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jJ$ ARTIGO

NOVA REGULAMENTAÇAO DA TRANSFERENCIA


DE TECNOLOGIA NO BRASIL
* PALAVRAS-CHAVE: Transferência de tecnologia, novas
• José Carlos Barbieri
Professor do Departamento de Administração da Produção, tecnologias, política industrial e de comércio exterior, re-
Logística e de Operações Industriais e Membro do CPGT
conversão industrial, propriedade industrial.
(Centro de Política e Gestão Tecnológica) da EAESP/FGV.

• Walter Delazaro * ABSTRACT: Gouernmeni regulations on technology


Professor do Departamento de Administração da Produção, transfer has bem revised in almosi every country. These
Logística e de Operações Industriais e Coordenador do changes follow tentative policies on economic liberaliza-
NATAD (Núcleo de Assessoria Técnica e Administrativa)
tion ihroughout the world, as presented in ihe paper. The
da EAESP/FGV.
proposal of ihe text is to discuss looking ai the Brazilian
case, the undersiandings and consequences from the pro-
* RESUMO: As regulamentações governamentais sobre posed modifications. They will increase the requirements
transferência de tecnologia estão sendo revistas em pratica- siablished hy a deoelopmeni model based on iniernaiional
mente todos os países, seguindo as políticas de abertura eco- competitiveness.
nômica. O propósito deste texto é discutir, para o caso bra-
sileiro, os condicionantes e os impactos dessas modificações * KEY WORDS: Tecnology transfer, new iechnologies, in-
considerando as exigências decorrentes de um modelo de de- dustrialization and foreign trade policy, industrial moâer-
senvolvimento baseado na competitividade internacional. nizaiion, industrial property.

6 Revista de Administração de Empresas São Paulo, 33(3):6-19 Mai./Jun. 1993


NOVA REGULAMENTAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NO BRASIL

INTRODUÇÃO EVOlUÇÃO DO CONTROLE


GOVERNAMENTAL
A transferência de tecnologia tem sido
considerada um tema importante para as Analisando o processo de intervenção
políticas governamentais independente- governamental sobre a importação de
mente do grau de desenvolvimento alcan- tecnologia pelos países em desenvolvi-
çado pelos respectivos países. Questões mento ou de industrialização tardia ao
pertinentes a este tema continuam sendo longo do tempo e em escala mundial, Pri-
objeto de intensa regulamentação apesar mo 1, que dirigiu O Registro Espanhol de
do avanço das teses liberais. Mesmo em Transferência de Tecnologia, de 1973 a
países desenvolvidos, a intervenção gover- 85, postula uma teoria para esse proces-
namental é uma constante, como atesta o so, envolvendo quatro estágios funda-
conhecido pacto entre os Estados Unidos e
o Japão para a transferência de tecnologia.
Para os países em desenvolvimento, que
