessariamente, fazer um estudo
10
Isso é muito importante porque esperamos que os zigotos sejam formados (a partir da
junção de gametas) seguindo H-W. No entanto, sabemos também que uma formados, uma
série de eventos podem provocar a morte ou a retirada de indivı́duos de uma população
(bem como a entrada de outros indivı́duos), fazendo com que a população eventualmente
saia do EHW.
11
ou alélicas
12
se não houver sobreposição de gerações, mas as frequências alélicas em fêmeas e machos
não forem iguais, a população volta gradualmente ao estado de equilı́brio - veja ı́tem 1.11).
14
ao longo de gerações.
Esta distinção é muito importante. Muitos biólogos concluem que se co-
letarem uma amostra de uma população, e ela estiver em EHW, isto significa
que esta população simplesmente não está evoluindo, o que é uma interpreta-
ção no mı́nimo especulativa13 . Por outro lado, se uma população não estiver
no EHW, e se você tiver analisado apenas uma geração, já é possı́vel infe-
rir que esta população esteja sofrendo a ação de um ou vários mecanismos
evolutivos, ou seja, é possı́vel que esta população esteja evoluindo.
A simulação 1 demonstra alguns percalços que uma população pode so-
frer. O objetivo é ver que, após uma geração de acasalamentos ao acaso, a
população volta ao equilı́brio de Hardy-Weinberg. Repare também que os di-
ferentes eventos têm efeitos diferentes a depender do tamanho da população
e da frequência dos genes.
1.7.1 simulação 1
15
determinou. Clique na célula E9. Nela há uma fórmula [=B1ˆ
2B3]. Esta fórmula eleva ao quadrado a frequência do alelo A
(p) e multiplica pelo número de indivı́duos que você determinou.
Note que este número deve ser necessariamente inteiro, o que é
verdadeiro para todas as populações esperadas. Por este motivo,
foi inserida uma linha com o tı́tulo arredondado, que arredonda
o cálculo para o valor inteiro mais próximo.
Clique em E10 e repare que dentro da célula está escrito [=AR-
RED(E9,0)], que significa que o valor que está em E9 foi arre-
dondado com zero dı́gitos depois da vı́rgula.
Veja agora as fórmulas de E10 e E11. Viu a relação entre p, 2pq
e q?
As colunas I e J foram dedicadas ao cálculo das frequências aléli-
cas. Obviamente as frequências alélicas da população inicial serão
exatamente as que você determinou. As colunas L, M e N foram
dedicadas ao cálculo do número esperado de indivı́duos com cada
genótipo. Mais uma vez, o esperado deve ser compatı́vel com o
observado, e sua população inicial deve estar, necessariamente,
em equilı́brio de Hardy-Weinberg.
Repare nas fórmulas que estão determinadas em todas as células.
Tente compreender o que está acontecendo com a população a
cada momento e como estes acontecimentos interferem na popula-
ção. Especificamente, preste atenção nos valores de qui quadrado
totais.
Como estamos trabalhando sempre com um grau de liberdade,
sempre que o valor de qui quadrado for menor do que 3, 84, a po-
pulação está em H-W. Brinque com os valores de p e de tamanho
populacional à vontade! Faça várias simulações e tente detectar
se o número de indivı́duos interfere ou não no fato da população
permanecer ou não no EHW. Repare também que sempre, após
uma geração de acasalamentos ao acaso, a população retorna ao
equilı́brio.
1.7.2 Exercı́cio 2
16
1.8 Complicações da Dominância
Em caracteres onde há dominância, o fenótipo do homozigoto dominante é
exatamente igual ao fenótipo do heterozigoto, que se diferenciam do fenótipo
homozigoto recessivo. Com isso, se quisermos fazer uma análise populacional,
teremos duas classes observadas: o fenótipo dominante e o fenótipo recessivo.
Pelo equilı́pio de Hardy-Weinberg, as frequências de A/A, A/a e a/a
são, respectivamente, p2 , 2pq e q 2 . Suponha que estejamos interessados nas
frequências dos alelos que determinam os grupos sanguı́neos Rh+ e Rh− em
uma população. Suponha ainda que 84% da população seja Rh+ , sendo o
resto da população Rh− . O fenótipo Rh+ pode ser dado pelos genótipos
D/D e D/d, enquanto o Rh− é dado por d/d. 14 Para calcular as frequências
gênicas é portanto necessário assumir que este gene esteja em EHW.
f (d/d) = q 2 (3)
q q
q= q2 = 0, 16 = 0, 4
Se p + q = 1,então:
p = 0, 6
Assim:
17
1.9 Frequência de Heterozigotos
O princı́pio de Hardy-Weinberg também tem importantes implicações
para a frequência de heterozigotos que carregam alelos recessivos raros. Se a
frequência de heterozigotos pelo EHW é 2pq, então o valor máximo de hete-
rozigozidade ocorre quando as frequências dos dois alelos é 0,5. (2pq = 0.5).
15
Quanto maiores as diferenças entre as frequências dos dois alelos, menor a
heterozigozidade. Além disso, quanto menor a frequência do alelo recessivo,
maior a razão entre indivı́duos heterozigotos e os homozigotos recessivos. Em
outras palavras, o excesso de heterozigotos sobre os homozigotos recessivos16
se torna progressivamente maior à medida que o alelo recessivo se torna mais
raro.
Como exemplo real, considere a fibrose cı́stica, que atinge 1 em cada 1700
17
caucasianos
q nascidos. Com isso, a frequência do alelo recessivo é dada por
1
q = 1700 = 0, 024. Assumindo acasalamentos ao acaso, a frequência de
heterozigotos deve ser estimada em 2pq = 2(0, 024)(0, 976) = 0, 047, cerca de
1 em 21.
Em outras palavras, apesar de apenas 1 em 1700 caucasianos serem afe-
tados, 1 em cada 21 é portador 18 do alelo recessivo para a fibrose cı́stica.
Veja o que acontece com a razão heterozigotos/homozigotos recessivos com
diferentes valores de p e q:
18
Tabela 3: Razão entre heterozigotos/homozigotos recessivos considerando
diferentes valores de p e q.
2pq
p q 2pq q2 q2
0,5 0,5 0,5 0,25 2
0,6 0,4 0,48 0,16 3
0,7 0,3 0,42 0,09 4,67
0,8 0,2 0,32 0,04 8
0,9 0,1 0,18 0,01 18
0,95 0,05 0,095 0,0025 38
0,99 0,01 0,0198 0,0001 198
0,999 0,01 0,001998 0,000001 1998
1.10.1 Exercı́cio 3
19
p2i
X
Homozigotos = (7)
De forma análoga, e como a prole é formada apenas de homozigotos e
heterozigotos, a proporção de heterozigotos esperada por acasalamentos ao
acaso será dada por:
p2i
X
Heterozigotos = 1 − (8)
Note que nas fêmeas, que têm dois cromossomos X, a frequência genotı́-
pica é dada pelo próprio EHW, enquanto que nos machos, que só têm 1, a
frequência genotı́pica é igual às frequências dos alelos.
Isso só é válido quando as frequências entre machos e fêmeas são iguais.
Quando as frequências são diferentes, a frequência do alelo A nos machos
nesta geração (p0m ) será idêntica à frequência das fêmeas da geração anterior
(pf ), enquanto que a frequência deste mesmo alelo nas fêmeas desta geração
(p0f ) seráa média
das frequências alélicas nos machos e nas fêmeas da geração
pm +pf
anterior 2
.
19
Os poucos genes presentes no cromossomo Y, até onde se sabe, estão envolvidos com
a masculinizaçãodo indivı́duo. O cromossomo X carrega tantos genes quanto qualquer
outro cromossomo.
20
Com isso, se as frequências alélicas entre machos e fêmeas forem diferen-
tes, serão necessárias 10 ou mais gerações até que a população entre em EHW
(ou seja, até que as frequências gênicas e genotı́picas permaneçam inalteradas
com o passar das gerações).
p0m = pf (9)
pm + pf
p0f = (10)
2
1.11.1 simulação 2
21
as frequências dos alelos A e a como p e q. Considere também as frequências
dos genótipos A/A = P ; A/a = Q e a/a = R. Assim, se a população estiver
em EHW, as frequências alélicas não se alterarão na próxima geração, bem
como as frequências dos indivı́duos com cada genótipo.
