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NÚCLEO DE CRICIÚMA/SC

2º OFÍCIO GERAL
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 1ª VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO


JUDICIÁRIA DE CRICIÚMA-SC

Ação Penal n°: 5009376-62.2018.4.04.7204


PAJ nº: 2020/097-00619

ANTONIO SILVEIRA DE SOUZA, já qualificado nos autos em epígrafe, dirige-


se respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por meio da DEFENSORIA PÚBLICA

DA UNIÃO, para solicitar o que segue.

Da inicial acusatória, verifica-se que, supostamente, o acusado incorreu na


conduta de ter deixado de recolher ao INSS os valores das contribuições sociais retidas
dos segurados empregados e contribuintes individuais nas competências de 12/2003,
13/2003, 01/2004, 02/2004, 03/2004, 04/2004, 05/2004, 06/2004, 09/2004, 10/2004 e
11/2004 (fls. 23/42), sendo tal conduta tipificada no art. 168-A do Código Penal e
tendo como pena prescrita, a reclusão de 2 (dois) anos a 5 (cinco) anos, e multa.

Conforme descrito, a infração penal cessou em 11/2004. No entanto, a


denúncia fora recebida apenas no dia 16 de outubro de 2007, ocorrendo, portanto, o
transcurso de aproximadamente 2 anos e 10 meses e 16 dias entre os termos
mencionados.

Em 04 de setembro de 2020, o acusado completou 70 anos de idade, razão


pela qual faz jus ao prazo da prescrição da pretensão punitiva pela metade, conforme
previsão do artigo 115 do Código Penal. Além do mais, os fatos em continuidade
delitiva aconteceram até novembro de 2004, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei
12.234/10, o qual autoriza a retroatividade da prescrição entre a data dos fatos e o
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recebimento da denúncia.

Consideradas as condições pessoais do acusado (primário) e as


circunstâncias em que ocorreu o suposto delito (comuns à espécie), chegamos a um
cenário de certeza de aplicação de uma pena de até 2 anos de reclusão, cujo prazo
prescricional seria de 4 anos, na forma do art. 109, V, do CP. Porém, chega-se a uma
prescrição no período 2 anos, em razão da redução decorrente da maioridade de 70
anos na data da sentença, conforme preceitua o art. 115 do CP.

Note-se que a modificação advinda no §1º do art. 110 do CP não incide ao


caso, pois a Lei 12.234/2010 somente entrou em vigor em 6/5/2010, isto é, em data
posterior aos fatos ora analisados, valendo, portanto, a regra de aplicação da lei penal
mais benéfica. Observe-se que a Súmula 438 do STJ também é posterior aos presentes
fatos, tendo em vista que fora publicada em 13/5/2010.

(ESSES DOIS ÚLTIMOS PARÁGRAFOS, COPIEI NA RESPOSTA À ACUSAÇÃO


DO CASO NICOLADELLI E ADAPTEI)

Considerando o enunciado da Súmula 497 do STF, Ressalta-se, conforme


entendimento exarado na súmula 497 do STF, que a pena aplicada em eventual
condenação na continuidade delitiva não será levada em consideração para o prazo
prescricional, fixando-se este em 4 anos, conforme artigo 109, inciso V do CP e
reduzida para 2 (dois) anos, conforme preceitua o art. 115 do CP.

Por fim, ressalta-se que o último fato criminoso se deu no dia 30/11/2004 e
o recebimento da denúncia se deu no dia 16/10/2007, passando-se assim 2 anos, 10
meses e 16 dias entre um marco interruptivo e outro, sendo imperiosa o
reconhecimento da prescrição em perspectiva.
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Neste sentido é o entendimento adotado pelo egrégio TRF-4, o qual


reconhece a possibilidade da aplicação da chamada prescrição em perspectiva ou
virtual:

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.


ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. PERSECUÇÃO PENAL.
EFETIVIDADE. AUSÊNCIA. PRESCRIÇÃO VIRTUAL OU
PROJETADA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. TRANCAMENTO DA
AÇÃO PENAL. 1. Constata-se, do exame dos autos, o transcurso
de mais de dez anos entre a data do fato (último recebimento
do benefício previdenciário - em junho de 2004), e o
recebimento da denúncia, em novembro de 2014. 2. A fim de
se evitar a ocorrência de prescrição, a paciente teria que ser
condenada a mais de quatro anos de reclusão, acima, portanto,
do termo médio previsto para a conduta tipificada no artigo
171, § 3º, do Código Penal. No entanto, tendo em conta que a
acusada não ostenta antecedentes criminais e que as
circunstâncias do delito não destoam da normalidade
relativamente aos crimes dessa natureza, conclui-se que
eventual pena, razoavelmente e adequadamente dosada, não
teria o condão de evitar a extinção da punibilidade. 3. Uma vez
que não há outro resultado possível senão a extinção da
punibilidade, carece o Estado de interesse de agir, condição da
ação. 4. Nesse quadro, como bem ponderado pelo órgão
ministerial, ao persistir na persecução de crime cuja pretensão
punitiva já está, na prática, extinta, desperdiça-se valiosos
recursos materiais e humanos, em afronta ao princípio da
eficiência da administração pública. 5. Ordem concedida para
determinar o trancamento da ação penal. (TRF4, HC 5014935-
83.2015.404.0000, SÉTIMA TURMA, Relatora para Acórdão
CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em
19/06/2015).

