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Desde que Ludwig von Mises apresentou,

em 1912, a sua Teoria Austríaca dos Ciclos


Econômicos (TACE), em seu livro The Theory of
Money and Credit, ela já foi submetida a todos os
tipos de críticas.
Para avaliar a força dos argumentos desses
críticos, é útil fazermos antes um breve resumo
da TACE. Em parte, a TACE diz que, sem um
envolvimento do banco central, são as
preferências temporais dos participantes do
mercado que vão determinar as taxas de juros; e
as taxas de juros, nesse caso, iriam refletir o nível
de risco dos projetos empreendidos pelos
empresários. Mas quando o banco central injeta
dinheiro no sistema, isso faz com que as taxas de
juros sejam artificialmente diminuídas, e, assim,
os empresários irão reagir como se a taxa de juros
“natural” tivesse diminuído por causa dos
fundamentos do mercado.
Os empresários, então, irão se envolver em
projetos que, às taxas de juros anteriores, mais
altas, não eram lucrativos. Como projetos de
longo prazo são, via de regra, inerentemente mais
arriscados que projetos de curto prazo, os novos
projetos serão desproporcionalmente de longo
prazo. Esses serão projetos relacionados aos
estágios mais altos da produção, aqueles que
estão mais distantes dos estágios baixos, que são
os estágios em que os bens para consumo
imediato são produzidos. Tais projetos de longo
prazo criam a infra-estrutura que permite o
aumento da produção no futuro, e eles são
financiados pela poupança criada pelos
consumidores em um período anterior, quando
suas preferências temporais eram mais altas e
eles tendiam a poupar mais e gastar menos.
Mas, como as taxas de juros mais baixas são
artificiais, resultantes da injeção de dinheiro –
que nada mais é que um simples meio de troca, e
que não representa uma genuína riqueza –
promovida pelo banco central, muitos desses
projetos não deveriam ter sido empreendidos.
Ocorreu uma má alocação de recursos. Quando o
banco central volta a aumentar as taxas de juros
para combater a inevitável inflação de preços
resultante dessa injeção monetária, os maus
investimentos se tornam aparentes, e os
empresários têm então de abandonar os projetos
que agora não mais são lucrativos, ou vendê-los
para suavizar seus prejuízos.
Portanto, de acordo com a TACE, a
diminuição artificial dos juros pelo banco central
leva a uma má alocação de recursos porque os
empresários passam a empreender vários projetos
importantes que, antes da diminuição das taxas
de juros, não eram considerados viáveis. Essa má
alocação de recursos é comumente descrita como
um boom econômico. Esse processo, entretanto,
é interrompido quando os empresários
descobrem que a diminuição das taxas de juros
não está de acordo com a demanda e oferta de
poupança dos consumidores, isto é, as
preferências temporais dos consumidores.
Via de regra, os empresários descobrem
seus erros quando o banco central – que foi
fundamental para a diminuição artificial das
taxas de juros – reverte sua postura, o que por sua
vez interrompe a expansão do capital e origina a
recessão econômica. Disso segue-se que a
diminuição artificial da taxa de juros cria uma
armadilha para os empresários, que são atraídos
para empreendimentos insustentáveis que só se
revelam como tal assim que o banco central
aperta sua postura em relação aos juros.[1]
Críticos da TACE dizem que não há
justificativa para a noção de que os empresários
deveriam se deixar lograr de novo e de novo por
uma diminuição artificial das taxas de juros.
Empresários provavelmente aprendem com
experiências passadas, argumentam os críticos, e
não caem várias vezes na armadilha produzida
por uma diminuição artificial das taxas de juros.
Consequentemente, expectativas corretas irão
desfazer ou neutralizar todo o processo do ciclo
de expansão-recessão que é acionado pela
diminuição artificial dos juros. Por isso é que seus
críticos dizem que a TACE não é uma
competidora séria na explicação dos modernos
fenômenos de ciclos econômicos.
