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A MARgem - Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes / ISSN 2175-2516

A PRÁTICA DELIBERADA E O PLANEJAMENTO DO ESTUDO DE VIOLÃO


DE ALUNOS E PROFESSORES DE GRADUAÇÃO EM MÚSICA

Renato Mendes Rosa (UFU)1

Resumo: Este trabalho visa discutir questões acerca do estudo instrumental em música a partir do conceito de prática deliberada
desenvolvido por Ericsson; Krampe; Tesch-Romer (1993), conceito que se refere à prática em diferentes campos como: esportes,
xadrez, etc. Dessa forma, tal conceito deu origem a trabalhos importantes sobre a prática instrumental em música, dentre eles
Barros (2008), Willamon; Valentine (2000), Hallan (2001). O texto apresenta aspectos fundamentais para a realização de uma
prática considerada deliberada: o planejamento organizacional e procedimental da prática e o estabelecimento de metas durante
o estudo instrumental. Discute sobre o estudo de violão de professores e alunos da graduação em musica da Universidade Federal
de Uberlândia, a partir de relatos coletados em entrevistas semi-estruturadas (ROSA, 2010). Por fim, aponta para a importância
do planejamento do estudo no desenvolvimento técnico-instrumental, bem como para o papel do professor de instrumento na
descoberta de habilidades de gerenciamento e organização no estudo de instrumento.

Palavras-chave: prática deliberada, planejamento, estudo de instrumento.

É comum que, ao ver instrumentistas realizando performances excepcionais ou atletas de alto


nível batendo recordes que pareciam inalcançáveis, as pessoas se questionem sobre como o ser humano
pode desenvolver tamanhas habilidades e atingir tão altos níveis de performance?
Esse tipo de questionamento aparenta ser bastante intrigante. Ainda mais se pensarmos no
nível de habilidades corporais e mentais que estes performers alcançam e compararmos com as habilidades
de pessoas consideradas “comuns” da população em geral.
Além de pensar em como pode haver pessoas com tamanhas habilidades, outro questionamento
é: como essas pessoas desenvolvem tais habilidades?
Segundo Ericsson et al (1993), para tentar explicar esses “fenômenos”, em um primeiro
momento, acreditou-se em algum tipo de intervenção divina e até mesmo na “influência dos astros”. Por
outro lado, considerou-se também os fatores inatos e genéticos como responsáveis por tais habilidades.
Ericsson et al (1993) afirmam que a ciência tem realizado pesquisas para descobrir de que forma
os fatores genéticos atuam sobre a capacidade de especialização dessas habilidades e a relação entre fatores
genéticos e fatores ambientais. No entanto, nas últimas décadas passou-se a pensar consideravelmente na
influência da experiência e dos efeitos da prática nos resultados dessas performances.
Pensando especificamente na prática, a literatura consultada leva-nos ao conceito de prática
deliberada como sendo o referencial mais utilizado nas pesquisas que investigam aspectos da prática
instrumental.

Prática deliberada

O conceito refere-se a questões da prática em diversas áreas, como por exemplo, esportes,
xadrez e a prática instrumental em música. Ericsson et al (1993), fazem uma revisão de trabalhos que
discutem a relação entre o nível de desempenho de determinadas atividades e a quantidade de anos em
que se praticou esta atividade.
Para entender melhor a relação da prática com os níveis de especialização de habilidades é
necessário caracterizar o que os autores consideram como prática deliberada.

