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Arqueología Suramericana / Arqueologia Sul-americana 5, 2, julio/julho 2009

A ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO
CERÂMICA DOS ASURINI DO XINGU: UMA
REFLEXÃO ETNOARQUEOLÓGICA SOBRE
VARIABILIDADE E PADRONIZAÇÃO
ARTEFATUAL

Fabíola Andréa Silva


Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo

Este artigo apresenta alguns resultados da pesquisa etnoarqueológica sobre tecnologia


cerâmica entre os Asurini do Xingu, povo indígena amazônico Tupi que vive às margens
do rio Xingu, Pará, Brasil. Com base nos dados coletados, pretendemos demonstrar a
relação entre a organização social da produção cerâmica e a padronização/variabili-
dade formal e quantitativa desses artefatos ao longo do tempo. Pretende-se evidenciar
que, no contexto Asurini, a estrutura de ensino-aprendizagem, a identidade social, a
habilidade e a criatividade da ceramista, bem como a intensidade e escala de produção
das vasilhas são aspectos que influenciam diretamente na variabilidade formal e quan-
titativa de seus conjuntos cerâmicos, sincrônica e diacronicamente.

Este artículo presenta algunos resultados de la investigación etnoarqueológica de la


tecnología cerámica de los Asurini do Xingu, una población indígena amazónica tupí
del río Xingú, Pará, Brasil. Con base en los datos recolectados se demuestra la relación
entre la organización social de la producción cerámica y la normativización/variabilidad
formal y cuantitativa de estos artefactos en el tiempo. Se pretende demonstrar que en
el contexto Asurini la estructura de enseñanza y aprendizaje, la identidad social, la
capacidad y la creatividad del ollero, así como la intensidad y la escala de la produc-
ción de las vasijas, son aspectos que influyen, directamente, en la variabilidad formal
y cuantitativa de los conjuntos cerámicos en términos sincrónicos y diacrónicos.

This article presents some of the results of our ethnoarchaeological research on ceramic
technology conducted among the Asurini do Xingu, an Amazonian Tupi indigenous
population from the Xingu River, Pará, Brazil. The data demonstrate the relationship
between the social organization of ceramic production and standardization/formal
and quantitative variability of these artifacts over time. It is intended to show that
in the Asurini context the structure of teaching and learning, social identity, ability
and creativity of the ceramist as well as the intensity and scale of vessel production
are aspects that directly influence the formal and quantitative variability of ceramic
assemblages in synchronic and diachronic terms.
Palavras claves: etnoarqueologia, Asurini do Xingu, tecnologia cerâmica / Palabras clave:
etnoarqueología, Asurini del Xingú, tecnología cerámica /
Key words: etnoarchaeology, Asurini do Xingu, ceramic technology.

Introdução os Asurini, assim como foi observado em


outros contextos etnográficos, a estrutura
Os estudos etnoarqueológicos são impor-
de ensino-aprendizagem, a identidade
tantes para fortalecer as interpretações a
social, a habilidade e a criatividade do
respeito do passado e para aprimorar as
artesão, bem como a intensidade e escala
metodologias de investigação dos regis-
de produção das vasilhas são aspectos que
tros arqueológicos. Através de estudos de
influenciam diretamente na variabilidade
caso ou de abordagens interculturais, os
formal e quantitativa de seus conjuntos
etnoarqueólogos evidenciam a complexi-
cerâmicos, sincrônica e diacronicamente.
dade da relação entre o comportamento
Neste sentido, embora minha pesquisa
humano e a cultura material. Por um
trate de um contexto cultural específico, os
lado, revelam a imensa variabilidade dos
dados Asurini podem integrar ativamente
contextos culturais e das ações humanas
o debate intercultural sobre a relação entre
e, por outro, procuram as possíveis regu-
padronização e especialização da produção
laridades e correlatos materiais dessas
cerâmica. Também podem participar do
ações em termos interculturais. Os estudos
debate sobre os processos responsáveis
específicos ou comparativos fazem da
pela mudança nas características desse tipo
etnoarqueologia um campo de pesquisa
de conjunto artefatual, ao longo do tempo.
que possibilita aprofundar o entendi-
Cabe ressaltar que um dos principais obje-
mento sobre o modo como as pessoas se
tivos da etnoarqueologia é coletar dados
relacionam com o mundo material, cons-
etnográficos que auxiliem os arqueólogos
truindo seus modos de vida e identidades
a desvendar as causas e significados da
(Roux 2007; Silva 2009).
variabilidade artefatual encontrada no
Este artigo apresenta alguns dados
registro arqueológico.
relativos à pesquisa etnoarqueológica
que temos realizado entre os Asurini do
Os Asurini do Xingu
Xingu, uma população indígena amazô-
nica, falante de língua Tupi e que vive Os Asurini do Xingu são agricultores com
em uma aldeia às margens do rio Xingu, uma dieta diversificada que inclui, além
no Estado do Pará, Brasil (Figura 1). São de cultivares, produtos da caça, pesca e
dados descritivos e quantitativos relativos coleta, bem como alimentos industriali-
ao conjunto artefatual cerâmico. Meu zados. As mulheres plantam as roças e
objetivo é demonstrar, neste contexto processam os alimentos. Os homens são
cultural, como é a relação entre a orga- responsáveis pela derrubada da mata e
nização social da produção cerâmica e limpeza dos locais das roças, mas suas
a padronização/variabilidade formal e principais atividades de subsistência são
quantitativa desses artefatos ao longo do a caça, a pesca e a coleta. No cotidiano,
tempo. Pretende-se evidenciar que, entre esta dinâmica entre apreensão, produção,

