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Resenhas

Paulo Fontes, Um nordeste em São Paulo: traba- Do ponto de vista teórico, ao optar por abordar a
lhadores migrantes em São Miguel Paulista (1945- classe trabalhadora tanto em seu deslocamento geo-
1966). Rio de Janeiro, Editora FGV, 2008, 346 pp. gráfico como em sua fixação territorial, o autor es-
clarece a importância das redes e das linguagens so-
William Vella Nozaki ciais que compõem o núcleo do que será o senso de
Bacharel em Ciências Sociais – USP pertença a uma classe e a uma comunidade, tópicos
e mestre em Economia – Unicamp decisivos para a formação da classe operária brasileira.
Essas perspectivas conferem o sentido geral do
livro: apresentar e reafirmar o protagonismo dos “de
De um lado, as questões públicas da cidade, de baixo” nas decisões sobre o seu destino cotidiano e
outro, as questões privadas do trabalho, e, atando político, para além de determinações econômicas, mas
ambas, as passagens da migração. Ao tecer essa tra- não apesar delas, além de explicitar as ligações entre
ma, Um nordeste em São Paulo revela algo acerca das uma história que acontecesse escondida e a história
sobreposições entre identidade de classe e consciên- dos macroacontecimentos.
cia regional, entre movimentos sindicais e movimen- Para tanto, o livro divide-se em cinco capítulos.
tos sociais, nas periferias da periferia do capitalismo. De saída, o autor afasta os fantasmas de certa teoria
Do ponto de vista histórico, ao escolher como da modernização que insistiu em abordar as migra-
palco a cidade de São Paulo e o bairro de São Miguel ções como transições do rural ao urbano, do regres-
Paulista, e como personagens os trabalhadores que se so ao progresso, sem se perguntar sobre os impactos
deslocaram pelo eixo Nordeste-Sudeste, Paulo Fon- ou o papel desse fenômeno para os trabalhadores
tes monta uma cena sobre a industrialização, a urba- que dele participavam e a partir dele se constituíam.
nização e a migração entre meados das décadas de Há também que se afastar os fantasmas de certa teo-
1940 e 1960. ria do populismo que, de um lado, passou a incor-

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porar a preocupação com a presença dos trabalhado- Para Paulo Fontes, o principal problema por trás
res, de outro fincou as raízes de um modelo inter- da migração não está na falta de adaptação dos nor-
pretativo para o qual a participação dos trabalhado- destinos, mas na dificuldade de recepção dos pau-
res se dá invariavelmente no marco da cooptação e listas. Assim, é de se compreender que a incorpo-
da manipulação. Por fim, há que se ponderar a subs- ração no mercado de trabalho tenha sido árdua,
tituição do conceito de populismo para a noção de cabendo aos recém-chegados a dureza da constru-
trabalhismo. Pois, enquanto aquele não explica cer- ção civil antes de qualquer incursão em atividades
tos aspectos das relações de trabalho, do mundo sin- industriais.
dical e das influências do comunismo, este não Já o segundo capítulo trata de apresentar o bairro
elucida certas características das relações políticas e em que aportaram os migrantes. A imagem com que
do mundo urbano paulistano, como o janismo e o o autor nos apresenta o bairro de São Miguel Paulis-
ademarismo. ta é emblemática, um bairro da periferia leste paulis-
O primeiro capítulo trata de esclarecer as razões tana preparado para se reconstruir, pronto para abri-
e o significado da migração. A grande migração de gar e ser disputado por forças e intenções tão díspa-
trabalhadores saídos das regiões rurais do Nordeste res quanto a de um pastor evangélico e a do partido
em direção às regiões urbanas no Sudeste é um fenô- comunista. A história moderna do bairro começa ain-
meno marcante na segunda metade do século XX. da na década de 1930, quando ali se instala uma das
Por longo tempo, parte significativa da bibliografia maiores indústrias químicas do país, transformando
sobre o tema tratou o fenômeno como algo caótico, a região em um dos principais subúrbios industriais
irracional, causado exclusivamente pela decadência da região metropolitana de São Paulo.
da economia agrícola do Nordeste e pelo avanço da Essa periferização da classe trabalhadora em São
economia industrial de São Paulo. Paulo encontra seu auge no período abordado pelo
Ao mergulhar nesse assunto, entretanto, Paulo autor. Os processos de especulação imobiliária e
Fontes traz à tona novos elementos: a busca por di- loteamento, comandados pela iniciativa privada no
reitos trabalhistas e por direitos urbanos foi o móbile centro da cidade e combinados ao sonho do fim do
principal a empurrar esses trabalhadores, encorajan- aluguel e da construção da casa própria, atuaram
do-os a uma jornada precária através de uma traves- como motores para o deslocamento periférico dos
sia perigosa. Mais ainda, ao contrário do que pensa o trabalhadores. A construção de moradias por meio
senso comum, a vinda desses migrantes não era feita de mutirões, financiada pelos parcos recursos pou-
de modo apressado e desordenado: a viagem era me- pados e com a ajuda de familiares e amigos em finais
ticulosamente arquitetada, preparada pela família no de semana e períodos de folga, ia desenhando a ar-
Nordeste e pela comunidade em São Paulo. quitetura do bairro.
A decisão de migrar não raras vezes era precedida Nesse ambiente, a vida cotidiana confundia-se
pela manutenção de uma pequena propriedade na com a vida das fábricas ali instaladas. Enquanto o
terra de origem e seguida pela mobilização de uma apito da indústria organizava a vida das donas de casa,
rede de comunicação entre os que já se encontravam as relações de parentesco e amizade formavam as re-
na terra de destino. Além disso, algumas idas e vin- des de indicações dos empregados que se incorpora-
das de migrantes, interpretadas comumente como riam à empresa. Sem descuidar da atenção para com
inadaptação ao meio urbano e moderno, eram, na os problemas no local de trabalho e dos impactos
realidade, tramadas como forma de conquistar no- causados pela empresa no bairro e no meio ambien-
vos caminhos sem se desfazer dos velhos laços. te, Paulo Fontes segue armando o percurso por onde

