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NOVA REGULAMENTAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NO BRASIL
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i1m ARTIGO
Foi tendo em vista um contexto como do país, ao mesmo tempo que exercia as
esse que o Código da Propriedade Indus- atribuições cartoriais que lhe são
trial de 1971 estabeleceu diversos meca- inerentes.
nismos para atuar sobre o fluxo de tecno- Durante essa terceira fase estava implí-
logia do exterior, complementando ou- cito que o controle sobre a tecnologia ex-
tras legislações que direta ou indireta- terna era essencial para romper o ciclo de
mente tratavam deste assunto, tais como dependência tecnológica e contribuir pa-
a Lei 4131/62 e a 4137/62, já menciona- ra o desenvolvimento autônomo do país.
das anteriormente. Dentre os dispositivos Dentro da perspectiva de uma política de
do Código sobre essa questão, o mais im- substituição da tecnologia importada, en-
portante, sem dúvida, é o que estabelece tendia-se que era necessário atuar simul-
que os atos e contratos que impliquem taneamente no controle do fluxo de tec-
transferência de tecnologia fiquem sujei- nologia do exterior e na promoção do de-
tos à averbação no INPI (art. 126). A senvolvimento tecnológico das empresas
averbação gera importantes efeitos eco- e instituições governamentais de pesqui-
nômicos para o contratante local, pois é sa. Entendia-se que, sem esse controle, o
através dela que se torna possível a de- empresário, pressionado por questões
dutibilidade fiscal e a legitimação dos pa- imediatistas, sempre iria preferir com-
gamentos decorrentes. Para a empresa prar tecnologia pronta a arcar com o
fornecedora, caso o objeto contratual seja ônus e o risco de produzir tecnologia na
patente ou marca registrada, concedida própria empresa, ou contratar os serviços
ou depositada no Brasil, a averbação de uma instituição de pesquisa. A fraca
constitui elemento probatório do seu uso interação entre empresas e instituições de
efetivo, para impedir a extinção antecipa- ensino e pesquisa, cuja superação consti-
da dos direitos por caducidade. Além tuía inclusive objetivo específico das polí-
desses dispositivos, o Código estabelece ticas de C&T, era um indício de que tal
a proibição de remeter pagamentos por suposição estava correta.
tecnologia objeto de pedido de patente Em meados dos anos 80, começou a se
em tramitação no INPI. esboçar um movimento de liberação do
Inicialmente, o INPI preocupou-se controle em bases seletivas. Os contratos
com a criação e aplicação de normas re- referentes aos projetos aprovados pelo
gulamentatórias para efeito de averba- PDTI (Programa de Desenvolvimento de
ção de contratos. Dentre estas, merecem Tecnologia Industrial) e do PSI (Progra-
destaque o Ato Normativo 15/75, que ma Setorial Integral), ambos criados pelo
estabeleceu conceitos e normas para a Decreto-Lei 2.433/88, que instituiu ins-
elaboração de contratos e o Ato Norma- trumentos de política industrial, passa-
tivo 32/78, que criou a sistemática da ram a ser dispensados da consulta prévia
consulta prévia. Posteriormente, outros (AN 93/88). Outras medidas liberalizan-
Atos Normativos foram expedidos para tes já estavam em curso no âmbito do IN-
forçar a absorção da tecnologia adquiri- PI, no sentido de eliminar restrições e
da e incentivar a realização de ativida- deixar de examinar cada cláusula do con-
des de pesquisa e desenvolvimento ex- trato, para empresas ou setores que ha-
perimental (P&D) em empresas. A par- viam alcançado elevada capacitação tec-
tir do início da década de 80, comple- nológica, como havia sido o caso do setor
mentarmente, o INPI passou a criar di- siderúrgico (Ato Normativo 99/89). As
versos Programas e Comissões de apoio medidas adotadas pelo Executivo Federal
ao desenvolvimento tecnológico, como a partir de 1990interrompem este proces-
o PROFINT (Programa de Fornecimento so de liberalização seletiva e inauguram
Automático de Informações Tecnológi- uma nova fase, que pretende se caracteri-
cas), o PROATEC (Programa de Acom- zar por uma ampla liberalização da eco-
panhamento da Evolução Técnica da In- nomia, incluindo os aspectos concernen-
dústria) e a Comissão Permanente para tes à transferência de tecnologia.
