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RESUMO
A cidade de Salvador se expandiu a partir da década de 1970, sendo sua economia impulsionada pela
implantação de grandes investimentos na região metropolitana, nos setores da indústria e comércio,
gerando um grande fluxo migratório de proveniente de outras partes do estado e do país, em condições
socioeconômicas desfavoráveis. Até então, a legislação urbana só tratava da cidade legal, o que vem
sendo alterado a partir do Estatuto da Cidade (Lei Federal n.10.257/2001), que passou a prever
instrumentos urbanísticos em prol da população que até então não tinha o direito reconhecido à posse
da terra. Nesse contexto, destaca-se as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), como um
instrumento inovador que, ao tempo em que reconhece a posse do espaço urbano conquistado,
condiciona este reconhecimento a um planejamento participativo pactuado entre comunidade e poder
público. Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo revelar as imagens da Salvador
contemporânea, destacando a estreita proximidade física entre estratos sociais economicamente
distantes. Utilizou-se como metodologia a análise do imageamento por satélite e sensoriamento
remoto para um conjunto de 7 (sete) áreas da cidade que apresentam bairros formais consolidados
contíguos às ZEIS. Como resultado pode-se constatar o fenômeno da justaposição sócio-espacial em
Salvador/BA- com tendência à homogeneização social intramuros - revelando que a estruturação
urbana recente da metrópole já não pode mais ser explicada pela dualidade centro-periferia. Uma
mudança neste cenário é possível a partir da mobilização da sociedade civil, governos e cidadãos no
sentido de implementar ações de promoção da cidadania, e implementação efetiva de instrumentos
legais que garantam o direito à moradia e à cidade, a exemplo das ZEIS, que poderá vir a ser o vetor
de mobilização por excelência, dado ao seu aspecto inovador e atual na perspectiva do incentivo à
gestão e planejamento participativo da cidade.
1 INTRODUÇÃO
1
Professora Ms. do Curso de Arquitetura e Urbanismo – UCSal; Email: filgueirascris@gmail.com – Autora
2
Profa. Dra. Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social – UCSAL;
Coordenadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo – UCSal; Email: aparecida.teixeira@ucsal.br - Coautora
2
Face à insuficiência das políticas habitacionais que atendessem à demanda pelo espaço
de morar destes imigrantes interurbanos, surgiram então as favelas, caracterizadas como
formas precárias e provisórias de moradia, que se instalavam à revelia da cidade formal, mas
com a complacência dos poderes públicos locais. Ou como afirma Ângela Gordilho-Souza,
É possível afirmar que a expectativa do caráter “provisório” desse tipo de
ocupação habitacional, fadado tendencialmente a desaparecer com o
“desenvolvimento” da lógica capitalista de produção do espaço, não se
confirma na realidade brasileira. Ante as intensas demandas ocorridas neste
século, a “desordem” não foi resolvida, nem pelas concepções de planos
urbanísticos modernos, nem pela via do mercado, nem pelas políticas
habitacionais de erradicação de favelas e construção de conjuntos nas
periferias urbanas. (GORDILHO-SOUZA, 2001, p.74).
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“Nos países pobres, o processo de invasão ou ocupação de terrenos (e de prédios) por indivíduos, famílias ou
pelos movimentos sociais, resulta em áreas ocupadas, favelas, bindovilles ou squatters. Há uma apropriação
ilegal das terras públicas e privadas, sobretudo daquelas com questões judiciais” (VASCONCELOS, 2011, p. 15,
grifo do autor).
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de esgoto e lixo. Estas áreas, ou eram públicas, ou estavam à margem das iniciativas do
mercado imobiliário formal e, por isso, foram crescendo e se densificando com a
cumplicidade dos poderes públicos constituídos.
Essas ocupações informais se deram inicialmente nas áreas de várzeas, tendo sua
população sido posteriormente expulsa, quando da implantação das vias de vale,
direcionando-se para as áreas periféricas da cidade, representadas pelo Subúrbio Ferroviário e
pela região do Miolo de Salvador. A partir do final da década de 1960, a expansão da periferia
de Salvador vai se dar, principalmente, mediante a atuação do poder público estadual e
municipal, com a implantação de conjuntos habitacionais e loteamentos para as faixas de
renda de 3 a 5 salários mínimos, bem como da Avenida Suburbana. Com a intensificação dos
fluxos migratórios registra-se a ocupação informal de áreas remanescentes localizadas no
entorno desses empreendimentos.