construíram um parque industrial diversi-
ficado e de porte significativo, a ação go-
vernamental sobre a transferência de tec-
nologia constitui hoje uma peça funda-
mental para conduzir com sucesso um
processo de reconversão industrial. Impor-
tantes questões dessa natureza são objetos
de polêmicas acirradas, tanto no âmbito
interno, quanto nas negociações intergo-
vernamentais, como é o caso da Rodada
Uruguai do GATT (General Agreement on
Tariffs and Trading). Daí a necessidade de
ampliar os conhecimentos sobre essa área,
principalmente numa época como a atual,
quando governos e organismos internacio-
nais estão empenhados em encontrar um
novo quadro institucional para as questões
relacionadas com a transferência de tecno-
logia e a proteção dos ativos tecnológicos. mentais. O primeiro, denominado "de-
O objetivo deste trabalho é mostrar este manda de tecnologia", tem como objetivo
quadro de mudanças no que concerne à básico a aquisição de tecnologia externa
transferência de tecnologia, um dos ingre- sem muitas considerações sobre as condi-
dientes determinantes da nova competiti- ções contratuais. A segunda fase, que o
vidade internacional. Inicialmente, será autor denomina de "registro dos contra-
apresentada uma breve evolução da im- tos de transferência de tecnologia", surge
plantação do sistema de controle governa- quando já existe uma infra-estrutura téc-
mental sobre a transferência de tecnologia nico-científica e razoável produção e con-
no Brasil e sobre as recentes mudanças que sumo industriais. Nesta fase, procura-se
prenunciam urna nova fase de atuação do melhorar as formas e as condições com
governo nesta área. Em seguida, será apre- que as tecnologias são adquiridas, no
sentado um balanço crítico desse sistema sentido de eliminar cláusulas restritivas e
através dos resultados alcançados e das injustas. Na terceira fase, a ênfase passa a
objeções que lhe foram feitas. Por fim, dis- ser o estímulo à P&D (Pesquisa e Desen-
cutem-se as tendências internacionais e as volvimento Experimental) e à assimila-
possíveis repercussões sobre o fluxo de ção da tecnologia contratada. A supervi-
tecnologia do exterior para dar sustentação são e controle dos contratos passam a ser
ao processo de reconversão industrial. Es- mais seletivos, procurando-se associar as 1. PRIMO. Cesar. A experiência
pera -se com esse trabalho contribuir para compras de tecnologia com o esforço de espanhola na regulamentação
ampliar os conhecimentos sobre um tema absorção e desenvolvimento tecnológico da transferência de tecnologia.
In: Informações sobre Tecnolo-
altamente polêmico e carente de soluções das empresas receptoras. O último está- gia. MIC/STI/INPI, Ano 11, n. 6,
pacificadas. gio seria a liberação da transferência de p.4, 1º trimestre de 1986.

