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A intuição como preâmbulo à ciência Saber Humano n.

2 | Junho 2012

A intuição como preâmbulo à ciência: um


estudo de abordagem filosófica

Alécio Vidor
Faculdade Antonio Meneghetti (AMF)

Resumo: Este artigo teórico apresenta o ponto de vista filosófico de alguns autores
que trataram o tema intuição, sendo que entre os mais importantes podem ser
encontrados: Aristóteles – diz que a intuição é uma verdade de ordem mais elevada
que a verdade científica. Ela não pode ser incluída na ciência porque foge à
demonstração e se dá por evidência imediata. Bergson considera a intuição como
fonte da criatividade. Já Nicolau de Cusa afirma que só se alcança a intuição se
soubermos vencer as contradições de ordem racional e múltipla. Para ele, a intuição
de base corresponde à visão imediata da identidade de si mesmo, no homem.
Através da elucidação etimológica dos termos, podemos entender melhor a visão da
Ciência Ontopsicológica: intuição (intus+actionis) significa ver dentro, ver o íntimo
de origem da ação. Intelecção (intus+legere+actionis), ou seja, o intelecto lê o
íntimo da ação. A consciência (cum+scire+entia) é o saber conforme a ação do ser
ou conforme a intelecção. No entanto, como a consciência sofreu condicionamentos
externos distônicos ao mundo-da-vida, ela deve ser autenticada, ou seja, reversível
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ao seu real. A intuição da consciência pura corresponde à visão ôntica, que é
percepção evidente do princípio radical do ser humano. Esta visão foge da
compreensão racional e se mantém acima da evidência lógica.
Palavras-chave: intuição; ciência; Filosofia; Ontopsicologia.

Abstract: This theoretical paper presents the philosophical point of view of some
authors who have treated the topic intuition, being among the most important can be
found: Aristotle - says that intuition is a fact of higher order than scientific truth. It
can not be included in science because escapes and is given by demonstration
immediate evidence. Bergson considers intuition as a source of creativity. Already
Nicholas of Cusa says that intuition comes only if we overcome the contradictions
of rational order and multiple. For him, the basic intuition corresponds to the
immediate vision of identity itself, in man. Through the elucidation of etymological
terms, we can better understand the vision of Ontopsychology: intuition (intus+
actionis) means see inside, see the intimate source of action. Intellection
(intus+legere+actionis), the intellect reads the intimate action. Consciousness
(cum+scire+entia) is know as the action of being or as intellection. However, as the
external conditions suffered dystonic consciousness to the world-of-life, it must be
authenticated, ie reversible to its real. The intuition of pure consciousness
corresponds to ontic vision, perception is evident that the radical principle of human
being. This view escapes the rational understanding and remains above the logical
evidence.
Keywords: intuition; science; Philosophy; Ontopsychology.

VIDOR, Alécio. A intuição como preâmbulo à ciência: um estudo de abordagem filosófica. Revista Saber
Humano, Recanto Maestro, n. 2, p. 37-45, 2012.
A intuição como preâmbulo à ciência Saber Humano n. 2 | Junho 2012