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Figura 1. Mapa de localização da T.I. Asurini do Xingu

processamento e consumo de alimentos belecem entre si relações de cooperação


acontece, principalmente, no interior do e reciprocidade nas diferentes atividades
grupo doméstico, a unidade social e de sociais e econômicas (Silva 2008, 2009).
produção econômica mais fundamental da Os Asurini possuem dois rituais que
sua estrutura social. Os grupos domésticos são realizados ao longo do ano: o maraka
são as famílias nucleares – com relações de e o ture. O maraka é um complexo ritual
afinidade e consangüinidade –, que esta- de várias etapas destinadas à proteção

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e terapia contra as doenças, onde os saúde possibilitaram a recuperação demo-
homens desempenham a função de xamã gráfica paulatina, que atualmente conta
e as mulheres cantam e dançam, sendo com 148 indivíduos.
responsáveis pelo processamento dos Meu primeiro encontro com esta popu-
mingaus a partir dos quais os seres sobre- lação ocorreu em 1996 (Silva 2000). Desde
naturais transmitem o moynga (remédio) então, retornei anualmente à sua aldeia
que restaura o ynga (força vital) do corpo para continuar a pesquisa etnoarqueoló-
daqueles que participam da performance gica, em etapas que duram em média 30
ritual. O ture é um complexo ritual com dias. São 13 anos de trabalho, totalizando
várias etapas onde os ritos são associados 16 meses de permanência entre os Asurini.
com a guerra, a morte e a iniciação dos Os dados deste artigo foram coletados
jovens guerreiros, sendo que as mulheres em diferentes etapas de campo, nos anos
desempenham a função de xamã e os de 1997, 1998, 2001, 2002, 2003, 2005
homens são responsáveis pelas perfor- e 2006.
mances musicais com as flautas e pela
tatuagem dos jovens iniciados; neste ritual A cerâmica dos Asurini do Xingu
o ynga (força vital) é transmitido aos parti- O conjunto de vasilhas cerâmicas dos
cipantes, através da ingestão do mingau Asurini pode ser divido em quatro classes
fermentado produzido pelas mulheres gerais utilizadas no processamento,
(Müller 1990; Silva 2000). consumo e armazenagem de alimentos
A cultura material Asurini é diversi- e líquidos1 (Figura 2): (a) panelas de
ficada na produção de objetos e carac- cozinhar (japepa’i, japepa’i/ja’eniwa,
terizada por um apurado apelo estético. jape’e e jape’ei); (b) panelas para servir
Os homens fazem os objetos utilitários ( ja’e, ja’ekuia, piriapara e ywua); (c)
em madeira, dos trançados, dos adornos pratos para consumir (kume, uira, jarati,
corporais em sementes, dentes, ossos, pekia e uã); e (d) potes para transportar
fibras vegetais e penas, das armas e das e armazenar líquidos (japu, yawa, yawi,
ferramentas. As mulheres produzem kavioi, jukupyapyra e pupijanekanawa).
objetos utilitários e adornos corporais em A produção de vasilhas cerâmicas é
fibra de algodão, a pintura corporal, os uma atividade constante no cotidiano femi-
instrumentos e ferramentas de uso femi- nino, mas o seu uso tradicional tem sido
nino e os vasilhames cerâmicos (Müller paulatinamente reduzido e abandonado. As
1990; Silva 2000). As primeiras infor- vasilhas utilizadas para servir alimentos
mações sobre os Asurini datam do século e armazenar e transportar líquidos, por
19, mas eles só foram oficialmente conta- exemplo, têm sido substituídas por panelas
tados em 1971 pela FUNAI (Fundação de alumínio e artefatos de plástico (jarras,
Nacional do Índio), órgão responsável pratos, copos, bacias) e garrafas térmicas.
pela proteção e gerenciamento dos povos Assim, a produção das vasilhas de servir,
indígenas no Brasil. O contato com a
população não índia foi catastrófico para
os Asurini, que foram contagiados por 1 A nomenclatura êmica das vasilhas cerâmi-
doenças infecto-contagiosas (p.ex. gripe, cas está de acordo com as informações das
tuberculose e malária), e quase foram mulheres Asurini, no entanto, a divisão das
dizimados, sobrevivendo 52 indivíduos na mesmas em classes funcionais está embasa-
década de 1980 (Müller 1990). A atenção da nas observações de campo etnográficas
e programas de prevenção dos órgãos de sobre a relação entre a forma e a função das
vasilhas (Muller 1990; Silva 2000).