© 1993, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. 7


11~l2ARTIGO
tecnologia, pela redução do controle, que tecnologias estrangeiras sem, no entanto,
passaria a ser exercido apenas nos casos eliminar completamente os mecanismos
em que podem ocorrer sérios abusos. de controle governamental.
Mesmo considerando que os ciclos se so- No Brasil, a intervenção governamen-
brepõem, o autor citado entende que ca- tal sobre a transferência de tecnologia
da um representa um patamar tecnológi- também passa por fases semelhantes
co mais elevado. àquelas mencionadas acima. A primeira,
O esquema apresentado acima mostra que vai do pós-guerra até o início da dé-
que a intervenção governamental sobre a cada de 60, caracteriza-se por uma ampla
importação de tecnologia deve ser apro- liberdade para importar tecnologia com
priada ao estágio de desenvolvimento o intuito de facilitar a industrialização
tecnológico das empresas e do país. do país. Esta é a fase de demanda de tec-
Quanto maior for o desnível entre estes e nologia, suprida basicamente através da
os supridores estrangeiros, maior será a importação de tecnologia incorporada
necessidade de ação governamental para em bens de capital e nos serviços neces-
coibir abusos e direcionar as aquisições sários a sua instalação e início de opera-
de tecnologia para os objetivos nacionais ção. Dentro dessa política, o investimen-
de desenvolvimento. À medida que o to estrangeiro direto teve uma participa-
país desenvolve a sua capacidade técnica ção decisiva que marcou profundamente
e científica, pode-se liberalizar os contro- as características estruturais da indústria
les governamentais, pois se espera que as brasileira. E iria contribuir para o agra-
empresas detentoras de capacitação tec- vamento das crises econômicas verifica-
nológica própria tenham condições de das ao final dos anos 50, quando esse
realizar contratações vantajosas para si. processo de industrialização substitutiva
Talvez seja este o motivo do abranda- de importações de bens de consumo fi-
mento da legislação do Japão em anos re- nal chegara aos seus limites. A redução
centes. A legislação japonesa, em matéria do ingresso de capital estrangeiro resul-
de transferência de tecnologia, tem sido tante da diminuição do ritmo de indus-
apontada como um dos principais instru- trialização ocorrido nesse período, com-
mentos que levou este país à posição de binada com o aumento das remessas de
destaque que hoje ocupa, depois de sair divisas ao exterior, produziu fortes dese-
devastado da Segunda Guerra Mundial. quilíbrios no balanço de pagamentos. Fa-
De acordo com Eckstrom-, o crescimento ce a essa dificuldade, da qual pratica-
do Japão foi cuidadosamente orquestra- mente o Brasil não iria mais se livrar,
do e conduzido pelo seu governo, através surgiram medidas governamentais de
da Lei de Investimentos Estrangeiros, da natureza fiscal e cambial para disciplinar
Lei de Comércio Exterior e da Lei Anti- o fluxo de recursos com o exterior, den-
monopólio, que foram sendo modifica- tre elas, medidas de controle sobre a im-
das com o tempo em função das necessi- portação de tecnologia, dando início à fa-
dades da indústria deste país, para per- se de registro dos contratos de transfe-
mitir que as empresas japonesas pudes- rência de tecnologia.
sem ter acesso às tecnologias necessárias Com efeito, uma das principais medi-
por meio de acordos com empresas de das que procurou atuar sobre o fluxo de
países altamente industrializados. Com recursos decorrentes do pagamento por
base nessas legislações, o Japão estabele- tecnologia adquirida do exterior foi a Lei
ceu um processo de importação seletiva 3.470, de 1958, de natureza exclusiva-
de tecnologia, conforme as necessidades mente fiscal, que, entre outras disposi-
do seu setor produtivo e dos objetivos da ções, estabeleceu limites máximos à de-
política industrial do país. Essa legisla- dutibilidade no âmbito do Imposto sobre
ção, no que refere-se à importação de tec- a Renda para as quantias devidas por
nologia, foi se tornando mais liberal à conta de transferência de tecnologia. A
medida que o país se fortalecia na produ- Lei 4131,de 1962,que disciplina a aplica-
ção própria de tecnologia. Após uma fase ção do capital estrangeiro e as remessas
2. ECKSTROM, Lawrence J, Li- bastante restrita, que vigorou até 1968, de divisas ao exterior, estabeleceu pela
censing in foreing and domesfic
ooeretions. New York: Clark essa legislação foi progressivamente am- primeira vez a obrigatoriedade do regis-
Broardman Co., 1986. pliando a liberdade de contratação de tro dos contratos de transferência de tec-

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NOVA REGULAMENTAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NO BRASIL

nologia no Banco Central, além de outros cançados a atualização tecnológica de di-