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passam e interagem a identidade trabalhadora e a insuficiente de serviços educacionais, a precariedade


identidade comunitária. do transporte público, tudo somado ao crescimento
O terceiro capítulo aborda os padrões de utiliza- constante do bairro, seriam fatores decisivos para que
ção do tempo livre e de lazer conformados entre o os moradores da região internalizassem uma sensa-
trabalho e a comunidade, traçando um panorama da ção de isolamento e abandono.
sociabilidade periférica. Nesse cenário, o autor insiste e reforça: os laços
Em face de limitadas ofertas de opções culturais e de parentesco e vizinhança e as relações de trabalho e
de entretenimento, salta à vista atividades recreativas amizade são elementos fundamentais para amenizar
como nadar ou pescar no rio Tietê, passear pela pra- a ausência do poder público. Mas isso não justifica
ça central de São Miguel Paulista, participar do foo- tratar esses vínculos como se fossem formados ape-
ting e brincar o carnaval de rua. Além dessas formas nas por relações solidárias e comunitárias. As tensões
elementares de ocupação do espaço público para a e disputas também estiveram presentes, e são parte
diversão, a vida de lazer do bairro parece girar ao re- integrante dessa sociabilidade. A hierarquia das pro-
dor de iniciativas privadas. Em uma região carente de fissões e ocupações tem seu reflexo na própria geo-
serviços públicos, e de população religiosa, não é de grafia urbana do bairro, separado em vilas de admi-
estranhar que as festas da igreja fizessem muito suces- nistradores e vilas de operários; enquanto a segrega-
so. Mas era em torno do Clube de Regatas da Nitro ção reaparece na relação entre migrantes (nordestinos)
Química que o tempo livre dos moradores do bairro e imigrantes (turcos, italianos e japoneses).
parecia ser aplicado com mais intensidade. Ativida- O quarto capítulo retrata a vida política e partidá-
des esportivas, bailes, apresentação de cantores e ar- ria da cidade e de seu subúrbio leste. O final da Segun-
tistas famosos, tudo parecia remeter ao patrocínio da da Grande Guerra abriu um período de grande parti-
grande indústria. cipação e mobilização política entre os trabalhadores
Além de brincadeiras de futebol, dominó, bara- brasileiros, e os reflexos desse fenômeno foram parti-
lho e sinuca, os bares e botequins parecem coroar os cularmente intensos em São Miguel Paulista.
espaços de encontro, revelando a importância das A célula do PCB nesse bairro, segundo o autor,
redes informais. Mas também é a partir deles que se tornou-se verdadeiro orgulho do partido, por ser a
constitui uma das características de São Miguel Pau- maior organização de base em São Paulo. Prova disso
lista: comportar um dos mais elevados índices de vio- é o conjunto de visitantes comunistas ilustres recebi-
lência da cidade. dos pelo bairro, figuras como Jorge Amado, Gracilia-
Inúmeras explicações atribuíram a culpa dessa no Ramos, Dorival Caymmi, Luis Carlos Prestes e
violência à natureza bruta e inadaptada do migrante Carlos Mariguella. O partido arregimentou militan-
nordestino, estereotipado nas figuras do “cangaceiro” tes e conquistou simpatizantes não só entre operários,
ou do “cabra-macho”. É bem verdade que tais caracte- mas também entre comerciantes e profissionais libe-
res fazem parte do senso de masculinidade do migran- rais, de maneira que os idos de 1945-1946 ficariam
te nordestino, mas para Paulo Fontes estão longe de marcados por uma intensa onda de comícios e ativi-
explicar os problemas do bairro. Muito mais plausível dades públicas organizadas pelos comunistas.
é encontrar a causa desses problemas nas carências ur- É bem verdade, lembra Paulo Fontes, que no âm-
banas em que vivia a região leste de São Paulo. bito eleitoral a popularidade e a influência do traba-
A ausência de saneamento básico, a falta de pavi- lhismo varguista continuava imperando, mas isso
mentação nas ruas, a precariedade da iluminação não impediu que, nas eleições para a Assembleia
pública, a quase inexistência de telefonia, a oferta Legislativa de 1947, o bairro de São Miguel desse vi-

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tória ao PCB. A partir de então o partido passaria a ser redes informais, de compadrio e compromissos pes-
visto ora como ameaça (a ser combatida pela associa- soais. Entretanto, o que chama a atenção do autor –
ção entre empresários e órgãos de repressão do Esta- e essa é a mensagem a ser guardada – não é tanto a
do), ora como objeto de desejo (a ser disputado para maneira como os “poderosos” se relacionam em uma
potenciais alianças político-partidárias com agremia- teia de favores, mas como a própria existência dessa
ções como o PSP). Enquanto permaneceu na legali- trama traduz um processo de construção de deman-
dade, o PCB atuou como escoadouro das reivindica- das “populares” que refletem a exigência de melhores
ções trabalhistas e sociais, mas assim que foi posto na condições de trabalho e, sobretudo, de serviços ur-
clandestinidade abriu caminho para o surgimento de banos. Pleiteando melhoramentos para suas vilas e
um fenômeno profundamente enraizado nas periferi- para seu bairro é que os moradores de São Miguel
as paulistanas: o populismo ademarista e janista, seguiam construindo sua identidade política, num
aquecido ainda, pondera o autor, pelas iniciativas as- crescente que culmina na criação de comissões de
sistencialistas da própria fábrica e pelas iniciativas fi- moradores e entidades de bairros, analisadas no quin-
lantrópicas da igreja local. to e último capítulo do livro.
A utilização do carisma pessoal e da máquina esta- A estruturação das Sociedades Amigos de Bairro
tal a fim de empreender uma política que busca fler- no início dos anos de 1950, a criação dos Conselhos
tar, de maneira oportunista, com as necessidades dos Distritais em meados da década e a fundação da Fe-
trabalhadores foi prática comum entre figuras como deração das Sociedades Amigos de Bairros e Vilas de
Adhemar de Barros e Jânio Quadros. Paulo Fontes São Paulo, no final da mesma década, são exemplos
aborda tais figuras – complexas e ambíguas – em seus da organização dos cidadãos paulistanos em busca
matizes, apontando diferenças, mas sobretudo ressal- de melhorias na infraestrutura urbana e na oferta de
tando a via de mão dupla que liga a política do bairro à serviços públicos. O aumento nas tarifas dos servi-
política do Estado. Ao mesmo tempo em que traziam ços públicos, além da diminuição do poder aquisiti-
certo clientelismo do jogo partidário ao território da vo dos salários, levou a cidade à “greve dos 400 mil”,
periferia, esses políticos levavam para a arena política marcando o estreitamento dos laços entre entidades
certas reivindicações e linguagens da periferia. de bairro e movimento sindical. Os protestos contra
Desse modo, a adesão ao ademarismo e ao janis- a carestia e a inflação marcavam portanto uma arti-
mo em São Miguel não pode ser simplesmente en- culação política entre o mundo do trabalho e as ques-
quadrada nos modelos de cooptação das massas, é tões urbanas, anota Paulo Fontes.
preciso lê-la no registro da busca por representação A manifestação dessa ligação, em São Miguel
política (para além do espectro esquerda-direita). Paulista, se deu pela atuação do Centro Amigos de
Disso não resulta, entretanto, uma leitura “chapa São Miguel e do Sindicato dos Químicos; sua expres-
branca” do processo histórico. Paulo Fontes recons- são encontrou voz, primeiro, na organização de pa-
trói o cenário das disputas eleitorais e a composição ralisações e, em seguida, na criação de um movimen-
das coligações partidárias, chamando a atenção para to autonomista que buscava alçar o bairro à condição
uma espécie de reedição da aliança entre potentados de município. Embora o movimento não tenha lo-
com raízes locais e lideranças com projeção estadual/ grado êxito, teve o mérito de reforçar uma identida-
nacional, expressa nas relações entre os vereadores de local e comunitária forjada a partir da insatisfação
locais, o prefeito e o governador. com a condição de vida precária, além de ter motiva-
A penetração desses vereadores no bairro e sua do os moradores da região a pensar em alternativas de
visibilidade na política da cidade se dá a partir de desenvolvimento.