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Figura 2. Conjunto de vasilhas Asurini do Xingu

armazenar e transportar vem sendo restrin- na freqüência de utilização dos vasilhames


gida, principalmente, para a venda. de tipo japepa’i e jape’e, entre 1997 e 2006.
Os tipos de vasilhas que ainda conservam Apesar dessa substituição, a produção
o uso tradicional são o japepa’i e o japepa’i/ de cerâmica ainda é uma atividade muito
ja’eniwa, ja’e, jape’e e o jape’ei que são importante. A perícia na arte da olaria propor-
usadas, no cotidiano ou nos rituais, para ciona à mulher Asurini um grande reconhe-
cozinhar e servir os mingaus, torrar a cimento social, sendo que as vasilhas repre-
farinha e fazer beijus. Contudo, mesmo sentam seu patrimônio pessoal. É possível
estas vasilhas estão sofrendo diminuição dizer que a mulher Asurini se identifica
na sua utilização, também substituídas por com os seus vasilhames ou, como apontou
vasilhas industrializadas. As Figuras 3, 4, Lévi-Strauss (1986:164) “se metamorfoseia
5, 6, 7 e 8 revelam a crescente diminuição em seu produto; de fisicamente exterior se
converte em moralmente integrada a este.”

Figura 3. Freqüência de vasilhas em uso por unidade doméstica (1997)

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Figura 4. Freqüência de vasilhas em uso por unidade doméstica (2001)

Figura 5. Freqüência de vasilhas em uso por unidade doméstica (2002)

Figura 6. Freqüência de vasilhas em uso por unidade doméstica (2003)

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Figura 7. Freqüência de vasilhas em uso por unidade doméstica (2005)

Figura 8. Freqüência de vasilhas em uso por unidade doméstica (2006)

A produção cerâmica é eminentemente queima, pigmentos, etc), de seus locais de


feminina. O aprendizado ocorre no grupo coleta para a aldeia (Figura 9).
doméstico pela transmissão dos conheci- O processo de ensino-aprendizagem
mentos das mais velhas (avó, mãe, tia) às da tecnologia cerâmica é baseado no
mais jovens. Como a regra de casamento incentivo à observação e exercício prático
entre os Asurini é a uxorilocalidade, as e repetitivo de elaboração das vasilhas.
mulheres ligadas por laços de consagüi- Conforme salientou Ingold (2001), o
nidade convivem por toda a sua vida no conhecimento de uma tecnologia é passado
mesmo grupo doméstico. Os homens entre as gerações pelo engajamento do
(pais, maridos, irmãos) podem auxiliar noviço. Ele incorpora o conhecimento, ou
as mulheres de seu grupo doméstico nas seja, é a conjunção da mente e do corpo
tarefas de transportar as matérias-primas que definem juntos a habilidade para
necessárias à confecção dos vasilhames reproduzir alguma coisa. Assim, percepção
(p.ex. argila, cascas de árvores para a e ação estão no cerne da aquisição e prática
do conhecimento.