20
Com isso em mente, temos que:
1 1 2
P 0 = P 2 + 2P Q + Q (11)
2 4
2
Considerando que A/A = p , A/a = 2pq e a/a = q 2 , temos:
2 1 1
P 0 = p2 + 2p2 2(2pq) + (2pq)2
2 4
P 0 = p4 + p2 2pq + p2 q 2
P 0 = p4 + 2p3 q + p2 q 2
Como só temos dois alelos com frquências p e q, temos que q = (1 − p):
P 0 = p4 + 2p3 (1 − p) + p2 (1 − p)2
P 0 = p4 + 2p3 − 2p4 + p2 (1 − 2p + p2 )
22
Então:
P 0 = p2
23
2 Endogamia e Acasalamentos Preferenciais
2.1 Introdução
No capı́tulo anterior, foi demonstrado que se os acasalamentos forem ale-
atórios, as populações têm proporções genotı́picas equivalentes às calculadas
pela distribuição binomial a partir de suas frequências gênicas, ou seja, estão
em Equilı́brio de Hardy-Weinberg. Com isso, se os indivı́duos preferirem, por
algum motivo, acasalar-se com indivı́duos aparentados, a população sai do
EHW.
Este acasalamento preferencial por indivı́duos aparentados pode ocorrer
simplesmente porque indivı́duos aparentados estão geograficamente próximos
e isolados de outros indivı́duos. Algumas cidades do interior de Minas Gerais
são conhecidas pelo alto grau de endogamia na população. São cidades pe-
quenas, onde as pessoas em geral guardam algum grau de parentesco umas
com as outras e os casamentos entre primos são comuns. Alguns animais de
hábito gregário também apresentam um alto grau de endogamia.
Populações muito pequenas sempre apresentam algum grau de endoga-
mia, já que os membros destas populações compartilham ancestrais recentes.
Tecnicamente a endogamia é constituı́da pela ancestralidade comum entre
pares de acasalamento.
24
Figura 1: Probabilidade do indivı́duo IV-1 ter herdado dois alelosA1 de sua
avó e portanto ter dois alelos idênticos por descendência. As setas em cinza
mostram quais são as rotas que devem ter sido seguidas pelo alelo A1 até o
indivı́duo IV-1 e com quais probabilidades.
podem surgir 4 genótipos diferentes compostos por alelos idênticos por des-
cendência. A probabilidade de se obter dois alelos idênticos por descendência
no casamento entre primos será então dada por:
1 1
P(aid,primos) = .4 = (13)
64 16
25
Para tentar compreender o que acontece quando há endogamia, pense numa
planta que faz auto-fecundação22 . Se tomarmos um indivı́duo heterozigoto,
A/a (p = 0, 5; q = 0, 5), na primeira geração, apenas metade de sua prole será
heterozigota, a outra metade será dividida entre indivı́duos A/A e a/a, que
por sua vez só produzirão, deste ponto em diante, indivı́duos homozigotos.
Na segunda geração, somente metade dos heterozigotos gerará indivı́duos
heterozigotos e assim por diante. Isso significa que sob endogamia, o número
de heterozigotos é reduzido a cada geração.
A figura 2 mostra o gráfico com as frequências relativas de homozigotos
(representados apenas por A/A) e heterozigotos (A/a) a cada geração, con-
siderando que a população se iniciou com um indivı́duo heterozigoto, e que
depois disso todos os descendentes se reproduziram por auto-fecundação.
26
A/a = 2pq(1 − F ) (14)
2pq − A/a
FIS = (19)
2pq
27
2.4 A Endogamia Sozinha Não Altera as Frequências
Gênicas
O ponto mais importante que deve ser observado é que a endogamia por si
só não altera as frequências gênicas de uma população. Conforme já foi dito,
ela altera as frequências genotı́picas, mas as frequências gênicas permanecem
inalteradas. Com isso, pode-se dizer que a endogamia isoladamente não é
um mecanismo evolutivo, já que não provoca evolução.
No entanto, se pensarmos em seleção natural + endogamia, o cenário se
modifica.
Imagine uma população que tenha a frequência q de um alelo recessivo
muito raro de 0,01. Pelo equilı́brio de Hardy-Weinberg, a probabilidade de se
obter um indivı́duo homozigoto para este alelo é q 2 = 0, 0001. No entanto, se
houver endogamia, com F = 0, 5, a probabilidade de se obter este indivı́duo
homozigoto sobe para q 2 + 2pqF = 0, 01 (100 vezes maior!). Assim, se este
alelo recessivo for deletério, a chance de que seja detectado pela seleção na-
tural é muito maior quando há endogamia do que quando os acasalamentos
se dão ao acaso.
Neste caso, a endogamia colabora para acelerar o processo de seleção
natural e portanto colabora para que haja evolução. Falaremos mais sobre
as consequências de endogamia combinada à seleção no capı́tulo 7, que será
dedicado à seleção natural.
28
EHW). No entanto, se por algum motivo uma população anteriormente pan-
mı́tica começar a fazer acasalamentos endogâmicos, haverá uma alta frequên-
cia de indivı́duos duplo heterozigotos para os alelos recessivos (com frequência
q 2 + pqF ). Estes indivı́duos serão obviamente banidos pela seleção natural.
Assim, valor adaptativo médio da população cairá, de modo que a população
entrará em um vale adaptativo. Se conseguir sobreviver a este vale, a popu-
lação terá as frequências dos alelos deletérios recessivos diminuı́da, de modo
que vai começar a subir em outro pico adaptativo. Como estes alelos terão
frequência menor, o próximo pico adaptativo será ainda maior.
A conclusão disso é que o inı́cio da endogamia em uma população an-
teriormente panmı́tica pode ter consequências terrı́veis para a população, e
pode mesmo levá-la à extinção. No entanto, com o passar das gerações, e se
a população conseguir sobreviver, ela entrará em um novo pico adaptativo,
mais alto que o anterior.
29
3 Eventos Estocásticos e Deriva Genética
3.1 Introdução
Um dos pressupostos para que uma população permaneça em equilı́brio
de Hardy-Weinberg e não tenha as frequências alélicas modificadas ao longo
das gerações é que ela tenha tamanho infinito 25 . Dado que nenhuma popu-
lação cumpre este requisito básico, pode-se concluir que nenhuma população
permanece sem modificações nas frequências gênicas.
O mecanismo evolutivo envolvido no tamanho das populações é a deriva
genética. Para entender o conceito de deriva genética, pense em um navio no
meio do Oceano Atlântico, sem leme e sem vela. Diz-se que este navio está
à deriva e é impossı́vel saber onde vai atracar, já que certamente, mais cedo
ou mais tarde, vai atracar em algum lugar (se ignorarmos a possibilidade de
naufrágio, obviamente). Bom, com as frequências gênicas em uma população
ocorre um fenômeno similar: a cada geração a frequência de um alelo aumenta
ou diminui um pouco, fazendo com que mais cedo ou mais tarde acabe se
fixando.
30
número de jogadas, a probabilidade de se obter sempre caras ou sempre co-
roas diminui (0, 5)n × 2. Assim, se jogarmos a moeda 3 vezes, teremos uma
chance de 0, 0625 × 2 = 0, 125 de obtermos só caras ou só coroas, se jogar-
mos 10 vezes, esta chance cairá para 0, 002 e assim por diante. Com isso,
pode-se prever que quanto mais jogadas fizermos, maior será a probabilidade
de termos proporções aproximadas a 50% caras e 50% coroas ao jogar uma
moeda.
Pensemos agora nos genes presentes em uma população. Se a população
tiver 10 indivı́duos, com 50% de cada alelo, A e a, a hipótese nula é a de que
esta população tenha também 50% de cada alelo na próxima geração. No
entanto, como são poucos os indivı́duos, é possı́vel que esta proporção seja
levemente desviada.
Ora, se nós definimos evolução como alteração das frequências gênicas em
uma população, isso significa que o simples fato de termos poucos indivı́duos
em uma população gera evolução, ou alteração nas frequências gênicas da
população. Indo um pouco além, é possı́vel perceber que mesmo numa po-
pulação muito grande as frequências gênicas não se mantêm absolutamente
inalteradas de uma geração para a outra, e que sempre há um desvio. Como
no caso do jogo de moedas, também pode-se inferir que quanto maior a po-
pulação, menor o desvio das frequências gênicas causado simplesmente pelo
acaso.
31
No exemplo acima, foram amostrados quatro indivı́duos diplóides em cada
geração, o que é equivalente a amostrar 8 gametas ao acaso do pool 26 de
gametas disponı́veis. Isso é verdade se admitirmos que cada um dos quatro
indivı́duos produz um número infinito de gametas, que serão sorteados para
formar a próxima geração. Neste sorteio, apenas 8 gametas serão utilizados
para formar a nova geração de indivı́duos. Com 8 gametas, há nove possı́veis
combinações, sendo 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 ou 8 alelos A e o restante a.