Área de Biotecnologia. Nota-se que com A nova Política Industrial e de Comér-
estes Programas o INPI procurou enga- cio Exterior, cujas diretrizes gerais foram
jar-se de uma forma mais ativa no pro- aprovadas pela Portaria 365 de 26/06/90
cesso de desenvolvimento tecnológico do Ministério da Economia, Fazenda e
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jJ~lJARTIGO
A transposição da lógica do modelo de Vale dizer que esse tipo de preocupa-
substituição de importações para a área ção ocorreu em praticamente todos os
tecnológica produziu instrumentos difí- países que, a exemplo do Brasil, passa-
ceis de serem cumpridos sem a amplia- ram por um processo de industrialização
ção dos controles burocráticos. É o caso, tardia e dependente do fornecimento de
por exemplo, do Ato Normativo 15/75 tecnologia estrangeira. Vide a Decisión 24
ao estabelecer que a tecnologia oriunda de 1970 da Comisión dei Acordo de Cariage-
do exterior teria que corresponder a ní- na e a Ley sobre eI Registro de la Transferen-
veis não existentes ou possíveis de obte- cia de Tecnologia, instituída no México em
rem no país, apurada através do confron- 1972.Na Argentina, a Lei 19.231 de 1971 es-
to com a efetiva e disponível capacitação tabeleceu medidas para combater as cláu-
interna para a sua execução ou com fon- sulas restritivas e os pagamentos injustos
tes alternativas já existentes (item 4.1.2). e criou o Registro Nacional de Contratos de
A exemplo desta, muitas outras exigên- Licencia y Transjerencias de Tecnologia, tor-
cias estabelecidas na regulamentação nando obrigatória a inscrição dos contra-
produzida nas fases anteriores procura- tos para efeito de pagamentos ao exte-
vam aplicar o conceito de similaridade à rior. Dezenas de outros países, inclusive
tecnologia, à semelhança do que era feito alguns desenvolvidos, também criaram
para as mercadorias tangíveis. Isso deu medidas para coibir as práticas restritivas
ao sistema de controle da importação de no comércio de tecnologia, conforme
tecnologia um aspecto anacrônico, princi- mostra um relatório da UNCTAD3.Nas
palmente quando se observa o avanço negociações multilaterais, no âmbito da
das teses liberais ou neoliberais que pro- UNCTAD, procurava-se elaborar um
pugnam por um Estado mínimo. "Código Internacional de Conduta para a
Transferência de Tecnologia", no qual os
países não desenvolvidos, fundamental-
mente importadores de tecnologia, espe-
ravam ver incluída a condenação a todo
tipo de prática abusiva neste comércio.
Este Código nunca chegou a ser aprova-
do, dada a grande resistência dos países
desenvolvidos; para os demais, eliminar
essas práticas abusivas significava elimi-
nar barreiras que impediam o desenvol-
vimento de uma capacitação tecnológica
interna.
A experiência tem mostrado que, para
países como o nosso, a importação de tec-
nologias e o aprendizado em torno delas
constituem os principais componentes da
capacitação tecnológica interna. Katz 4
Apesar de todos os exageros cometi- sustenta que uma teoria para compreen-
dos não se pode deixar de reconhecer der o processo de modernização técnica
seus efeitos positivos para o desenvolvi- de países como Argentina, Brasil e Méxi-
mento da capacidade tecnológica do país. co deve contemplar a existência de dois
3. UNITED NATIONS CONFE-
RENCE ON TRADE AND DEVE- Os elementos de controle instituídos ao momentos distintos. O primeiro momen-
LOPEMENT (UNCTAD). Contrai longo das últimas fases objetivavam, de to é de aquisição de tecnologia do merca-
of restrictive pratices in transfer algum modo, melhorar as condições de do internacional e sua transferência no
of tecnology transaction: selec-
ted principal regulation, policy contratação de tecnologia estrangeira e âmbito local. O segundo, ocorre após esta
guidelines and cases law at lhe facilitar o seu domínio por parte do con- transferência e tem como fato central o
national and regional leveI. New tratante local. Daí a preocupação com a aprendizado doméstico associado à
York: ONU/UNCTAD, 1982.
