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As funções do Estado e o
papel da Administração Pública
Clóvis Ferro Costa (*)
tema que me foi proposto é uma esfera alheia à adm inistração
r e v is t a d o s e r v iç o p ú b l ic o
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IDÉIAS
to administrativo: não existem m oti “ Mediante a atividade legislativa, o etc. etc). (Instituciones de Derecho
vos para aplicar regras especiais. Estado responde à sua missão de Administrativo, Barcelona, pg. 4).
O princípio fundam ental é, pois, criar o direito. A definição do que, Este singular momento da vida
que o direito administrativo com segundo a lei vigente, seja o direito e brasileira, em que o Governo está a
preende as regras especiais estabele cada conflito jurídiço, incumbe à cortar fundo, certos hábitos enrai
cidas para os procedimentos técni justiça” . zados, apresenta-se, pois, extrema
cos de direito público e unicamente A legislação e a administração da mente rico para compreender as es
estas regras. O c rite riu m de direito justiça constituem os fins específi feras de armação e as linhas de de
adm inistrativo fixa a natureza cos do Estado, mas não são as úni marcação entre o interesse público e
jurídica das regras especiais e não a cas funções do mesmo. o privado.
qualidade dos autores de tais atos. Um Estado que se limitasse so O poder de intervenção do Estado
Um contrato de compra e venda mente a produzir leis e a editar sen não desnatura, porém, os institutos
celebrado pela administração rege- tenças caminharia rapidamente para tradicionais de direito.
se pelo direito privado e não pelo di a sua destruição. Desde que com a A cada instante, pela própria ne
reito administrativo. A o inverso, publicação de leis e de sentenças não cessidade de manter a vida civil na
um procedimento de direito público se esgota a sua atividade” . sua naturalidade e associá-la organi
não se acha regido pelo direito pri A função executiva, registra Flei zada, deve poder o Estado agir co
vado: tem regras especiais. (Princí ner, não se esgota no círculo de ne mo árbitro, para coibir os excessos e
pios Generales dei Derecho A d m i gócios que competem ao Estado, restabelecer o equilíbrio, contra a
nistrativo, vol. 1, versão argentina, além da legislação e da jurisprudên força dos cartéis, dos oligopólios ou
De Palm a, 1948, Introdução, pg., cia, pois também lhe incumbem o u dos grupos econômicos.
X X IX e X X X ) . tras tarefas, ainda mesmo quando Se estes fossem totalmente livres
Essa distinção substantiva é extre de agir, a liberdade de cada qual pa
mamente importante levar-se em receria, se transformaria em sujei
conta num a hora com o esta de rele Vivemos, hoje, no ção a interesses não lícitos.
vante significação para a vida políti Daí a aparente contradição de o
ca, econômica e administrativa do Brasil, uma aparente
Estado moderno intervir para libe
País, quando se retoma a norm ali contradição, quando rar, como se observa da lei de inqui
dade da vida jurídica e se recoloca a a administração pública linato, da proteção dos contratos de
moeda estável com o um valor de re trabalho, do controle dos juros, da
ferência insubstituível no m undo
usa poderes excepcionais
defesa do meio ambiente, do com
jurídico. para o retorno à bate ao latifúndio, da reforma agrá
Estamos a viver uma aparente normalidade. A o utilizar ria etc, etc.
contradição, em que a adm inistra a Lei-delegada n9 4, usa Tais intervenções se fazem pelo
ção pública está a psar de poderes braço longo da administração públi
excepcionais para o retorno à nor a coerção, mas no
ca, todavia dentro dos limites cons
malidade. campo estrito do direito titucionais e em respeito aos direitos
Essa hora histórica encerra uma constitucional, para fundamentais do homem, que, na
lição prática do sentido e do valor sua essência, não podem colidir com
da adm inistração pública conto fa tornar possíveis o
os institutos de direito privado pra
tor de equilíbrio e de desenvolvi desenvolvimento da vida ticados na sociedade.
mento nacional, orientada por inte civil c os fins do Estado. Dwight W aldo, professor da U ni
resses coletivos e não privados, no versidade de Berkeley, escreveu um
sentido individualista da palavra. dos mais lúcidos e atuais trabalhos
A o utilizar-se da lei delegada n-' 4 nenhuma lei as im ponham especifi sobre a teoria política da adm inis
e do Decreto-lei ns 2.284, a adm inis camente. tração pública.