A probabilidade de cada diferente combinação é dada pela distribuição
binomial. Cada indivı́duo será formado independentemente dos outros três,
e cada alelo sorteado tem 50% de chance de ser um alelo A (esta chance, ob-
viamente, varia com a frequência de A na população, neste exemplo estamos
considerando que A e a têm a mesma frequência, 0,5). Isso significa que a
1
chance de sortearmos oito alelos A é ( 12 )8 , ou 256 .
Na amostragem de uma população finita, o processo de amostragem
ocorre da maneira representada abaixo:
Nindivı́duos → ∞gametas → 2Ngametas → Nindivı́duos (20)
A cada geração, há N indivı́duos diplóides na população. Independen-
temente da forma que a fertilização ocorre, pode-se imaginar o processo de
amostragem como uma amostragem com reposição, de maneira que os indi-
vı́duos diplóides contribuam com um pool gênico essencialmente infinito cuja
frequência alélica é a mesma presente nos adultos que os geraram. Deste pool
infinito, 2N gametas são sorteados e unidos para formar a próxima geração.
Sob este tipo de processo, espera-se que a distribuição das frequências dos
gametas seja binomial.
Para dar um exemplo especı́fico, uma população com nove indivı́duos
diplóides surge de uma amostra de apenas 18 gametas, mas estes gametas fo-
ram sorteados de um pool de gametas virtualmente infinito. Como pequenas
amostras em geral não são representativas, as frequências dos genes numa
amostra assim tão pequena deve ser diferente do pool de gametas completo.
Assim, quando o número de gametas na amostra é 18 (2N ), a proba-
bilidade de que uma amostra contenha exatamente i alelos A é dada pela
probabilidade binomial:
2N i 2N −i
P r(i) = pq
i
(2N )!
Onde 2N i
= i!(2N −i)!
; p e q são, respectivamente, as frequências alélicas
de A e a no pool completo (p + q) = 1; e i pode ter qualquer valor entre
0 e 2N 27 . A nova frequência na população do alelo A (p0 ) será então 2N i
26
conjunto total
27
Não esqueça que qualquer número elevado à potência zero é igual a 1.
32
porque, por definição, a frequência do alelo A equivale ao número de alelos
A (no caso i) dividido pelo total de alelos (no caso 2N ).
Na próxima geração, o processo de amostragem ocorre novamente, e a
nova probabilidade do número de alelos A é dada novamente pela distribuição
binomial, com o p agora substituı́do por p0 e q por 1 − p0 . Com isso, as
frequências dos alelos muda ao acaso de uma geração para a outra.
A figura 3 28 mostra o comportamento de diferentes populações ao longo do
tempo. Apesar de ser impossı́vel prever o que acontecerá com cada população
sob deriva, é possı́vel prever o que acontecerá com um grande conjunto de
populações.
33
depois de 19 gerações. Todas as populações começaram com uma frequência
gênica de 0,5, e quase todas elas fixaram A ou a (50% das vezes A e 50% das
vezes a).
34
Este efeito se deve à subdivisão das populações e à deriva que ocorreu
em cada uma delas, apesar dos acasalamentos continuarem sendo aleatórios.
Este efeito é conhecido como efeito Wahlund. Estamos agora em condições
de quantificar como populações divergem em frequências alélicas sob deriva
genética .
No último capı́tulo, medimos a endogamia pelo coeficiente de endogamia,
F, que é a probabilidade de sortearmos ao acaso numa população, dois alelos
idênticos por descendência (ou autozigotos). Mesmo que os acasalamentos
do exemplo anterior das quatro subpopulações tenham ocorrido ao acaso,
quaisquer dois alelos podem ser idênticos por descendência, só por causa do
tamanho pequeno das subpopulações. Portanto o valor de Ft não pode ser
zero.
35
1 1
Ft = + 1− F(t−1) (21)
2N 2N
Multiplicando ambos os lados por -1, temos:
1 1
−Ft = − − (1 − )Ft−1
2N 2N
Somando 1 dos dois lados, temos:
1 1
1 − Ft = 1 − − 1− Ft−1
2N 2N
1
1 − Ft = (1 − )(1 − Ft−1 )
2N
Quando estivermos em t1 :
1
1 − Ft1 = (1 − )(1 − F0 )
2N
Quando estivermos em t2 :
1
1 − Ft2 = (1 − )(1 − Ft1 )
2N
Substituindo as duas últimas fórmulas:
1 1
1 − Ft2 = (1 − )(1 − )(1 − F0 )
2N 2N
Então:
1 2
1 − Ft2 = (1 − ) (1 − F0 )
2N
Quando F0 = 0 :
1 2
1 − Ft2 = (1 − )
2N
Generalizando:
1 t
1 − Ft = (1 − ) (22)
2N
ou:
1 t
Ft = 1 − 1 − (23)
2N
Ou seja, o F aumenta um pouco a cada geração, e este aumento é inver-
samente proporcional ao tamanho populacional.
36
3.5 Tamanho efetivo
Nos cálculos mostrados até então, consideramos sempre populações de
tamanho estável geração após geração. Em situações reais, no entanto, isso
não é tão simples assim, e as populações variam de tamanho de uma geração
para a outra. Além disso, outro pressuposto que está implı́cito nas fórmulas
é que o número de machos e fêmeas é igual.
Para corrigir isso em populações reais, é preciso calcular o tamanho efetivo
da população (Ne ), ou seja, o número teórico de indivı́duos que teria o mesmo
nı́vel de deriva que a população real. Isso é necessário para que possamos
utilizar a equação 23 e calcular o aumento do F ao longo das gerações em
populações isoladas.
Pensemos um pouco...
Imagine uma população com um tamanho populacional bem grande, que
em uma determinada geração sofreu uma catástrofe e grande parte dos indi-
vı́duos morreram. Obviamente, sobreviver à catástrofe não é uma questão de
seleção natural, já que, só por acaso, o indivı́duo mais fértil e que atrai mais
fêmeas pode ter levado uma pedrada na cabeça quando o vulcão começou a
entrar em atividade. Se não foi seleção, foi o acaso...
Então suponha que esta população tenha o mesmo número de machos e
fêmeas, e que isso continuou assim após a catástrofe. Após a catástrofe e
depois que a lava esfriou, a terra ficou mais fértil, os competidores também
tiveram suas populações reduzidas, bem como os predadores. A população
em questão aumentou violentamente em poucas gerações. Com isso, antes
da catástrofe nossa população tinha 10.000 indivı́duos, a catástrofe matou
9.900 e deixou apenas 100 indivı́duos na população. O aumento subsequente
elevou o número de indivı́duos para 50.000. Agora precisamos pensar como
calcular os efeitos da deriva nesta população, ou o aumento do valor do F.
A primeira coisa que precisamos saber é o tamanho efetivo (Ne ) que
precisaremos utilizar. Se a população tivesse mantido constante seu tamanho,
o Ne seria o tamanho populacional a cada geração. No entanto, não foi isso
que aconteceu, e precisamos calcular o tamanho efetivo. Lembre-se de que
quanto menor a população maior o efeito da deriva (ou da amostragem dos
genes geração a geração).
Se em algum momento a população foi muito reduzida, nesta geração o
efeito da amostragem foi mais drástico, portanto espera-se uma redução na
variabilidade genética nesta população. Reduções na variabilidade levam à
diminuição do tamanho efetivo. Estudos empı́ricos em populações de labo-
ratório demonstraram que a melhor forma de calcular o tamanho efetivo de
populações que variaram muito em tamanho é calcular a média harmônica
do tamanho populacional ao longo de gerações, assim:
37
1 1 1 1 1 1 1
= ( + + + + ... + ) (24)
Ne t N0 N1 N2 N3 Nt
No nosso exemplo:
1 1 1 1 1
= ( + + ) = 272, 2
Ne 3 10000 100 50000
Repare que o tamanho efetivo é muito mais próximo do menor tamanho
que a população já teve que dos maiores, apesar do fato da população ter
passado mais tempo com tamanhos maiores 29 . Este fenômeno é conhecido
como “gargalo populacional”30 .