1 E-mail: renatomendesrosa@hotmail.com

Seção Estudos, Uberlândia, ano 3, n. 6, p. 35-43, jul./dez. 2010


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Segundo os autores, a prática deliberada “constitui-se de um conjunto de atividades e


estratégias de estudo, cuidadosamente planejadas, que têm como objetivo ajudar o indivíduo a superar suas
fragilidades e melhorar sua performance” (ERICSSON; KRAMPE;TESCHROMER,1993, p. 368 apud SANTIAGO,
2006, p. 53).
Santos e Hentschke (2009) apresentam a prática deliberada como “padrões de condutas
otimizadas que privilegiam uma natureza racional e calculada das ações para gerenciar tais situações,
implicando postura intencional frente às situações de prática, onde o foco de interesse é atingir o domínio
das condições de performance” (SANTOS; HENTSCHKE, 2009, p.73).
Segundo as autoras, a prática é deliberada somente quando busca:

i) estabelecer uma tarefa bem definida que represente um desafio pessoal a ser vencido; ii)
manter-se o mais consciente possível no curso da tarefa a ser vencida; iii) dispor de
persistência para repetir trechos e corrigir eventuais erros; iv) buscar estratégias alternativas
para persistir e esforçar-se no comportamento frente às tarefas difíceis de serem realizadas.
(SANTOS; HENTSCHKE, 2009, p. 73)

Ericsson et al (1993), então, propõem uma estrutura teórica que sustenta que a quantidade de
tempo que um indivíduo pratica deliberadamente, ou seja, empreendendo estratégias adequadas e
estabelecendo metas, está proporcionalmente relacionado ao desempenho adquirido por essa pessoa.
Por outro lado, Willamon e Valentine (2000) discutem a relação entre a quantidade e a
qualidade na prática deliberada. Os autores partem da seguinte questão: “Se os indivíduos mantêm uma
prática por extensos períodos e adquirem automatismo de diversas habilidades requeridas para performance
em seus domínios a sua prática será inevitavelmente perfeita?”2 (WILLAMON; VALLENTINE, 2000, p. 354,
tradução nossa)
Segundo eles, não. A quantidade de horas acumuladas não necessariamente resultará em uma
performance de qualidade. Antes de acumular tempo de prática deve-se pensá-la de forma organizada e
planejada. Os autores investigaram a prática de pianistas e constataram que alguns tinham uma prática
duas a três vezes maior do que outros, mas que a diferença de quantidade não estava relacionada
diretamente com o nível de especialização instrumental dos sujeitos investigados. Dessa forma, a
organização e o planejamento são fatores fundamentais que influenciam no nível de especialização de
habilidades.
Refletindo sobre a prática voltada especificamente à performance musical, Hallam (apud Santos
2007) apresenta o conceito de prática efetiva, ou seja, a que se alcança o resultado final de maneira
otimizada tendo por finalidade reduzir o tempo gasto e esforço para execução de determinada atividade.
Prática musical efetiva, portanto, poderia ser vista como aquela que objetiva "alcança(r) o fim desejado,
com menor espaço de tempo possível, sem interferir negativamente nas metas em longo prazo” (HALLAN,
2001, p.28).
Williamon (apud Santos 2007) também utiliza o conceito de prática efetiva. Embora diferindo do
conceito proposto por Hallan (apud Santos 2007), ambos podem ser encarados como complementares.
Willamon (apud Santos 2007) acredita que a prática efetiva é um tipo de prática que pode ser alcançada por
instrumentistas profissionais com bom nível de especialização, pois contempla procedimentos operacionais
e organizacionais de forma equilibrada. Para ele, cinco fatores são fundamentais:
a) Concentração, que “refere-se à uma dilatação temporal no período da prática em termos de
pensamentos musicais voltados a atingir o melhor resultado possível no contexto musical em questão. [...]

2“If individuals sustain practice for extended periods and acquire automation of many skills required for performance in their domains,
will their practice inevitably ‘make perfect’?” (WILLAMON; VALENTINE, 2000, p. 354)