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Narrando, por assim dizer, a história de uma iden- uma época e os seus impulsos desprezados se ilumi-
tidade que emerge da migração, de uma consciência nam reciprocamente” (p. 91).
que se faz no trabalho e de uma ação que se concre- Este fragmento serve de introdução ao ensaio ho-
tiza na cidade, Paulo Fontes lança luz sobre as con- mônimo ao título da presente coletânea; pode ser
quistas e os desafios envolvidos na construção do pro- tomado como fio condutor de leitura desta: eis o que
tagonismo das camadas populares. irei perseguir nesta resenha, pautando-me, para tan-
Ao final da leitura fica a mensagem: a luta por di- to, em alguns leitores argutos de Kracauer.
reitos trabalhistas e sindicais confunde-se com a luta Em 1921, abandonando a carreira de arquiteto,
por direitos urbanos e sociais, e se assim transcorre a Kracauer passou a escrever para o Frankfurter Zeitung –
história é porque a conquista da cidadania ocorre no prestigiado jornal da esquerda liberal burguesa –, no
palco da cidade e por intermédio do trabalho. qual praticava o chamado feuilleton, gênero jornalísti-
co oitocentista que, de fórum beletrista, transfor-
mou-se, em resposta às velozes mudanças sociais e
Siegfried Kracauer, O ornamento da massa: en- culturais da modernidade, em um espaço para análi-
saios. Tradução de Carlos Eduardo Jordão Macha- ses diagnósticas de fenômenos contemporâneos (cf.
do e Marlene Holzhausen. São Paulo, Cosac Naify, Levin, 1995, pp. 4-6). Ao longo de onze anos, Kra-
2009, 380 pp. cauer, de origem judaico-alemã, empreendeu a análi-
se das diversas formas de cultura urbana – em Frank-
Luís Felipe Sobral furt, depois em Berlim – como testemunha e crítico
Mestrando em Antropologia Social – Unicamp da falência da República de Weimar (1919-1933) e da
e bolsista do CNPq fatídica guinada à direita que resultou, para ele, na
perda do emprego e no exílio parisiense – onde iria
[...] e, além da aparência exterior, ele se distinguia também permanecer ainda até o início da guerra, momento
dos demais viajantes por ser o único que não mirava apático
em que emigrou definitivamente para os Estados
o vazio, mas se ocupava em traçar apontamentos e esboços
Unidos, acompanhado da esposa (cf. Idem, pp. 6-8).
que se relacionavam obviamente à sala onde ambos
estávamos sentados [...]. O desejo de Kracauer em publicar um volume com
Sebald (2008) seus ensaios do Frankfurter Zeitung remonta ao tem-
po em que ainda trabalhava no jornal; só foi satisfeito
Em 9 de junho de 1927, escreveu Siegfried Kra- trinta anos depois, com uma coletânea em dois volu-
cauer (1889-1966) em Die Frankfurter Zeitung: “O mes editada pelo próprio autor (cf. Idem, pp. 10-13)1.
lugar que uma época ocupa no processo histórico O presente livro reúne 24 ensaios extraídos dos
pode ser determinado de modo muito mais perti- dois volumes, todos oriundos do período em que
nente a partir da análise de suas discretas manifesta- Kracauer escrevia para o Frankfurter Zeitung – ape-
ções de superfície do que dos juízos da época sobre si nas três deles não foram publicados pelo periódico.
mesma. Estes, enquanto expressão de tendências do Tais peças compreendem a análise de um amplo con-
tempo, não representam um testemunho conclusivo junto de fenômenos da modernidade: a fotografia,
para a constituição conjunta da época. Aquelas, em os livros de sucesso, as obras de Kafka e Simmel, os
razão de sua natureza inconsciente, garantem um estúdios cinematográficos nos arredores de Berlim, a
acesso imediato ao conteúdo fundamental do exis- viagem e a dança, as passagens – estas, objeto do li-
tente. Inversamente, ao seu conhecimento está liga- vro que o amigo Walter Benjamin escrevia. Por meio
da sua interpretação. O conteúdo fundamental de de uma espécie de mergulho intelectual que não he-

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sita em encarar o concreto, Kracauer faz uso da frag- tre crítica objetiva e experiência pessoal – evidente
mentação característica da modernidade para acessar na frequente mudança de voz, em um mesmo en-
a realidade, como a entendia. No ensaio citado aci- saio, da terceira para a primeira pessoa do plural.
ma, por exemplo, a partir dos corpos das Tillergirls – Kracauer, diz ela, vê a modernidade como o zênite
companhia de revista britânica que fez turnê pela histórico da perda crescente de sentido da vida e, ao
Europa –, de organização geométrica e movimento longo dos anos de feuilleton, opera uma mudança de
matemático, de forma que perdem seu caráter indi- enfoque teórico: da metafísica ao concreto.
vidual para dar lugar a uma massa ornamentada, as- O raciocínio de Kracauer que justifica essa gui-
semelhando-se às fotografias aéreas de paisagens, ao nada da metafísica à realidade empírica, aponta
que corresponde a ordenação regular da massa nas Thomas Levin (1995) na introdução da edição nor-
tribunas, o autor vislumbra o processo de racionali- te-americana, advoga que a forma estética é particu-
zação do capitalismo: “O ornamento da massa é o larmente conveniente para expressar a verdade de um
reflexo estético da racionalidade aspirada pelo siste- período histórico alienado e torná-la legível. Algu-
ma econômico dominante” (p. 95). É assim que, na mas linhas depois, Levin explicita o método analíti-
perspicaz capa dessa edição, reside a fotografia, tirada co de Kracauer: “De acordo com sua metodologia, a
do alto, de um número musical – figura cuja forma, qual nos faz lembrar a articulação proléptica de Mo-
na devida distância dos olhos, aproxima-se de uma relli da lógica da parapráxis de Freud, é a própria
rosácea de catedral gótica. insignificância de tais artefatos cotidianos que os per-
A coletânea é precedida por um ensaio de Miriam mite servir como índices seguros ou sintomas de con-
Hansen2, no qual mapeia o que chama de duplo de- dições históricas específicas” (Idem, p. 15; tradução
sabrigo – isto é, o espaço entre a farsa do mundo minha, grifos do autor) – e, em seguida, cita o excerto
burguês e a alteridade da cidade moderna –, tensão programático que abre esta resenha. Levin refere-se a
denominada “extraterritorialidade” por Kracauer, Giovanni Morelli, colecionador de arte italiano que,
como sua autodefinição intelectual, em carta a Theo- em fins do século XIX, propunha um novo método
dor Adorno de 8 de novembro de 1963, indica a pre- na identificação da autoria pictórica: em vez de pri-
faciadora. Tal formulação identitária, mostrou Mar- vilegiar os traços célebres dos pintores, alvo evidente
tin Jay (1986), abarcava até mesmo sua aparência fí- das falsificações, deveria se ater aos negligenciáveis e,
sica heteróclita e era tanto a fonte como o limite da portanto, mais característicos, porque menos cons-
produtividade do autor. Se é necessário considerar cientes – e, assim, menos evidentes a olhos não trei-
um exílio stricto sensu – no percurso Alemanha-Fran- nados. Como se sabe, foi Carlo Ginzburg quem iden-
ça-Estados Unidos –, deve-se levar em conta, na tificou, no final do Oitocentos, a emergência desse
medida exata, esse olhar para o passado que constrói saber de origem antiquíssima denominado indiciário,
um exílio identitário já na terra natal, pois, mesmo que aproxima os signos pictóricos de Morelli aos sin-
que se trate de ilusão biográfica, no sentido de Pierre tomas de Freud e às pistas de Sherlock Holmes sob a
Bourdieu (1986), ainda assim possui uma positivi- máxima detetivesca: “Se a realidade é opaca, existem
dade. Hansen, atinada com tais evidências do exílio, zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem
busca delinear, em particular, a relação de Kracauer decifrá-la” (Ginzburg, 2002, p. 177). Assim, é sinto-
com a cultura de massa: ao longo do processo em mático que, durante os anos de transição para o con-
que é construída como objeto, “a partir das perspec- creto, isto é, de 1922 a 1925, Kracauer tenha esco-
tivas cruzadas de uma filosofia da história e da crítica lhido o romance policial como assunto de um “trata-
da ideologia” (p. 10), estabelece-se a articulação en- do filosófico” (cf. Levin, 1995, pp. 14-16), do qual o