Outro fator que interfere no tamanho efetivo de uma população é a pro-
porção de machos e fêmeas (sex ratio). Isso acontece porque metade dos
alelos em cada geração tem necessariamente que provir de cada um dos se-
xos, e qualquer desvio à razão sexual aumenta as chances de ocorrer deriva,
em outras palavras, reduz o tamanho efetivo, que é dado por:
4Nf Nm
Ne = (25)
Nm + Nf
Em alguns paı́ses, a caça de algumas espécies é liberada e pede-se em
geral que sejam mais visados os machos que as fêmeas, já que um único
macho pode fecundar um número bem grande de fêmeas. Se pensarmos em
termos de deriva genética e variabilidade populacional, isso se constitui num
desastre. Só como um exemplo, se tivermos uma população com 500 machos
e 500 fêmeas, teremos um tamanho efetivo de 1000 indivı́duos, enquanto se
tivermos uma população 800 fêmeas e apenas 200 machos, teremos um tama-
nho efetivo de apenas 640. Estes números significam que a deriva atua com
mais força na segunda população, apesar de estas populações apresentarem
o mesmo número de indivı́duos total (1000).
29
Isso pode parecer estrano à primeira vista, mas uma análise mais detalhada pode
mostrar que isso faz sentido: quando a população teve seu tamanho muito reduzido, a
variabilidade genética certamente se perdeu. Se, por definição, o tamanho efetivo está
relacionado com a variabilidade, então uma redução brusca populacional reduz em muito
o tamanho efetivo.
30
Imagine que temos duas populações isoladas há pouco tempo. Se uma delas sofrer um
gargalo populacional, é possı́vel que se fique muito diferente da outra em pouco tempo,
acelerando os processos de diferenciação populacional ou mesmo de especiação.
38
4 Estrutura Populacional
4.1 Introdução
Até agora consideramos as populações como simples conjuntos homogê-
neos de genes. No capı́tulo 1 aprendemos que a palavra população não se
refere à espécie inteira, se refere a um grupo de organismos de uma mesma
espécie que vive em uma área geográfica suficientemente restrita para que
qualquer membro possa se casalar com qualquer outro do sexo oposto.
Você já deve ter parado para pensar que as populações reais não são
bem assim, os indivı́duos em geral estão espalhados em grandes áreas, que
apresentam habitats levemente diferentes que podem representar barreiras ao
movimento dos indivı́duos. É possı́vel inclusive detectar regiões com maior
densidade de indivı́duos que outras. Neste tipo de população, dificilmente
ocorrem os acasalamentos ao acaso, tão importantes para que a população
esteja em equilı́brio de Hardy-Weinberg.
De fato, os indivı́duos tendem a encontrar e acasalar com outros que
vivam no mesmo habitat local, grupo social ou faixa etária. A existência de
barreiras geográficas ou comportamentais geram populações estruturadas.
Diversas questões chave em evolução dependem da estruturação popula-
cional. As espécies se adaptam a microambientes locais? Como alelos favorá-
veis se espalham em uma determinada área? É possı́vel que haja especiação
em uma área restrita? Estas questões envolvem seleção natural, que será
tratada mais adiante, no capı́tulo 7 desta apostila. Neste capı́tulo vamos
estudar simplesmente como medir a estruturação populacional levando em
conta as heterozigozidades esperadas e observadas para tentar compreender
os efeitos da deriva genética nas populações. Nos capı́tulo 6 estudaremos o
fluxo gênico, e como ele contrabalança a deriva genética podendo evitar a
estruturação populacional.
39
4.3 Reduções na Heterozigozidade
Segundo o princı́pio de Hardy-Weinberg (capı́tulo 1), se em uma popula-
ção os acasalamentos se derem ao acaso, e se um determinado lócus tiver dois
alelos com frequências p e q, a frequência esperada de heterozigotos é dada
por 2pq. Aprendemos também, nos capı́tulos 2 e 3 desta apostila, que tanto
a endogamia quanto a deriva genética provocam diminuição da heterozigozi-
dade, e que esta diminuição pode ser medida pelo coeficiente de endogamia,
ou F (probabilidade de sortear um indivı́duo com dois alelos idênticos por
descendência).
O F populacional é calculado com base nas frequências observadas e espe-
radas de heterozigotos , seguindo o raciocı́nio de que o F mede a diminuição
da heterozigozidade numa população, de modo que:
ou
(2pq − A/a)
F = (26)
2pq
Nesta equação, A/a corresponde à proporção de heterozigotos observada
(heterozigozidade observada), enquanto 2pq corresponde à proporção de he-
terozigotos esperada por Hardy-Weinberg (heterozigozidade esperada).
Seria interessante então poder diferenciar a diminuição da heterozigozi-
dade provocada pela endogamia da provocada pela deriva genética31 . No
capı́tulo 2, foi mencionada a estatı́stica F de Wright, mais especificamente,
foi mencionado o FIS , que se refere ao aumento da probabilidade de sor-
tearmos, dentro de uma dada subpopulação, um indivı́duo contendo dois
alelos idênticos por descendência. Este aumento se deve aos acasalamen-
tos ocorrerem preferencialmente entre indivı́duos aparentados dentro de uma
subpopulação32 , ou seja, este aumento se deve aos efeitos da endogamia.
Se estivermos trabalhando com várias subpopulações e quisermos medir
o efeito da endogamia em todas elas ao mesmo tempo, temos que calcu-
lar, para as n subpopulações amostradas, a média observada de indivı́duos
heterozigotos
33
, e chamaremos esta média de HI.
31
Lembre-se que tanto a endogamia quanto a deriva reduzem a heterozigozidae. Se você
por acaso não se lembra como iso funciona, volte aos capı́tulos 2 e 3 antes de seguir adiante.
32
Repare que estamos falando de populações e subpopulações. Considere que dentro de
uma população haja subpopulações que podem ou não estar isoladas geneticamente.
33
Média da Heterozigozidade Observada.
40
H1 + H2 + H3 + ... + Hn
HI = (27)
n
Teremos também que calcular as frequências esperadas de heterozigotos
em cada subpopulação (2pi qi ) e calcular a média 34 para todas as subpopu-
lações. Chamaremos esta média de HS :
2p1 q1 + 2p2 q2 + 2p3 q3 + ... + 2pn qn
HS = (28)
n
A partir de HS e HI, seremos capazes de calcular o FIS , ou seja, a proba-
bilidade de sortear um indivı́duo com dois alelos idênticos por descendência
em uma população que se deve exclusivamente à endogamia dentro das sub-
populações:
HS − HI
FIS = (29)
HS
É possı́vel também calcular o F devido à subestruturação da população
(FST ), ou seja, calcular o F devido à deriva genética. Sabemos que o efeito
da deriva é diferenciar as subpopulações isoladas pela fixação de alelos (den-
tro de cada subpopulação a variabilidade diminui, mas ela aumenta entre
subpopulações).
Para este cálculo, devemos considerar o HS calculado acima e estimar o
HT, que é a heterozigozidade esperada para a população como um todo, ou
seja, a heterozigozidade calculada a partir das frequências médias de p e q
(p̄ e q̄ ) para todas as populações:
p1 + p2 + p3 + ... + pn
p̄ = (30)
n
q̄ = 1 − p̄ (31)
HT = 2p̄q̄ (32)
HT − HS
FST = (33)
HT
É possı́vel ainda calcular o F total, ou seja, a probabilidade de sortear
um indivı́duo com dois alelos idênticos por descendência em uma população
sem associar esta probabilidade à deriva ou à endogamia (FIT ). Para isso é
necessário utilizar o HI e o HT.
34
Média da Heterozigozidade Esperada.
41
HT − HI
FIT = (34)
HT
Em suma, a estatı́stica F de Wright, ou o ı́ndice de fixação, equivale à re-
dução na heterozigozidade esperada sob acasalamentos ao acaso em qualquer
nı́vel da hierarquia populacional relativo a qualquer outro nı́vel mais inclu-
sivo35 . Para calcular estes ı́ndices, basta saber qual seria a heterozigozidade
esperada para um determinado nı́vel (calculada a partir das frequências de p
e q no nı́vel desejado) e comparar com a heterozigozidade esperada em um
outro nı́vel hierárquico36 .
Estes cálculos são úteis para, por exemplo, saber se há mais diferenci-
ação entre subpopulações de regiões climáticas diferentes ou se a variação
está uniformemente dividida entre todas as subpopulações. Outro aspecto
interessante da estatı́stica F é poder separar fenômenos diferentes, tais como
a endogamia e deriva, já que a primeira diz respeito a aspectos compor-
tamentais dos indivı́duos, enquanto a segunda diz respeito à estruturação
populacional.
42
Tabela 6: Heterozigozidade total (HT ), heterozigozidade média das subpo-
pulações (HS) e ı́ndice de fixação (FST ) para vários organismos
Organismo N. Populações N. loci HT HS FST
Humanos (principais “raças”) 3 35 0,130 0,121 0,069
Yanonamis 37 15 0,039 0,036 0,077
Mus musculus 4 40 0,097 0,086 0,113
Drosophila equinoxialis 5 27 0,201 0,179 0,109
Limulus 4 25 0,066 0,061 0,076
Lycopodium lucidulum 4 13 0,071 0,051 0,282
38
Quanto maior for o valor do FST , maior a estruturação das populações ou subpopu-
lações.