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Esse tipo de concentração na prática instrumental inclui o esforço de escutar-se durante a situação de
prática” (SANTOS, 2007, p. 40);
b) Estabelecimento de metas exequíveis, que sugere uma prática voltada ao “isolamento e
refinamento de partes específicas” (SANTOS, 2007, p. 40);
c) Auto-avaliação, que “permite ao intérprete ponderar as falhas e sucessos na performance,
bem como buscar potenciais retroalimentações necessárias” (SANTOS, 2007, p. 40);
d) Estratégias flexíveis que permitem serem “moldadas e redirecionadas durante a prática”
(SANTOS, 2007, p. 40);
e) Visualização de um plano global, ou seja, “o instrumentista precisa ter a idéia do formato
expressivo como um todo, enquanto toma decisões iniciais sobre considerações técnicas” (SANTOS, 2007, p.
40).
A proposta de Willamon (apud Santos 2009) “fornece disciplinas procedimentais a serem
contempladas em uma situação de prática” (SANTOS; HENTSCHKE, 2009, p.74). Desse modo, tem a
finalidade de estruturar a prática e dar elementos comuns a qualquer pessoa para guiar seu estudo.
Hallan acredita que para que a prática efetiva ocorra, um fator essencial é o que ela chama de
“metacognição”. Metacognição é o “pensar sobre os próprios pensamentos” 3 (HALLAN, 2001, p.27), ou seja,
a consciência sobre os processos cognitivos utilizados que se caracteriza por meio da auto-instrução, auto-
monitoramento, auto-avaliação, reflexão e hipotetização. Isso sugere que:

[de] um músico exige consideráveis habilidades metacognitivas, a fim de ser capaz de


reconhecer a natureza e as exigências de uma determinada tarefa, para identificar as
dificuldades específicas; ter conhecimento de uma série de estratégias para lidar com esses
problemas, para saber qual a estratégia é apropriada para solucionar cada tarefa, para
acompanhar os progressos rumo à meta e, se o progresso é insatisfatório, reconhecer e
desenhar as estratégias alternativas, avaliar os resultados da aprendizagem em contextos de
performance e tomar as medidas necessárias para melhorar o desempenho no futuro.4
(HALLAN, 2001, p. 28, tradução nossa)

Quando se trata de uma prática considerada deliberada ou efetiva, assim como considera
Willamon e Valentine (2000), há fatores qualitativos na prática instrumental que são determinantes no
resultado da execução. Entendam-se como fatores qualitativos aspectos como planejamento e organização
do estudo, procedimentos adequados para resolução de problemas, processos metacognitivos; em
contrapartida a aspectos quantitativos como o tempo diário de estudo. Nesse sentido os fatores qualitativos
são elementos procedimentais de como praticar ou estudar.

Planejamento da prática

O ponto de partida de uma prática considerada deliberada, ou efetiva é o planejamento. O


planejamento da prática se caracteriza pelo estabelecimento de metas exequíveis a serem cumpridas seja
em um nível global ou específico. As metas no nível global são aquelas que determinam apenas “o que” será
estudado em um determinado prazo. Desse modo, caracterizam-se por serem organizacionais. As metas no

3 “Thinking about one’s own thoughts” (HALLAN, 2001, p. 27).


4 “[...] a musician requires considerables metacognitive skills in order to be able to recognise the nature and requirements of a particular
task; to identify particular difficulties; to have knowledge of a range of strategies for dealing with these problems; to know wich strategy is
appropriate for tackling each task; to monitor progress towards the goal and, if progress is unsatisfactory, acknowledge this and draw on
alternativies strategies; to evaluate learning outcomes in performance contexts and take action as necessary to improve performance in
the future” (HALLAN, 2001, p 28).