De acordo com um proeminente crítico da
TACE, Gordon Tullock,
“Seria de se pensar que empresários se
deixariam enganar apenas nas primeiras
ocorrências do ciclo econômico, e por isso não
antecipariam que a baixa taxa de juros seria
elevada posteriormente. Mas que eles continuem
incapazes de descobrir isso, entretanto, parece
improvável. Normalmente, Rothbard e outros
austríacos argumentam que homens de negócios
são bem informados e fazem julgamentos corretos.
No mínimo, seria de se supor que um empresário
bem informado, interessado em questões
importantes relativas aos seus negócios, leria
Mises e Rothbard e, assim, se anteciparia às ações
governamentais.”[2]
O próprio von Mises tinha concedido que é
possível que em algum momento no futuro os
empresários deixarão de responder às políticas
monetárias frouxas e, assim, não provocarão o
ciclo econômico de expansão-recessão. Em sua
réplica a Lachmann ele escreveu,
“Pode ser que, no futuro, os empresários
reagirão à expansão do crédito de maneira
diferente à do passado. Pode ser que eles evitarão
usar o dinheiro fácil disponível para a expansão de
suas operações porque eles terão em mente o
inevitável fim do boom econômico. Alguns sinais
predizem tal mudança. Mas ainda é muito cedo
para uma declaração tão positiva.”[3]
As Expectativas Importam?
De acordo com os críticos, portanto, se
considerarmos a possibilidade de expectativas,
isso poderia prevenir os ciclos de expansão e
recessão. Se os empresários soubessem de
antemão que a diminuição artificial das taxas de
juros provavelmente será seguida, em algum
momento futuro, por uma postura mais
contracionista da mesma, sua conduta em
resposta a essa antecipação iria neutralizar a
ocorrência dos ciclos econômicos.
Essa maneira de pensar seria válida se a
questão fosse apenas a diminuição artificial e o
conseqüente aumento das taxas de juros. Se esse
fosse o caso, então os críticos da TACE teriam um
ponto válido. Não há dúvidas que os empresários
teriam rapidamente aprendido a desconsiderar as
subidas e descidas das taxas de juros e teriam
passado a utilizar alguma média de longo prazo
das taxas de juros em seu processo de decisão de
investimentos.
Entretanto, a TACE não é sobre simples
variações da taxa de juros, mas sobre variações na
política monetária do banco central, que envolve
mudanças na oferta monetária, e
consequentemente na taxa de juros. Ademais, o
que realmente mexe com os empresários são as
mudanças nas condições de mercado,
representadas por mudanças relativas na
demanda por vários bens e serviços – e não
apenas mudanças nas taxas de juros em si.
Eis o porquê.
Em uma economia com um mercado livre e
totalmente desimpedido há uma mudança
harmoniosa e sustentável no padrão de consumo,
com um aumento da riqueza real dos
consumidores. Essa harmonia, entretanto, é
rompida quando o banco central injeta dinheiro
nessa economia. Esse novo dinheiro é
evidenciado por um aumento nos depósitos em
conta-corrente, depósitos esses que os bancos
usam para seus empréstimos. Porém, essa
expansão do crédito bancário – crédito advindo
do nada – começa apenas com um indivíduo ou
com um pequeno grupo de indivíduos – em
outras palavras, sempre há aqueles que recebem
primeiro esse dinheiro criado do nada.
Aqueles primeiros mutuários são os maiores
beneficiários desse novo crédito, pois são os
primeiros recebedores desse dinheiro recém
criado do nada – seu poder de compra aumentou.
Esses primeiros consignatários podem agora
comprar uma maior quantidade de bens
enquanto os preços desses bens ainda não foram
afetados.
