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REDES INTELECTUAIS E CAMPO ECONÔMICO NO ESTADO NOVO: UM ESTUDO SOBRE VALENTIM BOUÇAS

E A REVISTA O OBSERVADOR ECONÔMICO E FINANCEIRO (1936-1945)

CORRÊA, Maria Letícia


Universidade do Estado do Rio de Janeiro
leticiacorrea@globo.com

Esta comunicação tem por objetivo abordar a problemática da conformação do campo intelectual brasileiro no período
da ditadura do Estado Novo (1937-1945), a partir do estudo das redes intelectuais associadas a uma determinada
revista mensal, O Observador econômico e financeiro , que foi editada no Rio de Janeiro a partir de 1936, e também ao
economista e empresário Valentim Bouças, seu proprietário e editor 1. Temos em vista a análise de textos selecionados
do periódico e da formação de uma rede de colaboradores que incluiu escritores de renome no período e expoentes do
pensamento social brasileiro, além de historiadores, engenheiros, militares e jornalistas profissionais.
Nossa compreensão baseia-se na proposição metodológica referida ao campo intelectual e ao campo econômico,
enunciada por Pierre Bourdieu (2005). Torna-se preciso considerar também que foi a partir de debates como aquele do
qual participou a revista O Observador econômico e financeiro que ganhou força no Brasil a ideologia
desenvolvimentista, representada por técnicos do governo brasileiro envolvidos na questão da promoção da
industrialização, a qual, segundo Pedro Dutra Fonseca (2012), tomou a forma de um projeto tendo por epicentro das
ações de governo e da política econômica o desenvolvimento econômico, orientando o reordenamento legislativo do país
e a criação novos órgãos e instituições. A ideologia desenvolvimentista seria aquela, portanto, voltada à superação do
subdesenvolvimento por meio da industrialização apoiada pelo Estado, como proposto pelo economista Ricardo
Bielschowsky (1995), apropriando-se seus autores, para tal, de forma quase sempre pragmática, de textos de teoria
econômica.
Sigo no trabalho a hipótese de que, mesmo que sob o quadro coercitivo e restritivo imposto pela ditadura de Getúlio
Vargas, os veículos da imprensa especializada na área econômica e em especial a revista O Observador econômico e
financeiro lograram configurar-se – vale assinalar, de forma semelhante ao que ocorria nos conselhos técnicos e de
formato corporativo criados pelo governo – como espaços de afirmação da categoria intelectual do economista como
aquela responsável pelo enunciado do discurso técnico e pela formulação de políticas de desenvolvimento, e também,
como não podia deixar de ser, como espaço das lutas de interesses e representação que conformavam o campo
econômico.
Tendo em conta os pressupostos acima apresentados, a análise desenvolvida na comunicação desdobra-se, em primeiro
lugar, na consideração acerca das relações entre intelectuais, imprensa e política sob a ditadura do Estado Novo; em
seguida, pela apresentação de considerações acerca da conformação de um campo de debates sobre temas econômicos
no Brasil, depois de 1930, do qual tomariam parte economistas, políticos profissionais, engenheiros, militares e
jornalistas, no momento mesmo em que surgiam os primeiros cursos universitários voltados à formação de economistas
no país; e, por fim, a uma apresentação do projeto editorial da revista e da consideração acerca da formação de uma
rede de intelectuais em torno de seus editores.

Intelectuais e imprensa sob a ditadura do Estado Novo no Brasil (1937-1945)