desagregação de pacotes tecnológicos, adaptação do produto e do processo às
4. KATZ, Jorge M. Importacion com a fixação de limites para pagamen- condições do meio receptor, bem como
de tecnologia, aprendizaje e in- tos, com a eliminação de cláusulas restri- da adequação deste próprio meio para
dustrialización dependente. Mé-
xico (DF): Fondo de Cultura tivas e outras condições desfavoráveis às incorporar a tecnologia transferida. Esse
Económica, p. 19, 1976. firmas receptoras. aprendizado ocorre mediante a realiza-
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ção de serviços técnicos do tipo troubie- não ingressaram no país por causa do
shooting para solucionar problemas da fá- controle exercido pelo governo. Certa-
brica, da engenharia do produto e do mente muitas negociações não se concre-
processo e de outras atividades técnicas tizaram por esse motivo, porém, não é
que permitem absorver e assimilar a tec- correto atribuir a esse controle a redução
nologia importada. A esses, pode-se do fluxo de tecnologia do exterior. Como
acrescentar um terceiro momento, quan- mostra a tabela 1, as remessas ao exterior
do o país passa a produzir internamente por importação de tecnologia decresce-
parte dos componentes tecnológicos ne- ram ao longo da década de 80, chegando
cessários à implementação de inovações em 1988 a menos da metade do que fora
significativas através da realização de no final da década de 70, uma época mar-
P&D original, engenharia de projeto etc. cada pela extrema rigidez do INPI. Uma
Um estudo realizado por Fleury ' com das causas desse fato encontra-se na re-
empresas do setor mecânico, incluindo cessão econômica do início dos anos 80 e
pequenas, médias e grandes, revelou a redução dos investimentos durante to-
que a capacitação tecnológica destas da esta década. Dados do IBRE/FGVI0
empresas ocorreu dentro de um proces- mostram que a formação bruta de capital
so de aprendizado orientado para a pro- fixo, que na década de 70 alcançara em
dução, no qual a função Engenharia média 22,4% do PIB, cai sistematicamen-
cumpre um papel fundamentaL O autor te na década de 80, chegando a 16% no
parte da lJ.éia de que, para a empresa, a seu final, que, na opinião desta institui-
tecnologia se apresenta corno um "paco- ção, trata-se de um percentual insuficien-
te de informações organizadas, de diferentes te para o retorno do crescimento econô-
tipos (científicos, empíricos etc.), provenien- mico às taxas históricas.
tes de várias fontes (descobertas científicas,
patentes, livros, manuais eic.), e através de
diferentes métodos (pesquisa, desenvolvi-
mento, adaptaçao, reproduçffo, espiona-
gem)", conforme definem Sábato & Mac-
kenz'ie>. Assim, para Fleury", aprendi-
zado tecnológico é um processo evoluti- 5. FLEURY, Afonso. Gestão de
vo, no qual a empresa passa a criar e tecnologia na empresa indus-
trial brasileira. Revista de Admi-
desenvolver sua capacidade em produ- nistração. São Paulo, v. 22, n.
zir pacotes, tendo como principal fonte 4, p. 3-13 (p.4), out./dez. 1987.
de informação as atividades de produ-
6. SÁBATO, Jorge, A MAKEN-
ção. A partir de pacotes obtidos inicial- ZIE, M. Tecnologia e estrutura
mente mediante licenciamento ou cópia, produtiva. São Paulo: lPT, n.
a empresa aprende a produzir outros 20, 1981 (publicações espe-
ciais).
para contar com processos mais eficien-
tes e produtos de melhor qualidade. 7. FLEURY,Afonso. Op, cit.
Trabalhos realizados por Kin 8 e La1l9 na
B. KIN, Linsu. Stages of develo-
Índia e Coréia do Sul, respectivamente, pement of industrial technology
mostram que o mesmo tipo de aprendi- in a developing country: a mo-
zado também se deu nestes países. Kin deI. Research Policy. North-Hol-
land, v.9, n. i, p. 154-77, jan.
sugere que o ciclo completo de aprendi-
1980.
zado envolve as fases de implementa-
ção da tecnologia importada, assimila- 9. LALL, Sanjaya. Developing
Fonte: Helá!óriàs do Banco-'Central do Brasll: 1981 countries as exporters of indus-
ção e melhoramentos; Lall denomina es-
p.99, 1~83 p,8Z, 198BJl.!l9, i987p'.117, 1991 p.gi trial tecnology. Research Policy.
tas fases de aprendizado elementar, in- North-Holland, v. 9, n. 1, p. 24-
termediário e avançado. Esse processo 52, jan. 1980.
de aprendizado evolutivo provavelmen-
10. INSTITUTO BRASILEIRO DE
te não se daria de modo pleno sem a A tabela 2 mostra o movimento de ECO~OMIA DA FUNDAÇÃO
atuação governamental sobre as condi- averbação de contratos de Serviços Técni- GETULIO VARGAS (IBRE/FGV).