Paralelamente, o rápido crescimento populacional da cidade levou a uma corrida pela
ocupação dos espaços urbanos remanescentes e, a partir daí, observa-se uma crescente
proximidade entre ocupações formais e informais, legais e ilegais, cada uma com
conformidades espaciais díspares e características sociais próprias. Nesse sentido,
concomitante à expansão da periferia, algumas áreas de baixa renda permaneceram inseridas
na malha urbana “formal”, a exemplo das áreas que serão enfocadas nesse estudo. Vale
ressaltar que esse processo de proximidade/contigüidade vem se intensificado recentemente
com a escassez de terras e, particularmente a partir da implantação dos projetos do Programa
Minha Casa Minha Vida do governo federal. Esta proximidade se rebate no efeito da
segregação espacial que isola populações heterogêneas ricamente homogeneizadas em seus
próprios guetos.
Em Salvador, a desigualdade socioeconômica é francamente percebida no espaço
urbano. O olhar estrangeiro, que não está familiarizado com as desigualdades sócio-espaciais
do nosso país, é capaz de imaginar que ao transpor limites intraurbanos esteja atravessando
fronteiras entre nações, tal as riquezas culturais diversas que irá encontrar em cada local,
diferentes contextos de infraestrutura e, principalmente no caso deste estudo, linguagens
arquitetônica e urbanística próprias. Compreende-se, dessa forma, o contraste entre a cidade
formal, legal e regulamentada, e a cidade informal, ilegal e sem regulamentação.
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Souza; Teixeira (2007) a diferença entre esses instrumentos, mais do que meramente uma
questão de nomenclatura, está associado à concepção dos mesmos. No caso das APSEs,
localizadas principalmente na orla do município, estas tinham como objetivo principal
garantir a “permanência dos moradores em assentamentos localizados em áreas valorizadas
do Município, entendendo-se que esse instrumento urbanístico serviria como elemento
inibidor do processo de expulsão da população de baixa renda habitante em áreas valorizadas
da cidade”. (ESPÍRITO SANTO; GORDILHO-SOUZA; TEIXEIRA, 2007, p. 6)
Quanto às áreas incorporadas como AEIS, localizadas em sua maioria na região do
Miolo de Salvador, tratava-se de categoria “bem mais abrangente do que a das APSEs,
correspondendo, a um aprimoramento conceitual do instrumento e de suas implicações
urbanísticas, econômicas e sociais, incorporando, de forma mais objetiva, os aspectos
relativos à regularização urbanística e fundiária das áreas, sem restringir o universo apenas às
áreas de baixa renda sujeitas à especulação imobiliária”. (ESPÍRITO SANTO; GORDILHO-
SOUZA; TEIXEIRA, 2007, p. 7).
Recentemente, o poder público municipal notabilizou-se pelo protagonismo ao
incorporar, na revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU/2008), a Política
Municipal de Habitação de Interesse Social (PHIS/Salvador), que conta com um capítulo
específico para as ZEIS (Capítulo V), estabelecendo, em mapa, o total de 116 ZEIS no
território da cidade. No caso das ZEIS, comparativamente às categorias de AEIS estabelecidas
anteriormente para as áreas ocupadas, que tinham como parâmetro apenas a questão da
propriedade da área (pública ou privada), registra-se um avanço em relação à redefinição
conceitual das categorias para as áreas ocupadas. Essas passam a abranger “conteúdos sócio-
ambientais e culturais, como a ocorrência de assentamentos precários em áreas de preservação
ambiental e em áreas de patrimônio histórico/cultural, de interesse turístico e onde há
predominância de comunidades tradicionais (pesqueiras e quilombolas).” (ESPÍRITO
SANTO; GORDILHO-SOUZA; TEIXEIRA , 2007, p. 9),
Embora as ZEIS em Salvador ainda não disponham de regulamentação, a qual deverá
se dar mediante decreto municipal, devendo contemplar os Planos de Regularização
Fundiária, Plano de Urbanização e Plano de Ação Social e Gestão Participativa - itens
obrigatórios para o pleno estabelecimento das vantagens urbanas garantidas pelas respectivas
ZEIS - é inegável o avanço em direção às melhorias sociais e espaciais necessárias à cidade.
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Mais importante seria que o poder público municipal fomentasse a elaboração destes planos
através do Poder Executivo, associados às instituições universitárias ou à própria comunidade,
com assessoria de técnicos qualificados, e garantissem o direito pleno à cidade a todos os seus
moradores.
O bairro da Barra teve origem no sítio onde foi fundada a cidade de Salvador, antiga
Capitania Hereditária da Baía de Todos os Santos (FISHER; MORAES; PINHO; SANTOS,
2010). O Morro Ipiranga representa o aspecto aristocrático predominante desta localidade,
com suas mansões no alto de dois morros voltados para o mar com vista espetacular.