Um primeiro passo na pesquisa referiu-se à consideração das relações entre intelectuais, imprensa e política sob a
ditadura do Estado Novo, a partir, inicialmente, de uma releitura de bibliografia secundária sobre o tema.
As relações entre intelectuais e política na ditadura do Estado Novo foram objeto de estudos importantes, que
assinalaram, entre outros aspectos, a montagem do aparato institucional representado pelo Ministério da Educação e
Saúde, que fora criado por Getúlio Vargas em 1930, logo após sua chegada ao poder, com a chamada “Revolução de
1930” (Schwartzman et. al., 1984); a contribuição dos intelectuais ao enunciado da ideologia autoritária que serviu à
justificação do regime, em função de sua participação na publicação dos periódicos da grande imprensa e nos órgãos
oficiais de elaboração e divulgação (Velloso, 1982; Gomes, 1994; Codato e Guandalini Júnior, 2003; Luca, 2006); e a
colaboração dos intelectuais nas ações e políticas voltadas à “invenção” do patrimônio histórico nacional, à delimitação
dos estudos do folclore e à releitura do passado, pela conformação de uma cultura histórica, elaborada e veiculada nas
mesmas publicações que apresentava o governo de Vargas como que marcado pelo “novo” que deu nome ao próprio
regime (Gomes, 1994). Tais estudos ofereceram uma detalhada caracterização do campo intelectual nos anos 1930 e
1940, imbricado à política oficial.
Tais estudos tomaram por objeto, prioritariamente, os órgãos de difusão oficiais recém-criados ou aqueles que,
anteriormente existentes, haviam sido encampados e incorporados 2 por meio do Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP) durante o Estado Novo. Tratava-se, nesse caso, de um conjunto de revistas, mas também do rádio,
dos jornais e do cinema e das diversas instituições responsáveis pelas ações de subsídio à produção cultural, apoiadas
pelo Estado.
Como não poderia deixar de ser, tais análises ressaltaram o caráter oficial da atuação dos intelectuais no pós 1930, o
que pode ser plenamente justificado se temos em vista a continuidade do processo de expansão do Estado nacional e
ainda a quase equivalência, no período da ditadura de Vargas, entre a conformação de uma esfera de atuação estatal e
1
A comunicação apresenta resultados parciais de projeto de pesquisa contemplado com o Edital Jovem Cientista do Nosso Estado da
Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) no ano de 2012.
2
O governo de Getúlio Vargas encampou os jornais A Manhã, do Rio de Janeiro, e A Noite, de São Paulo, e interveio no jornal O Estado
de S. Paulo. Encampou, também, a Rádio Nacional (Luca, 2006).
a do mercado de bens simbólicos e culturais. Como problemática necessária dessas análises, emergiu, portanto, a
questão da integração e/ou da cooptação dos intelectuais naquele novo mercado de trabalho que correspondeu aos
numerosos postos criados nos numerosos órgãos públicos e nas comissões ad hoc, em razão da crescente
complexificação das atividades de regulamentação da vida econômica, social e cultural, que ganhou impulso após o
golpe de Estado, em novembro de 1937 (Miceli, 2001). Segundo esse autor, registrou-se então a ocorrência quase
simultânea, por um lado, dos processos de consolidação do mercado de editoras e escritores profissionais e, por outro,
da multiplicação dos mecanismos e espaços de consagração intelectual, os quais permaneceriam, no entanto, atrelados
ao Estado e/ou dependentes da esfera estatal. Para Miceli, essa característica indicava uma das diferenças notáveis
entre a caracterização do campo intelectual sob Vargas e o período da Primeira República (1889-1930), ou o da
chamada “geração de 1870” (Miceli, 2001).
Em 1939, foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), como órgão vinculado diretamente à presidência
da República, que passou a centralizar a produção e a divulgação de um “discurso destinado a construir certa imagem
do regime, das instituições e do chefe do governo, identificando-os com o país e o povo” (Capelato, 1999). O exercício
dessa função dava-se por meio da produção de um amplo e diversificado conjunto de materiais como livros, revistas,
folhetos, cartazes, programas de rádio, fotografias, cinejornais, documentários cinematográficos e filmes de ficção,
mantendo-se, no entanto, a imprensa e o rádio como os meios mais utilizados para a divulgação da propaganda política.
No período da ditadura varguista, a configuração do campo do jornalismo manteve proximidade com a esfera do poder,
refletindo a complexidade das relações políticas existentes após 1930. Marialva Barbosa notou o alinhamento dos
proprietários e dirigentes dos principais órgãos de imprensa com o novo regime, ressaltando que, ainda que tenha
havido encampação de periódicos e perseguição de alguns jornais, houve “mais proximidades, acordos e relações
conjuntas entre os homens do governo e os homens de imprensa do que divergências” (2007, p. 103). A partir de 1940,
jornais e revistas que buscaram manter certa independência deixaram de obter o registro no DIP – que controlava
também os registros dos jornalistas -, tendo cassadas suas licenças. Segundo Tania de Luca (2006), estima-se que
deixaram então de circular, por não terem conseguido obter registro obrigatório no DIP, cerca de 30% dos jornais e
revistas então existentes no país. Para Barbosa, “[com] esse esquema, a propaganda oficial não só alcançou um nível de
produção e organização sem precedentes no país, como também passou a se responsabilizar pela defesa da unidade
nacional e a manutenção da ordem” (2007, p. 103).
Maria Helena Capelato, em trabalho pioneiro sobre o tema, assinalou ainda que, além das pressões oficiais, a cooptação
dos jornalistas era justificada “pela concordância de setores da imprensa com a política do governo”. Dessa forma, “a
política conciliatória de Getúlio Vargas, aliada à ‘troca de favores’, surtiu efeito entre os ‘homens de imprensa’” (1999, p.
175). As adesões de dirigentes e jornalistas eram reforçadas ainda por questões como a dependência das empresas para
com o governo para obtenção das isenções para importação de papel de imprensa, e pela necessidade de atender à
determinação para a publicação de textos e notícias produzidos diretamente pela Agência Nacional, mantendo o DIP, em
todo o período, uma função de vigilância da produção discursiva dos jornais, estabelecendo-se uma relação entre
censura e propaganda. Da mesma forma, os discursos de Vargas e dos ministros, proferidos nas diversas solenidades,
passavam a constituir material básico da propaganda veiculada nos jornais, nas rádios e no cinema. Nessa concepção, a
divulgação das atividades do presidente e dos auxiliares tinha por objetivo oferecer modelos de virtudes a serem
seguidos pelos cidadãos. As atividades de controle, se por um lado impediam a divulgação de determinados assuntos,
terminavam por impor certos temas aos jornais (Barbosa, 2007).
Caberia lembrar, nesse aspecto, também, que a Constituição de 1937, outorgada por Vargas quando do golpe de Estado
que inaugurou a ditadura, subordinou a atividade de imprensa ao poder público (artigo 122, inciso 15, estabelecendo
que “a imprensa exerce uma função de caráter público”), o que traduzia, por certo, uma das mais importantes marcas
da configuração do campo jornalístico no período do Estado Novo. Como assinalado por Capelato:
A separação entre esfera pública e privada, preconizada pelo liberalismo, era contraditada pelos ideólogos antiliberais
defensores da absorção do privado pelo público. Essa concepção pressupunha o Estado como Suma Ratio da sociedade civil e
como tal retirava a liberdade de ação dos intermediários entre o governo e o povo. Assim, o jornalismo transformou-se numa
força coordenada pelo Estado (Capelato, 1999, p. 174).