43
5 Variação I - Mutação
5.1 Introdução
Existem vários processos que criam39 novos tipos de variação genética
nas populações ou que permitem a reorganização da variação pré-existente,
tanto dentro de genomas quanto dentro e entre subpopulações. Dentre estes
processos, podemos citar a mutação, a recombinação gênica e o fluxo gênico.
No entanto, é praticamente consenso entre os geneticistas de populações que
a única fonte efetiva de variação genética é a mutação, ou seja, qualquer
modificação herdável no material genético.
Por mutações entendemos mutações de ponto (modificações de uma única
base), inserções e deleções em um único gene ou rearranjos cromossômicos.
A recombinação é muito importante, mas apenas permite que mutações que
ocorreram em diferentes genes (ou em regiões diferentes de um mesmo gene)
e em diferentes indivı́duos fiquem juntas em um único cromossomo. A mi-
gração, por sua vez, permite que as mutações se espalhem entre as subpo-
pulações. Com isso, a partir dos eventos de mutação, que podem ou não
ser seguidos de fluxo gênico e recombinação, a variação é introduzida nas
populações.
Apesar da importância das mutações, a maior parte dos genes muta em
uma taxa extremamente baixa (na ordem de 10−4 a 10−6 novas mutações por
gene por geração). Mesmo uma taxa tão baixa de mutação pode criar muitos
alelos mutantes já que, em uma população grande, cada um dos genes está
sujeito a mutações.
Numa população de N organismos diplóides, há 2N cópias de cada gene,
e cada uma tem uma probabilidade de mudar em cada geração. Só para
tomar como exemplo, se a taxa de mutação em humanos for de 10−9 por
par de nucleotı́deos por geração, então em cada gameta humano (cujo DNA
tem aproximadamente 109 pares de nucleotı́deos), haverá em média uma nova
mutação em cada geração. Com isso, cada óvulo fertilizado conterá em média
2 novas mutações. A população humana atual tem 6 bilhões de indivı́duos,
os quais devem conter aproximadamente 12 bilhões de novas mutações que
não estavam presentes na geração anterior. Neste capı́tulo, vamos estudar
diferentes modelos de mutações, que nos ajudarão a compreender como a
mutação interfere na evolução das populações.
39
Ou que fazem com que novas variantes passem a existir dentro de uma população.
44
5.2 Modelo 1: Mutações Irreversı́veis
Neste modelo, uma mutação cria um novo alelo, que não estava anterior-
mente presente na população. Isso significa que a frequência inicial do novo
alelo é muito pequena se a população for grande (sua frequência inicial na
população é 1/2N ). Mutações recorrentes nas gerações subsequentes podem
aumentar o número de alelos mutantes, mas este fenômeno por si só aumenta
a frequência dos mutantes de forma muito lenta.
Considere que o alelo A é o selvagem, enquanto a é o alelo mutante. Se
houver exatamente uma mutação por geração, então a frequência do alelo a
aumentará de acordo com a sequência 1/2N , 2/2N , 3/2N ,...
Portanto, a tendência de modificação das frequências alélicas como resul-
tado de mutações recorrentes (pressão de mutação) é muito pequena. Por
outro lado, o efeito cumulativo das mutações por longos perı́odos de tempo
pode ser apreciável. Uma única modificação nos pressupostos modelo de
Hardy-Weinberg nos ajudará a estudar os efeitos das mutações. Conside-
raremos por hora apenas mutações com efeito tão pequeno na aptidão do
organismo que a seleção natural 40 não é capaz de alterar a frequência des-
tas mutações41 . Também assumiremos que as mutações são irreversı́veis, o
que significa que um alelo a não sofre mutação reversa para A. Para evitar
complicações resultantes das modificações das frequências alélicas devidas ao
acaso, também consideraremos populações de tamanho infinito.
Considere um gene com dois alelos A e a e suponha que A muta para a
numa taxa de µ mutações por alelo A por geração (i.e. cada alelo A tem uma
probabilidade µ de mutar para a em cada geração). Seja pt a frequência de
A e qt a frequência de a na geração t (onde t = 0, 1, 2...). Em cada geração,
pt + qt = 1, já que A e a são os únicos alelos considerados.
Agora deduziremos a formula de pt (frequência de A na geração t) em
termos de pt−1 (frequência de A na geração anterior). Na geração t, pt inclui
todos os alelos A da geração t − 1 que não mutaram nesta geração, ou seja:
pt = pt−1 (1 − µ) (35)
No entanto, pelo mesmo raciocı́nio, pt−1 inclui todos os alelos A da geração
t − 2 que não mutaram naquela geração, ou seja:
45
pt = pt−2 (1 − µ)(1 − µ) = pt−2 (1 − µ)2 (37)
Seguindo este raciocı́nio, teremos:
pt = p0 (1 − µ)t (38)
A figura 6 mostra a diminuição da frequência de A na população à medida
que o tempo passa, considerando µ = 10−4 . Repare que o número de gerações
requeridos até que A seja eliminado da população é muito alto.
5.2.1 simulação 3
46
p ocorre em ambas as direções. A primeira tende a diminuir p (exatamente
como no modelo 1) e a reversa gente a aumentar p. Eventualmente uma
situação de equilı́brio, na qual a frequência de p fica constante de uma geração
para a outra, é alcançada. Neste ponto de equilı́brio, a perda de alelos A pela
mutação direta é compensada pelo ganho de alelos A pela mutação reversa.
Para deduzir o ponto de equilı́brio, suponha que a taxa de mutação direta
(de A para a) é µ por geração e que a taxa de mutação reversa (de a para A)
é ν por geração. Sejam pt e qt 42 as frequências dos alelos A e a na geração
t, de modo que pt + qt = 1. Um alelo A na geração t pode ter se originado
de uma de duas maneiras: ele pode ter sido um A da geração t − 1 que não
mutou para a (com probabilidade de 1 − µ), ou pode ter sido um alelo a da
geração t − 1 que mutou para A (com probabilidade ν). Assim:
47
o ponto de equilı́brio é atingido quando o lado direito da equação 41 é zero,
portanto:
ν
p̂ = (42)
µ+ν
A maneira pela qual pt converge para o valor de equilı́brio está mostrada
na figura 7 para o caso de µ = 10−4 e ν = 10−5 . Note que, qualquer que seja
a frequêcia inicial de A, a frequência alélica de A eventualmente chega a p̂,
0,00001
que neste exemplo será 0,0001+0,00001 = 0, 091. A figura 7 também indica que
a pressão de mutação é muito fraca para modificar as frequências alélicas, de
modo que a população requer dezenas de milhares de gerações para atingir o
equilı́brio.
5.3.1 simulação 4
48
5.4 Probabilidade de fixação de um novo alelo mutante
neutro
Nos modelos anteriores assumimos que as populações têm tamanhos efe-
tivos infinitos, o que não é nada realı́stico. Num modelo mais acurado no
qual a população é finita, as modificações na frequência de um alelo mu-
tante depende não apenas da pressão de mutação, mas também dos sorteios
aleatórios geração após geração (deriva genética).
Já aprendemos no capı́tulo sobre deriva genética43 que amostras aleatórias
do pool gamético podem fazer com que alguns alelos sejam super-amostrados
na geração t + 1 em relação à sua frequência na geração t. Por outro lado,
outros alelos podem ser subamostrados. De fato, qualquer alelo tem uma boa
chance de ser pouco representado na próxima geração, fazendo com que ele
seja extinto da população. Para ser preciso, cada alelo da geração t tem uma
chance de aproximadamente 1/e = 0, 368 de não ser representado na geração
t + 1. Para entender por quê, considere um alelo α1 . A frequencia de α1 no
pool gamético é 1/2N e a frequencia de todos os outros alelos é 1 − 1/2N .
Como os genótipos da geração t + 1 são formados a partir do pool em sorteios
aleatórios de 2N alelos, a distribuição do número de alelos α1 e não-α1 na
geração t + 1 é dada por:
2N
1 1
α1 + 1 − α (43)
2N 2N
Onde α representa todos os alelos não-α1 . Portanto a probabilidade de
que α1 não seja representado em t + 1 é:
2N
1
1− ≈ 1/e = 0, 368 (44)
2N
É interessante notar que este número é quase uma constante de fato.
Mesmo quando o tamanho populacional é muito pequeno, os valores são bem
parecidos. A tabela 7 mostra o resultado da equação 44 para diferentes
tamanhos populacionais.