Encravada entre o Morro Ipiranga e a Avenida Centenário, tem-se a Roça da Sabina,
pequena comunidade cuja origem remonta auma roça de bananas de propriedade de uma
senhora de nome Sabina. A maioria de seus habitantes sobrevive da prestação de serviços
domésticos nas residências de alto padrão em áreas próximas ou no comércio de rua local,
bem como no shopping center localizado no mesmo bairro. Durante anos essa comunidade,
identificada como pacífica e tranquila, vem sofrendo com a migração de grupos de traficantes
de drogas para os becos do seu território, fruto da instalação da Base Comunitária de
Segurança, no vizinho bairro do Calabar. (Figura 5).
“O bairro que já foi aldeia indígena, vila de pescadores e local de veraneio das
famílias mais abastadas de Salvador hoje é área caracterizada como uma zona de
concentração comercial e de serviços, sendo um ponto de encontro dos que vivem com
intensidade a noite em Salvador.” (FISHER; MORAES; PINHO; SANTOS, 2010, p.78).
Assim definido na atualidade, o Rio Vermelho só adquiriu ares de cidade em 1923, com a
construção da Avenida Oceânica, quando começaram a lá transitar automóveis. As linhas de
ônibus chegaram na década de 1960, mesma época do início da expansão da comunidade do
Vale das Pedrinhas, cuja população de origem eminentemente rural se instalou nos fundos de
uma fazenda, à margem do Rio Camarajipe (FISHER; MORAES; PINHO; SANTOS, 2010).
Hoje suas ruas, becos e vielas são asfaltados e o adensamento estimulado pelo alto valor
imobiliário da região se rebate na verticalização produzida e reproduzida pela autoconstrução.
(Figura 6).
Figura 6 - Justaposição sócio-espacial entre o bairro do Rio Vermelho e o Vale das Pedrinhas
Fonte: Disponível em: <http: www.googleearth.com>. Acesso em: 20 abr. 2013. Elaboração:
ARAUJO, 2012.
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O planejamento do bairro da Pituba data do início do século XX, quando então passou
a fazer parte do solo urbano da cidade. Projetado como um bairro do futuro, apresentava em
seu desenho original praças, parques, locais de convivência e avenidas largas e de traçado
retilíneo, elementos típicos do urbanismo moderno (FISHER; MORAES; PINHO; SANTOS,
2010).
Já a comunidade de Santa Cruz nasceu de ocupações de terrenos arrendados
ilegalmente por cidadãos de baixa renda que tiveram muito trabalho para regularizar a posse
da terra. Situado ao lado do Parque da Cidade, equipamento criado pelo projeto de
urbanização da Pituba, conquistou irregularmente áreas deste espaço público. O processo de
invasão só foi estancado com a construção de um grande muro de alvenaria, o que também
contribuiu para minimizar as ações de violência que marcam a história desta comunidade.
(Figura 7).
A antiga Invasão das Malvinas, hoje Bairro da Paz, possui uma história de lutas pela
permanência e melhorias urbanas. (PEREIRA, 1980). Instalou-se na margem da Avenida Luiz
Viana Filho, a Paralela, logo após a sua inauguração, a qual se constitui no vetor de expansão
norte da cidade de Salvador. Atualmente a área de entorno desta avenida é bastante valorizada
e vem sendo utilizada para a implantação de diversos condomínios fechados para as classes de
maior renda. O bairro de Piatã, implantado posteriormente à ocupação do Bairro da Paz, situa-
se na orla atlântica de Salvador e seu território é majoritariamente ocupado por condomínios
residenciais horizontais de alta renda. Antigo local de veraneio, seu solo adquiriu alto valor
imobiliário por estar localizado em um dos vetores de expansão da cidade. Além disso, a
construção de vias arteriais e coletoras aumentou o potencial construtivo dos lotes aí
localizados. (Figura 8).
identificar a forma de alternância entre tipologias urbanas díspares, abrangendo, a partir dos
exemplos expostos acima, praticamente todo o território da cidade. Além disso, as imagens
revelam a vulnerabilidade das ZEIS frente ao empreendedorismo urbano 4 contemporâneo e a
urgência da regularização fundiária dessas áreas em Salvador, como forma de garantia à
promoção do direito à cidadania.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Inaiá M. M. de; PEREIRA, Gilberto Corso. A cidade como negócio. Revista
EURE, Santiago do Chile, 2011.
CONDE, Luiz Paulo; MAGALHÃES, Sérgio. Favela-Bairro: uma outra história da cidade
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: VIVERCIDADES, 2004.
FISHER, Tânia; MORAES, Luiz Roberto Santos; PINHO, José Antonio Gomes de;
SANTOS, Elisabete (Org.). O Caminho das Águas em Salvador: Bacias Hidrográficas,
Bairros e Fontes. Salvador: CIAGS/UFBA; SEMA, 2010.
PEREIRA, Gilberto Corso. Habitação popular em Salvador: o caso das Malvinas. 1980.
93f (Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo – Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1980.