dispositivos aplicáveis a esta matéria, tal versos setores, fazendo com que eles se
como, a proibição de pagamento de rayal- beneficiassem de conhecimentos já exis-
ties pelo uso de patentes e marcas entre a tentes nos países desenvolvidos. Propu-
filial e a sua matriz no exterior. A Lei nha, além disso, o fortalecimento da en-
4.137, também de 1962, que regula a re- genharia de projeto e da atividade con-
pressão ao abuso do poder econômico, sultiva, a seleção das tecnologias a serem
abria a possibilidade de intervenção go- importadas e a consolidação do sistema
vernamental para evitar cláusulas restri- de propriedade industrial. O III PBDCT,
tivas ou prejudiciais ao contratante nacio- estabelecido para o período de 1980 a
nal e que resultavam do seu baixo poder 1985, fixava como objetivo básico a redu-
de barganha em relação ao fornecedor de ção da dependência científica e tecnológi-
tecnologia. ca do país. A lógica que presidia a elabo-
A legislação dessa segunda fase, ou fa- ração destas políticas e, conseqüentemen-
se de registro, que vai até o final da déca- te, dos instrumentos de controle da trans-
da de 60, previa instrumentos para elimi- ferência de tecnologia era a da substitui-
nar cláusulas desfavoráveis ao contratan- ção de importação.
te nacional, verificar o cumprimento dos
objetivos contratuais e incentivar a absor-
ção da tecnologia adquirida. Porém a in-
tervenção governamental sobre a impor-
tação de tecnologia perseguia basicamen-
te as questões fiscais e cambiais decorren-
tes desse comércio. No início da década
de 70, essa intervenção se intensifica com
a criação do INPI (Instituto Nacional da
Propriedade Industrial), que passou a
exercer atribuições específicas na área da
transferência de tecnologia e correlatos,
juntamente com as atribuições típicas de
um órgão de Propriedade Industrial (Lei
5.648 de 1970). É o início da terceira fase,
quando a intervenção governamental so-
bre essa matéria se volta para estimular a
absorção da tecnologia contratada e O Código da Propriedade Industrial,
apoiar o desenvolvimento da capacitação instituído pela Lei 5.772 de 21/12/71, fora
tecnológica do país. Com isso, o controle concebido dentro de um processo de in-
governamental passa a ser feito em fun- dustrialização substitutiva de importações
ção dos aspectos tecnológicos em si e em de insumos básicos, infra-estrutura indus-
consonância com as políticas nacionais de trial e tecnologia. Esse processo teve como
C&T (Ciência e Tecnologia), sem abando- elemento fundamental a facilidade de ob-
nar aquelas considerações de ordem fiscal ter tecnologia no mercado internacional.
e cambial introduzidas na fase anterior. Primeiro, por tratar-se quase sempre de
Vale lembrar que data dessa mesma tecnologias maduras, cujos investimentos
época a explicitação dessas políticas na- feitos para obtê-las já se encontravam
cionais de C&T, nas quais as questões amortizados nos seus países de origem.
pertinentes à transferência de tecnologia Segundo, pelo isolamento da economia
sempre tiveram destaque. O I PBDCT brasileira, próprio do modelo de substitui-
(Primeiro Plano Básico de Desenvolvi- ção de importações. Os fornecedores de
mento Científico e Tecnológico), que vi- tecnologia não se sentiam ameaçados pe-
gorou em 1973 e 1974, tinha entre seus los receptores que, na maioria, atuavam
objetivos o fortalecimento da capacidade basicamente no mercado interno. Além
de absorção e criação de tecnologia pelas disso, as transações envolvendo tecnolo-
empresas nacionais, públicas e privadas. gia constituíam-se, para muitos fornece-
O II PBDCT, do período de 1975 a 1979, dores, na única maneira de penetrar no
estabeleceu entre os objetivos a serem al- mercado brasileiro, altamente protegido.