O importante da equação 44, é que, devido à deriva genética, cada alelo
tem um risco substancial de se extinguir em cada geração. À medida que
o tempo passa, as linhagens progressivamente desaparecem, uma a uma ou
em pequenos grupos. Eventualmente se atinge uma situação na qual todas
as linhagens alélicas, exceto uma, se extinguiram. Neste ponto, todos os
alelos da população serão idênticos por descendência de um determinado
alelo presente na população ancestral.
43
Ver capı́tulo 3 desta apostila.
49
Tabela 7: Probabilidade de que um alelo α1 não seja representado na próxima
geração em populações com diferentes tamanhos efetivos.
2N
1
Ne 1 − 2N
2 0.316406
10 0.358486
20 0.363232
50 0.366032
100 0.366958
500 0.367695
103 0.367787
106 0.367879
109 0.367879
6.109 0.367879
50
proteı́na com 300 aminoácidos é codificada por uma sequência de 900 nucleo-
tı́deos. Como cada nucleotı́deo pode potencialmente ser um A, um C, um G
ou um T, o número de alelos possı́veis é 4900 , que equivale a aproximadamente
10542 . Assim, podemos supor que cada nova mutação cria um alelo que não
existia na população. Isso é o chamado modelo de alelos infinitos. Ape-
sar de ser uma visão um tanto simplificada das mutações, este modelo pode
ser bastante útil na comparação com modelos mais complexos de frequências
alélicas observadas. No modelo de alelos infinitos, dois alelos idênticos são
necessariamente idênticos por descendência, por causa do pressuposto que
cada mutação cria um único alelo. Com isso, neste modelo, todos os genóti-
pos homozigotos são também autozigotos44 . Para medir a homozigozidade,
teremos que medir a autozigozidade. Considere que Ft é a probabilidade de
que, na geração t, dois alelos sorteados ao acaso sejam idênticos por descen-
dência, ou seja, um indivı́duo tomado ao acaso tenha dois alelos idênticos
por descendência (seja um autozigoto). Com isso, Ft mede a autozigozidade
na geração t. Pela fórmula 21, que mede o efeito do aumento de F devido à
deriva genética,
1 1
Ft = + 1− Ft−1
2N 2N
o F aumenta a cada geração devido ao sorteio aleatório dos alelos, que
podem ser idênticos por descendência por dois motivos: (i) o mesmo alelo
presente na geração t − 1 foi sorteado duas vezes, com probabilidade 1/2N ;
(ii) dois alelos diferentes de t−1 foram sorteados, mas estes dois alelos já eram
idênticos por descendência em t − 1, com probabilidade (1 − 1/2N )Ft−1 . Se
incluirmos mutações nesta fórmula, teremos que considerar que o termo 1/2N
só aumentará o F se nenhum dos dois alelos idênticos por descendência sofrer
mutação. Ou seja, o termo deve ser multiplicado por (1 − µ)2 . A potência
de dois indica que nenhum dos alelos pode ter sofrido mutação45 . Da mesma
forma, o termo (1−1/2N )Ft−1 só pode aumentar o valor de F se nenhum dos
alelos que eram idênticos em t − 1 e foram sorteados em t sofreram mutação.
Com isso, este termo também deve ser multiplicado por (1 − µ)2 .
A fórmula geral do modelo de alelos infinitos fica então assim:
1 1
Ft = (1 − µ)2 + 1 − (1 − µ)2 Ft−1 (45)
2N 2N
Reparando bem na fórmula, o efeito dos sorteios da deriva faz o F aumentar,
no entanto, o efeito das mutações faz o F diminuir, de modo que eventual-
44
Que equivale a dizer que são idênticos por descendência.
45
o que equivale a dizer que o primeiro alelo E o segundo alelo não sofreram mutações
- utilize a regra do produto neste raciocı́nio.
51
mente o F para de se modificar, atingindo um ponto de equilı́brio. O valor
do F no ponto de equilı́brio é dado por F̂ , no qual F̂ = Ft = Ft−1 . Subs-
tituindo Ft e Ft−1 por F̂ na equação 45 e ignorando os termos contendo µ2 ,
bem como µ/2N (porque são números muito pequenos), a solução é:
1
F̂ = (46)
1 + 4N µ
O F̂ assim calculado é uma excelente aproximação dos efeitos da deriva
e da mutação considerados juntos. Segundo este modelo, o número de alelos
seletivamente neutros sob pressão de mutação aumenta até que F atinja o
ponto de equilı́brio (F̂ ), que também é o valor de equilı́brio da autozigozidade.
Como um dos pressupostos do modelo de alelos infinitos é o de que cada
alelo só surge uma vez por mutação, todos os genótipos homozigotos são
de fato autozigotos. Portanto, o F̂ também pode ser interpretado como o
valor de equilı́brio da proporção de homozigotos. A equação 46, portanto,
oferece o equilı́brio da homozigozidade na população sem qualquer referência
às frequências alélicas.
Por outro lado, a maneira usual de calcular a homozigozidade esperada
com acasalamentos ao acaso para n alelos é:
n
= p21 + p22 + ... + p2n
X
(47)
i=1
52
A figura 8 mostra as equações 46 e 47 em populações com tamanhos po-
pulacionais diferentes (que variam de 2 a 100.000 indivı́duos) e uma taxa de
mutação de 10−5 . Repare que quanto maior a população, maior a heterozi-
gozidade esperada nesta população.
5.5.1 simulação 5
53
2 alelos, p1 = 0, 6 e p2 = 0, 4 também apresenta homozigozidade de 0, 52.
O prolema de vários dados resultarem na mesma homozigozidade pode ser
resolvido pelo pressuposto de que todos os alelos têm a mesma frequência.
Se a população contém n alelos igualmente frequentes, então p1 = p2 = p3 =
... = pn = 1/n; a homozigozidade pode então ser calculada pela equação 47
como p2i = n(1/n)2 . No equilı́brio, portanto, 1/n = F̂ = 1/(4N µ + 1), ou
P
54
seleção natural48 . Darwin, quando propôs a teoria da origem das espécies
pela seleção natural, não tinha idéia do que eram genes, não sabia da exis-
tência dos trabalhos de Mendel, não conhecia os cromossomos e muito menos
o DNA. Depois de todas estas descobertas, e depois da junção do Darwi-
nismo com o Mendelismo, começou a ser possı́vel o estudo da dinâmica das
populações através de modelos, que é o que estamos estudando neste curso.
48
Se você parar para refletir, a probabilidade de uma mutação que atinge uma sequencia
codificadora ou reguladora do genoma ser deletéria é muito maior do que a probabilidade
de ser neutra ou benéfica. Usando uma velha analogia, se for dada uma martelada no
motor de um carro, é muito mais provável que ele pare de funcionar ou que funcione
menos eficientemente do que antes. Outra possibilidade é que ele continue funcionando
do mesmo jeito, se a martelada atingir um ponto menos importante. Por outro lado,
uma martelada que faça o motor melhorar é de fato muito rara. Quando falamos de teoria
neutra, estamos falando dos alelos que se mantiveram na população, ou seja, que não foram
eliminados rapidamente pela seleção natural por serem muito deletérios ou diminuirem a
probabilidade de sobrevivência ou reprodução do organismos.
55
6 Variação II - Fluxo Gênico
6.1 Introdução
Numa população estruturada49 , a deriva genética promove a divergência
entre as subpopulações. A migração ou fluxo gênico, que é o movimento de
organismos entre subpopulações, promove o inverso, ou seja, torna homo-
gêneas as subpopulações, limitando o aumento de divergência entre elas, o
que fatalmente ocorreria caso elas ficassem totalmente isoladas (ou seja, não
trocassem genes). Os animais se movem de um lugar para o outro em busca
de comida ou pares de acasalamento. Pólen e sementes de plantas podem ser
carregados pelo vento ou transportados por animais. Bactérias podem se dis-
persar no ar, água, ou ser transportadas por seus hospedeiros. Qualquer que
seja o mecanismo,um gene pode mudar de localização de uma geração para
a outra. A este movimento damos o nome de fluxo gênico. Neste capı́tulo,
vamos tentar compreender o efeito homogeneizante da migração através de
modelos extremamente simples. É importante ter em mente que não basta
haver migração50 , é preciso que haja fluxo gênico.