tração pública usa a coerção, mas A função executiva e o governo A seu ver, a organização científi
no cam po estrito do direito constitu representam duas facetas da terceira ca e a administração pública são as
cional, para tornar possível a exc- função política, isto é, da adm inis pectos correlatos do mesmo fenô
qüibilidade dos contratos, o desen tração no sentido próprio. E desta meno: um movimento geral para es
volvimento da vida civil e os pró maneira tudo que esteja fora das tender os métodos e o espírito de
prios fins do Estado. atribuições d o legislador e dos tribu ciência a uma ordem de interesses
Neste m om ento, o direito público nais situa-se no âm bito estrito da humanos que se am plia constante
intervém para que as regras de direi administração. mente.
to privado, na sua fluência norm al,
Daí definir Fleiner a adm inistra Tanto quanto a administração
voltem a prevalecer, sem as distor
ção com o um conjunto de funções pública está baseada na ciência
ções da hiperinflação e da desmora
de natureza técnica, intelectual e política e que vem intentando situar
lização da moeda, que ê o valor de
jurídica, cada uma das quais tende a as relações políticas sobre uma base
referência da vida moderna e da for
alcançar resultados úteis para o bem objetiva e científica, a organização
ça dos contratos.
comum (im posição de tributos; esta científica não ê senão um m ovimen
Dir-se-á que o direito público belecimento de prioridades; licença to geral que tem por finalidade colo
está a atuar para o retorno ao direi para abertura de estabelecimento de car a vida econômica do homem, es
to privado, ameaçado pela teoria da bebidas; construção de estradas e pecialmente a produção, sobre uma
imprevisão. pontes; regulamentação do pessoal base racional.
Daí ser de todo oportuna a lição de serviço; conclusão de contrato de Lembra W aldo que o sistema
do mestre alemão Fritz Fleiner: compra, alugueres e arrendamento. cientifico positivista da adm inistra
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IDÉIAS
gime Démocratique et Le Droit Civil niente, no litoral e à margem dos para a alimentação dos presos e sua
M oderne, L ib . G énérale, pg. rios navegáveis. condução etc.
37/38). N o sertão, só poderia erigir vilas a Cabia-lhes a nomeação de empre
Essa é a impressionante tarefa do uma distância de seis léguas, uma gados, de juizes, almotacés, dos re
Estado e do seu veículo de ação, que das outras. Podia criar e prover o cebedores de sisas, dos depositários
é a Adm inistração Pública. lugar de tabeliães do público e ju d i públicos, dos avaliadores dos bens
A primeira fase da história do ciais e exercitar toda a jurisdição penhorados, dos alcaides, dos
Brasil não oferece muitos subsídios cível e criminal. capitães-mores, dos sargentos-
para os temas da atualidade, senão O regime tributário era de percep mores, dos juizes de vintena, além
para confronto e meditação. ção direta, no sistema de dízimos. de outras atribuições.
A estrutura era absolutista e o ta Os donatários pagariam o quinto do Salienta ainda R odolfo Garcia
m anho dos encargos de desenvolver produto das minas e do comércio de que as Câmaras Municipais, “ não
uma colônia do porte do Brasil le ouro e prata. satisfeitas com as atribuições que
vou Portugal a optar pelo sistema de De certos produtos haveria a par lhes davam as leis e pelo concurso de
delegação de poderes. tilha entre o donatário e o rei. Daí a diversas causas, arrogaram-se ou
Era impossível a administração expressão repartição, que era onde tras que de m odo algum se podiam
direta, não só pela extensão do terri se deveriam fazer tais partilhas, conciliar com a natureza e a índole
tório, como pela ausência de recur expressão hoje assimilada por evo do poder m unicipal” .
sos humanos e financeiros e a inexis lução semântica a dependências pú Assim é que promoviam a guerra
inexistência de comunicações fáceis. blicas. e assentavam a paz com os gentios,
Dessa maneira, já pelo regime decretavam a criação de arraiais,
político então dominantes em Por convocavam juntas para discutir e
tugal, já pelas contingências mate Um falso conceito de deliberar sobre negócios da capita
riais, a situação das populações era nia, exigiam que os governadores
da mais inteira e completa depen
segurança nacional,
comparecessem pessoalmente no
dência. politicamente aviltado, Paço da Câm ara para com ela tratar
Castro Rebello registra assim as passou a op rim ir a dos negócios públicos, chegando
suas impressões sobre os primeiros administração pública até, mais uma vez, a suspendê-lo e
tempos da colônia: “ Foi, portanto, nomear outros que os substituíssem
o enfeudamento da terra o meio que brasileira, sob a ótica enquanto o governo da metrópole
empregou sabiamente a Coroa Por m ilitarista e sem nenhum providenciasse a respeito” . (O p. cit.
