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Esta resenha refere-se à dissertação de mestrado “Minha pátria é minha língua: língua

e identidade nacional” da pesquisadora Ana Carolina Nunes da Cunha Vilela-Ardenghi. O


objetivo inicial da autora era discutir e estudar a legitimação de uma identidade linguística
nacional a partir da polêmica sobre a presença de estrangeirismos na língua portuguesa. Ao
analisar matérias da Folha de S.Paulo, o objetivo desse estudo passa a ser sobre as questões
envolvidas na definição de uma identidade nacional no Brasil do século XXI tendo como base
as postulações da Análise do discurso, principalmente as contribuições de Dominique
Maingueneau (1984/2005).

Através da leitura do corpus selecionado, Vilela-Ardenghi percebe que havia dois


eixos temáticos diferentes presentes na Folha de S.Paulo, eixos que os quais se desdobrava a
discussão em torno da língua, sendo o eixo I a discussão português e inglês e o eixo II que
relacionava o português brasileiro às demais variedades do português existentes no mundo.

A dissertação é dividida em cinco capítulos. O primeiro é denominado Percurso


teórico em que é apresentando as bases teóricas na qual se desenvolverão as análises dos
corpus. Esse capítulo é trabalhado a partir dos conceitos de interdiscurso e
interincompreensão que são desenvolvidos por Maingueneau (1984/2005), conceitos que são
formulados no interior da proposta de uma semântica global que consiste em critérios que
definem no que pode ou não ser dito por enunciadores dentro de uma determinada formação
discursiva.

Será apresentado as teorias da Análise do Discurso pecheuxtiana e posteriormente a


proposta de Maingueneau. A autora descreve nesse capítulo sobre o surgimento e os três
pilares que compõem a disciplina (a teoria linguística de Saussure, teoria Sociohistórica de
base marxista e a psicanálise lacaniana), assim como as fases da análise do discurso.
Posteriormente da contextualização das teorias pecheuxtiana, é comentado sobre a postulação
de Maingueneau (1984/2005), de uma semântica global: o conceito de interdiscurso e
interincompreensão. O interdiscurso pode ser entendido como o espaço de trocas discursivas
entre as comunidades, ou seja, é um conjunto de discursos do mesmo campo que mantêm
relações de delimitação recíproca uns com os outros. Já o conceito de interincompreensão se
constitui da relação que um discurso mantém com seu interdiscurso e consiste como o
processo de tradução de enunciados do chamado Outro, que são lidos a partir do registro
negativo do discurso em questão. 
O segundo capítulo é intitulado Nação, nacionalismo e identidade nacional:
imbricações, apresenta explicações do termo nação e o percurso do nacionalismo até chegar
nos dias atuais, e ainda busca a definição do que é nacional. Para tanto, a pesquisadora se
apoia em dois autores: Hobswam (2004) que é voltado para o aspecto europeu até meados do
século XX e Hall (2005) voltado para questões referentes à identidade cultural na pós-
modernidade.

Como já foi dito, a proposta inicial da pesquisa era analisar os discursos sobre a língua
presentes na Folha de S.Paulo. Ao contato com as matérias que compõem o corpus Vilela-
Ardenghi percebeu que as discussões ali presentes se inseriam em um contexto muito mais
amplo que é a problemática da identidade nacional. Essas matérias serviram de índice de que
a questão linguística não era o verdadeiro foco da discussão, mas, sim a luta pela legitimação
de uma identidade nacional. Sendo assim, os embates sobre a língua presentes nas matérias
analisadas pela pesquisadora à leva a formulação da hipótese central da sua pesquisa: a luta
pela legitimação de uma identidade nacional supõe a questão linguística (p. 40).

Diante disso, neste capítulo será traçado as mudanças pelas quais passaram os
conceitos de nação e nacionalismo ao longo do tempo, cabe dizer que foi estabelecido por
quatro períodos: o primeiro diz respeito principalmente à introdução do termo nação nos
dicionários, isso no final da década de XVII e início da XIX; o segundo se refere ao momento
pós-revoluções, nos anos de 1830 a 1880; o terceiro passa pelos anos finais do século XIX e
iniciais do século XX, até 1914, início da I Guerra Mundial e, por fim, o quarto período
aborda os anos entre 1914 e 1950, chamado de “apogeu do nacionalismo”. Esse trajeto
histórico tem como finalidade evidenciar como se dá atualmente, no século XXI, a construção
de uma identidade nacional e o papel da língua na afirmação do nacional.

No capítulo III, método e corpus, se encontra a explicação da constituição do corpus e


da metodologia da dissertação. A autora traça o caminho percorrido para a constituição do
corpus da sua pesquisa, evidenciando as hipóteses que foram formuladas a partir da análise
das matérias selecionadas. Neste capítulo também é apresentado algumas considerações do
mídium Folha de S.Paulo que circulam nas matérias do corpus e a análise do ethos do jornal.

Partindo da leitura das matérias selecionadas, Vilela-Ardenghi estabelece dois eixos


temáticos sobre os quais se apoiam as discussões em torno da identidade nacional na folha: o
eixo I sendo o espaço discursivo em que a polêmica se dá a partir da consideração da língua
portuguesa em relação ou inglês, e o eixo II sendo o espaço discursivo em que a polêmica se
dá a partir da consideração da variedade brasileira em relação às demais variedades da língua
portuguesa, em especial a europeia (p. 75).