Tal proposição com certeza precisa ser levada em conta nos estudos tendo por objeto, como este, os periódicos
desvinculados da política oficial sob a ditadura de Vargas.
Retomo, ainda, por oferecerem considerações necessárias à abordagem aqui desenvolvida, na linha de intepretações
sobre as relações entre o Estado e a imprensa no Estado Novo, dois conhecidos estudos sobre a revista oficial Cultura
Política3, realizados, respectivamente, por Mônica Pimenta Velloso (1982) e por Adriano Nervo Codato e Walter
Guandalini Júnior (2003), e que permitem confirmar algumas das características aqui apontadas.
Para Mônica Pimenta Velloso, a dimensão ideológica adquiriu peso fundamental no projeto político estado-novista,
constituindo-se em “uma doutrina de ‘obrigação política’ para a sociedade civil” (Velloso, 1982, p. 71). Segundo a
autora, uma das preocupações principais do regime estava relacionada com a construção de uma estratégia político-
ideológica de legitimação frente à “opinião pública”, ainda que isso não autorizasse o entendimento de que o governo
3
A Cultura Política: Revista Mensal de Estudos Brasileiros foi um periódico oficial, vinculado ao Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), e circulou desde março de 1941 até outubro de 1945. Apresentava o relato das realizações do governo e resenhas
de publicações sobre Getúlio Vargas e o Estado Novo, buscando-se, em seus textos, oferecer uma explicação das transformações por
que então passava o país. Foi dirigida pelo jornalista Almir de Andrade e editou textos de autores que podem ser considerados como os
principais ideólogos do regime do Estado Novo, como o advogado e jurista Francisco Campos (1891-1968), o jornalista Azevedo Amaral
(ver nota seguinte) e o poeta e ensaísta Cassiano Ricardo (1895-1974), entre outros. A revista era vendida em bancas de jornal nas
cidades do Rio de Janeiro e São Paulo (Velloso, 1982).
2
tivesse se instaurado a partir de um “consenso no conjunto da sociedade”. As formas de integração e cidadania, a partir
do Estado, visavam dessa forma ao consenso ativo e também passivo (na acepção gramsciana) dos cidadãos, não
estando excluídas, portanto, a coerção e a marginalidade.
Nesse contexto, o setor mais eficiente do projeto do DIP teria sido justamente a imprensa, voltada ao mesmo tempo
para a censura e a propaganda oficial. Para intelectuais como Azevedo Amaral 4, no entanto, crítico da completa
subordinação da imprensa à função oficial, deveria ser reservado à elite intelectual o direito de “expor seus pontos de
vista”, colaborando sempre para o engrandecimento do Estado. Conforme assinalado por Velloso, na concepção do autor
o papel da elite intelectual deveria ser o de reforçar o poder público, dispondo apenas este último “de recursos de
informação e de conhecimento das questões atinentes aos interesses nacionais para poder apreciar se a divulgação de
uma noticia é ou não conveniente" (Amaral apud Velloso, 1982, p. 73). Apresenta-se, portanto, em Amaral, o enunciado
da reivindicação da presença ao mesmo tempo dos intelectuais e da elite intelectual na elaboração do projeto ideológico
do regime estado-novista. A produção e a difusão desse discurso estariam a cargo da imprensa escrita, como lugar de
elaboração, o que não diminui a importância dos demais meios de comunicação, como o rádio, o cinema e o teatro. Daí
o destaque do governo à produção de periódicos como a Cultura Polícia, a Ciência Política5, Estudos e conferências,
Brasil Novo e Planalto, voltadas a tais tarefas.
Mônica Pimenta Velloso nota, portanto, em seu trabalho, uma espécie de divisão do trabalho no processo de elaboração
ideológica relativo à doutrina estado-novista, cabendo, por um lado, à elite intelectual, “a produção e a manipulação das
representações que conformam o discurso estado-novista” e, por outro, aos intelectuais de “menor projeção” as tarefas
práticas da propaganda, estabelecendo-se uma complementaridade entre “ideólogos” e "militantes". Dessa forma, “[o]
quadro dos intelectuais que colaboraram nas diferentes revistas, o tom do seu discurso, o público a que se dirigem
permitem estabelecer uma verdadeira divisão do trabalho intelectual” (Velloso, 1982, p. 78).
Também no estudo de Adriano Codato e Walter Guandalini Júnior (2003) ganha centralidade para a compreensão do
panorama ideológico e cultural do Estado Novo a análise dos intelectuais e dos órgãos de difusão da doutrina do
governo a um público heterogêneo. Os autores propõem uma metodologia para o exame das relações entre “política” e
“cultura” no autoritarismo que – e, como veremos, da mesma forma que para Mônica Velloso –, pressupõe certa “divisão
do trabalho intelectual”, abarcando aspectos como a compreensão da heterogeneidade das diferentes agências do
Estado voltadas à tarefa de produzir “uma mentalidade pró-regime”, a consideração dos diversos "tipos" de intelectuais,
a análise do "discurso ideológico" propriamente dito, as instâncias de veiculação e o tipo de público ao qual esse
discurso ideológico era endereçado (Codato e Guandalini Júnior, 2003, p. 146).
São tais aspectos que consideraremos igualmente necessários para a pesquisa da imprensa especializada em temas
econômicos, desvinculada dos órgãos oficiais, e em especial em nossa análise do projeto editorial da revista mensal O
Observador econômico e financeiro , a qual manteve estreito diálogo com os quadros políticos e técnicos que
compunham os órgãos de elaboração de políticas públicas sob a ditadura varguista.