1 Introdução evidência da identidade e o critério


primeiro da racionalidade, ela ilumina a
Intuição é um termo de raiz latina: racionalidade na organização do
intus (íntimo, dentro) + actionis (ação), conhecimento, mas não se enquadra na
que significa o íntimo da ação. O mesmo racionalidade.
termo pode ter a raiz latina tueri (ver) + in Dessa forma, este artigo realiza um
(em), que significa ver dentro e breve estudo teórico, sob o ponto de vista
corresponde à ação de ver diretamente. filosófico, da relação que é possível existir
Trata-se da ação que dá evidência, e que entre intuição e ciência, tomando a
apreende diretamente o princípio ou ponto primeira como preâmbulo à segunda. Para
de partida do conhecimento sem tanto, são apresentados conceitos
intervenção de racionalidade ou essenciais de alguns dos principais autores
raciocínio. É a visão que colhe o íntimo da e estudiosos no percurso da filosofia
ação, portanto, colhe os modos e as acerca da temática da intuição e do
estruturas de um projeto de ação. Pela conhecimento.
intuição sabe-se a identidade e a Importante se faz verificar que, a
funcionalidade do projeto antes que se intuição – se compreendida de modo sério
formalize o evento ou fenômeno. A e sem ulteriores interpretações não
intuição evidencia diretamente o real, ela condizentes com o conhecimento laico
se antecipa às coisas e às palavras, visto acerca do que a mesma é – torna-se
que compreende o princípio que sustenta e fundamental para o processo científico,
dá origem aos fenômenos e às palavras. fazendo-se complementar à racionalidade.
O termo intelecto se decompõe em
intus+legere+actionis, isto significa o
intelecto lê a ação interior, é a faculdade 2 Aspectos histórico-filosóficos do 38
que reflete diretamente a visão mental na conceito de intuição
qual se intui a unidade básica. A intuição
dá o dentro da ação, e o intelecto lê a Para Platão, a sensibilidade inicia o
ação, lê sua variação. Ela colhe o real conhecimento, porém, o contato sensível
anterior ao cognoscível e ao que é das coisas toca apenas as aparências e não
designável em palavras. é mais do que a condição do
O intelecto é a faculdade que lê e conhecimento. A percepção dos sentidos
compreende as coisas a partir do íntimo e fornece a matéria do conhecimento,
identifica as formas essenciais de qualquer porém, não pode dar o conhecimento
evento ou fenômeno. Ele pode refletir verdadeiro. A experiência esfacela o que
diretamente a ação na qual se intui a está pré-contido numa unidade e não pode
unidade básica, o fundamento que reúne tornar-se base do conhecimento autêntico
sujeito-objeto. O intelecto lê o (NICOLA, 2009).
fundamento da demonstração científica. Já A alma não pode parar na sensação
a demonstração necessita da análise e da pura; ela, neste caso, apenas avalia e julga
síntese, que é efetuada pela razão. A razão as aparências, as reconhece, percebe e
é o intelecto aplicado na organização da projeta opiniões. É o momento da “doxa”.
ciência. Através da opinião a mente começa a
Por outro lado, a lógica é exercício abrir-se e toma posse de si e ao livrar-se
racional de inteligência, é organização das sensações e sentimentos, ela se abre às
combinatória de conceitos, juízos e noções científicas e formula conhecimento
proposições. Porém, sem a evidência da inteligível puro (dianoia). No entanto, é a
intuição, a lógica torna-se vazia, sem intuição que conclui o processo
utilidade e função. A intuição dá a cognoscitivo (noesia). A intuição

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Humano, Recanto Maestro, n. 2, p. 37-45, 2012.
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originária é pré-temporal, é pré-terrena, é a intuição. Segundo Aristóteles, a intuição