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nível específico são aquelas que determinam “como” alcançaremos as metas globais, ou seja, quais
estratégias serão utilizadas. As metas específicas são de caráter procedimental.
O planejamento ocorrerá de forma eficiente se estes dois aspectos forem levados em
consideração criando diretrizes claras quanto ao o que e ao como estudar, estabelecendo propósitos e
idealizando o resultado a ser alcançado.
Planejar a prática não significa planejar quantas horas se estuda por dia, mas sim quais metas
deverão ser alcançadas no dia, na semana, no mês. Ao pensarmos dessa forma vamos ao encontro do que
Willamon e Valentine (2000) propuseram. O planejamento por meio de metas sugere que se priorizem os
aspectos qualitativos da prática enquanto que os aspectos quantitativos fiquem a cargo do que será
objetivado. Em outras palavras, o tempo empreendido é consequência do plano estabelecido. No entanto, o
planejamento deve ser cuidadoso para que as metas estabelecidas sejam exequíveis.
Há um discurso recorrente entre músicos que diz que para se tornar um bom instrumentista é
necessário estudar no mínimo oito horas diárias. Isso cai por terra quando colocamos o planejamento de
metas e estratégias como fundamentais na prática instrumental, pois o tempo da prática deixa de ser o
grande objetivo a ser alcançado e dá lugar ao como praticar. Dessa forma, deixa-se de lado a ideia de que o
desenvolvimento técnico e musical é adquirido pelo acúmulo de horas e passa a considerar a racionalização
dos aspectos que envolvem a prática instrumental como sendo primordiais.
Kliscktein (2009) sugere um modelo de planejamento distribuído em cinco practice zones com
finalidades e/ou características diferente. As três primeiras destinam-se à aprendizagem e manutenção de
repertório, já as duas últimas destinam-se à outras habilidades necessárias à execução musical. São elas:
a) Novo material – divisão da obra em seções, estabelecimento de um plano interpretativo e
técnico, estudo em baixo andamento;
b) Desenvolvimento do material – refinamento interpretativo, aumento da velocidade e
memorização;
c) Material para performance – prática de performance, manutenção da memorização,
inovação;
d) Técnica – escalas, arpejos, dicção (para cantores), trabalho especifico de cada instrumento
e) Musicalidade – leitura à primeira vista, teoria, percepção, composição, improvisação,
audição.
Segundo o autor, o estudante distribui os conteúdos que serão estudados em cada um das
practice zones podendo ser estudados na ordem e momento que lhe for necessário, além de possibilitar a
reorganização do material de acordo com o desenvolvimento e cumprimento das metas. Entretanto, essa
proposta de planejamento não deixa claras as metas específicas e as estratégias que serão utilizadas.
O autor também sugere que todo planejamento deve ser documentado. Segundo ele,

Para manter-se a par dos materiais em cada uma das cinco zonas de prática, aconselho aos
alunos a documentá-los em arquivos em papel ou no computador. O documento garante
que você não vai perder o controle de metas e ações. Para os músicos (que tocam) em
conjunto, anotando os objetivos dos ensaios evita-se, também, mal-entendidos sobre o que
deverá ser preparado.5 (KLISCKTEIN, 2009 p. 7, tradução nossa)

O planejamento do estudo de violão de alunos e professores

5 To keep abreast of material in the five practice zones, I advise students musicians to document it on paper or computer files.

Documenting guarantees that you won't lose track of any goals. For musicians in ensembles, writing down rehearsal objectives also
averts misunderstandings about who is supposed to prepare that.

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É apresentado aqui parte da pesquisa desenvolvida por mim sobre a prática de estudo de violão
de alunos e professores da Universidade Federal de Uberlândia que teve como objetivo discutir os diversos
aspectos envolvidos na prática instrumental, como por exemplo, planejamento da prática, estratégias para
memorização, leitura de uma obra, estudo de técnica etc. Para isso, utilizou-se como metodologia a
entrevista, que foi realizada com alunos e professores de violão do curso de graduação em música da
referida universidade durante o primeiro semestre de 2009.
Os depoimentos coletados abordaram aspectos referentes ao gerenciamento de suas ações no
estudo de violão. Suas falas revelaram suas concepções sobre: organização e duração da prática, rotina de
estudo e sua importância no desenvolvimento de habilidades, planejamento da prática, e escolhas de ações
a serem tomadas.
A partir desses depoimentos buscou-se: entender de que forma os estudantes e professores
investigados incluem o planejamento nas suas práticas de estudo; e discutir a importância de uma prática
planejada e organizada como meio de aprimoramento do estudo de violão.
Os entrevistados descreveram como eles planejam e organizam suas práticas e como distribuem
os horários de estudo. Alguns disseram não ter muito tempo para estudar, devido às responsabilidades com
trabalho e outras disciplinas do curso.
Eles descrevem:

Aluno 2 – [...] No meio da semana, terça a quinta estou aqui na faculdade e vou estudando
nos intervalos das aulas. Quinta feira já é mais complicado, mas, dividindo com as outras
matérias, percepção, história... mas eu sempre planejo fazer pelo menos três horas, juntando
as músicas daqui e a técnica também... (Entrevista em 14/04/09) (ROSA, 2010, p. 27)

Aluno 5 – [...] agora esse semestre eu estou chegando aqui na universidade 7 horas da
manhã. Então minhas aulas começam todas 8 horas. Então eu sei que tenho essa hora aqui à
disposição. Das 7 às 8 estou livre pra estudar violão. Então o que acontece:[..] um dia antes,
eu penso: ah, amanhã eu chego aqui, amanhã acho que vou começar já com esse trecho aqui
daquela música [...] hoje por exemplo, eu já cheguei aqui com o objet... com... bem em
mente de ir começar um trecho de uma música que é bastante complicada, tem que estudar
lento, tentar decorar, né. Então passei quase... quase o horário inteiro..[...]... focado nisso
aqui, né, nesse trecho. (Entrevista em 07/05/09). (ROSA, 2010, p. 28)

Aluno 5 –[...] com os compromissos da universidade, compromisso de trabalho, e outras


coisas aqui, não tenho mais essa possibilidade de planejar rigidamente, né, com rigidez o
meu estudo. Mas claro, tem alguns dias que eu tento deixar, tem alguns horários que eu
tento deixar guardados para isso. Por isso aproveito dos momentos livres. Eu por exemplo,
aqui na universidade quando tenho minutos, quinze minutos livre, entre uma disciplina e
outra eu estou com violão na mão e estudo. No horário do almoço eu prefiro ficar dez
minutos comendo um salgado e voltar pra cá e estudar aquela hora, que também, inclusive,
aqui tem pouca gente e fica mais concentrado pra você estudar. Aproveito dos tempos...
então, fica aquela... de qualquer jeito fica um coisa bem disciplinada. (Entrevista em
07/05/09) (ROSA, 2010)

Professor 3 - Olha, depois que a gente vira professor, falar de uma rotina, rotina de estudo é
meio complicado. Está mais pra um hábito de estudar que do que uma rotina de estudo,
entendeu? Porque às vezes se a gente planeja estudar, sei lá, uma peça que tá lendo,
técnica, essas coisas, e a gente se vê na obrigação de responder um monte de questões
acadêmicas onde que a gente tem que às vezes um prazo muito curto pra retornar pra
instituição, então isso acaba diminuindo o tempo ou você acaba tendo que adaptar o que
você havia planejado estudar durante a semana ou durante aquela noite, é com o tempo que
acaba sobrando, né. O que eu estabeleci como meta de estudo, por exemplo, é que: quando
eu não tenho tempo de estudar, pelo menos técnica eu faço. Eu tinha planejado duas horas
de estudo à noite, por exemplo, e eu me vi obrigado a fazer um tanto de outras atividades

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que não estavam previstas pra aquele... pra aquele momento ali. Pelo menos técnica eu
faço. (Entrevista em 04/06/09) (ROSA, 2010, p. 28).