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ensaio “O saguão de hotel”, na presente coletânea, é excerto do manual de direção cinematográfica de


um capítulo3. Não é à toa, igualmente, que se falou Vsevolod Pudovkin, citado em dois momentos por
da afinidade entre O ornamento da massa e Minima Kracauer (cf. [1960] 1997, p. 51; 1995a, p. 122), faz
moralia (cf. Idem, p. 3; Jay, 1986, p. 162), uma das as vezes deste que, por seu turno, faz as de Flaubert.
obras que Ginzburg (2002, p. 178) elenca como in- Em vez de transcrever Pudovkin aqui, adiciono mais
diciária devido ao fato de delinear os sintomas de uma camada a essa estrutura metonímica, citando
uma sociedade enferma. Do mesmo modo, também um trecho muito flaubertiano do artigo de 1926 que
sublinham-se os comentários precisos, publicados no abre esta coletânea, e no qual Kracauer segue com
site da editora, de Márcio Seligmann-Silva e Francis- primor as instruções do cineasta russo, que, ao lado
co Alambert – que caracterizam Kracauer, respecti- de Eisenstein, desenvolveu a teoria do contraponto
vamente, como capaz de “escandir os elementos so- audiovisual: “Um garoto mata um touro. A frase de
ciais insuspeitos e inconscientes a partir dos fenôme- uma gramática escolar é representada em uma elipse
nos aparentemente mais banais” e como “arqueólogo amarela, na qual o sol ferve. Olha-se para a oval a
ou detetive da verdade escondida” – e de Leopoldo partir das tribunas e árvores, em que os nativos pen-
Waizbort, que fala “da realidade revelada pela cultu- dem como bananas azuis. O touro brame estúpido
ra de massas”. Em suma, localiza-se O ornamento da pela arena. Diante da praga delirante, o garoto está
massa no rol das obras ditas indiciárias. só” (p. 51).
Sem embargo, é o próprio Ginzburg quem for- De fato, o que permite a aproximação morfoló-
nece a próxima pista, em um ensaio recente no qual gica, via Ginzburg, entre Kracauer e Flaubert é a his-
investiga a relação que Kracauer estabelece entre um tória: a despeito de se localizar em dois momentos
modelo cognoscitivo cinematográfico e a história. O distintos da modernidade, compartilham o interesse
ponto de partida de Ginzburg é o olhar retrospectivo por um modelo cognoscitivo pautado na fragmenta-
de Kracauer na introdução de seu livro póstumo so- ção da experiência urbana. Entre os dois, contudo,
bre a história (cf. Kracauer, [1969] 1995a, pp. 3-16), há o cinema, que sedimenta esse modelo e correspon-
na qual vislumbra coerência em sua obra, dissertan- de a vivências sociais particulares. Em “Culto da dis-
do sobre a continuidade involuntária entre esse últi- tração”, publicado no Frankfurter Zeitung em 4 de
mo trabalho e o ensaio “A fotografia”, de 1927, pu- março de 1926, Kracauer descreve a opulência pala-
blicado nessa coletânea. Na parte final de seu texto, ciana dos cineteatros berlinenses, onde o espetáculo
Ginzburg, a partir de uma analogia entre Flaubert e não se limita ao filme, mas compreende a totalidade
o fotógrafo – estabelecida por um leitor contempo- da experiência, como “um caleidoscópio ótico e acús-
râneo do escritor francês –, identifica temas seme- tico” (p. 344). Se, nessa cultura da distração, de um
lhantes em A educação sentimental e no livro de Kra- lado, os sentidos das massas são excitados a ponto de
cauer: em particular, o entrelaçamento de micro e impedir a reflexão, de outro, o espetáculo é incapaz
macro-história e a rejeição da filosofia da história (cf. de se furtar a indicar a desordem da sociedade, pois é
Ginzburg, 2007, p. 244). Ora, no momento de apro- parte intrínseca desta; tal tensão estrutural se alimen-
ximar, quanto à “sucessão de sensações visuais e au- ta da urgência de mudança: “Frequentemente pelas
ditivas, ritmadas por frases breves, quebradas como ruas de Berlim se é surpreendido pela ideia de que
fotogramas” (Idem, p. 246), um trecho da Histoire de tudo venha um dia, improvisadamente, rachar no
France, de Michelet, a morte de Dussardier em A meio” (p. 347). Depara-se, mais uma vez – a partir
educação sentimental e Kracauer, o historiador italia- de um indício extraído da vivência urbana –, com a
no executa uma operação metonímica na qual um relação entre uma forma cognoscitiva e uma visão da