tuguesa para se assegurar de seu critério científico. Na pg.. 94 e 95).
dom ínio e dc sua exploração. Todavia, o Brasil moderno come
Nomeiam-se, então, os primeiros prática, entronizamos çou com o evento da mudança da
donatários com quem divide ela uma contrafação. Na família real e daí para a nossa inde
aquele dom ínio e seus proventos. As verdade, as funções do pendência.
capitanias são inalienáveis, trans A nossa estrutura era extrema
missíveis por herança, respeitado o
Estado não se
mente atrasada, debruçada quase
m orgadio. Os donatários são, des contrapõem, os poderes exclusivamente sobre a exploração
tarte, de “ jú ri e herdade", os senho é que se contrapõem. rural e com uma terrível distribuição
res de suas terras. (In Max Fleuss, de terras, cujas desigualdades se
História Adm inistrativa do Brasil, projetam até os dias atuais, im pon
pg. X II). Q uando o regime político passou do o ingente esforço da reforma
Sabe-se, todavia, que o regime de da atuação direta dos donatários pa agrária, de dificílim a execução.
m orou pouco tempo, revertendo as ra o Governador Geral, as Câmaras Primeiro Chagas disse que a inva
capitanias à adm inistração da C o M unic ipais assum iram enorme são francesa a Portugal, em 1807, te
roa. proeminência durante o período co ve como conseqüência, em primeiro
Operou-se aí a delegação política lonial. lugar, a inversão política dos papéis,
necessária desde que o Governador Elas eram um poder representati transmudando-nos de colônia em
Geral do Brasil não tinha a menor vo, tinham o governo econômico da metrópole, o que Sylvio Romero
possibilidade efetiva de ter o com an capitania e acumulavam ainda cer chamou de a inversão b ra sile ira ; em
do de todo o extensíssimo território. tas funções judiciais. segundo lugar, a transição como
R o dolfo Garcia, na sua famosa O estudo, assim, das Câmaras conseqüência natural dos fatos, em
História Política e Adm inistrativa M unicípios tem significativa im por surpreendente antítese com o que se
do Brasil, diz que a adoção das capi tância na form ação da nacionalida passava ao mesmo tempo com os
tanias foi feita quase a esnio, com de brasileira e no desenvolvimento outros países da América espanho
m uito pouco conhecimento da ex da nossa estrutura política. la.
tensão doada e sem outra lim itação Tratam as Ordenações Filipinas E opinião dom inante dos historia
além da m unificência do règio doa das atribuições das Câm aras e dos dores e políticos de que essa transi
dor. Estabelecia-se um contrato en- deveres dos vereadores. ção natural propiciou a instauração
fitêutico em virtude do qual se cons Podiam impor posturas, fixar ta do regime m onárquico brasileiro e
tituíam em perpétuos tributários da xas, dispor sobre a jornada dos tra possivelmente terá preservado a
Coroa. balhadores, a soldada dos criados, nossa unidade.
A o C apitão incum bia criar vilas, as cobranças extraordinárias, cha A inda que essa matéria seja sedu
com seu termo, jurisdição, liberda madas de fintas, quando as rendas tora e relevante, não é o objeto da
des, insígnias, onde julgasse conve não fossem suficientes; de impostos presente palestra.
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REVISTA DO SERVIÇO PÚBLICO
IDÉIAS
A conseqüência ê que ora há ca- lares da administração pública e res No campo econômico, deve ser
rênçia de atuação do Estado em de ponsabilidade civil. posta em prática a regra de que, sal
terminados setores, pelo excesso de A atual Constituição adotou o vo a hipótese de m onopólio ou de
organismos tópicos; ora há superpo princípio da responsabilidade direta alto interesse nacional, a liberdade
sições inconcebíveis. do Estado, mas apenas subsidiária de iniciativa deve ser reconhecida.
Citarei alguns exemplos: do funcionário responsável pelo A administração pública se alivia
A Fundação Serviços de Saúde ilícito, nos casos de culpa ou dolo. rá do encargo inútil de decidir sobre
Pública — FSESP nasceu do esfor E evidente que essa norma é insa atividades que nada têm com estas
ço de guerra, em 1942, se não me en tisfatória e que a responsabilidade hipóteses, extinguindo o rendoso
gano. civil do funcionário deve ser solidá comércio de patentes.
O Brasil engajou-se ao lado dos ria. Uma administração moderna de
Aliados, havia enorme carência de ve ser, assim, simples, aberta e des
borracha natural e a América do vinculada de atividades ociosas.