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRESCRIÇÃO EM


PERSPECTIVA. AFASTAMENTO. PRESCRIÇÃO IN ABSTRATO.
OCORRÊNCIA. 1. Imperioso o reconhecimento da ocorrência da
prescrição ante a pena máxima prevista no tipo penal,
declarando-se a extinção da punibilidade do agente, já que
decorridos mais de 12 (doze) anos entre os marcos
interruptivos. 2. Considerando que a prescrição em perspectiva
poderia, em tese, ser reconhecida de forma excepcional, não
obstante isso, no caso presente, não se vislumbraria interesse
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em manter-se a persecução penal, porquanto resta fulminada


pela prescrição abstrata, alcançando lapso de 12 (doze) anos
entre os marcos interruptivos. (TRF4 5000951-
87.2020.4.04.7103, SÉTIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA
CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 16/09/2020)

De toda a sorte, embora não haja previsão legal expressa para o instituto
da prescrição em perspectiva, sua aplicação guarda relação direta com diversos
princípios constitucionais, em especial, com o da dignidade da pessoa humana; da
celeridade processual e da razoabilidade, havendo ampla aceitação da doutrina pátria.
 
O princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento da República
Federativa do Brasil e permeia todo o ordenamento jurídico brasileiro. É patente o fato
de que dar continuidade a uma demanda natimorta gera ofensa ao direito do indivíduo
de não sofrer persecução penal por fato que não seja mais passível de punição em
conforme com as normas de prescrição previstas na lei penal.
 
Ademais, a tramitação de um processo que não alcançará com a finalidade
de ofertar resposta penal àquele que praticou fato definido como crime ofende os
princípios da economia e da celeridade processual, em claro prejuízo da administração
da Justiça, já tão assoberbada pelo acúmulo de demandas propostas, ofendendo,
inclusive, o princípio da duração razoável do processo penal, que se encontra
expressamente previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, segundo o qual “a
todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
 
Verifica-se, portanto, que a continuidade de uma ação penal, quando se
sabe que, desde o começo, está fadada ao insucesso em função de uma futura
declaração da prescrição punitiva estatal retroativa, afronta diretamente o princípio da
razoabilidade (e o subprincípio da adequação), pois o meio utilizado (ação penal) não
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será adequado para alcançar o objetivo do Poder Público, que é a condenação do


acusado.

 Convém, ainda, deixar registrada a abalizada doutrina de Paulo Queiroz, que


é membro do Ministério Público Federal, e que se manifesta favoravelmente à
aplicação do instituto da prescrição em perspectiva, tendo em vista que a intervenção
penal, como ultima ratio do controle social, somente deve ocorrer em processos
judiciais viáveis, sendo desaconselhável o prosseguimento de persecução penal
natimorta. Observe-se o excerto extraído:
 
“Contra essa modalidade prescritiva, a doutrina e a
jurisprudência alegam, em geral, o seguinte: falta de previsão
legal, violação ao princípio do estado de inocência,
fundamentação em dado aleatório, possibilidade de mudança
do libelo etc.
A argumentação não convence, porém. Primeiro, porque o
fato de não existir previsão legal – argumento próprio de
quem confunde lei com o direito e supõe um sistema jurídico
hermético e sem lacunas – não impede que se reconheça, por
analogia (analogia in bonam partem), tal possibilidade, desde
que compatível com as garantias inerentes ao direito e
processo penal. Segundo, porque, interessando a prescrição
(pouco importando se antecipada ou não) ao próprio agente,
não há falar de violação à garantia da presunção de inocência,
que é instituída em favor do indivíduo e não do Estado, a quem
não interessa, ao menos em tese, o reconhecimento da
prescrição. Terceiro, porque o juiz deveria reconhecê-la
fundamentalmente, valendo-se de fatos, dados e
circunstâncias que dessem como certa a inevitabilidade da
prescrição; não se baseando em dado aleatório. Finalmente,
porque a possibilidade de mudança do libelo é aplicável a toda
e qualquer modalidade de prescrição.
Não seria, pois, irrazoável decretar-se a prescrição
antecipadamente quando inevitável, uma vez que em tais casos
o titular da ação careceria de interesse de agir, haja vista que
a intervenção penal, como ultima ratio do controle social
formal, somente deve ter lugar em casos de absoluta
necessidade para segurança dos cidadãos, o que não se
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verifica em semelhante contexto, por estar diante de uma


persecução penal natimorta, inteiramente inútil.” Grifei
(Paulo Queiroz. Direito Penal – Parte Geral, 12ª Edição.
Salvador: Editora JusPodivm, 2016, P.588)

Diante do exposto, roga-se pelo reconhecimento da extinção da


punibilidade, em face do reconhecimento da prescrição virtual ou em perspectiva, de
acordo com o art. 107, IV, do CP e com base nos princípios da dignidade da pessoa
humana; economia e da celeridade processual e da razoabilidade, bem como por se
constatar a inexistência de interesse processual na continuidade de um processo
natimorto, em claro detrimento da administração da Justiça.

Termos em que pede deferimento.

Criciúma, 4 de November de 2020.

MARIANA PEREIRA DE QUEIROZ CARRARO


Defensora Pública Federal

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