Intelectuais e campo econômico na ditadura do Estado Novo


Os estudos que se voltaram ao entendimento do processo de ampliação do Estado nacional sob o governo de Getúlio
Vargas, a partir de 1930, conferiram centralidade ao objetivo de dar conta dos caminhos percorridos pela
industrialização e pela modernização econômica.
Uma contribuição importante para o debate teórico brasileiro, mas também latino americano, sobre os processos de
modernização, emergiu precisamente da identificação de um “segundo paradigma” ou “via tardia” de industrialização e
modernização conservadora ou autoritária – semelhante ao que Friedrich Engels e Vladimir I. Lenin tinham identificado
para a Alemanha do século XIX como via “pelo alto” ou “prussiana”, o qual reuniria burguesias “frágeis” e
internacionalizadas a burocracias estatais fortes e militarizadas, num quadro caracterizado pela economia rural e de lenta
mercantilização e pela repressão de mão-de-obra, tendo a industrialização acelerada servido concomitantemente aos
interesses militares e da potência estatal (Fiori, 1999, p. 29).
No Brasil, a tendência à formação de uma burocracia técnica, integrada por engenheiros, economistas e oficiais
militares, relacionou-se, portanto, à elaboração do projeto de industrialização, tomando as análises quase sempre como
ponto de partida o primeiro governo de Vargas, tido como um marco no processo de constituição e organização de
agências especializadas nos setores de petróleo, comércio exterior e siderurgia (Martins, 1976; Diniz, 1978; Draibe,
1985; Loureiro, 1997). Nesse contexto, órgãos como o Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE), instituída em
1934, o Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF), de 1937, o Departamento Administrativo do Serviço Público
(Dasp), de 1938, a Coordenação de Mobilização Econômica, de 1942, o Conselho Nacional de Política Industrial e
Comercial (CBPIC) e a Comissão de Planejamento Econômico, de 1944, lançaram a carreira de técnicos de destaque,
principalmente economistas, engenheiros e oficiais militares, que atuaram no debate e na elaboração de propostas

4
Antônio José de Azevedo Amaral (Rio de Janeiro, 1881-1942) formou-se em medicina e atuou principalmente no jornalismo político.
Pode ser considerado com um dos principais ideólogos da ditadura de Getúlio Vargas, pautando-se suas obras pela crítica ao liberalismo
e às instituições parlamentares e pela afirmação de posições autoritárias, corporativistas e antissemitas. Dentre seus principais textos,
destacam-se os livros O Brasil na crise atual, de 1934, O Estado autoritário e a realidade nacional (1938) e Getúlio Vargas, estadista
(1941) (Chaves, 2010).
5
A revista Ciência Política  era publicada pelo Instituto Nacional de Ciência Política, órgão filiado ao Departamento de Imprensa e
Propaganda, e circulou entre 1940 e 1945. Tinha por meta difundir os fundamentos do Estado Novo por meio de linguagem acessível
do que aquela empregada na Cultura Política. Teve por diretores Paulo Filho e Pedro Vergara. Juntamente com a Cultura Política,
portanto, voltava-se para a difusão de uma concepção de política antiliberal, entendida como orientação e tutela da sociedade, a partir
da incorporação de resgate de valores morais humanistas e cristãos (Velloso, 1982).
3
visando ao equacionamento dos problemas do desenvolvimento econômico brasileiro. Por esse motivo, a atuação dessas
categorias de intelectuais foi associada à apresentação das diferentes alternativas para o desenvolvimento, tendo sido
notada a ampliação de seu campo de atuação em função de sua participação em setores como obras públicas e nas
empresas estatais, da expansão do mercado interno e da industrialização (Dias, 1994).
Apesar do caráter descentralizado das iniciativas de intervenção econômica no período desde o advento do primeiro
governo de Vargas, em 1930, até meados dos anos 1950, quando o presidente Vargas retornaria ao poder pela via das
eleições, que acarretou a multiplicação de ações de planejamento, levou a que um grupo bastante concentrado de
“técnicos”, principalmente engenheiros e economistas, terminassem por consolidar a experiência comum necessária para
a elaboração de uma abordagem mais completa do conjunto dos problemas que afetavam o desenvolvimento econômico
do país, em função mesmo das oportunidades de participação em órgãos como os acima mencionados. Nesse sentido, o
entendimento que empregamos no trabalho, acerca da atuação dos intelectuais voltados à elaboração das políticas
públicas de desenvolvimento, ancora-se na proposição teórica de Pierre Bourdieu referida ao campo econômico em sua
relação com o Estado6.
Para a cientista política Lourdes Sola, foi a partir da constituição da Missão Cooke (1942), iniciativa que integrou técnicos
brasileiros e norte-americanos em atividades conjuntos de estudo e planejamento econômico – portanto ainda no
período da ditadura do Estado Novo –, que se consolidou no Brasil o processo segundo o qual o saber e a experiência
técnica foram sendo gradualmente acumulados pelos profissionais envolvidos nesse tipo de iniciativa, conferindo-lhes
uma consciência mais apurada e realista acerca dos fatores que restringiam o desenvolvimento brasileiro (Sola, 1998, p.
80-81). De outra parte, a presença dos técnicos brasileiros nas missões de colaboração enviadas pelo governo norte-
americano ao país conformou o processo de expansão das burocracias às restrições e condições impostas pelas relações
externas no quadro da Guerra Fria (Fico, 2000; Tilly, 1996).
O levantamento dos quadros técnicos e intelectuais que integraram as iniciativas voltadas às questões relacionadas ao
desenvolvimento no período após 1930, no âmbito de órgãos reguladores e de missões de colaboração mistas – dentre
os quais se destacavam nomes com os do empresário Valentim Bouças, dos economistas Otávio Gouveia de Bulhões 7 e
Rômulo de Almeida8 e do engenheiro Ari Frederico Torres9 que, vale assinalar, atuaram como colaboradores de O
Observador Econômico e Financeiro, sendo o primeiro seu proprietário e editor – sugere que o recrutamento para tais
funções dava-se no âmbito de um grupo bastante concentrado de técnicos que compartilhavam, já naquela etapa, de
experiência consolidada nos setores público e privado. Tudo isso viria a reforçar ainda mais a tendência ao
fortalecimento e à centralidade do seu papel enquanto formuladores das políticas de desenvolvimento e industrialização
(Corrêa, 2008) e como elaboradores e difusores da ideologia desenvolvimentista 10.
Importa assinalar que o processo pelo qual se deu a crescente participação de técnicos, como economistas, engenheiros
e oficiais militares, nas diversas iniciativas de planejamento e nos órgãos reguladores do Estado nacional, foi
acompanhado pela consolidação de um importante campo de debates de ideias econômicas, que tomou corpo com a
criação de revistas especializadas e também pela valorização da profissão e da categoria intelectual do economista. Foi
no Estado Novo, nesse contexto, que se deu a elaboração do programa único obrigatório para o ensino superior na área
de Ciências Econômicas, o qual veio a ser formulado por Eugênio Gudin, que era engenheiro de formação 11. A Faculdade
Nacional de Ciências Econômicas foi criada em 1945, sediada no Rio de Janeiro, ainda na gestão do ministro da
Educação Gustavo Capanema, com base no projeto de decreto preparado por Gudin. No ano seguinte, já após a