Norte por todos os meios e modos Qual a razão de ordem pública,
necessitava aumentar a sua produ A Constituição de 1981, por exemplo, que ainda justifica a
ção. Sabidamente a A m azônia era a apesar da liderança de concessão de licença para postos de
região onde tais recursos poderiam gasolina?
ser desenvolvidos de forma emer-
Ruy Barbosa, nada
A remota história absolutista bra
gencial, já que é o “ habitat” da bor dispunha sileira ainda não perdeu de todo as
racha natural. a respeito do suas raízes e o Estado moderno deve
Em 1912 a produção atingira o ter a coragem de enfrentar tal voca
seu clímax, quando foram exporta
funcionalismo público.
ção cartorial.
das 42 mil toneladas. Depois veio o A Constituição do Império São centenas de milhares, talvez,
declínio, com a brutal queda dos também silenciava sobre os os alvarás, licenças que cobrem o
preços, e a plantação racional e sis seus direitos. Somente a nosso patrimônio mineral. Um regi
temática na Malásia. me escandaloso, que ainda sobrevi
A Fundação Sesp foi criada como p a rtir da Carta de 34 ve, da chamada Lei do Protocolo
esforço de guerra para assistir às po ganhou a matéria do assegura prioridade a quem chegar
pulações nordestinas convidadas a funcionalismo público no segundo que antecede ao çoncor-
se transladar para a A m azônia, na rente. Aí prevalece o formalismo e a
maior migração oficial prom ovida a tutela constitucional.
falsa eqüidade, em detrimento do
no Brasil e tinha por objetivo asse Todas as outras interesse coletivo. Mas, em seguida,
gurar as condições de saúde que constituições o Estado se omite e permite que as
possibilitassem a reocupação ime concessões sejam negociadas, sem a
diata dos seringais nativos.
vêm focalizando o tema
menor visão do interesse coletivo.
Passada a guerra, a Fundação Trata-se de um dos grandes e mais
continuou e hoje trata concorrente- vergonhosos negócios da República
mente de abastecimento de água por Juntamente com o Estado, o res e que prospera à sombra de uma ad
este Brasil afora, em superposição a ponsável direto pela lesão deve po ministração omissa, por força de he
outros programas. der ser dem andado de imediato. Tal rança recebida do regime anterior e
Mas, há também deficiências e providência aumentará a noção do cuja m odificação tarda.
covardias. A Previdência Social, cu dever, servirá de coibição forte aos Na verdade, os corretos adm inis
jos prim órdios remontam à Lei Eloy tão freqüentes abusos da adm inis tradores atuais, sobre os quais não
Chaves, em 1923, ainda hoje é de- tração pública. pesa a menor suspeita, não têm pos
sarmônica e está longe de ser univer Isso não impede a prática da dele sibilidade material de defender de
sal. O tratamento no cam po é desi gação, que se impõe como norma de forma eficaz o interesse público em
gual e os funcionários públicos esta agilizar as decisões. tal emergência.
duais e municipais dela estão ex A responsabilidade civil aqui pre A modernização da administra
cluídos, a depender da iniciativa dos vista é da ocorrência de culpa pro ção pública passaria pela proibição
respcçtivos organismos públicos. vada do funcionário e não na h ipó da alienação de cartas-patentes, des
Faltou a ação corajosa de estabe tese de responsabilidade apenas o b de que não se pode negociar a von
lecer a convergência de esforços, de jetiva. tade do Estado, cabendo ao particu
çriar um organismo verdadeiramen lar alienar tão-só o seu fundo de co
te universal, convergente, embora A LIBERDADE DE INICIATIVA mércio.
com a coparticipação de todos os se Por outro lado, impor-se-ia a co
tores. O Poder Público, no Brasil, ao participação da sociedade através de
Temos, assim, ora superposições, longo da história ora ocupou espa seus representantes, no controle de
ora carências, e è evidente que a m o ços vazios, por omissão da iniciativa tais concessões. Jamais poderá sei
dernização da adm inistração p úb li privada, ora interveio em setores em ato de arbítrio, ou de restrito ou de
ca teria de passar pela adoção de so crise; ora ainda passou a explorar um grupo fechado, sem responsabi
luções lógicas, abrangentes, dem o atividades econômicas sujeitas a re lidade civil.
cráticas e fiscalizadas. gime de m onopólio por força de de
cisão política, visando a preservar A INTEGRAÇÃO NACIONAL
A RESPONSABILIDADE CIVIL os superiores interesses nacionais. E
o caso do Petróleo e da Energia As decisões nacionais não devem
Trata-se de uma das pedras angu Atôm ica. ser concorrentes e sim convergentes.