metafísica e pode tornar-se uma conquista estaria acima do conhecimento científico,
do homem, é um valor que pode ser sendo a base primeira do mesmo. Ela não
alcançado ou perdido (NICOLA, 2009). pertence ao âmbito científico, mas como
A alma pode chegar à intuição princípio dos princípios ela sustenta o
através de um caminho ascendente e valor da demonstração, embora não seja
vertical, e neste processo o saber pode demonstrável, visto que se dá por
passar das sensações à ciência. Porém, evidência.
necessita superar as impurezas afetivas A intuição é propriedade do
iniciais para atingir a autoconsciência intelecto agente: esse intelecto pensando
mediante a qual toma contato consigo em ato todos os inteligíveis, pensa a si
mesma, alcança o centro de si mesma, o mesmo e por consequência é pensamento
centro de onde se irradia a luz de todas as do pensamento, é por ele que se torna
suas virtualidades. A alma se vê como possível a intuição intelectiva. Esse
mediadora dos dois mundos: do intelecto é universal visto que se identifica
metafísico e do fenomênico. O à universalidade dos intelectos pensados.
conhecimento puro não se origina do Como ato, ele é ser e é sem grandeza
sensível, mas da intuição intelectiva (FABRO, 1959).
(noesis), na qual se contempla a verdade Os conceitos são intuídos
de si mesmo. imediatamente pelos muitos intelectos
Platão coloca a intuição no ápice pensados. O conceito sempre tem uma
do processo evolutivo do conhecimento, dimensão de compreensão e uma de
em que a mente se reconhece como extensão. A compreensão é constituída
princípio unitário que ilumina a pelos predicados que denotam seu
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diversidade fenomenológica. significado lógico. A extensão é
Santo Agostinho em seu livro 10 constituída pelos sujeitos aos quais aquele
do “De Trinitate”, ao abordar a visão conceito pode ser predicado.
platônica da alma, diz que “a Compreensão e extensão estão em
espiritualidade da alma apresenta-se como proporção inversa. O conceito que tem o
uma verdade imediatamente evidente: máximo de extensão, como o ser, tem o
objeto da intuição, mas de uma intuição, mínimo de compreensão e pela sua
de uma evidência que foi obscurecida por abrangência, torna-se racionalmente
pré-convicções e que, por isto, se faz indefinível e foge da compreensão
necessário redescobrir” (SANTO racional. A compreensão sempre apela por
AGOSTINHO citado por FABRO, 1959, uma definição.
p. 152). A definição dá a essência do
A intuição corresponde ao próprio conceito mediante o gênero próximo e a
ser que sabe, sem que esteja incluído no diferença específica. O gênero de cada ser
saber científico. Quando a mente é constituído pela matéria e a diferença
contempla a si mesma, ela se reconhece específica dá forma à matéria. O ser em si
como princípio iluminante do é sem gênero e sem forma e, portanto, é o
conhecimento científico. universal dos universais. Para Aristóteles,
Aristóteles no seu “Órganon”, o ser em si é irredutível a conceitos, é ato
quando busca fundamentar a incompreensível porque traduz o todo,
demonstração científica ao referir-se à sem coincidir com nenhuma coisa,
intuição, afirma que ela deve ser sustenta ou sub-está a tudo e abrange as
considerada o princípio dos princípios. diferenças de cada coisa; situa-se para
Diz ele que nada pode ser mais verdadeiro além do discurso racional.
do que o conhecimento científico, exceto

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Humano, Recanto Maestro, n. 2, p. 37-45, 2012.
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Para Aristóteles a demonstração de razão, sendo dotada de uma capacidade de