Como esses primeiros consignatários desse
novo dinheiro estão bem mais ricos agora do que
antes da ocorrência das injeções monetárias, eles
provavelmente vão alterar seus padrões de
consumo. Com um poder de compra maior, sua
demanda por bens e serviços menos essenciais
também aumenta. E esse aumento no poder de
compra, ao mesmo tempo em que impulsiona a
demanda desses primeiros consignatários do
dinheiro por bens e serviços gerais, também
estimula a demanda por bens que, antes da
expansão monetária, nem sequer teriam sido
considerados.
Entretanto, esse aumento do poder de
compra dos primeiros recebedores do dinheiro se
dá às custas daqueles que recebem por último, ou
que sequer recebem esse novo dinheiro, pois,
como os primeiros consignatários do dinheiro
pressionam os preços de bens e serviços para
cima, quando o dinheiro chegar aos últimos
praticamente todos os preços já terão subido –
esses só perderam, pois seu poder de compra foi
corroído pela inflação. Ou seja, esse aumento do
dinheiro em circulação resulta em uma
transferência de fundos reais dos últimos
recebedores do dinheiro para os primeiros.
Como resultado da política monetária
frouxa do banco central, a composição dos bens
comprados será provavelmente alterada. Uma
maior proporção de bens de luxo em relação a
bens e serviços básicos será a conseqüência
esperada.
Essa mudança no padrão de consumo atrai
a atenção dos empresários – afinal de contas, eles
estão no negócio para “ganhar dinheiro”, o que
significa que para ter sucesso nessa empreitada
eles precisam atender os desejos do consumidor.
De acordo com Mises,
“No sistema capitalista de organização
econômica os empresários determinam o curso da
produção. Na execução dessa função, eles estão
total e incondicionalmente sujeitos à soberania do
público pagante, os consumidores.”[4]
Consequentemente, isso gera investimentos
na infra-estrutura para poder satisfazer a maior
demanda por bens, por assim dizer, menos
essenciais – isto é, bens de maior luxo.
Quando a frouxa política monetária é
revertida, cessa a transferência de riqueza real
dos últimos recebedores do dinheiro para os
primeiros. Isso, por sua vez, diminui a demanda
por vários bens não essenciais; o que, por sua vez,
debilita vários projetos de bens de capital que
surgiram no rastro das frouxas políticas
monetárias do passado. E, assim, a recessão
econômica emerge.
A questão, portanto, é: como é que
expectativas corretas em relação ao resultado de
uma política monetária frouxa do banco central
poderiam impedir o ciclo de expansão-recessão?
Ora, sabemos que a função dos empresários é
ficar antenados às demandas dos consumidores.
Assim, sempre que eles observarem um aumento
da demanda, eles irão reagir adequadamente. Por
exemplo, se um empreiteiro se recusar a atender
a um aumento de demanda por imóveis porque
ele acredita que essa demanda não é sustentável –
pois ela seria o resultado de uma política
monetária frouxa do banco central – então ele
perderá clientes e irá à falência bem rapidamente.
Estar no setor da construção civil significa estar
em sintonia com a demanda por imóveis. Da
mesma maneira, qualquer outro empresário em
um dado campo terá de responder a todas as
mudanças na demanda em sua área de atuação se
ele quiser permanecer na ativa.
Assim, um empresário tem apenas duas
opções – ou ele fica em um determinado negócio,
ou sai dele completamente. Uma vez que ele
tenha decidido permanecer em alguma área, isso
significa que ele provavelmente vai responder a
mudanças na demanda por bens e serviços nessa
área em particular, independentemente de quais
sejam as causas por trás dessas mudanças na
demanda. Se ele falhar nessa empreitada, ele
estará fora dos negócios bem rapidamente.
Ademais, conhecimento sobre a TACE não
implica saber qual será a duração do boom e,
consequentemente, quando a recessão virá. E,
sem esse conhecimento, a única maneira de
neutralizar o efeito de uma política monetária
frouxa é não participando do boom. Mas,
novamente, isso significa ficar de fora de todos os
negócios.