56
Na equação 48, m é chamado de taxa de migração entre o continente
e a ilha. Com isso, (1 − m) corresponde aos indivı́duos que contribuem
com a próxima geração e não são migrantes51 , enquanto m corresponde aos
migrantes, que têm a frequência de A = ṗ. Subtraindo ṗ de ambos os lados
da equação e simplificando, temos:
pt − ṗ = (1 − m)(pt−1 − ṗ)
Comparando p1 e p0 :
p1 − ṗ = (1 − m)(p0 − ṗ)
Comparando p2 e p1 :
p2 − ṗ = (1 − m)(p1 − ṗ)
Substituindo:
Generalizando:
ou seja:
57
Figura 9: Alteração da frequência de A devida à imigração em uma ilha cuja
frequência inicial de A é p = 0, 1. O continente próximo a esta ilha que envia
os migrantes tem ṗ = 0, 9, e a taxa de migração continente → ilha é m = 0, 1.
6.2.1 simulação 6
58
mesmo tempo considerando estas populações isoladas, como ilhas em um
arquipélago. Para utilizar o modelo, é necessário calcular a frequência média
do alelo A considerando todas as ilhas:
p1 + p2 + p3 + ... + pn
p̄ = (51)
n
Além disso, é preciso assumir que a migração ocorra de forma que a
frequência média do alelo A entre os migrantes de uma população para a ou-
tra também seja p̄. Agora considere uma subpopulação de uma das ilhas na
geração t. Se esta população recebeu migrantes na geração t − 1, que contri-
buı́ram com uma fração m dos alelos desta geração e que tinham frequência
de A = p̄, então a frequência de p desta ilha nesta população nesta geração
é dada por:
59
6.3.1 simulação 7
60
1
F̂ =
1 + 4N µ
pode ser tranquilamente escrita desta outra maneira, só que agora consi-
derando a taxa de migração, ao invés da taxa de mutação:
1
F̂ = (54)
1 + 4N m
Para tentar compreender como isso é possı́vel, imagine uma população
que recebeu migrantes de outra população. Se estas duas populações esta-
vam isoladas, é razoável supor que a deriva genética atuou sobre elas no
sentido de reduzir a variabilidade dentro das mesmas. Consequentemente,
espera-se que a variabilidade entre as populações tenha aumentado, ou seja,
que as populações tenham frequências alélicas diferentes. Portanto, quando
uma população recebe migrantes ela necessariamente altera suas frequências
gênicas (e o número de alelos diferentes aumenta, aumentando a variabili-
dade). Se a variabilidade é maior, então isto deve ter um efeito negativo no
F , que em última instância, mede a diminuição da variabilidade.
Repare que quanto maior for o número de migrantes, mais diversa se
torna a população, já que os alelos migrantes estarão em frequência maior na
população, ou seja, menor ainda vai ser o F . Observe atentamente a equação
54. Nela, é dito que no equilı́brio migração-deriva, os efeitos da deriva (que
tendem a aumentar o F ) são contrabalançados pelos efeitos da migração,
exatamente como fazia a mutação. No entanto, a taxa de migração em uma
população é necessariamente muito maior que a de mutação.
Como o número de migrantes por geração é igual a Nm, a equação 54
mostra que a diminuição de F com o aumento de Nm é extremamente rápida,
conforme mostrado na figura 11. No caso extremo de isolamento completo
entre populações, N m = 0 e F̂ = 1.
N m = 0, 25 (um migrante a cada 4 gerações) F̂ = 0, 50
N m = 0, 5 (um migrante a cada 2 gerações) F̂ = 0, 33
N m = 1 (um migrante por geração) F̂ = 0, 20
N m = 2 (dois migrantes por geração) F̂ = 0, 11
A implicaçao da figura 11 é que a migração é uma potente força contra a
divergência genética entre populações.
No entanto, é preciso estar atento para não superestimar o efeito homo-
geneizador da migração. A medida da divergência genética dada na figura 11
é o FST , um valor predominantemente determinado por alelos polimórficos
em frequências intermediárias. Alelos raros presentes em uma subpopulação
e ausentes em outras dificilmente exercerão algum efeito no FST . Como são
61
Figura 11: Diminuição no ı́ndice de fixação entre subpopulações no equilı́brio
no modelo de ilhas de migração. A curva foi feita a partir da equação 54.
No modelo de ilhas, N m é o número de migrantes que chega a cada ilha por
geração.
62
frequências alélicas similares, os efeitos da migração são menores, e muitas ve-
zes muito menores que os preditos nos modelos. Populações naturais podem
estar distribuı́das em uma só dimensão, como o leito de um rio. Também
podem estar distribuı́das regularmente em duas dimensões, ou pode haver
uma grande população com estrutura genética interna causada por tendên-
cias ao acasalamento entre indivı́duos que nasceram numa mesma região.
Análises dos efeitos da migração neste tipo complexo de população são em
geral mais difı́ceis. Entre humanos, as taxas de migração dependem do sexo,
da idade, estado civil, status econômico, densidade populacional entre ou-
tros fatores. As taxas de migração também variam rapidamente. Portanto,
uma teoria completa, envolvendo todos os detalhes da migração, tende a ser
extremamente complexa.
63
7 Seleção Natural
Seleção natural é um mecanismo evolutivo bastante conhecido, inclusive
pelo público leigo, uma vez que foi o único mecanismo proposto por Darwin
na Origem das Espécies, onde ele enfatizava o efeito da seleção na luta pela
sobrevivência, definida por ele não como uma luta estrita ou direta. Nas
próprias palavras de Darwin:
64
Devido a esta luta, as variações, por mais fracas que sejam e
seja qual for a causa de onde provenham, tendem a preservar os
indivı́duos de uma espécie e transmitem-se comumente à descen-
dência logo que sejam úteis a esses indivı́duos nas suas relações
por demais complexas com outros seres organizados e com as con-
dições fı́sicas da vida. Os descendentes terão, por si mesmos,
em virtude disso, maior probabilidade de sobrevida; porque, dos
indivı́duos de uma espécie nascidos periodicamente, um pequeno
número poderá sobreviver. Dei a este preceito, em virtude do qual
uma variação por mı́nima que seja, se conserva e se perpeta, se
for útil, a denominação de Seleção Natural.
65
do mais apto através das alterações das frequências alélicas esperadas por
seleção em modelos simplificados. Estes modelos mostram que a seleção
atua simultaneamente em diferentes componentes do fitness 57 , e pode operar
em diferentes nı́veis da estrutura populacional.
66
é independente dos valores adaptativos dos outros genótipos. Na prática, fre-
quentemente se sabe apenas o valor da viabilidade de cada genótipo relativo
aos outros genótipos. Quando o valor do fitness é expresso em relação aos
outros genótipos, este fitness é chamado de relativo. Ao fitness relativo do
fenótipo escolhido como comparação é arbitrariamente atribuı́do o valor 1.
Considerando um exemplo especı́fico, suponha que os genótipos A/A, A/a
e a/a tenham probabilidades de sobrevivência de 0,75, 0,75 e 0,5, respecti-
vamente. Estas são as viabilidades absolutas de cada genótipo59 . Como a
seleção depende da magnitude da viabilidade, é mais conveniente expressar
as viabilidades em termos relativos. Tomando o genótipo (ou genótipos) de
maior viabilidade como padrão, a viabilidade relativa de A/A, A/a e A/a
serão 0, 75/0, 75; 0, 75/0, 75 e 0, 5/0, 75, ou 1,0, 1,0 e 0,5. Se tomarmos o
genótipo de menor viabilidade como padrão, nossos valores adaptativos se-
rão então 1,5; 1,5 e 1,0. No entanto, é bem mais conveniente calcular a
viabilidade relativa considerando que o genótipo de maior viabilidade seja
aquele de valor igual a 1. A viabilidade relativa é igual ao fitness relativo dos
genótipos coniderando que todos os genótipos são igualmente capazes de se
reproduzir60 61 .
67
Tabela 8: seleção natural em organismos diplóides para a sobrevivência (vi-
abilidade)
genótipo total
Geração t − 1 A/A A/a a/a 1 = p2 + 2pq + q 2
frequência antes da seleção p2 2pq q2
viabilidade w11 w12 w22
depois da seleção p2 w11 2pqw12 q 2 w22 w̄ = p2 w11 + 2pqw12 + q 2 w22
p2 w11 +pqw12
Geração t p0 = w̄
pqw12 +q 2 w22
q0 = w̄
68
Sempre que há alterações nas frequências gênicas, é conveniente conhecer
o ∆p, que é a diferença na frequência do alelo A em duas gerações conse-
cutivas, t-1 e t. Podemos representar por ∆p = p0 − p o resultado de uma
geração de seleção. Substituindo p’ pela equação 57, e w̄ pela equação 55,
teremos:
pq[p(w11 − w12 ) + q(w12 − w22 )
∆p = (58)
w̄
Demonstrando...