valor científico deve partir do que é análise e síntese, organiza a multiplicidade
verdadeiro e, portanto, o ponto de partida empírica segundo a ordem do
da ciência deve ser o que é evidente em si entendimento.
mesmo. Todas as demonstrações Na terceira fase ou terceiro grau,
apodíticas ou que exprimem uma surge o conhecimento imediatamente
necessidade lógica, e que não pode ser intuitivo que é de ordem supra-sensível. O
contestada, por ser coerente com as regras intelecto colhe a necessidade da unidade e
dos juízos e raciocínios ou do silogismo, mediante a intuição dá-se o encontro entre
necessita de apoio de um princípio a esfera do sensível e do inteligível e a
evidente para a mente, como base da adequação entre realidade e conhecimento
verdade. Este princípio evidente para a se confirma.
mente corresponde a uma proposição Nicolau di Cusa, em sua obra “De
anapodítica que se impõe como princípio Venatione Sapientiae”, assim se expressa:
evidente à mente.
Aristóteles afirma que este As razões que o homem concebe não
princípio que dá base e valor à lógica, constituem a essência do real, essência
que precede todo real. Portanto, a
trata-se do princípio de não-contradição. divergência não está na razão substancial
Qualquer princípio da lógica formal pode das coisas, mas nas palavras que, com
ser reduzido ao princípio de não- diversidade de razões, são atribuídas de
contradição. Este princípio está acima da modo variável às coisas. É na
evidência lógica, porque sustenta a representação da essência das coisas, que
também é variável, que consistem as
veracidade da coerência na elaboração da diversidades entre os que discutem (...). A
ciência. Toda dedução pressupõe este nossa busca da sabedoria inefável,
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princípio e é impossível que os contrários sabedoria que precede aquele que impõe
estejam simultaneamente presentes na as palavras e qualquer coisa designável
mesma coisa, se a não-contradição garante com palavra, consiste antes no silêncio,
em ver que não está na loquacidade do
o valor desta dedução. Ainda: não há um falar e do ouvir (CUSANO, 1964, p. 33-
termo intermediário entre os dois termos 97; 100).
da contradição: ou é, ou não é. Se algo é,
ele não pode não ser. A intuição Para Cusano (1964; 1988) só a
compreende este fundamento da lógica intuição de fato, quando colhe o originário
para organizar a ciência, a visão mental do metafísico, transpõe o muro das divisões
ser onde a contradição se dilui e onde múltiplas e nos leva a ver o princípio onde
sujeito-objeto ficam pré-contidos e acontece a coincidência dos contraditórios
presentes como uno. ou opostos. O ingresso neste princípio
Para ter acesso à intuição, Nicolau torna-se possível se conseguirmos superar
di Cusa ou Cusano (1964; 1988), a porta amparada pelo espírito mais alto
primeiramente distingue três fases no da razão. Para encontrar o âmbito onde os
processo de conhecimento humano: na contraditórios coincidem, é preciso vencer
primeira fase dá-se o conhecimento da os limites da razão e ver onde o contínuo
multiplicidade tal como a natureza está unificado. O uno é ser.
apresenta. Os sentidos colhem o que é Já o filósofo Bergson (1932)
imediatamente fragmentado. Tal propõe o intuicionismo16 filosófico. Para
conhecimento oferece apenas o que está
ligado aos dados das coisas. 16
“Doutrina que confere centralidade à intuição,
Na segunda fase, o conhecimento ou a considera como um instrumento privilegiado
racional toma forma como síntese dos no processo do conhecimento. Teoria do filósofo
dados apresentados pela experiência. A francês Henri Bergson (1859-1941), segundo a
qual a intuição nos permite o contato com a

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ele, a ciência e o senso comum conhecem A moral que nasce da vida é aberta
a realidade em função dos interesses da à humanidade inteira e está acima de
vida. O filósofo, ao invés, volta seu olhar qualquer determinação histórica.
para o movimento interior, para a duração, Enquanto a moral da sociedade é fechada,
na qual consiste a vida. “A função da sofre a organização jurídica e exige que
filosofia consiste em inverter a direção ela seja circunscrita a um grupo, a moral
habitual do trabalho do pensamento” da vida é universal e pode variar a cada
(LOGOS, 1989, p. 670). nova situação.
A intuição faz o contato imediato A moral social estrutura-se pela
com a realidade em nós. Esta realidade análise racional, enquanto a moral da vida
pode ser conhecida na sua pureza natural, apela pela intuição de cada nova situação.
como ela é em si. A função da filosofia A primeira é subordinada à lei e é estática;
consiste na volta do espírito a si mesmo. a segunda exige um fundamento superior
O espírito é, por essência, intuição. A voltado à evolução criadora e não apenas
filosofia é o meio para restabelecer o à função produtiva.
contato em que a consciência humana Para Leibniz, a intuição designa a
coincide com o princípio de onde emana a apreensão direta das primeiras verdades e
força criadora. para Espinosa a intuição é superior ao
Em seu livro “L’Evolution saber sensível e racional e coloca a alma
Créatrice”, publicado originalmente em em presença do real. A intuição suprime a
1907, Bergson salienta que o separação sujeito-objeto e dá a visão do
conhecimento físico-matemático é uno ou do ser (NICOLA, 2009).
caracterizado por uma natural De um modo geral, na história da
incompreensão da vida, no entanto, filosofia se considera a intuição como um
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mediante tal saber, o homo faber, com sua modo de conhecer contraposto à
atividade, construiu instrumentos e abstração, à dedução ou ao discurso
máquinas para alargar a esfera do seu lógico; é um modo de colher diretamente
domínio sobre o mundo, e com a técnica o dentro das coisas, o dentro da ação. A
aprimorou as relações e os intercâmbios intuição constitui o saber primário e
da vida civil. Isto é o que corresponde ao correlacionado à evidência imediata. É
progresso da vida contemporânea. considerado o saber mais perfeito dos
Tudo isto, de fato, é útil e funciona conhecimentos, porque apreende
na atividade de serviço à vida. A razão diretamente o real sem a mediação do
nos oferece uma reflexão analítica, mas raciocínio e, por consequência, é um saber
não nos dá a síntese que é a vida interior necessário para fundamentar a lógica e
colhida pela intuição: “a realidade é toda sustentar o valor da ciência.
atravessada por uma corrente de vida que
é energia criadora, que se multiplica numa
infinidade de espécies, de que são 3 A intuição na abordagem
portadores os indivíduos organicamente ontopsicológica
constituídos num crescente triunfo do
espírito sobre a matéria” (FABRO, 1959, Na história da filosofia, vários
p. 689). autores empenharam-se em dar uma ideia
referente à intuição, tal como foi abordado
brevemente, até o momento, neste artigo.
A Ontopsicologia, mediante três
realidade absoluta, em contraste com o caráter
novas descobertas17, proporciona um novo
meramente instrumental da inteligência conceitual
ou científica; bergsonismo” (HOUAISS, versão
17
eletrônica). Estas descobertas são resultados de pelo menos
dez anos de atividade clínica bem sucedida,