ções de aquisição e absorção das tecno- cos Especializados, categoria contratual Carta do IBRE: como sair da es-
tagnação. Conjuntura Econômi-
logias importadas. que representou cerca de 66% do total de ca, v.42, n. 11, p. 7-10, [an.
Não há dados sobre as tecnologias que contratos de tecnologia averbados no pe- 1988.
13
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,
Fonfe: INPIIQfretQrla~ de Contratos.
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tentes, quer pelo reconhecimento das Medidas corno essas modificam com-
práticas restritivas no comércio de tec- pletamente o modo de apropriação de co-
nologia. nhecimentos tecnológicos. Uma delas, a
Na Rodada Uruguai de negociações eliminação da exigência de full disclosure
multilaterais do GATT, iniciada em 1986, corno condição para a concessão de pa-
os países industrializados ricos defendem tentes, rompe com uma das principais
propostas que tornariam os sistemas de justificativas que acompanhou a introdu-
proteção da propriedade intelectual (pa- ção dos sistemas de patentes desde a sua
tentes, marcas, know how, mask work etc.) origem no início da Era Moderna, qual
mais rigorosos e inflexíveis, retirando seja, a de que a patente promove a disse-
dos países a possibilidade de legislar uni- minação de informações científicas e tec-
lateralmente sobre esta matéria, segundo nológicas, pois ela torna pública a inven-
suas conveniências. Na avaliação dos
países industrializados, os acordos inter-
governamentais existentes, principal-
mente a Convenção da União de Paris
para a Proteção da Propriedade Indus-
trial, estabelecem princípios de proteção
muito flexíveis, que favorecem a criação
de sistemas nacionais de proteção aos ati-
vos tecnológicos pouco eficazes. Dessa
forma, os governos desses países defen-
dem a inclusão desse tema na esfera das
negociações no âmbito do GATT, tema
esse que até então tivera como foro privi-
legiado a OMPI (Organização Mundial
da Propriedade Intelectual). A mudança
de foro para essa questão implica o aban-
dono de uma regulamentação internacio-
nal formada por adesões voluntárias, co-
mo são os tratados administrados pela
OMPI, para um tratamento de caráter im- ção ou modelo patenteado. Assim, para a
positivo, típico do GATT, com dispositi- sociedade, a patente seria preferível ao si-
vos mais eficazes para obrigar os países a gilo como modo de proteção de conheci-
cumprir as cláusulas acordadas, tal co- mentos aplicáveis aos sistemas produti-
mo, o uso de retaliações comerciais. vos. Para os países de industrialização
Além disso, os países ricos defendem tardia a redução do disclosure tornará
a ampliação dos direitos resultantes das mais difícil o uso das informações conti-
atividades científicas e tecnológicas, tais das na documentação resultante do pro-
como: aumento dos prazos de validade cesso de patenteamento para fins de de-
para as patentes; redução da descrição senvolvimento tecnológico interno. Vale
da invenção (disclosure) para efeito de dizer que a utilização dessa documenta-
patenteamento; proteção aos segredos ção para esta finalidade era recomendada
de comércio (trade secrets); proibição da por organizações como OMPI, UNIDO
possibilidade dos países de excluir seto- (União das Nações Unidas para o Desen-
res econômicos ou áreas tecnológicas da volvimento Industrial) e UNCT AD (Con-
proteção patentária; eliminação dos dis- ferência das Nações Unidas para o Co-
positivos legais que obrigam a explora- mércio e o Desenvolvimento), como parte
ção da patente concedida no país conce- das estratégias de desenvolvimento tec-
dente, como é o caso da licença obrigató- nológico do tipo cathing up. Entendia-se
ria estabelecida na Convenção da União que a possibilidade de usar tais informa-
de Paris; e, como já foi dito, o uso de ções constituía uma das poucas vanta-
mecanismos punitivos, como a retalia- gens que os países tecnologicamente atra-
ção comercial, aos países que permiti.- sados poderiam obter da sua adesão aos
rem infrações aos direitos de proprieda- tratados internacionais sobre proprieda-
de intelectual. de industrial.