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história destituída de um princípio geral que a orga- GINZBURG, Carlo. (2002), “Sinais: raízes de um pa-
nizaria. radigma indiciário”. In: _____, Mitos, emblemas,
É certo que, tão somente em sua articulação dos sinais: morfologia e história. São Paulo, Compa-
fenômenos modernos nos termos amplos de uma cul- nhia das Letras, pp. 143-179.
tura visual, este livro justifica seu lugar na coleção em _____. (2007), “Detalhes, primeiros planos, microa-
curso. No entanto, uma vez que se tenha em vista a nálise: à margem de um livro de Siegfried Kra-
tese do volume que inaugura esta coleção – ou seja, de cauer”. In: _____, O fio e os rastros: verdadeiro,
que “a modernidade pode ser melhor compreendida falso, fictício. São Paulo, Companhia das Letras,
como inerentemente cinematográfica” (Charney e pp. 231-248.
Schwartz, 2004, p. 18) –, vê-se, enfim, o esboço de JAY, Martin. (1986), “The extraterritorial life of
uma dupla convergência: os dois livros compartilham Siegfried Kracauer”. In: _____, Permanent exi-
argumentos afins e a mesma série editorial. les. Essays on the intellectual migration from Ger-
Assim, por sua interpretação do mundo a partir many to America. Nova York, Columbia Univer-
da superfície, na descrição benfeita dos detalhes por sity Press, pp. 152-197.
vezes os mais medíocres, em suma, por sua atenção KRACAUER, Siegfried. (1995a), History: the last things
perspicaz para o concreto, O ornamento da massa exi- before the last. 1ª edição 1969. Princeton, Markus
ge, portanto, que se afirme que Kracauer ia ao cine- Wiener Publishers.
ma, lia Kafka e os livros de sucesso, assistia à apresen- _____. (1995b), The mass ornament: Weimar essays.
tação das Tillergirls, ia à tourada e à dança, e assim por Cambridge, Harvard University Press.
diante – e tudo isso presume, necessariamente, a _____. (1997), Theory of film: the redemption of
vivência urbana que lhe deu ensejo. physical reality. 1ª edição 1960. Princeton, Prin-
ceton University Press.
Notas LEVIN, Thomas Y. (1995), “Introduction”. In: KRA-
1. Das Ornament der Masse. Essays (1920-1931) e Strassen in Berlin und CAUER , S. The mass ornament: Weimar essays.
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am Main, Suhrkamp Verlag, 1963 e 1964, respectivamente.
SEBALD, W. G. (2008), Austerlitz. São Paulo, Com-
2. Tal prefácio foi publicado originalmente em 1991 em New panhia das Letras.
German Critique, Ithaca, 54, pp. 47-76, outono – número total-
mente dedicado a Kracauer e que consiste em excelente introdu-
ção à obra do autor. Ver também Gertrude Koch, Siegfried Kra-
cauer: An Introduction, Princeton, Princeton University Press, 2000. João Marcelo Ehlert Maia, A terra como inven-
3. Der Detektiv-Roman. Ein philosofischer Traktat, publicado em ção: o espaço no pensamento social brasileiro. Rio
Schriften I, Frankfurt am Main, Suhrkamp Verlag, 1971.
de Janeiro, Jorge Zahar, 2008, 223 pp.
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trodução”. In: _____ (orgs.), O cinema e a in- textos e ideias, está longe de constituir um campo
venção da vida moderna. São Paulo, Cosac Naify, epistemológica e metodologicamente homogêneo ou,
pp. 17-29. no mínimo, consensual. Nas diversas áreas do co-

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nhecimento que se dedicam a analisar a relação entre sim como categoria capaz de concatenar problemas
texto, autor e contexto, como a sociologia, a história sociais mais amplos e de entender suas ressignificações
e a crítica literária, podemos observar um continuum em associação com as experiências sociais e intelec-
no qual em um de seus extremos estaria hipotetica- tuais de seus autores, em uma perspectiva que incor-
mente localizado o contextualismo, ou o reducionis- pore o lugar social3 de forma constitutiva sem torná-
mo ao chamado “contexto”, e no outro teríamos va- lo determinante em demasia.
riações, de um lado, da autonomia do autor (em ge- A resposta para essa proposta de análise do pen-
ral, perspectivas associadas à genialidade do indivíduo samento social informada sociologicamente está em
e informadas por alguma filosofia da história essen- entender o espaço como categoria simbólica e dis-
cialista) e, de outro, da autonomia do texto, como cursiva, cujos limites e possibilidades estão delinea-
sistemas de signos fechados ou como sistemas que dos nas experiências que constituiriam o ethos de seus
emergem da intertextualidade. autores. Assim, o espaço não é meramente uma va-
Assim, um estudo que se pretenda uma análise riável cientificista que determina o comportamento
do pensamento social informada sociologicamente, dos atores, mas o lugar da imaginação, sítio de possi-
se bem-sucedido, constitui-se em uma importante bilidades e ideia-força que orienta, para o pensamento
contribuição para os debates que em muito se pau- de Euclides e de Vicente Licínio, concepções de mo-
tam pela disputa acerca da proeminência de um dos dernização e de processos civilizatórios que se dis-
eixos desse tripé. Para essa proposta os riscos são tanciariam do tradicional modelo europeu.
muitos; afinal, como analisar o pensamento de um Entender a configuração do espaço simbólico, por
autor sem: a) reduzi-lo à explicação de um determi- sua vez, depende da compreensão do ethos que ani-
nado contexto que informaria e conformaria as preo- ma tais personagens a mobilizar essa categoria e a
cupações e as soluções dos autores, tornando suas fazer dela um eixo constitutivo de suas propostas po-
ideias funções do meio; b) torná-lo uma função da líticas. Nesse sentido, o que pode informar a confi-
individualidade do autor, apelando para variantes de guração de tais ethos que não a recorrência a qualida-
um individualismo ontológico essencialista; e c) ig- des subjetivas e individualistas, muitas vezes subli-
norar essas duas variáveis e afirmar a total indepen- nhadas por biógrafos? Novamente, a solução
dência do texto, numa perspectiva que desmonta a encontrada por Maia – fruto de seu diálogo com os
autoria e a historicidade das ideias? trabalhos de Maria Alice Rezende de Carvalho4 e de
De certa forma, o livro A terra como invenção: o Luiz Werneck Vianna5 – está em entender a inscri-
espaço no pensamento social brasileiro, de João Marce- ção sociológica dos autores por meio de sua forma-
lo Ehlert Maia, é uma tentativa de resposta a tais di- ção educacional e do ethos que essa formação e con-
lemas que continuarão a ocupar, indefinidamente, sequente escolha de profissão acarretam em termos
as mentes de estudiosos de textos, imagens e demais de forma de pensar e de status social. Tornam-se,
produtos culturais. Preocupado em analisar o lugar portanto, informações essenciais entendermos o lu-
do espaço nos escritos de Euclides da Cunha e Vi- gar social dos engenheiros na Primeira República e
cente Licínio, engenheiros e escritores republicanos, os traços que essa profissão induz no caráter do indi-
o primeiro desafio de Maia é não se render comple- víduo – no caso, constituição do positivismo como
tamente a uma hermenêutica internalista, como a de código moral, afeição ao americanismo e tendência a
Gadamer1, ou a um contextualismo histórico, como se entender como agente organizador da sociedade.
o de Skinner2, mas postular uma abordagem que não A escolha seria ingrata caso Maia não conseguis-
entenda o espaço apenas como entidade geográfica e se de fato demonstrar que o mundo dos engenheiros