6
Segundo Bourdieu (2005, p. 39-40): “Entre todas as trocas com o exterior do campo, as mais importantes são as que se estabelecem
com o Estado. A competição entre as empresas assume frequentemente a forma de uma competição pelo poder sobre o poder do
Estado – notadamente, sobre o poder de regulamentação e sobre os direitos de propriedade - e pelas vantagens asseguradas pelas
diferentes intervenções do Estado, tarifas preferenciais, regulamentos, créditos para pesquisa-desenvolvimento, compras públicas de
equipamento, ajudas para criação de emprego, inovação, modernização, exportação, habitação etc.."
7
O economista Otávio Gouveia de Bulhões (Rio de Janeiro, 1906-1990) era formado em Direito e tinha cursado uma especialização em
Economia nos Estados Unidos. Em 1939, assumiu a chefia na seção de Estudos Econômicos e Financeiros do Ministério da Fazenda.
Representou o Brasil em missões no exterior, integrou o Conselho Nacional de Economia e foi ministro da Fazendo no governo do
presidente Castelo Branco (1964-1967), já na ditadura militar (Benjamin e Keller, 2010).
8
Rômulo Barreto de Almeida (Salvador, 1914 - Belo Horizonte, 1988) era formado também em Direito, vindo a se dedicar à área de
Economia, na qual exerceu o magistério. Chefiou a assessoria econômica da presidência da República no segundo governo de Getúlio
Vargas (1951-1954) (Carneiro, 2010).
9
O engenheiro civil Ari Frederico Torres (Porto Alegre, 1900 – São Paulo, 1973) dirigiu o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São
Paulo e foi o primeiro presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, criado por Vargas em 1952 (Paula e Lattman-
Weltman, 2010).
10
Poderiam ser ainda citados, como participantes dessas iniciativas, Mário Bittencourt Sampaio (engenheiro), Aníbal Alves Bastos
(engenheiro), Glycon de Paiva Teixeira (engenheiro), Roberto de Oliveira Campos (economista), Lucas Lopes (engenheiro) e Mário
Poppe de Figueiredo (militar), entre outros nomes (Corrêa, 2008).
11
Segundo Maria Rita Loureiro (1992), os primeiros estudos na área de economia no Brasil, correspondendo aos “primórdios da ciência
econômica do país”, teriam sido elaborados por “figuras de extração social elevada, tais como engenheiros com carreira na direção de
empresas privadas ligadas à construção de obras públicas, como [Luiz Rafael] Vieira Souto, Eugênio Gudin e Roberto Simonsen, que
começaram a se interessar por essa disciplina no bojo de suas atividades profissionais ". Nos exemplos de Gudin e Simonsen, vindo
inclusive a integrar, após 1930, as diversas comissões e conselhos técnicos organizados para estudar e equacionar os problemas
econômicos e financeiros do país. A autora destaca sua formação como autodidatas, na área de economia, a qual foi determinada por
razões de ordem prática e em função do seu envolvimento na gestão de negócios públicos. Uma resenha do percurso de formação do
campo das ciências econômicas no Brasil pode ser consultada no trabalho de Loureiro (1992). Ver também Gomes (1996) e Borges
(1998).
4
redemocratização, foram criadas as Faculdades de Ciências Econômicas da Universidade de São Paulo e da Universidade
de Minas Gerais (Loureiro, 1992).
No período da ditadura do Estado Novo, o debate sobre os temas econômicos utilizou-se de importantes veículos de
expressão, conforme apontado por Ricardo Bielschowsky (1995), o que incluía não apenas a grande imprensa e as
revistas especializadas, mas também as diversas manifestações coletivas que foram divulgadas por ocasião dos
encontros promovidos por associações de classe e profissionais de empresários e industriais, como o Primeiro Congresso
de Economia, realizado em 1943, e o Primeiro Congresso Brasileiro da Indústria e a I Conferência Nacional das Classes
Produtoras, ambos em 1945. Foi nesse período também que se constituíram assessorias técnicas e equipes de estudos
econômicos em diversas entidades governamentais e nas associações de classe, o que manifestava a preocupação
desses órgãos em oferecer um “padrão técnico” às análises econômicas, com o que se buscava garantir um suporte
teórico às mesmas análises e o enfrentamento de problemas técnicos como aqueles relacionados, por exemplo, à
elaboração e à utilização de estatísticas. Desde o início da década de 1930, editavam-se nos diversos órgãos da grande
imprensa inúmeros artigos e conferências que revelavam o interesse crescente pelo debate dos assuntos econômicos.
Na área de publicações especializadas, registrava-se então, em circulação, um já importante conjunto de revistas como
O Economista: revista mensal de economia, finanças, comércio e indústria , que fora criado em 1921, e a Revista
Bancária Brasileira, de 1933.
Após o surgimento de O Observador Econômico e Financeiro, em fevereiro de 1936, podem ser citadas a Digesto
Econômico, editada a partir de 1944 pela Associação Comercial e pela Federação Comercial de São Paulo, a qual
apresentava uma orientação marcadamente liberal. Após o Estado Novo, vieram à luz o Mês Econômico e Financeiro,
criado em 1947, que contava com a colaboração permanente de economistas associados a posições nacionalistas no
debate econômico, como Jesus Soares Pereira 12, Américo Barbosa de Oliveira e Aristóteles Moura. No mesmo ano, teve
início a publicação da Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas13, revista que foi dirigida, até 1952, por
Américo Barbosa de Oliveira e Tomaz Accioly Borges e a partir desse ano pela ala da Fundação liderada por Eugênio
Gudin e Octávio Gouveia de Bulhões, que editavam a Revista Brasileira de Economia, da mesma instituição. No pós
Guerra, a Conjuntura Econômica especializou-se na edição de estudos de natureza acadêmica e logo publicou textos
importantes de autoria de economistas como Raul Prebisch, Hans Singer, Jacob Viner e Antonio Dias Leite. Em 1950, o
Departamento Econômico da Confederação Nacional da Indústria lançou seu próprio veículo, a revista Estudos
Econômicos, que foi editada somente até 1954 e publicou textos de Rômulo de Almeida e autores ligados à Comissão
Econômica para a América Latina (Cepal).
De modo geral, segundo Bielschowsky (1995), os artigos veiculados nessas revistas revelavam a percepção, por parte
dos economistas e demais quadros técnicos, de que havia em curso no país uma profunda transformação econômica,
pela via da industrialização, que passava a ser considerava como condição essencial à superação da pobreza do país.
Esse entendimento poderia ser notado mesmo nos órgãos associados a posições conservadoras ou não vinculados a
posições nacionalistas, como era o caso do próprio Observador Econômico e Financeiro , como veremos adiante. Tais
periódicos repercutiam, também, as declarações coletivas de princípios sobre economia brasileira que marcaram o
debate político dos anos finais do Estado Novo e acompanharam o processo de redemocratização, após a ditadura de
Vargas, e a constitucionalização, em 1946.

