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“os autores da tecnologia Levallois podi- Essa dicotomia pode ser representa-
am falar línguas diversas, ter costumes e da por algumas questões que se colocam
crenças também diferentes; não reconhe- de maneira bastante importante na Ar-
cemos, através de seus artefatos, mais queologia Brasileira hoje, principalmente
do que uma comunidade tecnológica re- quando estudamos as indústrias líticas do
lativa ao trabalho da pedra”. Brasil Central: como em indústrias líticas
Ou seja, não há um significado social, sem (ou com pouquíssimos) artefatos
cultural ou político a priori para o concei- retocados, criar uma alternativa ao enfo-
to de tradição tecnológica – ele, por si só que tipológico? Como caracterizar essas
não explica nada. Nessa perspectiva, tal indústrias levando em consideração seus
conceito estaria diretamente relacionado aspectos locais e regionais criando, ao
a uma questão descritiva, uma constata- mesmo tempo, parâmetros para compa-
ção empírica a respeito do compartilha- rações macro-regionais? Qual o signifi-
mento de certos traços culturais. Esses cado desses conjuntos? Qual sua relação
traços culturais podem envolver técnicas, com grupos culturais? Como acessar a
um artefato ou um conjunto deles, ca- variabilidade das indústrias líticas no con-
texto brasileiro, uma vez que o arcabou-
racterizados e comparados de um ponto
ço construído pelo PRONAPA se comple-
de vista tecnológico e/ou morfológico.
xifica e as categorias classificatório-ex-
Ainda no que se refere às tipologias plicativas deixam de fazer sentido?
Prous expõe algumas das principais ten-
Para algumas indústrias líticas clássi-
dências ao longo do século XX, aponta
cas da Europa parece ser possível definir
suas limitações e acaba com um questi-
fósseis-guia em termos formais que as-
onamento. Neste tópico, como em ou-
sumam o papel de caracterizadores cul-
tras partes do livro, Prous baseia as ex-
plicações em experiências e referências turais relacionados a determinado tem-
a estudos de caso realizados em diver- po e lugar. Isso não quer dizer que pos-
sas partes do mundo. Como estas expe- samos e devamos proceder sempre as-
riências são muito diversas não é possí- sim, em qualquer lugar e para qualquer
vel gerar, apenas a partir de sua exposi- época. Este parece, justamente, ser o
ção, uma explicação ou interpretação a caso do Brasil Central que, neste sentido
respeito do seu significado; essas expe- requer a aplicação de uma outra aborda-
riências precisam ser ordenadas, orga- gem teórico-metodológico para que se
nizadas segundo uma perspectiva teóri- proceda à formação dos conjuntos e se
ca definida para que não se corra o risco investigue seus significados. Essa propos-
de restringir a pesquisa ao método. ta reforça e, em certo sentido baseia-se,
em um dos pontos enfatizados pelo au-
Esse questionamento constante a
tor ao longo do livro, o de que estilo é
respeito do significado dos conjuntos, as-
uma questão contextual e de que a tec-
sociado a adoção de um método especí-
nologia está diretamente relacionada a
fico pautado nos estudos tecno-tipológi-
aspectos sócio-econômicos e culturais.
cos clássicos de orientação francesa,
pode ser visto também como resultado Neste sentido, o livro de Prous apon-
de uma dicotomia que há entre as “in- ta para a necessidade de uma discussão
dústrias líticas européias” (estamos fa- aprofundada da relação entre contexto,
lando aqui essencialmente do Paleolítico teoria e método para o estudo das indús-
Superior) e as “indústrias líticas brasi- trias líticas no Brasil, certamente benefi-
leiras” (pensando especificamente nas ciado e fundamentado no excelente ar-
indústrias do Brasil Central durante o cabouço empírico construído pelas minu-
Holoceno), relacionada a um aspecto que ciosas e detalhadas descrições dos pro-
o próprio autor enfatiza: a relação entre cessos de apropriação das matérias pri-
contexto, problema e método. mas líticas construído pelo próprio autor.
dade dos fatos? Para Reis, a Arqueolo- das, haja vista que os problemas decor-
gia brasileira possui teoria sim, o pro- rentes de nosso passado de absurdos
blema é que ela estaria implícita nos tra- gloriosos não são poucos e tampouco
balhos, o que, segundo ele, ocorre em passíveis de solução fácil. No seio de uma
função de os arqueólogos não saberem comunidade científica engajada social-
coadunar de forma satisfatória conheci- mente e dotada de forte sentimento de
mentos teóricos com o trabalho empíri- responsabilidade ética, não se pode abrir
co. Exagerada ou não, esta proposição mão de um espaço para novas reflexões
não está muito longe de ser a primeira a e formulações teóricas. No caso especí-
reconhecer que muitos dos conceitos fico da Arqueologia, cacos cerâmicos,
utilizados pelos arqueólogos no Brasil se artefatos líticos e tantos outros materi-
configuram sobre uma espécie de vazio. ais encerram a história de homens de
Em suma, muita descrição com pouca um passado muitas vezes longínquo e
reflexão. que nos incita a uma curiosidade legíti-
Não cabe a mim, neste trabalho, dis- ma, por que não? Mas não nos engane-
correr acerca deste que me parece ser mos senhores, há muito de nós nesses
um debate dos mais urgentes a ser le- vestígios quando pretendemos dar-lhes
vado a sério pelos nossos pesquisado- significados e as conseqüências podem
res. Mas em verdade, não me é escuso não ser as mais nobres de que possa-
também salientar que mais iniciativas mos nos orgulhar. Eis, para mim, a prin-
como a deste livro devem ser estimula- cipal mensagem contida neste livro.