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Figura 9. Mãe e filha produzindo vasilhas cerâmica

Assim como em outras populações cera- mento. O aprendizado na infância é eficaz


mistas, o ensino da confecção da vasilha porque a criança pode reforçar hábitos
Asurini é extremamente controlado. motores por um longo período antes de
Implica, de um lado, na constante verba- se tornar adulta. Aprender esta atividade
lização e demonstração das instrutoras, artesanal quando criança também é eficaz
sobre os procedimentos técnicos e os porque fazer potes cerâmicos não compete
resultados a serem alcançados em cada com atividades de subsistência, como
etapa produtiva. De outro lado, a aprendiz quando se é adulto. O aprendizado do fazer
procura imitar e reproduzir cada etapa cerâmica é então melhor conduzido no
produtiva (p. ex.: Bunzel 1972; Arnold grupo doméstico durante a infância, quando
1985, 1989; Longacre 1999). Nas socie- as habilidades e o conhecimento podem ser
dades tradicionais a aprendizagem da praticados e reforçados diariamente (Arnold
tecnologia cerâmica possui várias etapas 1989:180-181).
de ensino, desde o condicionamento O aprendizado da confecção cerâmica
corporal até a aquisição de conhecimento na infância Asurini que, geralmente, inicia
sobre as matérias-primas, os processos ao redor dos 5 anos de idade, é realizado
físico-químicos da manufatura e da queima com miniaturas de vasilhames. Tendo
e decoração das vasilhas. em vista que o domínio na elaboração do
Dado o longo tempo necessário para corpo das vasilhas é uma etapa difícil da
aprender a fazer cerâmica usando o conhe- aprendizagem, a elaboração de miniaturas
cimento e as técnicas tradicionais, o mais facilita à criança o entendimento das
efetivo e eficiente aprendizado ocorre regras e proporções formais das vasilhas,
durante a infância quando a musculatura um aspecto que é extremamente rígido na
ainda está em processo de desenvolvi- tecnologia Asurini.

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Embora os estudos etnoarqueológicos classificação formal das vasilhas. Às vezes
sobre o processo de aprendizado infantil da as mais jovens têm dificuldade para definir
tecnologia cerâmica não sejam abundantes, a nomenclatura de um determinado vasil-
eles começam a influenciar as interpre- hame e precisam consultar as mais velhas
tações dos arqueólogos. O aparecimento para ter certeza do nome de um determinado
de miniaturas de vasilhas nos contextos tipo. É preciso que elas saibam elaborar o
arqueológicos vem sendo interpretado com seu instrumental de trabalho e selecionar e
maior freqüência como um índice de apren- processar a matéria-prima. Por exemplo,
dizado infantil. Além da miniaturização, uma etapa produtiva que requer expe-
outros traços dos vasilhames também foram riência, é umedecer o barro para trabalhar,
atribuídos às crianças e aprendizes, como as pois se está muito úmido, os roletes grudam
características e o acabamento dos motivos nas mãos dificultando a sobreposição,
decorativos. (p. ex. Crown 1999). além de gerar irregularidades na forma do
No contexto Asurini, quando se observa vasilhame.
uma vasilha de uma ceramista inexperiente, Em resumo, o processo de aprendizagem
logo se percebe algum tipo de falha nos seus da cerâmica é longo e bem planejado, termi-
traços construtivos. O corpo da vasilha pode nando quando a aprendiz tem autonomia
ser mal elaborado ou, então, o alisamento da para realizar todas as etapas e domina as
superfície estar muito grosseiro. O contorno diferentes técnicas de trabalho. Quanto mais
da borda costuma ser irregular e, no caso velha, é maior o compromisso em dominar
da resina de jatobá, que é passada na face este saber e transmiti-lo às novas gerações.
externa das vasilhas pintadas, há pequenas Um dos aspectos que dificulta o aprendi-
falhas e asperezas devido à imperícia da zado é a procriação, pois os filhos impedem
ceramista na hora da sua aplicação (Figura por vários períodos o livre exercício e o
10a, b). esmero nesta atividade. Talvez, por isso,
Outro dado importante a ser conside- elas sejam incentivadas a aprender a fazer
ração na pesquisa do processo de ensino- cerâmica desde muito cedo, antes de se
aprendizagem da cerâmica Asurini, se tornarem mães. De qualquer modo, porém,
refere ao conhecimento e domínio da a perícia na atividade oleira só é alcançada