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i1m ARTIGO
Foi tendo em vista um contexto como do país, ao mesmo tempo que exercia as
esse que o Código da Propriedade Indus- atribuições cartoriais que lhe são
trial de 1971 estabeleceu diversos meca- inerentes.
nismos para atuar sobre o fluxo de tecno- Durante essa terceira fase estava implí-
logia do exterior, complementando ou- cito que o controle sobre a tecnologia ex-
tras legislações que direta ou indireta- terna era essencial para romper o ciclo de
mente tratavam deste assunto, tais como dependência tecnológica e contribuir pa-
a Lei 4131/62 e a 4137/62, já menciona- ra o desenvolvimento autônomo do país.
das anteriormente. Dentre os dispositivos Dentro da perspectiva de uma política de
do Código sobre essa questão, o mais im- substituição da tecnologia importada, en-
portante, sem dúvida, é o que estabelece tendia-se que era necessário atuar simul-
que os atos e contratos que impliquem taneamente no controle do fluxo de tec-
transferência de tecnologia fiquem sujei- nologia do exterior e na promoção do de-
tos à averbação no INPI (art. 126). A senvolvimento tecnológico das empresas
averbação gera importantes efeitos eco- e instituições governamentais de pesqui-
nômicos para o contratante local, pois é sa. Entendia-se que, sem esse controle, o
através dela que se torna possível a de- empresário, pressionado por questões
dutibilidade fiscal e a legitimação dos pa- imediatistas, sempre iria preferir com-
gamentos decorrentes. Para a empresa prar tecnologia pronta a arcar com o
fornecedora, caso o objeto contratual seja ônus e o risco de produzir tecnologia na
patente ou marca registrada, concedida própria empresa, ou contratar os serviços
ou depositada no Brasil, a averbação de uma instituição de pesquisa. A fraca
constitui elemento probatório do seu uso interação entre empresas e instituições de
efetivo, para impedir a extinção antecipa- ensino e pesquisa, cuja superação consti-
da dos direitos por caducidade. Além tuía inclusive objetivo específico das polí-
desses dispositivos, o Código estabelece ticas de C&T, era um indício de que tal
a proibição de remeter pagamentos por suposição estava correta.
tecnologia objeto de pedido de patente Em meados dos anos 80, começou a se
em tramitação no INPI. esboçar um movimento de liberação do
Inicialmente, o INPI preocupou-se controle em bases seletivas. Os contratos
com a criação e aplicação de normas re- referentes aos projetos aprovados pelo
gulamentatórias para efeito de averba- PDTI (Programa de Desenvolvimento de
ção de contratos. Dentre estas, merecem Tecnologia Industrial) e do PSI (Progra-
destaque o Ato Normativo 15/75, que ma Setorial Integral), ambos criados pelo
estabeleceu conceitos e normas para a Decreto-Lei 2.433/88, que instituiu ins-
elaboração de contratos e o Ato Norma- trumentos de política industrial, passa-
tivo 32/78, que criou a sistemática da ram a ser dispensados da consulta prévia
consulta prévia. Posteriormente, outros (AN 93/88). Outras medidas liberalizan-
Atos Normativos foram expedidos para tes já estavam em curso no âmbito do IN-
forçar a absorção da tecnologia adquiri- PI, no sentido de eliminar restrições e
da e incentivar a realização de ativida- deixar de examinar cada cláusula do con-
des de pesquisa e desenvolvimento ex- trato, para empresas ou setores que ha-
perimental (P&D) em empresas. A par- viam alcançado elevada capacitação tec-
tir do início da década de 80, comple- nológica, como havia sido o caso do setor
mentarmente, o INPI passou a criar di- siderúrgico (Ato Normativo 99/89). As
versos Programas e Comissões de apoio medidas adotadas pelo Executivo Federal
ao desenvolvimento tecnológico, como a partir de 1990interrompem este proces-
o PROFINT (Programa de Fornecimento so de liberalização seletiva e inauguram
Automático de Informações Tecnológi- uma nova fase, que pretende se caracteri-
cas), o PROATEC (Programa de Acom- zar por uma ampla liberalização da eco-
panhamento da Evolução Técnica da In- nomia, incluindo os aspectos concernen-
dústria) e a Comissão Permanente para tes à transferência de tecnologia.
Área de Biotecnologia. Nota-se que com A nova Política Industrial e de Comér-
estes Programas o INPI procurou enga- cio Exterior, cujas diretrizes gerais foram
jar-se de uma forma mais ativa no pro- aprovadas pela Portaria 365 de 26/06/90
cesso de desenvolvimento tecnológico do Ministério da Economia, Fazenda e

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NOVA REGULAMENTAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NO BRASIL

Planejamento, estabeleceu como objetivo exterior para pagamentos de royalties en-