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modo de compreender a intuição norma e a funcionalidade da natureza, e é


(MENEGHETTI, 2010b; 2009). Intuir é negativa se lesiona a ordem da natureza.
descobrir, perceber ou ver sem recorrer a Ao compreender a informação que
raciocínios ou análises; é ver diretamente lesiona ou altera a ordem da natureza, foi
a ação íntima enquanto acontece, como possível identificar um mecanismo
base de conhecimento. No entanto, a partir interior que filtra e seleciona ideias fixas
da compreensão da intuição, é necessário pré-estabelecidas que se estabelecem no
agi-la na história, ou seja, aplicar espelho da consciência. Este mecanismo
ferramentas, recursos, conhecimentos, funciona como uma grelha ou um monitor
estratégias, técnicas etc., em um dado de deflexão, porque ao invés de refletir
contexto e/ou situação existencial, para corretamente a informação vital
que possa se tornar possível e concreta a organísmica, ele a distorce/deflete.
realidade da informação veiculada pela Portanto, a distorção da informação
intuição de cada sujeito em âmbito provocada pelo monitor de deflexão não
histórico. permite que a consciência compreenda, de
Pela intuição pode-se compreender per si, a intuição.
a essência fluida de uma realidade, mas O campo semântico, por sua vez,
para que esta percepção aconteça requer- como comunicação base que a vida utiliza
se do cientista uma consciência exata e no interior das suas individuações
transparente. Em base a esta exigência, (MENEGHETTI, 2010b), pode ser
por parte do cientista, a Ontopsicologia compreendido como o canal de
sublinha a necessidade de tornar exata a comunicação que veicula as informações
consciência, para que não esteja que são emitidas e recebidas pelas
fundamentada em convicções e aderências individuações. Durante a atividade clínica
42
impróprias por serem estranhas ao mundo- desenvolvida por Meneghetti, na década
da-vida ou à ordem inerente à natureza de 1970-1980, foi possível identificar, a
humana. Portanto, para obter uma visão partir do campo semântico, um princípio
clara, evidente e imediata do real em ação, formal inteligente que está na raiz da
exige-se metanoia ou mudança de identidade humana. Este princípio
consciência, continuamente, por parte do organiza e restabelece a ordem da vida.
sujeito. Com esta descoberta tornou-se possível
A intuição é a percepção ou visão ver que o princípio originário,
instantânea do real em ato. Vendo a denominado Em Si ôntico, é o critério de
informação, é possível distinguir a base (critério de natureza) do modo de ser
informação de vantagem à identidade e agir do homem (MENEGHETTI,
humana, da informação imprópria e 2010b).
prejudicial à natureza. A informação é Estas descobertas tornaram
positiva, para um sujeito, quando reforça a possível constatar que a consciência
humana está alienada da identidade do
homem, e por consequência se faz
período no qual o Acadêmico Professor Antonio necessário reajustá-la ao critério do
Meneghetti realizava pesquisa experimental. Para princípio originário do homem, o seu Em
maior aprofundamento, verificar as obras Manual Si ôntico.
de Ontopsicologia, capítulo Background histórico O campo semântico dá a base de
à ciência ontopsicológica, do mesmo autor, informação para perceber que por trás dos
publicado pela Ontopsicologica Editora
Universitária, 4. ed., 2010b. Também Dossiê fenômenos múltiplos há uma unidade
“Uma viagem de sucesso” – Revista Nova como ponto inicial de qualquer processo
Ontopsicologia, junho 2008, pela mesma editora; e evolutivo ou involutivo. “A consciência
na obra Ontopsicologia Clínica (1978), do mesmo pura ou ôntica não se alcança pelo
autor.