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~!JtJARTIGO
Mesmo que tais propostas ainda não te- 2. maiores dificuldades de apropriação
nham sido aprovadas pelo CATI, muitos das novas tecnologias;
países já começaram a introduzi-las em
suas legislações de propriedade industrial, 3. a globalização do mercado mundial;
em atendimento às pressões, via comércio
exterior, praticadas pelos países desenvol- 4. o acirramento da competição interna-
vidos, principalmente os Estados Unidos. cional e o declínio da liderança dos Es-
A legislação de comércio exterior deste tados Unidos.
país, modificada em 1984, prevê a possibi-
lidade de estabelecer retaliações comer- Para Cardozo 14, a perda de competiti-
ciais contra países que não ofereçam pro- vidade desse país tem sido vista como o
teção eficiente aos direitos de propriedade resultado de um modelo de proteção
Intelectual (u. S. Trade and Tariff Act, se- demasiado aberto e, portanto, incapaz
ção 301 e Omnibus Trade and Competiti- de impedir que outros países pudessem
veness Act, super 301). Face às pressões eventualmente se beneficiar da sua tec-
dessa natureza, diversos países já revisa- nologia, aproveitando-se de fragmentos
ram suas leis de propriedade intelectual e de informações que viessem a ter aces-
de transferência de tecnologia, como é o so. Diversos autores, tal como Zys-
caso do México, que veio modificando sua man 15, utilizam a expressão "neo-mer-
legislação desde 1986, culminando com a cantilismo" para caracterizar essa nova
"Ley de Formento y Proteción de La Pro- postura altamente intervencionista dos
priedad Industrial" de 1991. De acordo governos dos países tecnologicamente
com Conda 11, esta nova Lei, que aumen- avançados em torno do desenvolvimen-
tou consideravelmente os direitos dos ti- to tecnológico e de suas novas formas
tulares de patentes e marcas, acompanha de proteção. Nada mais distante do li-
uma tendência mundial que já está pre- beralismo pretendido para o comércio
sente nas legislações de vários países, den- de mercadorias tangíveis e para o fluxo
tre eles, Coréia do Sul, Espanha, Canadá, de capitais.
11. GONDA, Roberto U. La nue- Bélgica, Chile e China. No Brasil, a pro- As ações concretas entre as empresas
va ley mexicana en matéria de produtoras de tecnologias já incorpora-
propriedade industrial. Comér- posta de alteração do Código da Proprie-
cio Exterior, México (DF), v. 21 dade Industrial (Lei 5772/71), em tramita- ram as práticas protecionistas objeto das
n. 11,p. 1057, novo1991. ção no Legislativo Federal, também se ins- negociações da Rodada Uruguai. As
creve nesta tendência geral de fortaleci- aquisições de tecnologia pela via contra-
12. PATEL, Surendra J. Los de-
rechos de propriedad intelectual mento dos direitos dos titulares de paten- tual exclusiva e isolada, que prevalece-
em la Ronda de Uruguay. Co- tes, tais como a ampliação dos seus prazos ram até meados da década passada, estão
mércio Exterior, México (DF), V. sendo rapidamente substituídas por acor-
de validade e das áreas possíveis de pa-
39 n. 4, p. 288-301 (p. 299),
abr. 1989. tenteabilidade (produtos químicos de per dos globais entre empresas para formar
se, produtos e processos farmacêuticos, alianças estratégicas, envolvendo merca-
13. CORREA,Carlos Maria. Pro- dos, tecnologias, composição societária,
alimentícios etc).