o aumento da eficiência na produção e tre empresas do mesmo grupo econômi-
comercialização de bens e serviços, me- co (art. 50). Como essas muitas medidas
diante a modernização e reestruturação liberalizantes em matéria de política in-
da indústria. Para isso, foram definidas dustrial e de comércio exterior já estão
as seguintes estratégias de ação governa- em curso, enquanto outras aguardam as
mental: redução progressiva dos níveis decisões no âmbito do Legislativo Fede-
de proteção tarifária e fortalecimento dos ral, como é o caso das alterações no Códi-
mecanismos de defesa da concorrência; go da Propriedade Industrial.
reestruturação competitiva da indústria,
mediante apoio credítício e da infra-es-
trutura tecnológica; fortalecimento de
segmentos potencialmente competitivos
e do desenvolvimento de novos setores,
através da maior especialização da pro-
dução; exposição planejada da indústria
brasileira à competição internacional; e
capacitação tecnológica das empresas na-
cionais. Como se vê, trata-se de medidas
que diferem radicalmente daquelas cria-
das ao longo do processo de substituição
de importações. Esse documento legal
menciona explicitamente o Código da
Propriedade Industrial como um dos ins-
trumentos de política industrial que de-
verá ser revisto.
A Comissão Intenninisterial instituída
pela Portaria 370 de 26/06/90 para elabo-
rar um anteprojeto de lei visando a alte-
rar o Código da Propriedade Industrial, RESUl lADOS E OBJEÇÕES
em relação à transferência de tecnologia,
sugeriu o seguinte: desregulamentar os Não se pode negar que nessas últimas
processo de averbação dos contratos de fases ocorreram excessos como, por
transferência de tecnologia; tornar facul- exemplo, o Ato Normativo 65/83, que
tativa a sistemática da consulta prévia; exigia do contratante nacional o levanta-
simplificar os procedimentos de análise mento prévio de documentos de patentes
dos contratos; explicitar que não existem para justificar a contratação de tecnologia
limites pré-estabelecidos aos valores que do exterior; ou a exigência feita às partes
serão pagos nos processos de transferên- contratantes de firmar documento afir-
cia de tecnologia; e estabelecer transpa- mando não possuírem entre eles outros
rência ao processo de averbação. termos acordados que não os constantes
Em atendimento a estas recomenda- no contrato averbado. Mais ainda, o INPI
ções, o INPI aprovou a Resolução nº 22, utilizou de forma extensiva diversos dis-
de 27/02/91, que estabelece normas mais positivos concernentes à dedutibilidade
flexíveis para a averbação de contratos fiscal para servir de limites ao pagamento
que impliquem transferência de tecnolo- por tecnologia adquirida e que, em al-
gia e correlatos. Essa Resolução marca o guns casos, depois de demorados emba-
início dessa nova fase de atuação gover- tes jurídicos, vieram a ser contrariados
namental sobre o fluxo de tecnologia do pela justiça. Muitas empresas deixaram
exterior que deverá se pautar por uma re- de utilizar este recurso em função da pro-
dução da intervenção governamental verbial morosidade do nosso aparato ju-
nesta área. A Lei 8383, de 30/12/91, que dicial. Acrescentam-se ainda todas as dis-
altera a legislação do Imposto sobre a funções de uma burocracia estatal para
Renda, revogou os dispositivos da Lei dar razão à grita generalizada do empre-
4131/62, já comentada anteriormente, sariado contra esses procedimentos de
que impediam a remessa de divisas ao controle.