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Humano, Recanto Maestro, n. 2, p. 37-45, 2012.
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abandono dos conhecimentos tradicionais, investimentos de autenticidade em


mas pelo amadurecimento destes é que se evolução.
abre consciência ôntica” (MENEGHETTI, A metanoia consiste numa
2002, p. 223). contínua mudança de consciência para
Portanto, existe um training refletir a informação imediata da vida, que
pessoal para chegar a compreender a deve ser atuada a cada dia no contexto
própria intuição. É importante sublinhar histórico. Pela intuição a mente colhe a
que cada intuição tem sua base no contato unidade profunda que precede todo o
com o originário metafísico do homem. A conhecimento científico e lhe dá sustento
intuição sempre é um ponto de partida e fundamento, enquanto no conhecimento
para organizar melhor as decisões, racional se formaliza o saber aplicado no
elaborar novos conhecimentos e rever tempo e no espaço. “Quem tenta encontrar
ações para aprimorar o crescimento, o no conhecimento o que viu na intuição
sucesso em administração, em política, em mental, se esforça em vão, tal como
economia, em educação, enfim, em aquele que se esforça por tocar com as
qualquer área de atuação humana. mãos a cor, que é somente visível”
A intuição sempre é um ver com (MENEGHETTI, 2002, p. 223).
evidência que surge continuamente. Ela Sempre que nos empenhamos na
apresenta-se como ponto de partida ou investigação analítica, nos posicionamos
fórmula que sustenta a lógica e as na contradição ou contraposição
decisões. A intuição é anterior à insuperável, e esta nos exclui do real uno
organização racional e às decisões de e originário. Se ficarmos atrelados
meios para realizá-la. No entanto, ela somente aos efeitos que se expõem no
requer, junto a si, a racionalidade e o externo não encontraremos o sentido
43
arcabouço de técnicas que o homem criou, primário, a causa primeira.
para que possa ser posta em ação histórica O silogismo embora nos dê uma
no contexto no qual o sujeito se encontra sequência organizada e racional do modo
situado e, assim, efetivar a concretude de como ocorre o pensamento científico
si mesma para que se alcancem os tradicional, não tem condições de
resultados de um projeto. esclarecer o real originário que a intuição
A evolução pessoal que leva à encontra com evidência. No princípio do
intuição exige, além do estudo contínuo conhecimento científico está o uno
(no qual se dá o aprimoramento da indemonstrável. Pelo caminho da visão
racionalidade e da inteligência), a que dá o dentro da ação poderemos
metanoia – mudança de mente. Na encontrar o real que como síntese unifica
metanoia acontece uma mudança de o interno e o externo (MENEGHETTI,
pensamento e de comportamento. A 2005; 2007).
metanoia acontece quando o sujeito Nicolau di Cusa ao falar da
procura desinvestir-se do passado e dos coincidência opositorum referia-se àquele
modelos fixos para organizar-se em íntimo profundo onde se dá o encontro
consonância com a funcionalidade unitário do dualismo. O símbolo ou o
imediata da própria vida. O piloto Eu do signo não nos dá e não é o ser. O real é
sujeito começa a abandonar opiniões por natureza antecedente ao conhecer: a
assimiladas do contexto tradicional e sabedoria inefável é anterior àquilo que as
passa a conformar-se a uma compreensão palavras impõem e consiste em ver onde o
variável da própria vida em cada situação. visto e o vidente coincidem em ser.
O Eu torna-se eficiente em função da A consciência ôntica é o real
própria saúde e crescimento, fazendo anterior à dialética racional e científica e é
antecedente a qualquer palavra. O