Além de tudo o que foi dito acima, a
expansão monetária também exaure o conjunto
de financiamento real (poupança real disponível),
uma vez que a expansão leva a um aumento do
consumo de maneira não sustentada pela
produção. Consequentemente, o falso boom
inicial gerado pelo crédito fácil também planta as
sementes de sua própria destruição, pois
enfraquece o conjunto de financiamento real.
Ciclos de expansão-recessão e o livre
mercado
O ponto principal da TACE não é o fato de
que uma injeção monetária gera o ciclo de
expansão-recessão como tal, mas o fato de esse
ciclo ser recorrente. Por outro lado, em um livre
mercado, sem a existência de um banco central,
se um banco em particular decidir praticar
operações com reservas fracionárias, isto é,
empréstimos não respaldados pela quantidade de
dinheiro correspondente, então este banco
poderá ativar um ciclo de expansão-recessão.
No entanto, é duvidoso que o banco poderá
praticar essa expansão por muito tempo, uma vez
que ele corre o risco de não ser capaz de
descontar seus cheques e, como conseqüência, se
tornar insolvente. Em outras palavras, na
estrutura de um genuíno livre mercado, se não
houver uma autoridade monetária central, o
fenômeno do ciclo de expansão-recessão teria
dificuldade em surgir, já que o incentivo para se
praticar as operações bancárias de reservas
fracionárias não seria muito atraente. Portanto,
contrariamente ao pensamento popular, ciclos de
expansão-recessão não podem ser considerados
como inerentes à economia de livre mercado. De
acordo com Rothbard,
“Os bancos só podem expandir o crédito
confortavelmente em uníssono quando existe um
Banco Central, que é essencialmente um banco do
governo, que goza um monopólio dado pelo
governo e que possui uma posição privilegiada
imposta pelo governo sobre todo o sistema
bancário. Somente quando um banco central é
instituído é que os demais bancos se tornam aptos
a expandir o crédito indefinidamente. E foi
somente após a existência de bancos centrais que
as economias se tornaram familiarizadas com
fenômeno dos ciclos econômicos.”[5]
Em resumo, é através da intervenção
sistemática do banco central que a injeção
monetária se torna possível, o que por sua vez
gera os recorrentes ciclos de expansão-recessão.
Conclusões
A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos
(TACE) é a única teoria atualmente disponível
que fornece uma explicação abrangente do
fenômeno dos ciclos de expansão-recessão. A
validade da teoria permanece, apesar das
alegações de que ela é demolida quando se
assume que as pessoas aprendem com o passado
e, com isso, provavelmente não cometerão os
mesmos erros de novo e de novo. Ademais, ciclos
de expansão-recessão não são inerentes a uma
economia de livre mercado, mas, ao contrário,
são o resultado da existência de uma autoridade
monetária central. É a existência dessa
autoridade – que torna possível contínuas
injeções monetárias – que gera o fenômeno dos
periódicos ciclos de expansão-recessão.
[1] Para um comentário mais aprofundado
sobre a TACE, ver o texto de Murray Rothbard,
Como ocorrem os Ciclos Econômicos.
[2] Gordon Tullock, “Why the Austrians are
wrong about depressions”, The Review of Austrian
Economics, vol 2, 1987. Vide também Ludwig M.
Lachmann, “The role of expectations in
economics as a social science”, Economica,
Fevereiro, 1943. Também, o comentário de Joseph
Salerno sobre Tullock e a réplica de Tullock para
Salerno.
[3] Ludwig von Mises, “Elastic expectations
and the Austrian Theory of the Trade
Cycle,” Economica, Agosto de 1943.
[4] Ludwig von Mises, “Profit and Loss,”
Libertarian Press, p. 108.
[5] Murray N. Rothbard, The Austrian
Theory of the Trade Cycle, p. 78-79, Ludwig von
Mises Institute. Vide também Jorg Guido
Hulsmann, “Toward a General Theory of Error
Cycles”, the Quarterly Journal of Austrian
Economics, inverno 1998, volume 1, número 4.

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