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conforma sensibilidades – o que ele adequadamente listas cariocas se associam às experiências de Euclides
denomina de experiências sociais e intelectuais; em e Vicente Licínio para além da apresentação de alter-
seu argumento, fica especialmente claro o papel do nativas ao uso da categoria da terra em suas chaves
positivismo na formação individual e no entendi- de pensamento. Tal detalhamento poderia ser impor-
mento de Euclides e de Vicente Licínio como agen- tante para entendermos os distintos usos da catego-
tes organizadores de sua sociedade, fato que faz Maia ria terra entre esses três grupos e sua relação com os
cunhar o termo “americanismo positivista” de forma projetos políticos que os animariam – o fato de Gra-
a demonstrar a ligação entre esse código moral e a ça Aranha e Ronald de Carvalho serem diplomatas
busca pelo desenvolvimento de traços americanos no de alto escalão, por exemplo, certamente pode estar
Brasil republicano. Da mesma forma, é decerto rele- relacionado com as ambiguidades que Maia aponta
vante a constatação de que os engenheiros como gru- na utilização da categoria terra na fundação da tradi-
po não se encaixavam confortavelmente na hierar- ção para o pensamento desses autores.
quia social da Primeira República, que priorizava os Por outro lado, a densidade das perguntas e dos
bacharéis oligarcas e não necessariamente os self- argumentos desenvolvidos ao longo do livro o tor-
made men americanistas, e essa situação se expressa- nam um trabalho semelhante a um tecido muito bem
va na manipulação do espaço como categoria que trançado, cuja densa trama denota sua coerência e
abria possibilidades de uma modernização que não consistência. Ao mesmo tempo em que temos uma
necessitava referenciar-se a uma tradição essencialis- série de perguntas sendo respondidas ao longo da
ta da história brasileira e, com isso, não reificava seu obra, que ajudam a construir o argumento principal
arranjo social. do autor, tais questionamentos só são passíveis de
O brilhantismo dessa escolha teórica – que de serem feitos e satisfeitos dada a capacidade de Maia
fato se apresenta como uma alternativa bem-sucedi- em utilizar trabalhos inscritos nos registros de diver-
da aos dilemas já enunciados – não pode ser necessa- sas disciplinas, com a clareza de que o seu objeto re-
riamente estendido a toda e qualquer análise do pen- quer um estudo interdisciplinar, não restrito neces-
samento social, nem tomado em termos absolutos. sariamente às matrizes sociológicas. A maestria com
Isso aceitando que falar em inscrição sociológica e que Maia faz uso dessas diversas contribuições é cen-
experiências sociais e intelectuais é uma opção que tral para a construção de seu argumento e torna difí-
atenua determinismos de contexto e de autoria, mas cil redigir críticas pautadas pelo desconhecimento de
não é uma solução formatada para aplicação e estu- autores ou pelo uso inadequado de tais referências.
dos de casos – pelo contrário, seu emprego pode ser Contudo, e mesmo que os pontos positivos desse
sinuoso, pois quais fontes devem ser utilizadas para arranjo superem uma ou outra defasagem, a densida-
caracterizar o ethos dos pensadores ou, mesmo, que de da trama do livro às vezes pode dificultar a com-
tipos de dados são suficientes para caracterizar essas preensão, principalmente por dois motivos. Em pri-
experiências que constituem os caminhos dados às meiro lugar, porque muitas vezes o sentido da narrati-
ideias dos autores? va não é evidente para o leitor, isto é, a concatenação
Mesmo no trabalho criterioso e muito bem in- de capítulos e problemas pode fugir à percepção do
formado de Maia, o leitor pode sentir falta de uma leitor que, como eu, se pergunta a função da análise
análise mais detalhada das tradições intelectuais e das dos escritos de Graça Aranha, Ronald de Carvalho e
redes de sociabilidade que envolvem os intelectuais dos simbolistas cariocas para o estudo dos textos de
do período, de forma a entender como os exemplos Euclides e Vicente Licínio, questão que só se torna
de Graça Aranha, Ronald de Carvalho e dos simbo- mais clara ao longo dos dois capítulos finais e, mais

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especificamente, na conclusão. Tal fato gera certa an- tensões com a tradição iberista – ambíguas para Gra-
siedade ao leitor que sabe estar sendo conduzido mas ça Aranha e Ronald de Carvalho.
não tem clareza da trajetória, dado que, especialmen- Contudo, a surpresa – ou o grande salto argu-
te, a pergunta central está diluída e não é explicitada mentativo do texto – encontra-se no desenvolvimento
no texto, o que permitiria a subordinação dos outros da ideia da “Rússia Americana”. Afirmando que a
questionamentos realizados ao longo dos capítulos. manipulação da categoria do espaço por esses pensa-
Esse traço não questiona a imponência da obra, ape- dores da Primeira República possibilitaria uma nova
nas pede paciência aos leitores mais inquietos. cartografia intelectual que aproximava o Brasil de
O segundo ponto refere-se a temas centrais à ar- outras sociedades periféricas, isto é, de organizações
gumentação e que só aparecem definidos após larga sociais cujo desenvolvimento não se pautou pelo pa-
utilização no texto. Isso não significa que não haja cla- drão europeu, Maia demonstra o quanto o principal
reza conceitual; pelo contrário, em muitos momentos eixo comparativo foi firmado diretamente com a ex-
Maia preocupa-se em definir conceitos como “socie- periência russa. No caso de Euclides, porque a Rússia
dades periféricas”, “força da terra” e “Rússia America- exemplificava o seu argumento da transfiguração da
na” – este último, pilar da conclusão do livro. O leitor barbárie, da ocupação de terras por meio de povos
tem que estar atento ao fato de que as ideias de ameri- que conseguissem adaptar-se lentamente aos desíg-
canismo e americanidade, largamente utilizadas ao nios da “força da terra”, problema que o padrão civi-
longo do trabalho, só encontram definição parcial no lizatório litorâneo não conseguia resolver. Já no caso
capítulo dedicado a Vicente Licínio, quando Maia de Vicente Licínio, porque a intelectualidade russa
discorre sobre o americanismo no pensamento lati- exprimia, segundo seu ponto de vista, os mesmos
no-americano. Isso, contudo, não erradica as ambi- problemas de marginalização e inadequação que Li-
guidades próprias a essas ideias, que são também asso- cínio estaria apresentando como engenheiro perifé-
ciadas às diversas propostas de modernização e que, rico e escritor, os quais possivelmente seriam soluci-
por sua vez, encontram sugestões de caminhos onados com o recurso a um americanismo fordista,
civilizatórios distintos na manipulação da categoria como bem aponta Maia.
da terra por Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Afinal, a nossa “Rússia Americana” serviria para
Euclides da Cunha e Vicente Licínio. resolver um problema que Maia entende como ful-
Essas pontuações ao texto de Maia, entretanto, cral para a nossa modernidade, colocado nas primei-
não obscurecem a importante contribuição que sua ras páginas de sua Apresentação: “Qual é o lugar do
tese de doutorado – hoje transformada neste livro – Brasil em um contexto internacional que parece rear-
adicionou às ciências sociais, especialmente à área de ranjar as tradicionais geografias que estruturavam a
estudos sobre textos e pensamento social brasileiro. divisão ‘centro-periferia’ e permitir a emergência da
Entender a terra como espaço simbólico e espaço de Rússia, da China e da Índia, para ficarmos apenas
invenção foi fundamental para desvelar as propostas em três regiões, até aqui bem pouco incorporadas ao
de modernização e civilização encontradas nos livros nosso campo de observação?” (p. 9).
e ensaios de Euclides e Vicente Licínio, e como tais Ao entendermos que essa Rússia Americana se
ideias poderiam estar associadas a uma vontade or- apresenta como uma matriz civilizatória alternativa
ganizadora proveniente da absorção do positivismo e não essencialista, isto é, não presa a uma narrativa
como código moral e da afeição que os autores de- ontológica da tradição e a códigos morais que a in-
monstravam por um americanismo propulsor de um formariam, a resposta não deixa de aparecer nas últi-
tipo de modernização que, para tanto, superava as mas páginas de sua Conclusão. Nesse ponto, Maia é