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jJ~lJARTIGO
A transposição da lógica do modelo de Vale dizer que esse tipo de preocupa-
substituição de importações para a área ção ocorreu em praticamente todos os
tecnológica produziu instrumentos difí- países que, a exemplo do Brasil, passa-
ceis de serem cumpridos sem a amplia- ram por um processo de industrialização
ção dos controles burocráticos. É o caso, tardia e dependente do fornecimento de
por exemplo, do Ato Normativo 15/75 tecnologia estrangeira. Vide a Decisión 24
ao estabelecer que a tecnologia oriunda de 1970 da Comisión dei Acordo de Cariage-
do exterior teria que corresponder a ní- na e a Ley sobre eI Registro de la Transferen-
veis não existentes ou possíveis de obte- cia de Tecnologia, instituída no México em
rem no país, apurada através do confron- 1972.Na Argentina, a Lei 19.231 de 1971 es-
to com a efetiva e disponível capacitação tabeleceu medidas para combater as cláu-
interna para a sua execução ou com fon- sulas restritivas e os pagamentos injustos
tes alternativas já existentes (item 4.1.2). e criou o Registro Nacional de Contratos de
A exemplo desta, muitas outras exigên- Licencia y Transjerencias de Tecnologia, tor-
cias estabelecidas na regulamentação nando obrigatória a inscrição dos contra-
produzida nas fases anteriores procura- tos para efeito de pagamentos ao exte-
vam aplicar o conceito de similaridade à rior. Dezenas de outros países, inclusive
tecnologia, à semelhança do que era feito alguns desenvolvidos, também criaram
para as mercadorias tangíveis. Isso deu medidas para coibir as práticas restritivas
ao sistema de controle da importação de no comércio de tecnologia, conforme
tecnologia um aspecto anacrônico, princi- mostra um relatório da UNCTAD3.Nas
palmente quando se observa o avanço negociações multilaterais, no âmbito da
das teses liberais ou neoliberais que pro- UNCTAD, procurava-se elaborar um
pugnam por um Estado mínimo. "Código Internacional de Conduta para a
Transferência de Tecnologia", no qual os
países não desenvolvidos, fundamental-
mente importadores de tecnologia, espe-
ravam ver incluída a condenação a todo
tipo de prática abusiva neste comércio.
Este Código nunca chegou a ser aprova-
do, dada a grande resistência dos países
desenvolvidos; para os demais, eliminar
essas práticas abusivas significava elimi-
nar barreiras que impediam o desenvol-
vimento de uma capacitação tecnológica
interna.
A experiência tem mostrado que, para
países como o nosso, a importação de tec-
nologias e o aprendizado em torno delas
constituem os principais componentes da
capacitação tecnológica interna. Katz 4
Apesar de todos os exageros cometi- sustenta que uma teoria para compreen-
dos não se pode deixar de reconhecer der o processo de modernização técnica
seus efeitos positivos para o desenvolvi- de países como Argentina, Brasil e Méxi-
mento da capacidade tecnológica do país. co deve contemplar a existência de dois
3. UNITED NATIONS CONFE-
RENCE ON TRADE AND DEVE- Os elementos de controle instituídos ao momentos distintos. O primeiro momen-
LOPEMENT (UNCTAD). Contrai longo das últimas fases objetivavam, de to é de aquisição de tecnologia do merca-
of restrictive pratices in transfer algum modo, melhorar as condições de do internacional e sua transferência no
of tecnology transaction: selec-
ted principal regulation, policy contratação de tecnologia estrangeira e âmbito local. O segundo, ocorre após esta
guidelines and cases law at lhe facilitar o seu domínio por parte do con- transferência e tem como fato central o
national and regional leveI. New tratante local. Daí a preocupação com a aprendizado doméstico associado à
York: ONU/UNCTAD, 1982.
desagregação de pacotes tecnológicos, adaptação do produto e do processo às
4. KATZ, Jorge M. Importacion com a fixação de limites para pagamen- condições do meio receptor, bem como
de tecnologia, aprendizaje e in- tos, com a eliminação de cláusulas restri- da adequação deste próprio meio para
dustrialización dependente. Mé-
xico (DF): Fondo de Cultura tivas e outras condições desfavoráveis às incorporar a tecnologia transferida. Esse
Económica, p. 19, 1976. firmas receptoras. aprendizado ocorre mediante a realiza-

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NOVA REGULAMENTAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NO BRASIL