Figura 10. (A) Vasilha de ceramista experiente; (B) vasilha de ceramista aprendiz.

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com o decorrer dos anos e são justamente as existia uma correlação significativa entre
mulheres mais velhas, na faixa dos 50 anos gargalo, espessura, altura e diâmetro. Havia
ou mais, aquelas consideradas as melhores uma harmonização e proporcionalidade
ceramistas da aldeia. entre estes diferentes atributos da vasilha.
Durante a etapa de campo de 1998, fiz Ao mesmo tempo, esta análise estatística
o estudo métrico dos vasilhames do tipo demonstrou uma grande semelhança,
japepa’i para definir como este processo em torno de 90%, entre as vasilhas do
de ensino-aprendizagem e a habilidade tipo japepa’i (Figura 11). Para resumir,
das ceramistas se refletiam no conjunto o dendrograma mostrou que as Asurini
de vasilhas. Foram registradas e medidas apresentavam uma grande padronização
149 vasilhas, particularizando os dados de tecnológica no seu modo de produzir esses
cada ceramista. As variáveis consideradas vasilhames cerâmicos.
nas medições foram: altura total da vasilha, Longacre (1999) ressalta que vários
altura do pescoço e gargalo, diâmetro de autores apontaram que a padronização
abertura da borda e espessura da parede da dos conjuntos cerâmicos resultaria da
borda. Os dados foram analisados com o constante repetição das ações no processo
programa estatístico SPSS que me permitiu de produção cerâmica, por especialistas
correlacionar estas diferentes variáveis e, dedicados, exclusivamente, a esta ativi-
ao mesmo tempo, estabelecer conjuntos dade. No entanto, este autor mostra que
de vasilhas cujas características apresen- não é apenas isto que explica o decréscimo
tavam semelhanças entre si.2 O resultado de variabilidade nos conjuntos cerâmicos,
foi a demonstração de que no japepa’i pois o desenvolvimento das habilidades
das ceramistas ao longo da vida, também
2 Realizei análise de correlação de variáveis e é fator fundamental na padronização e
de conglomerados (clusters). Primeiro, tes- que “a habilidade se desenvolve como
tando as relações existentes entre diferentes resultado da experiência, acumulada ao
variáveis (altura, diâmetro, espessura), a
longo do tempo... a ceramista mais velha,
partir das quais elaboram-se diagramas de
dispersão. Através deles pode-se ter uma
mais experiente, parece ser mais hábil para
idéia da direção desta relação (positiva ou alcançar suas expectativas com grande
negativa), da forma (linear ou curvilínea) precisão ao contrário da mais jovem,
e da intensidade (nuvem de pontos mais menos experiente” (Longacre 1999:53).
densa ou menos densa em torno da reta) O caso Asurini corrobora a cons-
(cf. Shennan 1992:123-127). Depois, tatação da relação entre organização
verificando a semelhança existente entre social da produção, desenvolvimento de
as vasilhas cerâmicas. O objetivo foi ve- habilidades e padronização cerâmica.
rificar a semelhança entre os objetos, em Em 1998, quando estabeleci a primeira
diferentes níveis, para que os resultados
análise estatística dos vasilhames japepa’i
sejam representados em dendrograma para
demonstrar a relação de similaridade entre
e constatei a grande semelhança entre eles,
objetos e grupos de objetos. O princípio é a população contava com 19 ceramistas,
correlacionar uma série de vasilhas que com idades entre 35 e 60 anos, que apre-
formam grupos conforme suas similarida- sentavam um alto nível de habilidade e
des. Nos primeiros níveis agrupam-se os grande produtividade cerâmica. Naquela
indivíduos com maior semelhança e aos época havia apenas 7 ceramistas jovens,
poucos vão unindo-se os grupos de acordo entre 12 e 18 anos e que não eram muito
com critérios de similaridade mais gerais produtivas. Em 2006 repeti a análise esta-
até que todos se agrupem num conjunto tística e constatei que a padronização das
único (Shennan 1992:215).