Quando questionado se faz algum tipo de planejamento, o professor 3 responde:

Professor 3 - Eu faço isso semanal. Eu não faço diário, eu faço semanal. Por exemplo, eu
separo meus horários, assim, como eu tenho estudado um monte de outras coisas além do
instrumento com a previsão de fazer a prova do doutorado, então você tem que estudar
história da música, análise, ler textos ligados à tecnologia e tal. Então tenho que fazer um
planejamento semanal. Nesse planejamento semanal eu distribuo todos os possíveis
horários de estudo, com relação a isso. E isso eu coloco o que eu tenho que estudar o tempo
preparado para o violão. O que eu estabeleço como meta, por exemplo, é sempre ler uma
peça naquela fase que eu determino como fase de leitura, eu sempre tenho uma música pra
ler [...]Um momento de técnica, uma música pra ler, não importa quanto tempo demore,
posso demorar uma semana como posso demorar seis meses pra ler aquela música. Esse
tempo vai depender do tempo que eu tenho no decorrer das funções que eu tenho a fazer
pra poder ler aquela música. (Entrevista em 04/06/09) (ROSA, 2010, p. 29)

Aparece na fala de um dos alunos, a maneira como lida com a falta de tempo pra estudar. Para
ele, a falta de tempo exige que o estudo seja planejado e organizado. Quanto à essa questão argumenta:

Aluno 2 - É. Até pela questão de ter pouco tempo de estudo, poucas horas de estudo, eu
planejo assim: hoje eu vou.... eu pego... estudo todas as peças. Assim, eu toco pelo menos
uma vez. Mas eu falo assim, hoje eu vou dedicar mais a essa. Como eu tenho pouco tempo,
pra relembrar as outras, pra não esquecer, pra não perder aquela prática eu estudo um
pouco cada uma, dou uma passada geral assim; mas enfatizo mais em uma peça. (Entrevista
em 14/04/09) (ROSA, 2010)

Todos os entrevistados foram questionados se possuíam uma rotina disciplinada de estudo e se


eles acreditavam que ter uma rotina de estudo é importante e por que. A maioria respondeu que possuem,
ou buscam ter uma rotina de estudo. Sobre a importância do estudo regular, diário, disciplinado revelaram:

Professor 1 – O estudo do instrumento, eu acho que vai cada vez mais aprimorando, as
habilidades vão sendo adquiridas, ai esse estudo diário, faz com que crie amadurecimento, a
consciência do estudo, o porquê de tudo que está fazendo. Então acho que tem que ter a
freqüência do estudo, tem que ser sistematizado, mas tem que ser feito também com
consciência, o que está sendo elaborado, o que está sendo feito. Porque não importa horas
de estudo, importa como se estuda. (Entrevista em 30/03/09) (ROSA, 2010)

Aluno 4 - Eu acho que se deixar pra estudar... não assim de última hora, mas tudo num dia
você não dá conta, você não guarda informação. Acho que você não dá conta de suprir o que
você tem que estudar. Às vezes é melhor você estudar cada dia do que você estudar, chegar
depois, um dois dias estudar tudo de uma vez. Estudar um pouquinho de cada, de cada coisa,
assim. (Entrevista em 30/04/09) (ROSA, 2010, p. 29)

Nesses casos, o estudo diário desencadearia melhor amadurecimento e refinamento das


habilidades, assim como, a melhora da memorização e da consciência no estudo. Há depoimentos que
apresentam outro ponto de vista. Entendem que a rotina de estudo é um fator fundamental para a aquisição
de resistência muscular e como meio de evitar lesões.

Aluno 2 - Acho importante pra ficar... eh... todo mundo, acho que violonista principalmente,
ficar muito tempo sem tocar perde aquela forma tal, aquilo que você vem fazendo vai sair
com mais dificuldade, e você voltar, por exemplo, você parar uma semana, duas semanas,

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você voltar o pique que você estava vai ser mais difícil. (Entrevista em 14/04/09). (ROSA,
2010, p. 30)