teccionismo tecnológico y acce-
so a tecnologia en los países en A atual situação é bastante contraditó- fontes de financiamento etc. Essas alian-
desarrolo. In: SEMINARIO IN- ria. De um lado, verifica-se o crescimento ças pressupõem formas mais complexas
TERNACIONAL: TRANSFERÊN- das teses liberais e, de outro, um indisfar- de interação entre empresas, tais como
CIA DE TECNOLOGIA E MU-
DANÇA NO CENÁRIO INTERNA- çado protecionismo na área da proprieda- joint venture, projetos conjunto de P&D e
CIONAL (mimeo). São Paulo, p. de intelectual e, por conseguinte, na de licenças cruzadas (cross-licensing) para
2, 20-22 de novembro de 1990. transferência de tecnologia. Ou, como iro- uso de patentes, marcas e know how, for-
14. CARDOZO, Arthur Câmara. niza Patel ", esses governos "advogam ao mando um relacionamento de coopera-
Consideracione sobre el tema mesmo tempo a liberdade para seus comercian- ção e competição simultâneo. As alianças
de la protección tecnológica y tes e a proteção para os seus industriais". Na estratégicas refletem o aprofundamento
los paises em desrrolo. In:
Reflexiones de caracas: taller de opinião de Correa 13, a ofensiva dos paí- de uma tendência do comércio de tecno-
especialistas in política tecno- ses industrializados nessa área reclaman- logia desde há muito conhecida, qual se-
lógica.Anais. Caracas: UNCTAD, do por mais proteção à propriedade inte- ja, a de ser este comércio mais propício
p. 77, 4 a 8 de junio de 1990.
lectual e ao seu comércio deve-se às se- para operações casadas, na qual cada em-
15. ZYSMAN, John. Trade, Tec- guintes razões: presa passa a ser, ao mesmo tempo, for-
nology and national competi- necedora e receptora de tecnologia. As-
tion. Internation Journal of Iec-
nology Management, V. 7, n.1, l. a intensificação das atividades de P&D sim, a empresa que produz tecnologia de
jan.1992. e a elevação dos seus custos; modo sistemático adquire maior facilida-
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Explotación de Patentes y Marcas", de ções para os países que ainda continuam
1990, reduziu a intervenção governa- dependentes economicamente e, por
mental nessa área a tal ponto que, na conseguinte, em matéria de tecnologia.
opinião de Soberanis 17, o registro dos Estas distorções serão tanto maiores
atos e contratos sobre transferência de quanto maiores forem os seus desajustes
tecnologia no órgão competente conver- econômicos. Barraza 19 mostra que no
teu-se praticamente num requisito México a principal preocupação quanto
formal. à liberalização do comércio de tecnolo-
gia, estabelecido em 1991, conforme
PROBLEMAS E PROMESSAS mencionado na seção anterior, referia-se
à possibilidade de ocorrer uma avalan-
Com o afrouxamento da intervenção che de modificações nos contratos exis-
governamental sobre o comércio de tec- tentes para incluir restrições antes não
nologia, pode-se vislumbrar de pronto al- toleradas, inclusive elevação dos paga-
guns problemas. Operações fictícias en- mentos. Isso porém não ocorreu, pelo
volvendo transferência de tecnologia po- menos nos primeiros meses dessa nova
dem servir como fachada para remessas regulamentação, e os pagamentos de ro-
disfarçadas de lucro ou para qualquer yalties ficaram entre 4 a 7% do preço de
outra finalidade deste gênero. Vale lem- venda, taxas essas semelhantes às prati-
brar que isso de certa forma já ocorreu na cadas no período anterior à liberalização.
Argentina. Este país começou a discipli- Na opinião desse autor, esses dados
nar essa matéria em 1971 com a criação mostram que as empresas nacionais que
do "Registro Nacional de Contratos de contrataram tecnologia, seja com forne-
Licencia y Transferencia de Tecnología", cedores locais, seja com estrangeiros, ha-
que passou a funcionar dentro do INTI viam aprendido a negociar e que a expe-
(Instituto Nacional de Tecnologia Indus- riência acumulada de 18 anos de regula-
trial), e com o estabelecimento de normas mentação dessa matéria produziu resul-
gerais para a efetivação dos registros. Em tados favoráveis.
1976, com a ditadura militar, inicia-se Os principais problemas que a libera-
uma mudança de orientação política, lização do controle podem trazer para o
com a adoção de medidas liberalizantes país decorrem do tempo perdido e do
em matéria econômica, incluindo as que pouco investimento dedicado à C&T,
referem-se à transferência de tecnologia. principalmente ao longo da última déca-
Em 1977, a atuação do INTI nesta ques- da. Neste aspecto, o Brasil se encontra
tão ficou limitada apenas ao registro in- numa posição de clara desvantagem em
formativo dos contratos, que, em outras relação aos seus principais parceiros no
17. SOBERANIS, Jaime Álvares. palavras, significou eliminar as exigên- comércio internacional, face a um desen-
La política mexicana em matéria cias prévias para efetuar as contratações, volvimento tecnológico que ao longo do
de transpaso tecnológico. Co-
mércio Exterior, México, D.F., v.