Nos textos de análise que a autora coloca neste capítulo nos mostra que, no primeiro
eixo, há um sentimento forte de repúdio à presença de estrangeirismos que são considerados
uma ameaça à soberania nacional. Aqui ela também trouxe considerações sobre uma polêmica
surgida em torno dos estrangeirismos, graças ao projeto de Lei nº 1676/99 – proposta pelo
deputado Aldo Rebelo – que é contra o uso do estrangeirismo na língua portuguesa. No
segundo eixo temático não há problemas na integração entre as variedades do português, não
só pelo fato de se tratar da mesma língua, mas pela posição do Brasil não ser mais de colônia
portuguesa. Neste eixo a polêmica “é entendida como confronto aberto, não há uma
manifestação sequer a questionar o destaque que o Brasil vem adquirindo no cenário mundial,
nem mesmo a questionar sua posição de liderança na comunidade dos países de língua
portuguesa, ao contrário, colocam-se em cena constante enunciadores estrangeiros que
corroborem essa ideia” (p. 76).

Ainda no capítulo III, a autora, através da análise do corpus, define o ethos da Folha.
O ethos, de acordo com Maingueneau, é o tom do discurso que se revela por meio da
enunciação, a personalidade do enunciador. Para discutir o ethos da folha, é trabalhado a
partir do seu Manual de Redação (2001). Através da análise desse manual, Vilela-Ardenghi
conclui que a Folha procura construir um ethos democrático, fundamentado na ideia de
transparência.

Passando para análise propriamente dita, no capítulo IV, português e inglês:


identidade e soberania, aqui encontram-se as análises referentes ao eixo I relacionado à
presença de estrangeirismo no português, especialmente da língua inglesa. “O projeto de Lei
n. 1676/99 – proposto pelo deputado Aldo Rabelo –, que dispõe, segundo expresso por sua
ementa, sobre “a promoção, a proteção, a defesa, e o uso da língua portuguesa”, funcionou
como um gatilho do debate a presença de estrangeirismos em língua portuguesa (p. 89).

A partir das análises expostas pela autora, pode-se dizer que a semântica do discurso
antiestrangeirismos, segundo Vilela-Ardenghi, apoia-se sobre semas como /proteção/,
/preservação/, /homogeneidade/, e /controle/. Estes semas produzem um discurso que defende
a proteção da língua nacional frente a invasão de palavras estrangeiras. No decorrer das
análises a autora apresenta três posicionamentos em polêmicas sobre esse assunto: os semas
da posição antiestrangeirismo são /proteção/, /preservação/, /homogeneidade/ e /controle/. Ela
nos mostra que a folha de S.Paulo têm como posição /proteção/, /preservação/,
/homogeneidade/ e /liberdade/. Outra posição presente em sua análise é a da linguística que
defende /abertura/, /enriquecimento/, /heterogeneidade/, e /liberdade/.

Diante desta análise, Vilela-Ardenghi, nos mostra que a polêmica entendida como
controvérsia violenta, só se da entre as posições antiestrangeirismo e da linguística, que
definem sua semântica por meio de uma relação de oposição sema a sema (p.102).
Considerando esses dois posicionamentos, apresenta em um quadro os semas positivos e
negativos de cada um, entendendo como negativo aqueles que os discursos em questão
rejeitam.

No último capítulo é apresentado as análises referente ao segundo eixo temático,


constituído em torno da relação entre o português brasileiro e as demais variedades da língua,
de maneira especial a de Portugal. Esta análise procura evidenciar que quando consideramos o
português brasileiro em relação às demais variedades do português, a polêmica é diferente da
que foi retratada no eixo I, isto porque a polêmica se dá sob forma de uma aparente aliança
entre diversos posicionamentos no campo.

Através da análise do corpus, conclui que essa aparente aliança tem como efeito o
apagamento de outros posicionamentos necessariamente implicados na polêmica, do que
decorre a aparência de ausência de polêmica discursiva (p.107). Com isso, nos mostra que
esse apagamento possui dois efeitos: sendo o de neutralidade – a de convergência de
diferentes posicionamentos para um único posicionamento – a que a autora vai considerar
como sendo o da folha, e o segundo efeito é a construção de um lugar de legitimidade para o
português brasileiro, elevado ao status de língua intercontinental.

Assim como na análise do capítulo anterior, é posto em quadro a posição da Folha nos
dois eixos temáticos. No eixo dois a Folha tem como semas: /promoção/, /divulgação/,
/unidade/ e /liderança/. Aqui a posição da folha assenta-se sobre a ideia de promoção e
divulgação da língua portuguesa, que se entende como política de valorização da língua e
especialmente da variedade brasileira. Através das análises feitas nos dois eixos, ela nos
mostra que de maneira geral esses dois eixos estão imbricados.

Em relação ao eixo I, o posicionamento da Folha estabelece que é preciso proteger e


preservar a língua da invasão de estrangeirismos. Nesse sentido, promover e divulgar a língua
portuguesa no mundo é uma política adequada. Sendo assim é necessário unificar a língua
entre os países que tem a língua portuguesa, e tal unificação do ponto de vista político, precisa
de um líder, e de acordo com a posição da Folha no eixo II, esse papel de liderança é do Brasil
(p.121).

Em síntese, ao longo dessa pesquisa, Vilela-Ardenghi procura nos mostrar que as


questões linguísticas estão fortemente relacionadas as questões de identidade nacional. Ela
nos mostra isso a partir de dois eixos temáticos que foram constituídos a partir da leitura das
matérias da Folha de S.Paulo que compunham seu corpus de pesquisa, e a partir disto ela
observa questões importantes a respeito da constituição de posicionamentos discursivos
implicados nas polêmicas em torno de identidade nacional.

É muito importante a leitura dessa dissertação em sua totalidade, principalmente para


estudantes em formação na disciplina de Análise do Discurso, isto porque conseguimos ver na
prática a aplicação dos conceitos de Maingueneau, principalmente o de interdiscurso e
interincompreensão. Além disso, é muito enriquecedor para nós, estudantes da disciplina, ler e
entender e, acima de tudo ver na prática o trabalho de um analista do discurso.

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