Projeto editorial e redes intelectuais em O Observador Econômico e Financeiro


Ao tomar por objeto um periódico que não integrava o sistema oficial de difusão do Estado Novo – a revista mensal O
Observador Econômico e Financeiro , publicada por iniciativa do economista e empresário paulista Valentim Bouças –
busco examinar aspectos pouco visitados nos estudos sobre as relações entre intelectuais, imprensa e política no Estado
Novo, segundo o pressuposto de que, mesmo sob o quadro coercitivo e restritivo determinado pela atuação do
Departamento de Imprensa e Propaganda, os diversos veículos expressavam, ainda, modalidades de representação e
organização de interesses a partir da sociedade civil. Considero aqui, portanto, que a imprensa especializada, da mesma
forma que os conselhos e órgãos de formato corporativo criados pelo regime, manteve, sob a ditadura, seu papel como
espaço das lutas de interesses e representação de classe.

12
Jesus Soares Pereira (Assaré, CE, 1910 – Petrópolis, 1974) fez carreira no serviço público, no Ministério da Agricultura e em órgãos
técnicos e integrou a assessoria econômica da presidência da República no segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), sendo-lhe
atribuída a elaboração do projeto de criação da Petrobrás (Calicchio, 2010).
13
A Fundação Getúlio Vargas foi criada no Rio de Janeiro em 1944, tendo por objetivo inicial formar e qualificar pessoal para a
administração pública brasileira.
5
Fundado em fevereiro de 1936 por Valentim Bouças14, O Observador Econômico e Financeiro, como periódico
especializado, veio somar nova contribuição ao debate iniciado por alguns periódicos precursores, voltados à área
econômica, com os já citados O Economista e Revista Bancária Brasileira.
O Observador econômico e financeiro inspirava-se nos moldes da revista Fortune, norte-americana, e teve por editor,
entre 1936 e 1940, o jornalista Olímpio Guilherme, que foi presidente do Conselho Nacional de Imprensa e também um
dos diretores do DIP (Mendonça, 2005). Desde o início de sua publicação, seu projeto editorial foi definido por um perfil
essencialmente profissional, o que justificou a contratação de jornalistas como Omer Monte Alegre e Carlos Lacerda,
este ainda em início de carreira. Cada edição contava obrigatoriamente com as “notas editoriais” – tratava-se de textos
de apresentação do conteúdo do número e de manifestação e defesa de ideias dos editores –, artigos e reportagens
assinadas de colaboradores permanentes e eventuais, além de seções mais ou menos fixas, sem assinatura, intituladas
“Observações econômicas”, “Observações financeiras”, “Produtos e Mercados”, “Leis e Atos Econômicos”, “Bancos e
Moedas” e “Bolsas e Títulos”. Os textos continham ilustrações (fotografias, desenhos e gráficos) e eram intercalados por
anúncios (de empresas estrangeiras como Johan Faber e Standard Oil, e de nacionais, como a Rádio Tupi), podendo
alcançar, cada edição, nos anos do Estado Novo, cerca de duzentas páginas. Não se adotava, portanto, estritamente, o
modelo das revistas oficiais ou daquelas de perfil mais propriamente acadêmico que surgiriam nos anos finais do Estado
Novo.
Um exemplo desse projeto editorial pode ser depreendido da reprodução abaixo da página 6, contendo o sumário, da
edição de dezembro de 1937, a primeira após o golpe de Estado que instaurou a ditadura de Vargas (Figura 1, na
próxima página). Note-se, nesse sentido, a transcrição, imposta à revista, do texto da Constituição outorgada com a
instauração do novo regime.
O que importa destacar, para o período do Estado Novo, foi que Valentim Bouças logrou reunir na revista um corpo de
colaboradores que, repercutindo a composição heterogênea dos intelectuais que colaboravam com o governo de Vargas,
expressava ao mesmo tempo as clivagens existentes no campo intelectual. Os colaboradores abarcavam dessa forma
desde nomes afinados ao pensamento autoritário, ao corporativismo e ao integralismo até autores que expressavam
posições liberais e à esquerda, como alguns antigos integrantes da Aliança Nacional Libertadora 15 e intelectuais próximos
ao Partido Comunista do Brasil. No ano de 1940, por exemplo, constavam do “expediente” da revista, como
colaboradores permanentes, nomes como o do médico e antropólogo Arthur Ramos, do já citado engenheiro Ari
Frederico Torres e dos historiadores Caio Prado Júnior, José Maria Belo, Pedro Calmon, Sérgio Buarque de Holanda e