∆p = p0 − p
69
Figura 12: Modificações nas frequências gênicas de adultos heterozigotos de
D. melanogaster (Cy/+), para o a mutação dominante Cy(asas curly) em
uma população experimental. w11 = 0, w12 = 0, 5 e w22 = 1 (Teissier 1942).
O valor adaptativo de w12 = 0, 5 foi estimado por Wright (1977).
70
que não chegam à fase adulta não poderão se reproduzir. Repare que as
freqüências de A e a serão diferentes na geração de adultos e de zigotos da
mesma geração. Esta diferença se refletirá na próxima geração de zigotos, que
também está em Equilı́brio de Hardy-Weinberg, mas levando em consideração
as novas freqüências gênicas da população.
71
Figura 13: Representação da alteração da frequência de a em seleção contra
o homozigoto recessivo, w11 = 1, 0; w12 = 1, 0 e w22 = 0.
os zigotos A/A e A/a simplesmente não chegam à fase adulta. Neste caso,
o valor adaptativo de A/A e A/a é zero, uma vez que indivı́duos que não
chegam à fase adulta não poderão se reproduzir. Repare que as freqüências
de A e a serão diferentes na geração de adultos e de zigotos da mesma geração.
Esta diferença se refletirá na próxima geração de zigotos, que também está
em Equilı́brio de Hardy-Weinberg, mas levando em consideração as novas
freqüências gênicas da população. Repare que este tipo de seleção é muito
mais efetivo que a seleção contra o homozigoto recessivo.
72
a na população da tabela 10 durante 6 gerações. Repare que apenas uma
geração de seleção contra o fenótipo dominante é suficiente para fixar o alelo a
na população (portanto, se nenhum outro fator interferir, todos os indivı́duos
serão a/a daqui pra frente).
73
adaptativos de cada genótipo. Neste caso, como os valores adaptativos de
w11 e w22 são iguais, o valor tenderá a 0,5.
63
é muito importante aqui visualizar que este é o único tipo de seleção capaz de manter
a variabilidade dentro da população. Nas outras formas de seleção, ela atua no sentido de
eliminar a variabilidade
74
7.5 Cálculo do Valor Adaptativo
Sempre que você estiver pensando em seleção natural, estará na verdade
pensando nas alterações das freqüências gênicas ao longo das gerações. No
entanto, a seleção natural não atua sobre os alelos, ou sobre os genótipos, ela
na verdade atua sobre os fenótipos dos indivı́duos, ou seja, os fenótipos se
adaptam ao ambiente, e não os genótipos. Com isso, só é possı́vel calcular a
intensidade de seleção quando os genótipos têm correspondência direta com
os fenótipos, o que nem sempre acontece. Bom, nos poucos exemplos em
que podemos considerar que temos uma boa correspondência entre genótipos
e fenótipos, podemos calcular a intensidade de seleção sobre cada genótipo,
e, com isso, calcular os valores adaptativos de cada genótipo. A tabela 12
mostra um exemplo de como calcular o valor adaptativo de cada genótipo a
partir da comparação das freqüências genotı́picas em uma população medi-
das em duas gerações, a primeira antes e a segunda após a seleção natural.
O procedimento padrão é dividir a freqüência de um genótipo após a seleção
pela freqüência deste mesmo genótipo antes da seleção. É importante ressal-
tar que o número resultante pode ser maior ou menor do que 1 (um). Se
for maior, significa que a freqüência do genótipo em questão aumentou, se
for menor, significa que diminuiu. Conforme já mencionamos neste capı́tulo,
para facilitar as contas e padronizar o raciocı́nio, consideraremos também que
o(s) genótipo(s) de maior valor adaptativo terá(ão) SEMPRE valor adapta-
tivo=1, enquanto os demais terão valores entre 0 e 1. Para padronizar estes
valores, basta dividir todos os valores adaptativos encontrados pelo maior
deles. Observe atentamente o exemplo a seguir:
75
7.6 Significado do valor adaptativo médio
Conforme já vimos neste capı́tulo, o valor adaptativo médio é represen-
tado por w̄ e o modo como é calculado está mostrado na equação 55 deste
capı́tulo (w̄ = p2 w11 + 2pqw12 + q 2 w22 ).
76
Índice Remissivo
acasalamento preferencial, 7, 24 Equilı́brio de Hardy-Weinberg, 11–18,
acasalamentos ao acaso, 7, 11–16, 18, 20, 21, 24, 28, 39, 40
19, 24, 28, 34, 35, 39, 40, 66, equilı́brio mutação direta, mutação re-
68 versa, 47
adulto, 14 equilı́brio mutação-deriva, 50, 52
alelo mutante, 45 especiação, 38
alelo novo, 45 estatı́stica F de Wright, 42
alelo recessivo deletério, 28 estatı́stica F de Wright, 27, 40, 42
alelo selvagem, 45 estrutura populacional, 39, 41, 42
alelos idênticos por descendência, 24, eventos estocásticos, 30
25, 35, 40, 41, 49, 51 evolução, 9, 10, 14, 28, 31, 45
alelos mutantes, 44 extinção de alelos, 49
alelos recessivos raros, 18, 28, 29 extinção populacional, 29
amostra aleatória, 30
ancestralidade recente, 24 F-coeficiente de endogamia, 25–28, 35–
autozigotos, 52 37, 40, 41, 51
autozigozidade, 51 FIS, 40, 41
FIT, 41
balde de gametas, 12, 21 fixação de um alelo, 31, 34, 41, 50
barreiras ao fluxo gênico, 39 flutuações aleatórias, 7
fluxo gênico, 7
carga genética, 18, 28 forças evolutivas, 14
cenário adaptativo, 28 frequência genotı́pica, 8, 9, 11, 12, 14,
composição genética, 7 17, 22, 28, 31
cromossomo X, 20 frequência genotı́pica esperada, 11, 13,
deriva, 42, 52 14, 16, 17, 19, 25
deriva genética, 30, 31, 33–35, 37–42, frequência gênica ou alélica, 9–15, 17,
49, 51 18, 20–22, 25, 28, 30–32, 34,
diferenciação entre populações, 38, 42 40, 42, 47
diferenciação populacional, 42 frequências gênicas ou alélicas, 35
distribuição binomial, 12, 18, 31, 32 FST, 41–43
distribuição disjunta, 39 gameta, 14
dominância, 17 gametas infinitos, 32
efeito Wahlund, 35 gargalo populacional, 38
eletroforese de proteı́nas, 8 graus de liberdade, 13, 16, 17
endogamia, 7, 24–26, 28, 29, 34, 35, heterozigozidade, 9, 12, 18, 26, 52
40, 42
77
heterozigozidade esperada, 12, 18, 20, probabilidade binomial, 32
27, 34, 39–42, 50
heterozigozidade observada, 27, 34, 40 recombinação, 44
HI, 40, 41 seleção natural, 7, 9, 11, 14, 28–30,
homozigozidade, 19, 51, 52 37, 39, 42, 45, 66
homozigozidade esperada, 52 sobreposição de gerações, 11
HS, 41 subdivisão populacional, 7, 35
HT, 41 subpopulações, 27, 39, 41, 42, 44
ı́ndice de fixação, 42 tamanho da população, 15, 16, 31, 37
indivı́duos, 6 tamanho efetivo, 37, 38, 49
locus polimórfico, 9 tamanho efetivo histórico, 38
tamanho populacional, 49
marcadores moleculares, 17 teste de qui-quadrado, 13, 16, 17
mecanismos evolutivos, 10, 28, 30
medida de variabilidade, 9 valor adaptativo, 66
Mendel, 6, 14 valor adaptativo médio, 29
migração ou fluxo gênico, 7, 11, 14, variabilidade, 7, 9, 14, 31, 37, 38, 41,
31, 39, 44 44, 50, 52
modelo de alelos infinitos, 50, 51 variação genotı́pica, 7
modelo matemático, 10, 11, 13 viabilidade, 14, 67
mutação, 7, 11, 14, 31, 44, 50–52 zigoto, 12, 14, 21, 68
mutação reversa, 47
mutações deletérias, 52
mutações neutras, 45
mutações recorrentes, 45
mutações reversı́veis, 46, 47
pool gamético, 49
pool genético, 32
população, 6, 39
população finita, 30, 32, 49
população infinita, 11, 14, 30, 45, 49
população muito grande, 31, 37
população panmı́tica, 29
populações estruturadas, 39
populações pequenas, 24, 37, 49
pressupostos do equilı́brio de Hardy-
Weinberg, 11, 14, 18, 30
pressupostos do equuilı́brio de Hardy-
Weinberg, 45
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