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Figura 11. Dendrograma da vasilha tipo japepa´i (1998). Na esquerda da figura estão
representadas as vasilhas por ceramista e na direita os grupos de vasilhas correlacionados em
termos das variáveis medidas (altura total da vasilha, altura do pescoço e gargalo, diâmetro de
abertura da borda e espessura da parede da borda). A semelhança das vasilhas é atestada pelo
agrupamento das vasilhas em grandes conjuntos desde os primeiros níveis do dendrograma.

vasilhas japepa’i se apresentava em torno mico dos Asurini foi a intensificação do


de 60%, ou seja, 30% menor que em 1998 comércio, a partir de 2005, que afetou
(Figura 12). Isto poderia ser explicado diretamente a demanda produtiva das
pelo fato de que em 2006, o número de vasilhas. A mudança ocorreu, especial-
ceramistas jovens (20 com menos de 35 mente, em relação à freqüência de tipos
anos) era maior que o das mais velhas e tamanhos. Desde 1998 percebe-se a
(13 com mais de 35 anos). Além disso, diminuição na demanda produtiva dos
as mais jovens eram as mais produtivas tipos maiores jape’e e japepa’i, e o
naquele momento, mas ao mesmo tempo, aumento na produção de vasilhas menores
apresentavam menor habilidade técnica. (p.ex. jape’ei, yavi, japu’i, kume’i, ja’ei
Outro aspecto que influenciou a e japepai’i). Respectivamente, estes
mudança no conjunto artefatual cerâ- tipos correspondem à miniaturização das

Figura 12. Dendrograma da vasilha japepa´i (2006). No eixo (X) da figura estão representa-
das as vasilhas por ceramista e no eixo (Y) os grupos de vasilhas correlacionadas em termos
das variáveis medidas (altura total da vasilha, altura do pescoço e gargalo, diâmetro de
abertura da borda e espessura da parede da borda). A diferença entre os grupos de vasilhas
é atestada pelos agrupamentos diversificados de vasilhas ao longo de todos os níveis do
dendrograma.

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Figura 13. Freqüência de tipos de vasilhas na aldeia Asurini (1998)

Figura 14. Freqüência de tipos de vasilhas na aldeia Asurini (2001)

Figura 15. Freqüência de tipos de vasilhas na aldeia Asurini (2002)

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Figura 16. Freqüência de tipos de vasilhas na aldeia Asurini (2003)

Figura 17. Freqüência de tipos de vasilhas na aldeia Asurini (2005)

Figura 18. Freqüência de tipos de vasilhas na aldeia Asurini (2006)