Professor 3 - É muito mais importante você estudar 20 minutos, meia hora todos os dias, do
que você estudar 4 horas no domingo, por exemplo. Isso é perigoso. É igual atleta de final de
semana. Por que as pessoas têm problema muscular, tem problema de lesão no tornozelo,
joelho, panturrilha, na coxa?Porque são atletas de final de semana. São aquelas pessoas que
jogam futebol toda terça feira no curso de música. Isso é muito bom para o que tem dezoito,
vinte anos e você ainda tem certa resistência e um tônus muscular que você possa se
permitir a essas extravagâncias. Mas a gente vai ficando mais velho e você tem que começar
a tomar cuidado com algumas coisas, e a rotina do estudo te ajuda a manter uma
regularidade. Sem falar lógico que uma rotina do estudo te ajuda a melhorar a memorização
do repertório, né. E você ficar quatro horas estudando não é saudável, nem é produtivo.
(Entrevista em 04/06/09) (ROSA, 2010)

O professor 2 apresenta outro olhar sobre regularidade na prática:

Professor 2 - Eu acho que disciplinado, [...], tem que ser seu contato com o instrumento. Isso
tem que ser disciplinado até que você atinja uma maturidade tal que você não precise de
horas... [...] de horas maciças de exercício técnico. Porque eu acredito muito que depois de
certa maturidade pequena e que os alunos normalmente trabalham e eles atingem uma
maturidade suficiente, [...]. Eu acredito que ter contato com o instrumento a todo o
momento é o principal. (Entrevista em 21/05/09) (ROSA, 2010)

Segundo ele, entender o estudo dessa maneira foi um processo construído ao longo de anos de
prática. Afirma que em um primeiro momento de sua trajetória como estudante de violão teve sim uma
rotina de estudo, com horários e cronogramas rígidos. Conforme foi amadurecendo, passou a entender que
isso não era mais preciso. O estudo regular com objetivo de formar uma técnica deu lugar uma prática em
função do texto musical da obra que se estuda.
Assim, o contato com o instrumento com finalidades musicais daria, por consequência,
elementos técnicos suficientes para manter-se “atualizado”.
Observemos a fala de um dos alunos:

Aluno 4 - Eu estudo o tanto que eu der conta, sabe? O que eu quero. Tem muita gente que é
viciado, assim, sabe? Já vi uns caras, assim, que estudam “Nossa hoje eu vou estudar...” - põe
o cronômetro, 30 minutos de escala, mais 30 minutos num sei disso, sei lá... eu acho que
você pega a peça e você estuda o que tem dentro dela, o que você pode tirar,
sabe?(Entrevista em 30/04/09) (ROSA, 2010, p. 31)

Barros (2008) apresenta trabalhos que tratam sobre a extensão da prática de estudo. O tempo
despendido em cada prática tem um papel importante na eficácia da aprendizagem. A fala do aluno 4 vai ao
encontro do que os autores citados propõem. Quando ele diz: “Eu estudo o tanto que eu der conta sabe?”,
refere-se à ideia de que a quantidade de horas de estudo deve ser proporcional ao tempo em que o
estudante é capaz de manter-se concentrado e à sua capacidade física (PARRY, apud BARROS, 2008, p.148).
Para Ericsson et al (1993), um dos princípios que norteiam a prática deliberada é que para que
ela ocorra efetivamente exige-se concentração e atenção durante toda a prática. Os autores citados
recomendam que a prática deva ocorrer durante períodos pequenos, várias vezes ao dia ou intercalada com
períodos de descanso. Para eles, isso proporciona maior capacidade de retenção e memorização, e
consequentemente melhor aprendizagem e resultado na execução. O planejamento do estudo é um recurso
utilizado para auxiliar o estudante a manter uma prática disciplinada, além de funcionar como artifício

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motivador para o estudo, já que o planejamento implica na idealização de objetivos e metas a serem
cumpridas tornando-se assim um elemento desafiador.
Além disso, sua relevância se dá pelo fato de proporcionar ao estudante um panorama geral da
prática podendo monitorar seu desenvolvimento e, consequentemente, atribuir novas metas ou novas
estratégias caso seja necessário.
O professor 3 faz uma colocação pertinente durante a conclusão de sua entrevista. Diz que
organização e planejamento são essenciais para nossa vida, e que o estudo organizado é resultado
de uma vida organizada.