Sérgio Milliet, entre outros nomes. Houve também colaborações isoladas ou esporádicas de figuras de destaque na
literatura como os escritores Graciliano Ramos e Cecília Meirelles, ao lado de Gileno de Carli16, Victor Nunes Leal17 e o
escritor Mário de Andrade, que ocupavam, então, funções na esfera estatal, ao lado do historiador português Jayme
Cortesão 18.
Tendo em conta as dimensões sugeridas por Codato e Guandalini Júnior (2003), referidas acima neste trabalho, relativas
à heterogeneidade das agências estatais voltadas à produção discursiva e doutrinária e às hierarquias existentes no
campo intelectual, podemos caracterizar o Observador econômico e financeiro não apenas como um veículo que serviu à
afirmação de um determinado tipo de intelectual – o economista, produtor de um discurso técnico e responsável pela
elaboração de políticas públicas -, mas também como espaço de enunciação da defesa de interesses.

14
Valentim Bouças, economista de formação autoditada, natural de Santos, São Paulo, foi representante no Brasil da International
Business Machines Corporation (IBM) desde 1917. Fundou em seguida a empresa Companhia Serviços Hollerith, que prestava serviços
de contabilidade e fornecia equipamentos da IBM para aluguel a diversos órgãos governamentais. Desde 1930, Bouças tornou-se
bastante próximo do então ministro da Justiça, o político gaúcho Oswaldo Aranha, e também do presidente Getúlio Vargas, de quem se
tornou “orientador financeiro”, assumindo a chefia da Comissão de Estudos Financeiros e Econômicos dos Estados e Municípios e a
coordenação da Dívida Externa Brasileira. Em 1937 Bouças passou a ocupar o cargo de secretário-técnico do Conselho Técnico de
Economia e Finanças, sendo figura de destaque da gestão do empresário Artur de Sousa Costa no Ministério da Fazenda, que se
estendeu de 1934 até 1945. Desde 1940, Bouças foi também diretor da International Telephone & Telegraph Corporation (ITT) e em
1942 tornou-se diretor consultivo da Coca-Cola Refrescos S.A.. Em 1943, Bouças tornou-se membro da Comissão de Controle dos
“Acordos de Washington”, firmados pelos governos do Brasil, Estados Unidos e Inglaterra e relativos à exportação de minério de ferro
brasileiro, e de janeiro a julho de 1944 participou da Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, realizada em Bretton
Woods, nos Estados Unidos. Entre setembro de 1948 e fevereiro de 1949, integrou a Comissão Mista Brasileiro-Americana de Estudos
Econômicos, conhecida no Brasil como “Missão Abbink”. Em 1951, era presidente das empresas Companhia Nacional de Máquinas
Comerciais, Adressograph-Multigraph do Brasil S.A. e Companhia Imobiliária Santa Cruz, e diretor da Companhia Goodyear do Brasil, da
Ferro Enamel S.A., da Companhia Swift do Brasil, da Panair do Brasil, da Companhia Brasileira de Material Ferroviário. Era ainda
representante da American Bank Note Co. e consultor técnico da Armco Industrial e Comercial S.A. (Dias, 2010).
15
Organização política de âmbito nacional fundada em março de 1935 com o objetivo de combater o nazi-fascismo e o imperialismo,
tendo por presidente de honra Luiz Carlos Prestes, que se encontrava então na União Soviética. Foi colocada na ilegalidade em julho de
1935, na vigência da Lei de Segurança Nacional, mas ainda no governo constitucional de Vargas, foi ordenado seu fechamento.
16
Gileno de Carli (Recife, 1905) foi engenheiro agrônomo, fazendeiro e político e ocupou a presidência do Instituto do Açúcar e do
Álcool (Portal da Câmara dos Deputados).
17
Victor Nunes Leal (Carangola, 1914 – Rio de Janeiro, 1985), foi importante advogado e jurista e exerceu o magistério na área do
direito e das ciências sociais. No Estado Novo, foi oficial de gabinete do ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema. Presidiu o
Supremo Tribunal Federal (Abreu, 2010).
18
O levantamento de artigos e reportagens, apenas para o período de 1936 a 1944, permitiu a constituição de uma base de dados
totalizando 2121 entradas de artigos, dos quais 897 assinados, que foram indexados por autor e pelos seguintes assuntos mais
frequentes: Economia, Política, Educação, Imposto, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Indústrias, Bancos,
Empresas, Aspectos econômicos, Planejamento econômico, Comércio Exterior, Comércio, Relações internacionais, Guerra, Território,
Companhias, Panamericanismo, Transporte, Agricultura, Café, Algodão e Açúcar.
6
Figura 1