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vasilhas: japepa’i, utilizada tradicional- entre padronização cerâmica e a inten-
mente para cozinhar os alimentos; yava, sidade da produção. No caso Asurini, a
utilizada para transportar água; ja’e, utili- padronização é diretamente relacionada à
zada para servir alimentos; japu, utilizada habilidade das ceramistas. Assim, apesar
para armazenar mel; kume, utilizada para da intensidade de produção das vasilhas
servir alimento; jape’e, utilizada para pequenas ter aumentado, não ocorreu uma
torrar farinha. As Figuras 13, 14, 15, 16, padronização das formas. Ao contrário,
17 e 18 mostram que, nos dois últimos houve maior diversificação formal nas
anos, a produção destas miniaturas de correlações entre as variáveis: altura total
vasilhas foi maior e, especialmente, as do da vasilha, altura do pescoço e gargalo,
tipo japepai’i.3 diâmetro de abertura da borda e espessura
O acréscimo na demanda produtiva da parede da borda. Atualmente, a maioria
de certos tipos de vasilhas proporcionou das artesãs mais produtivas é jovem e estas
um aumento na intensidade produtiva ainda estão desenvolvendo suas capaci-
das jovens ceramistas e ampliou a varia- dades como ceramistas. Considerando
bilidade formal do conjunto cerâmico o sistema tradicional de ensino-aprendi-
(Figura 12). Simultaneamente, elevou a zagem Asurini, é possível que no futuro
quantidade de vasilhas pequenas (Figuras a produção das vasilhas para a venda seja
17 e 18). As jovens ceramistas têm maior tão padronizada quanto àquelas japepa’i
facilidade e interesse em produzir vasilhas em 1998.
de tamanho menor, sendo mais engajadas É importante ressaltar, no entanto, que a
na produção comercial; obviamente, o padronização de uma tecnologia cerâmica
retorno financeiro é um dos principais não impede que as ceramistas exerçam
motivadores deste engajamento produ- sua criatividade individual na confecção
tivo. No entanto, apesar dessas mudanças de suas vasilhas. No contexto Asurini,
no conjunto artefatual, a cadeia opera- durante todas as etapas de pesquisa, as
tória de produção não foi modificada, ceramistas sempre disseram reconhecer
nem tampouco a organização social da seus vasilhames dentre os de outras cera-
produção que continuou sendo realizada mistas. Segundo elas, os traços de identi-
no escopo do grupo doméstico. ficação estão no acabamento da borda, do
Esta constatação possibilita voltar à fundo e do corpo. Este reconhecimento
questão, discutida acima, sobre a relação passa por traços extremamente sutis que,
entre organização social da produção e muitas vezes, são de difícil verbalização
padronização cerâmica. Segundo Arnold para as ceramistas. Jamais consegui iden-
(1999:80), não existe uma relação direta tificar estas diferenças e elas próprias têm
dificuldade para fazê-lo. Estrategicamente,
3 O aumento da demanda produtiva coincidiu
elas costumam ter o cuidado de guardar
com o fato do projeto Awaeté ter sido im-
plantado na aldeia por Raimundo Alberto
separadamente suas vasilhas dentro das
Ampuero e Sueli Melo de Castro Menezes, casas ou estruturas anexas, a fim de que
ambos profissionais da UVA (Universidade estas não se misturem com as de outras
do Vale do Acaraú). O projeto, segundo os mulheres do seu grupo doméstico.
dois autores, visa valorizar a produção arte- Parece ser na pintura dos vasilhames,
sanal Asurini, especialmente a sua cerâmica porém, que a sua individualidade se
e arte gráfica. Além disso, eles pedem às manifesta mais claramente. A mulher
ceramistas, especialmente as mais jovens, aprende junto ao seu grupo doméstico
que façam vasilhas menores, para facilitar um repertório de variações do padrão
o transporte até os locais de venda.