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princípio ôntico está na base de qualquer forma racional, isto é, a partir do


ciência e faz de continuidade unitária da momento em que se compreende a própria
multiplicidade. Como ponto de origem intuição, o sujeito deve agir, empregar
deste contínuo organizado só nos resta seus conhecimentos lógico-racionais,
subentender o ser como fundamento técnicos, elaborar estratégias, saber onde e
primeiro e originário de tudo o que como empreender suas ações, para que a
aparece como múltiplo e contíguo. O ser é própria intuição se torne história, se
como ausência geradora que fala de si em concretize e sejam possíveis os resultados.
cada individuação. A intuição do Em Si Assim, existe uma dialética precisa na
ôntico é uma possibilidade para a relação entre intuição e racionalidade,
funcionalidade de nossa razão histórica. A onde uma complementa a outra, tendo em
razão colhe a contradição, demonstra vista o crescimento e desenvolvimento
muitas coisas sem a demonstração integral do sujeito agente e responsável no
primária e originária de si mesma. Na contexto social, em qualquer âmbito em
angústia, a razão esclarece que o devir que este atue e opere humanamente.
alienou-se do ser, e pode recuperar a
função; porém a intuição não se alcança
por demonstração, visto que requer do 4 Considerações Finais
sujeito uma consciência exata e autêntica,
para que possa ser compreendida. Para Na contemporaneidade estamos
saber a intuição é preciso um contínuo subordinados a um conhecimento que, em
training para tornar exata a própria grande parte de seu conteúdo, é alheio à
consciência, uma consultoria de compreensão do mundo-da-vida – como,
autenticação. em 1934, já pontuava Edmund Husserl
44
Segundo Cusano (1964; 1988), (1961) – no entanto, a elaboração
para transpor o muro da porta guarnecida científica é imposta e cobrada como se
pelo espírito mais alto da razão, aquele em fosse de valor absoluto.
que a porta se abre para o ser, é necessário Se recorrermos à afirmação de
vencer o muro, caso queira que o ingresso Protágoras que “o homem é a medida de
se abra. Neste caso se vê para além da todas as coisas” (NICOLA, 2009), resta a
coincidência dos contraditórios e não mais pergunta: como impor ao homem
aquém. conteúdos elaborados sem antes conhecer
A intuição ôntica sempre é o homem em seu modo original de ser?
antecipada por outros níveis ou graus de Sempre que pretendemos impor ao
conhecimento: homem normas ou conteúdos científicos
que desconhecem a ordem da vida
O primeiro grau é o conhecimento humana, teremos como resultados, as
baseado experimentalmente nos cinco doenças, os conflitos, as guerras e as
sentidos tradicionais. O segundo grau é a
razão dialética que estrutura os vários
desordens na vida. O saber deve coincidir
modelos de conhecimento funcional em com o modo de ser humano para não
campo científico, filosófico e político ou violentar a ordem inerente à natureza. A
administrativo, o terceiro grau é realidade é por natureza anterior ao ser
Ontopsicologia: neste grau a diversidade é conhecível. O símbolo não é o ser, mas
unitária, o tempo é eterno e a distinção é
imanência do único e este grau se dá fora
constrói o conhecimento, porém, há uma
de toda lógica conhecida visão mental que intui o que precede todo
(MENEGHETTI, 2002, p. 115). conhecimento e o fundamenta. Esta visão
é possível ao homem que por mérito
De qualquer modo, é fundamental pessoal a atingiu e a viu. A
que a intuição seja atuada na história, de Ontopsicologia é uma ciência que oferece