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direto e faz jus aos pensadores a que se reporta: “Na Antonio Sérgio A. Guimarães, Preconceito racial:
matriz construída a partir de uma sociologia da ter- modos, temas e tempos. São Paulo, Cortez, 2008,
ra, desenhada por dois peculiares engenheiros, esta- 144 pp.
ria uma pista para o reencontro do Brasil com uma
experiência intelectual e política que se abre para o Matheus Gato
mundo moderno e alarga o universo da imaginação Pós-graduando em Sociologia – USP
modernista. Este parece ser o caminho mais insti- e pesquisador da Fapesp
gante para articular a questão nacional e os dilemas Flavia Matheus Rios
da civilização contemporânea” (p. 206). Mestre em Sociologia – USP
Maia demonstra, assim, que o estudo do pensa-
mento social brasileiro não deve restringir-se a análi- A intuição de que o preconceito racial é o concei-
ses historicistas que circundam o autor em seu tem- to-chave para compreender as relações sociais entre
po. Recuperar os pensadores brasileiros é, portanto, grupos humanos classificados por cores básicas
uma maneira de aumentar a nossa capacidade de re- (branco, negro, vermelho, amarelo) nas sociedades
flexão sobre os questionamentos contemporâneos, modernas é um dos legados teóricos mais polêmicos
incorporando perspectivas, abordagens e propostas da sociologia do século XX. Ela aposta na existência
construídas em outro tempo, certamente, mas cujas de um conflito social explícito ou sutil estruturante
problemáticas parecem manter-se vivas em tempos na acumulação, produção e distribuição de recursos
modernos. materiais e simbólicos, cujo saldo são as desigualda-
Dadas as impressionantes contribuições teóricas des raciais.
e empíricas e a grande qualidade analítica do livro A Antonio Sérgio Guimarães é um dos cientistas
terra como invenção – resultado da primeira tese de brasileiros mais dedicados ao exame dessa problemá-
doutorado a ganhar o prêmio da prestigiosa editora tica1. As principais questões que orientam seu traba-
Jorge Zahar –, podemos esperar para o futuro im- lho há quase duas décadas são: como os denomina-
portantes contribuições de João Marcelo Maia para dos pretos, pardos, brancos, negros, mestiços, ama-
a compreensão do pensamento social brasileiro. relos etc., constituem-se em “raças sociais” no Brasil?
Quais evidências históricas e empíricas possibilitam
Notas pensar teoricamente a relação entre o discurso nativo
1. Hans Georg Gadamer, Verdade e método: traços fundamentais
sobre as “cores” e a discriminação racial? Em Precon-
de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, Vozes, 2003. ceito racial: modos, temas e tempos, ele enfrenta nova-
2. Quentin Skinner, As fundações do pensamento político moder- mente esse desafio. O autor pretende a um só tempo
no. São Paulo, Companhia das Letras, 1996. apresentar didaticamente o tema do preconceito ra-
3. Michel De Certeau, A escrita da história. Rio de Janeiro, Fo- cial ou de cor na agenda das pesquisas sociológicas,
rense Universitária, 1982. responder com sutileza as críticas que lhe foram fei-
4. Maria Alice Rezende de Carvalho, O quinto século: André tas nos últimos anos e estreitar o diálogo com os in-
Rebouças e a construção do Brasil. Rio de Janeiro, Revan, 1998.
telectuais negros e as organizações civis de combate
5. Luiz Werneck Vianna, A revolução passiva: iberismo e america- ao racismo.
nismo no Brasil. Rio de Janeiro, Revan, 2004.
Em sociedades em que “raças” e racismo nem sem-
pre foram evidentes para as ciências humanas, esse é
um percurso intelectual arriscado. Algumas críticas
têm sido frequentemente dirigidas às interpretações

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sociológicas de Guimarães. A primeira delas seria uma classificações de cor para representar grupos huma-
tendência em analisar categorias de cor como ele- nos é um fenômeno encontrado em diversas socie-
mentos que só fazem sentido tendo em vista a estru- dades ao longo da história, nem sempre referidas às
tura socioeconômica brasileira e as desigualdades ra- relações de poder. O problema sociológico apresen-
ciais aí manifestas. Problema enunciado pelos críti- ta-se na medida em que as cores se tornam critérios
cos como um “mal de escola”, uma consequência “naturais” de hierarquização das pessoas, por exem-
inerente à matriz estrutural-funcionalista que orien- plo quando a ideia de cor “branca” se torna uma fon-
ta os pesquisadores filiados ao paradigma sociológi- te simbólica de carisma grupal e alocação desigual de
co das relações raciais. Prejuízo este que estaria ma- recursos para os descendentes de europeus nas socie-
nifesto nos trabalhos do sociólogo baiano, seja pela dades pós-coloniais. Nas palavras do autor: “As teo-
pouca atenção dada à formação das identidades cul- rias raciais, ao surgirem no século XIX, já encontra-
turais, seja pelo tratamento funcionalista do discur- ram prontas as classificações de cor. Essas teorias ten-
so nativo sobre a cor, visto apenas como a “realidade taram sem grande sucesso, no Brasil e no mundo,
aparente” que vela a “realidade concreta” da existên- deslocar as categorias de cor, criando novos nomes,
cia das raças sociais2. pretensamente científicos: caucasiano, em vez de
Outra objeção apresentada aos trabalhos do au- branco; mongolóide, em vez de amarelo; negróide,
tor diz respeito a uma certa cumplicidade entre suas em vez de negro etc. No uso popular, todavia, prevale-
ideias e algumas das principais bandeiras que carac- ceu a antiga classificação de cor, acrescida do novo sig-
terizam o movimento negro contemporâneo: a cons- nificado racial” [grifos nossos] (p. 17). O problema
trução política de uma identidade cultural afro-bra- proposto por Guimarães começa justamente onde a
sileira em contraposição ao dogma de uma identida- crítica de Andreas Hofbauer termina: uma vez que a
de nacional mestiça; o uso de estratégias racialistas cor não é mera “função” da raça ou sua “realidade
para enfrentar as desigualdades sociais como ações aparente”, como delimitar o conteúdo racista imerso
afirmativas nas universidades; a crítica ao chamado no simbolismo das cores? Os capítulos segundo e
mito da democracia racial. terceiro de Preconceito racial demonstram como essa
Ao “tomar partido” pela reivindicação política questão tem embaraçado os analistas, sobretudo a
negra, Guimarães incorreria em algumas faltas gra- partir dos anos de 1950, quando o chamado ciclo de
ves: ignorar que muitos dos descendentes africanos pesquisas da Unesco inaugurou a agenda sociológica
mobilizam cotidianamente o ideário de uma cultura brasileira com o tema do preconceito de cor. Esse con-
mestiça para obter respeito e minimizar os efeitos do ceito sofria fissuras e interpretações variadas, fosse
racismo3; reabilitar o anacrônico conceito de raça; porque as fronteiras dos supostos “grupos raciais” do
não levar o mito da democracia racial a sério, no sen- país não lhes pareciam tão definidas, fosse devido à
tido antropológico do termo, e portanto ignorar seu inexistência na maioria da “população de cor” de um
componente utópico de uma sociedade colorida e sentimento de indignação traduzido em termos po-
sem raças, logo sem racismo4. Nesse sentido, nada lítico-raciais.
justifica uma eleição a priori do atual racialismo ne- Somente com a reemergência do movimento ne-
gro e sua linguagem étnica como via correta de com- gro ao cabo dos anos de 1970 impõe-se uma nova
bate às desigualdades sociais. agenda de pesquisa para a sociologia brasileira.
O mais novo livro de Guimarães não poderia ser “Quando um movimento social de amplitude inter-
indiferente a tantas críticas. De partida, aprendemos nacional (o MNU) pôs na ordem do dia as desigual-
que a cor não tem um significado estático. O uso de dades e discriminações raciais [...] nosso desafio pas-