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tayngava, sendo que é nas recombinações reproduzir com a mesma maestria os traços
deste repertório que ela exerce a sua mais delicados dos desenhos.
criatividade. A palavra tayngava pode ser No âmbito da seqüência operatória, as
traduzida como imagem ou representação Asurini ressaltam que aprender a cons-
de algo ou alguém (t – indicativo de algo truir o vasilhame é sempre mais difícil
ou alguém; ayngava – imagem, repre- que aprender a fazer a pintura. Ao longo
sentação, desenho). No contexto ritual, dos anos percebi que isso, em parte,
tayngava é o nome dado a uma entidade resulta do fato de que as meninas são
sobrenatural que é representada por um incentivadas desde muito cedo a pintar os
pequeno boneco feito de madeira, na forma potes produzidos pelas mulheres do seu
de uma figura humana estilizada e que grupo doméstico. Além disso, as meninas
permanece junto aos objetos xamânicos treinam a elaboração da arte gráfica nos
durante a performance ritual. Na cerâmica seus próprios corpos e, segundo elas,
e na pintura corporal este padrão estrutural aprendem os movimentos da pintura
aparece como uma figura geométrica cons- passando os dedos sobre os motivos
tituída de linhas interligadas que formam que lhes foram aplicados na pele pelas
ângulos de 90º, reproduzindo uma imagem mulheres mais velhas. Nos últimos anos,
corporal estilizada. Este padrão estrutural é o aprendizado do grafismo tem sido refo-
recombinado de diferentes formas, dando rçado nas atividades escolares com o uso
origem aos vários padrões de desenho do papel que é o novo suporte para esse
Asurini (Müller 1990, 1992). treinamento.
Assim, a partir de uma determinada
estrutura de referência oferecida pela Conclusão
tradição cultural, as Asurini podem fazer Podemos dizer a etnoarqueologia compa-
suas escolhas individuais e fazer da confe- rece de forma expressiva com seus dados
cção dos objetos cerâmicos, também, “um e reflexões nas interpretações arqueoló-
veículo de experiência pessoal” (Bunzel gicas sobre os processos de produção,
1972:52). Ou seja, “não há contradição uso, distribuição, descarte, classificação
entre criatividade individual e protótipos e variação dos artefatos cerâmicos. Além
tradicionais” (Roe 1995:45). de contribuir na interpretação dos artefatos
Outro dado importante com relação às cerâmicos em si, os estudos etnoarqueoló-
diferenças individuais na produção cerâ- gicos auxiliam as reflexões sobre a relação
mica, diz respeito ao fato de que algumas entre a cultura material e a definição de
ceramistas são mais hábeis na elaboração fronteiras sociais e étnicas, bem como
das pinturas das vasilhas do que outras. sobre os processos de transformação
As ceramistas muito jovens (menos de cultural. Finalmente, não se pode esquecer
15 anos) apresentam falhas nos seus que eles também possibilitam o resgate e a
desenhos, pois não dominam plenamente a preservação de conhecimentos tradicionais
técnica de reprodução dos mesmos e o seu que aos poucos vêm desaparecendo do
repertório de motivos. As ceramistas que cenário mundial e que se constituem em
apresentam em torno de 20 a 50 anos, por verdadeiros patrimônios da criatividade
sua vez, desempenham bem a atividade de humana (p.ex. Longacre 1991; Skibo e
pintar as vasilhas. Esta habilidade das cera- Feinman 1999; Hegmon 2000).
mistas maduras, porém, vai se perdendo A pesquisa junto aos Asurini do Xingu
com o decorrer da idade, devido à falência – um dos últimos grupos Tupi que pratica a
de sua capacidade visual que as impede de tecnologia cerâmica - possibilita produzir

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dados que podem auxiliar nas interpre- estes temas de pesquisa não são fáceis de
tações relativas à variabilidade formal ser respondidas, pois as dinâmicas contex-
e quantitativa dos conjuntos cerâmicos tuais relativas à organização da produção
arqueológicos de forma generalizada e, cerâmica são complexas e sujeitas a dife-
em especial, aos conjuntos cerâmicos rentes variáveis culturais (Costin 2000).
atribuídos aos vários povos Tupi do Por causa disso, insistimos que os
passado. Ao mesmo tempo, vem se somar estudos etnoarqueológicos sobre a tecno-
aos estudos etnoarqueológicos sobre os logia cerâmica devem continuar a ser
processos de ensino-aprendizagem desta realizados a fim de ampliar os dados já
tecnologia entre as populações ceramistas existentes, ao mesmo tempo devemos
tradicionais, acrescentando subsídios incrementar o diálogo entre etnoar-
ao debate sobre os aspectos prescritivos queólogos e arqueólogos e os estudos
e performáticos das tradições tecnoló- comparativos devem ser ampliados. Sem
gicas. Compreender como ocorreram os dúvida, ainda existe um imenso campo de
processos de continuidade e mudança pesquisas e um universo cheio de grandes
dos comportamentos tecnológicos é parte mestres indígenas para enriquecer o nosso
fundamental da agenda arqueológica. conhecimento sobre uma das mais impor-
Os estudos arqueológicos concer- tantes descobertas tecnológicas do homem.
nentes ao problema da variabilidade dos
conjuntos artefatuais cerâmicos implícita Agradecimentos
ou explicitamente procuram responder
Agradeço aos Asurini do Xingu pela
questões relacionadas com a organização
acolhida e companheirismo durante todos
da produção. O nível de especialização da
esses anos de pesquisa. Ao CNPq e à
produção cerâmica, a constituição e orga-
FAPESP, pelo auxílio financeiro para o
nização das unidades sociais de produção
seu desenvolvimento. Aos avaliadores da
e a intensidade e demanda da produção são
Arqueología Suramericana e a Francisco
alguns dos principais temas de interesse
Silva Noelli pela revisão do texto e
dos arqueólogos. Os trabalhos etnoarqueo-
sugestões.
lógicos, no entanto, têm evidenciado que o
entendimento das questões que subjazem

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