Professor 3 – [...] eu acho que a organização na nossa vida é importante pra tudo. Então pro
estudo é essencial, o estudo organizado e planejado é essencial. Porque senão, você não
produz. Porque se você tem quarenta minutos pra poder estudar e você organiza os seus
quarenta minutos, você vai render muito mais do que um desorganizado estudando quatro
horas. Porque ele não tem método de estudo. Então acho que a organização e o
planejamento é importante pra nossa vida. Pra tudo. Pro estudo, então, o estudo faz parte
da nossa vida, então acho que faz parte e o planejamento cabe. (Entrevista 04/06/09) (ROSA,
2010, p. 32)

Considerações finais

Baseando-se nos referenciais teóricos citados evidenciam-se alguns benefícios que um


planejamento da prática bem realizado e estruturado a partir do estabelecimento de metas pode resultar.
Por exemplo: otimização e diminuição do tempo e esforço empreendidos na prática, assim como indica o
conceito de prática efetiva (HALLAN apud SANTOS, 2007); aprimoramento da concentração nas tarefas
estabelecidas; obtenção de maior controle sobre o desenvolvimento e progresso de cada uma das
habilidades envolvidas na execução instrumental; e como consequência aumento da capacidade de auto-
avaliação durante o estudo, conceito de metacognição (HALLAN, 2001).
Nas entrevistas realizadas constatou-se que a maioria dos estudantes não possui uma postura
deliberada frente ao estudo de violão. Isso acontece devido à falta de contato com esse tipo de abordagem
fazendo com que os alunos busquem seus próprios caminhos e descubram os meios para realizar o que é
exigido deles. Alguns dos alunos deixam isso claro quando, por exemplo, relatam que nunca haviam
pensado sobre um determinado aspecto, quando dizem não ter consciência dos procedimentos que eles
adotam para alcançar algum objetivo, ou mesmo quando declaram não fazer um planejamento de metas
para o estudo do instrumento. A busca desses caminhos e a descoberta dos mecanismos a serem utilizados
no estudo de violão ocorrem, muitas vezes, por meio da ‘tentativa e erro’ e sem orientação específica, o que,
frequentemente, resulta em práticas que não atingem os objetivos do instrumentista.
Quando se trata do planejamento e organização do estudo, os alunos demonstraram uma
prática pouco estruturada. Não há um planejamento no sentido de estabelecer metas, objetivos, a fim de
organizar a prática a partir deles. O planejamento da prática ocorre partindo do tempo disponível e do ‘o
que’ se tem para estudar enquanto o ‘como’ estudar, os procedimentos adotados para alcançar o que se
quer, não são planejados.
Por fim, uma das principais constatações é a de que os alunos não possuem uma orientação clara
e objetiva quanto aos procedimentos de estudo nas aulas de instrumento. Em linhas gerais, é delegada aos
alunos a responsabilidade de desenvolver as habilidades procedimentais da prática de estudo.
O estudo é um trabalho de pesquisa, experimentação e planejamento, no entanto, para que isto
ocorra de maneira eficiente ela deve ser conduzida pelo professor, o qual com sua experiência e
conhecimentos possa auxiliar nessas descobertas. Entendemos que o aspecto procedimental da prática

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mostra-se bastante relevante no conjunto de conhecimentos que o estudante de instrumento deve adquirir
e construir. No entanto, esse tipo de abordagem é pouco discutido na formação do instrumentista
Provavelmente isso se dê pelo fato de que tradicionalmente a prática instrumental tem sido tratada como
uma habilidade inata que alguns possuem e outros não, ignorando a possibilidade de aprendizagem de
meios para a performance eficiente de qualquer estudante que queira se dedicar ao estudo de um
instrumento.

REFERÊNCIAS:

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Seção Estudos, Uberlândia, ano 3, n. 6, p. 35-43, jul./dez. 2010


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