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Jesus Apócrifo?

Jesus

Por: Rev. Augustus Nicodemus Lopes

Na semana da Páscoa do ano de 2002, a revista Época publicou, mais uma vez, uma
reportagem acerca de Jesus, intitulada "Jesus na boca do povo" (Época, 1º. De Abril
2002, pp. 77-83). O artigo, assinado por Antônio Gonçalves Filho, questiona o retrato
de Jesus que nos é oferecido nos evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João)
e afirma que está crescendo o retrato de um outro Jesus, pintado nos evangelhos
apócrifos, escritos pelo povo simples, onde são narrados detalhes e fatos da vida de
Jesus quando criança, adolescente e jovem. Muitos livros têm sido publicados acerca
destes evangelhos, e naturalmente os evangélicos têm ficado confusos.

Os evangelhos apócrifos são imitações grosseiras dos evangelhos, escritos por volta dos
séculos II a IV, que contém lendas e histórias incríveis sobre Jesus, e que procuram
imitar os evangelhos autênticos que temos em nossa Bíblia. Temos notícia de cerca de
cinqüenta destes evangelhos, alguns preservados em pedaços, outros em sua inteireza, e
de outros só sabemos o nome. Os que foram preservados e podem ser lidos hoje são
poucos, e entre eles se encontram O Proto-evangelho de Tiago; Evangelho de Pseudo-
Mateus; Evangelho da Natividade de Maria; História de José, o Carpinteiro; Evangelho
de Tomé; Evangelho de Nicodemus; Evangelho de Felipe; e Evangelho dos Egípcios.

Desde cedo a Igreja Cristã rejeitou estas obras, pois não preenchiam o critério de
canonicidade: não foram escritas pelos apóstolos ou por alguém ligado a eles,
contradiziam a doutrina cristã, tinham exemplos e recomendações morais e éticas pouco
recomendáveis, e seus autores falsamente atribuíram a autoria aos apóstolos, como por
exemplo, o Evangelho de Tomé. Além do mais, suas histórias fantásticas acerca de
Cristo claramente revelavam seu caráter especulativo e supersticioso, ao contrário da
sobriedade e da seriedade dos evangelhos bíblicos.

Mas a provocação da revista Época não é coisa nova, e nem se limita aqui ao Brasil.
Durante a Páscoa de 1996, três das principais revistas norte-americanas publicaram
matérias de capa sobre os mais recentes desdobramentos da última e mais nova fase das
pesquisas acadêmicas sobre o "verdadeiro" Jesus, empreendimento levado a efeito
especialmente por estudiosos de linha liberal. Nessa época, Jesus também andou sendo
capa de revista aqui no Brasil, em artigos que seguiam a mesma linha, em termos gerais.

Num certo sentido, o empreendimento não é original. Num livro publicado em 1906,
que marcou época nos meios acadêmicos do estudo dos Evangelhos, Albert Schweitzer
descreveu e analisou o que ele batizou de "a busca do Jesus histórico". Nesse livro (The
Quest for the Historical Jesus), Schweitzer analisa os esforços de reconstruir a vida de
Jesus feitos pelos pesquisadores críticos a começar do século XVII.

Os estudiosos críticos justificam a sua busca do "Jesus histórico" afirmando que a Igreja
Cristã, pelos seus dogmas e decretos acerca da divindade de Jesus, obscureceu a sua
figura humana, e tornou impossível, durante muito tempo, uma reconstrução histórica
da sua vida. Essa impossibilidade, argumentam eles, tornou-se ainda mais severa após a
Reforma, quando a exegese dos Evangelhos e do Novo Testamento em geral passou a
ser controlada pelas confissões de fé e pela teologia. Argumentam que, para que se
possa fazer uma reconstrução do Jesus histórico é, portanto, necessário deixar para trás
os dogmas e a teologia, e tentar entender e reconstruir o Jesus da história.

Por dois séculos, estudiosos de dois continentes tentaram reconstruir o Jesus da história
partindo do princípio que o relato dos evangelhos bíblicos é errado, porém, sem muitos
resultados positivos. O Jesus reconstruído pelos liberais parecia mais o fruto da
obstinação dos mesmos do que de uma séria pesquisa científica. O trabalho de R.
Bultmann e K. Barth pôs um fim honroso à "busca" agonizante e declarou-a uma
empreitada inútil. A falta de consenso entre os estudiosos, a natureza altamente
especulativa dos seus métodos e a impossibilidade de provar as hipóteses levantadas
para explicar o surgimento do relato dos evangelhos, acabaram por encerrar a busca.

Mas, a idéia não morreu. Estamos testemunhando em nossos dias mais uma tentativa
por parte dos que não acreditam na historicidade dos evangelhos, de achar a "verdade"
por detrás desses relatos. O artigo da revista Época é apenas mais um artigo
especulativo neste sentido, que procura valorizar caricaturas de Jesus, tão grosseiras,
que nunca foram aceitas pelos cristãos em todas as épocas como sendo autênticos
relatos da sua vida.

Uma falha imperdoável de reportagens como a da Época – compreensível por terem


sido escritas por jornalistas, e não por peritos em crítica histórica do Novo Testamento –
é que não consultaram a opinião de pesquisadores bíblicos de convicções
conservadoras. A maioria dos citados, como Leonardo Boff (católico liberal), Geza
Vermes (judeu), Fernando Altemeyer (ex-padre católico) e frei Betto (católico) não
representam o pensamento mais amplo da comunidade acadêmica internacional, tanto
católica como protestante. São reportagens unilaterais e preconceituosas, num certo
sentido.

Algumas críticas podem ser feitas ao projeto da busca do Jesus histórico através dos
evangelhos apócrifos. Em primeiro lugar, o pressuposto controlador da busca é a
desconfiança de que a Igreja Cristã, propositadamente, escondeu a verdade sobre Jesus,
ao rejeitar os evangelhos apócrifos. Tal desconfiança, porém, continua sem ter
fundamento firme. Se alguém quiser ver por si só porque estes evangelhos apócrifos
foram rejeitados, é só lê-los e compará-los com os evangelhos bíblicos. Em segundo
lugar, vemos a natureza altamente especulativa das hipóteses e idéias levantadas. Em
terceiro lugar, não há consenso entre os atuais defensores do "novo Jesus". Exatamente
por causa do alto nível de especulação, o Jesus reconstruído por eles continua sendo
menos que convincente. Não apresentam nenhum Jesus que seja realmente plausível e
que explique o surgimento da Igreja Cristã.

A busca do "verdadeiro Jesus" empreendida pelos especuladores e apreciadores dos


apócrifos continuará. Mas, não precisamos ser profetas para predizer que não o acharão.
Ele já está diante dos nossos olhos, nas páginas dos Evangelhos bíblicos, mas os seus
preconceitos e a incredulidade impedem-nos de vê-lo.

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