“Índice” e “Notas Editoriais”, O Observador Econômico e Financeiro, dezembro de 1937, p. 6.


Hemeroteca Digital Brasileira, Fundação Biblioteca Nacional.

Não se trata de descartar o entendimento de que as principais decisões da política econômica eram tomadas nos
conselhos técnicos e de formato corporativo, ligados ao poder executivo, mas sim de pensar a revista como espaço de
composição e de construção de consenso em torno de determinados projetos e de reforço a posições representadas
pelos homens de governo que, por sua vez, não expressavam uma unanimidade. Esse foi o caso, por exemplo, da
correspondência, notável, entre os textos de O Observador Econômico e Financeiro e as posições dos ministros Oswaldo
Aranha e Arthur de Souza Costa, favoráveis à aproximação brasileira com os Estados Unidos (Ver, por exemplo, “Notas
editoriais”, abril de 1938, p. 5)., ainda que a adesão do próprio Bouças ao programa norte-americano não fosse isenta
de desconfianças (Tota, 2000, p. 187-189) 19. Tais manifestações foram veiculadas ao longo de longas reportagens como
as intituladas “O Brasil em face da Guerra”, de outubro de 1939; “As missões comerciais norte-americanas”, de abril de
1940; “A conferência de Havana”, de julho de 1940; e “Nosso futuro econômico”, de setembro de 1940, entre outros
textos.
Assume especial interesse, nesse sentido, o acompanhamento das “Notas editoriais” da revista ao longo da guerra,
apoiando desde a primeira hora o alinhamento brasileiro do lado dos aliados, pela afirmação da solidariedade continental
(janeiro de 1942). Em fevereiro, O Observador Econômico e Financeiro editou a cobertura da II Reunião de Consulta dos
Chanceleres Americanos, realizada no Rio de Janeiro no mês anterior, na qual seria aprovada a recomendação do
rompimento com os países do “Eixo”. Em março, foi iniciada a seção “Panorama Internacional”, dedicada a uma resenha
sobre o tema, somando vozes à defesa do esforço de guerra e à mobilização econômica (ver figura 2, na próxima
página). Nesse sentido, a revista afinava-se ao entendimento manifestado por associações de classe como a Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo e a Associação Comercial de São Paulo, tomando a participação no conflito como
uma oportunidade de demonstração de força econômica e de aproximação com os Estados Unidos. O mesmo juízo é
expresso na referência ao discurso de Vargas, na edição de maio de 1942:

Maior não poderia ter sido a exultação do povo quando, num conclave de homens livres, representantes de nações livres,
rompemos nossas relações diplomáticas com os países totalitários, resolvidos, como estávamos, a auxiliar a grande causa das
democracias, que é a grande causa americana (“Notas editoriais”, maio de 1942, p. 7).

19
Nesse sentido, poderia se considerado que O Observador Econômico e Financeiro, sob o Estado Novo, contribuiu com o esforço de
“americanização” do Brasil (Tota, 2000, p. 18-22).
7
No período pós-guerra, com a redemocratização, ampliou-se ainda mais o interesse e a discussão sobre os temas
econômicos (Bielschowsky, 1995), ganhando também o campo do jornalismo maior autonomia, face à suspensão da
censura e ao desaparecimento do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
A composição heterogênea da revista sob a ditadura do Estado Novo, no entanto, espelhou a própria complexidade do
campo intelectual no período e a dificuldade de tomar a imprensa enquanto mero veículo de divulgação do discurso
oficial, ainda que este se fizesse presente, como não podia deixar de ser, durante o funcionamento do DIP. A capacidade
(e estratégia) dos editores de O Observador Econômico e Financeiro, de abrigar as diferentes posições políticas e
intelectuais, incorporando os quadros oficiais, lograria garantir à revista sua longevidade.
Manteve-se a publicação regular da revista até 1962, numa nova fase, caracterizada pela maior especialização da
imprensa voltada aos temas econômicos e pela consolidação dos periódicos acadêmicos, cujo formato diferia bastante
daquele adotado nos anos 1930 e 1940.

Figura 2

“Panorama Internacional”, O Observador Econômico e Financeiro, maio de 1942, p. 10.


Hemeroteca Digital Brasileira, Fundação Biblioteca Nacional.

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