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sou a ser outro [...] qual seja, como são definidas as uma categoria nativa norte-americana – para eviden-
fronteiras raciais no Brasil?” (p. 62). Esse fato social ciar o racismo.
esvaziou o sentido das investigações anteriores e tor- Essa abordagem de nítido viés estruturalista, ao
nou evidente a defasagem teórica nacional em maté- tornar a ideia de democracia racial um fato a-históri-
ria de relações raciais. A crítica ao “mito da democra- co6, a despeito de intentar uma crítica à importação
cia racial”, sintetizada por intelectuais negros como de categorias nativas norte-americanas ou à elucida-
Abdias Nascimento, Eduardo Oliveira Oliveira, ção do que é tipicamente brasileiro no racismo prati-
Beatriz Nascimento, Hamilton Cardoso, Lélia Gon- cado entre nós, em verdade não consegue ultrapassar
zález e muitos outros, inseriu no debate público a as fórmulas que deram “legitimidade intelectual às
concepção moderna de racismo, transformando a categorias nativas do passado” (p. 105). O relativo
“luta contra o preconceito de cor” em combate à dis- êxito de audiência desse modelo explicativo paira no
criminação racial. hiato entre interação social e reprodução ampliada
A contestação negra conectava-se dessa forma ao das desigualdades raciais. Isto é, a dificuldade de se ex-
novo conceito sociológico de racismo, que o redefi- plicar como a ação social de indivíduos particulares
niu menos em termos de doutrinas ideológicas e retroalimenta o conjunto das desigualdades raciais.
mais como o conjunto de fatores que produz a dis- A investigação dessa problemática é o programa
tribuição assimétrica das posições sociais entre ne- de pesquisa sugerido em Preconceito racial. Ele sus-
gros e brancos. Em Discriminação e desigualdades ra- cita o questionamento das fronteiras disciplinares
ciais no Brasil (1979), Carlos Hasenbalg aplicou essa que, em matéria de relações raciais, relegaram à an-
concepção já desenvolvida na sociologia norte-ame- tropologia os estudos de interação social, deixando a
ricana e demonstrou o impacto autônomo da variá- cargo da sociologia o problema das desigualdades.
vel discriminação como fator explicativo para desi- Essa separação resultou em prejuízos notáveis para
gualdades sociais entre negros e brancos no Brasil. a teoria sociológica e adquiriu contornos mais rígi-
Fato corroborado por diversas pesquisas posteriores dos com a politização da questão racial na esfera pú-
e expresso na reivindicação do movimento negro blica brasileira. Mais do que retorno a mitos, o livro
por ações afirmativas. instiga à construção de narrativas sociológicas den-
Nesse sentido, Guimarães considera que as polê- sas, capazes de reconectar indivíduo, sociabilidade e
micas atuais sobre o caráter das relações raciais no estrutura social: um horizonte de intervenção quali-
país e o revival antropológico do “mito da democra- ficada nos problemas que afligem negros e brancos
cia racial” assentam-se na recusa acadêmica e política brasileiros.
da concepção moderna de racismo. O mito, no sen- Afora o escrutínio das teias ideológicas que per-
tido antropológico do termo, enfatizaria que a cul- fazem o tema das relações raciais, a principal quali-
tura brasileira comporta uma afirmação ritualizada dade do livro é conciliar a complexidade do debate
dos princípios do não racialismo, mistura e liberta- acadêmico com a escrita acessível ao público em ge-
ção do indivíduo de qualquer determinação “racial”, ral. Excelente exercício de divulgação científica que,
“considerados fundamentais à constituição da ordem sem subestimar o leitor não especializado por meio
social. E, como todos os mitos e leis, não deixa de ser de reducionismos sociológicos, oferece um bom pa-
contrariado com uma frequência lamentável”5. A norama das questões mais candentes que envolvem
coexistência entre o ideal não racialista e a discrimi- o problema do preconceito racial em nosso país.
nação racial estaria assim explicada com o beneméri-
to de não recorrer à noção de raça – criticada como

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Notas
1. Entre os trabalhos mais importantes do autor, destacam-se
Racismo e anti-racismo no Brasil, São Paulo, Editora 34, 1999;
Classes, raças e democracia, São Paulo, Editora 34, 2002; Precon-
ceito e discriminação, São Paulo, Editora 34, 2004.

2. Ver Andreas Hofbauer, Uma história do branqueamento ou o


negro em questão, São Paulo, Unesp, 2006, pp. 415-416.

3. Ver Sérgio Costa e Denílson Luis Werlé, “Liberais, comunita-


ristas e as relações raciais no Brasil”, Novos Estudos Cebrap, n. 49,
1997, p. 177.

4. Em crítica à coletânea Tirando máscaras: ensaios sobre racismo


no Brasil, organizada por Antonio Sérgio Guimarães e Lynn
Huntley, o antropólogo Peter Fry afirmou: “Eles continuam pen-
sando que os arranjos de ‘mistura’ e ‘democracia racial’ apenas
escondem uma ‘realidade’ que fica muito próxima à ‘realidade’
racial dos Estados Unidos da América. [...] Os ideais do não ra-
cialismo e da libertação do indivíduo de qualquer determinação
‘racial’, que no Brasil se tornaram ideologia oficial por muitos
anos e que informam a visão de muitos brasileiros até hoje, são
valores cada vez mais raros no mundo contemporâneo. Contra
as obsessões étnicas e raciais que têm produzido os mais terríveis
conflitos e a maior mortandade humana da história recente, vale
a pena levar esses ideais a sério“ (Neide Esterci, Peter Fry e Mirian
Goldenberg [orgs.], Fazendo antropologia no Brasil, Rio de Janei-
ro, DP&A, pp. 52-53).

5. Neide Esterci, Peter Fry e Mirian Goldenberg, op. cit.

6. Para o autor, a sociologia não pode prescindir de uma história


crítica de seus conceitos. Ver “Democracia racial: o ideal, o pacto
e o mito”, in A. S. A. Guimarães, Classes, raças e democracia, São
Paulo, Editora 34, 2002.

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