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os instrumentos e as bases de estudo para MENEGHETTI, Antonio. Filosofia


que o homem tenha acesso à própria Ontopsicologica. Roma: Psicologica Editrice,
2002.
realidade interior de sua natureza.
As escolhas não autênticas, o medo MENEGHETTI, Antonio. Fondamenti di
e a preguiça de ação dão início à filosofia. Roma: Psicologica Editrice, 2005.
distorção, porque são opostas e impróprias
à ordem da natureza humana. MENEGHETTI, Antonio. Conoscenza ontologica
e coscienza. Roma: Psicologica Editrice, 2007.
Prosseguindo em escolhas incoerentes ao
próprio modo de ser e se omitindo de MENEGHETTI, Antonio. Dalla coscienza
fazer o que a vida exige, não se pode all’essere. Come impostare la filosofia del futuro.
pretender chegar à intuição, porque se Roma: Psicologica Editrice, 2009.
tornam cegos e surdos para ver e ouvir o
MENEGHETTI, Antonio. Manual de
que é adequado para construir a dignidade Ontopsicologia. 4. ed. Recanto Maestro:
de si mesmo como pessoa. Portanto, Ontopsicologica Ed., 2010b.
quando se fala de intuição e de sua
atuação no contexto histórico, se fala NICOLA, Ubaldo. Antologia illustrata di
também, diretamente, de responsabilidade Filosofia. Milão: Giunti Edizioni, 2009.
própria.
Autor:

Referências Alécio Vidor: Doutor em Filosofia pela Pontifícia


Universidade São Tomás de Aquino (Roma-Itália);
ARISTÓTELES. Organon em analitici secondi. Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade
Milano: Boringhieri, l953. São Tomás de Aquino (Roma-Itália); graduação
em Filosofia e Pedagogia pela Universidade de
45
BERGSON, Henri. L’Evolution créatrice. Paris: Passo Fundo; graduação em Teologia
L’Épi, 1907. (Escolasticado São José); professor do curso de
graduação em Administração e do Bacharelado em
BERGSON, Henri. Le deux sources de la morale Direito da Faculdade Antonio Meneghetti (AMF),
e de la religion. Paris: L’Épi, 1932. e professor dos cursos de Pós-Graduação MBA
Business Intuition e do curso de Especialização
CUSA, Nicolau di. De visione Dei. Lisboa: Lato Sensu Gestão do Conhecimento e o
Tavares Martins, 1988. (Publicado originalmente Paradigma Ontopsicológico da AMF.
em 1453).

CUSA, Nicolau di. De Venatione Sapientiae. Submetido em: 30/04/2011


Hamburgo: Wilpert, 1964. Revisto em: 27/07/2011
Aceito em: 23/09/2011.
FABRO, C. Storia della filosofia. Roma: Coletti,
l959. Vol. I e II.

HUSSERL, Edmund. La crisi delle scienze


europee e la fenomenologia trascendentale.
Milão: Il Saggiatore, 1961.

HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da


Língua Portuguesa. Versão eletrônica.

LOGOS. Enciclopédia Luso-Brasileira.


Lisboa/São Paulo: Verbo, 1989. Vol. 1 e 3.

MENEGHETTI, Antonio. Ontopsicologia


Clínica. Roma: Psicologica Editrice, 1978.

VIDOR, Alécio. A intuição como preâmbulo à ciência: um estudo de abordagem filosófica. Revista Saber
Humano, Recanto Maestro, n. 2, p. 37-45, 2012.

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