conforme eram feitas até aquela data. De tempo se mostrou descontínuo e aquém
40, n.8, p. 767-772,ago. 1990. acordo com Correa 18, as remessas a título do que seria necessário para promover a
de pagamento por tecnologia saltaram de transição de um modelo econômico fe-
18. CORREA, Carlos Maria. Tec- US$ 51 milhões em 1977, o ano da mu- chado para outro baseado na competição
nologia y desarrolo de la infor-
mática en el contexto norte-sur. dança, para US$ 484 milhões, ao final internacional, competição que se mostra
Buenos Aires: Eudeba, p. 96-7, desse processo de liberalização em 1983. cada vez mais acirrada.
1989. Nesse mesmo período, ocorria na Argen- No Brasil, os investimentos em C&T
19. BARRAZA, Juan Antonio To- tina um desmantelamento da sua estru- também ficaram estagnados, como mos-
ledo. Justificaciones de política tura produtiva, especialmente do setor tra o orçamento da União para a Ciência
industrial y comercial para industrial, acompanhado de uma queda e Tecnologia (OUCT) ao longo dos anos.
abrogar la ley de tranferência de
tecnologia. Comércio Exterior, de 17% do PIB. Ou seja, ao contrário do Dados levantados pelo CNPq 20 mostram
México (DF), v. 41, n. 11, p. que seria de esperar, o aumento dos pa- que, de 1981a 1988,o OUCTjPIB passou
1037-1040, novo1991. gamentos ao exterior por tecnologia não de 0,38%a 0,42%respectivamente, o que
20. CONSELHO NACIONAL DE tiveram nenhuma correlação com o cres- representa um acréscimo insignificante
DESENVOLVIMENTO CIENTí- cimento econômico do país. para um país que almeja superar a de-
FICO E TECNOLÓGICO (CNPq). O que ocorreu na Argentina mostra pendência tecnológica conforme estabe-
Orçamento da União para a
C&T. Brasília, CNPq, p. 10, que a liberalização do comércio interna- lecia os PBDCTs, já comentados. Consi-
1989. cional de tecnologia pode trazer distor- derando que o OUCT corresponde a
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NOVA REGULAMENTAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NO BRASIL
CONCLUSÃO
A experiência internacional mostra
que a intervenção governamental sobre a
importação de tecnologia deve ser apro-
priada ao estágio de desenvolvimento Hoje, o Brasil vive uma situação bas-
das empresas e do país. Quanto maior for tante difícil. Dentro do novo cenário in-
o desnível entre estes e os fornecedores ternacional não há mais espaços para
estrangeiros, maior será a necessidade de continuar praticando uma regulamenta-
ação governamental para coibir as aquisi- ção restritiva, própria do modelo de
ções contrárias aos objetivos de desenvol- substituição de importações e de uma
vimento do país. À medida que o país economia fechada. Porém, a abertura
desenvolve a sua capacidade técnica e que está sendo feita e que pressupõe um
científica, pode-se proceder a urna gra- modelo competitivo de reconversão in-
duaI e seletiva liberalização dos controles dustrial, encontra a economia enfraque-
governamentais, pois espera-se que as cida pela crise prolongada, pelos planos
empresas que possuam capacitação tec- de estabilização fracassados e pela pro-
nológica própria tenham condições de funda recessão deste início de década.
realizar contratações vantajosas para si, Acrescenta-se a isso a lamentável situa-
sem a necessidade de serem tuteladas pe- ção em que se encontra a área de C&T,
lo governo. corno decorrência de anos de políticas
O Brasil passou por diversas fases da desastradas e irresponsáveis. Sem a re-
atuação governamental nesta área, evo- versão desse cenário desfavorável, os be- 21. FAJNZYLBER, Fernando. In-
luindo desde uma liberdade absoluta, nefícios esperados da liberalização do serción internacional e innova-
ción institucional. Revista de la
com o objetivo de promover a industriali- comércio de tecnologia podem não se CEPAL, Santiago (CH), p. 167,
zação em marcha acelerada, até a institui- concretizar. O ago. 1991.
Artigo recebido pela Redação da RAE em dezembro/92, aprovado para publicação em março/93. 19
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