ção de serviços técnicos do tipo troubie- não ingressaram no país por causa do
shooting para solucionar problemas da fá- controle exercido pelo governo. Certa-
brica, da engenharia do produto e do mente muitas negociações não se concre-
processo e de outras atividades técnicas tizaram por esse motivo, porém, não é
que permitem absorver e assimilar a tec- correto atribuir a esse controle a redução
nologia importada. A esses, pode-se do fluxo de tecnologia do exterior. Como
acrescentar um terceiro momento, quan- mostra a tabela 1, as remessas ao exterior
do o país passa a produzir internamente por importação de tecnologia decresce-
parte dos componentes tecnológicos ne- ram ao longo da década de 80, chegando
cessários à implementação de inovações em 1988 a menos da metade do que fora
significativas através da realização de no final da década de 70, uma época mar-
P&D original, engenharia de projeto etc. cada pela extrema rigidez do INPI. Uma
Um estudo realizado por Fleury ' com das causas desse fato encontra-se na re-
empresas do setor mecânico, incluindo cessão econômica do início dos anos 80 e
pequenas, médias e grandes, revelou a redução dos investimentos durante to-
que a capacitação tecnológica destas da esta década. Dados do IBRE/FGVI0
empresas ocorreu dentro de um proces- mostram que a formação bruta de capital
so de aprendizado orientado para a pro- fixo, que na década de 70 alcançara em
dução, no qual a função Engenharia média 22,4% do PIB, cai sistematicamen-
cumpre um papel fundamentaL O autor te na década de 80, chegando a 16% no
parte da lJ.éia de que, para a empresa, a seu final, que, na opinião desta institui-
tecnologia se apresenta corno um "paco- ção, trata-se de um percentual insuficien-
te de informações organizadas, de diferentes te para o retorno do crescimento econô-
tipos (científicos, empíricos etc.), provenien- mico às taxas históricas.
tes de várias fontes (descobertas científicas,
patentes, livros, manuais eic.), e através de
diferentes métodos (pesquisa, desenvolvi-
mento, adaptaçao, reproduçffo, espiona-
gem)", conforme definem Sábato & Mac-
kenz'ie>. Assim, para Fleury", aprendi-
zado tecnológico é um processo evoluti- 5. FLEURY, Afonso. Gestão de
vo, no qual a empresa passa a criar e tecnologia na empresa indus-
trial brasileira. Revista de Admi-
desenvolver sua capacidade em produ- nistração. São Paulo, v. 22, n.
zir pacotes, tendo como principal fonte 4, p. 3-13 (p.4), out./dez. 1987.
de informação as atividades de produ-
6. SÁBATO, Jorge, A MAKEN-
ção. A partir de pacotes obtidos inicial- ZIE, M. Tecnologia e estrutura
mente mediante licenciamento ou cópia, produtiva. São Paulo: lPT, n.
a empresa aprende a produzir outros 20, 1981 (publicações espe-
ciais).
para contar com processos mais eficien-
tes e produtos de melhor qualidade. 7. FLEURY,Afonso. Op, cit.
Trabalhos realizados por Kin 8 e La1l9 na
B. KIN, Linsu. Stages of develo-
Índia e Coréia do Sul, respectivamente, pement of industrial technology
mostram que o mesmo tipo de aprendi- in a developing country: a mo-
zado também se deu nestes países. Kin deI. Research Policy. North-Hol-
land, v.9, n. i, p. 154-77, jan.
sugere que o ciclo completo de aprendi-
1980.
zado envolve as fases de implementa-
ção da tecnologia importada, assimila- 9. LALL, Sanjaya. Developing
Fonte: Helá!óriàs do Banco-'Central do Brasll: 1981 countries as exporters of indus-
ção e melhoramentos; Lall denomina es-
p.99, 1~83 p,8Z, 198BJl.!l9, i987p'.117, 1991 p.gi trial tecnology. Research Policy.
tas fases de aprendizado elementar, in- North-Holland, v. 9, n. 1, p. 24-
termediário e avançado. Esse processo 52, jan. 1980.
de aprendizado evolutivo provavelmen-
10. INSTITUTO BRASILEIRO DE
te não se daria de modo pleno sem a A tabela 2 mostra o movimento de ECO~OMIA DA FUNDAÇÃO
atuação governamental sobre as condi- averbação de contratos de Serviços Técni- GETULIO VARGAS (IBRE/FGV).
ções de aquisição e absorção das tecno- cos Especializados, categoria contratual Carta do IBRE: como sair da es-
tagnação. Conjuntura Econômi-
logias importadas. que representou cerca de 66% do total de ca, v.42, n. 11, p. 7-10, [an.
Não há dados sobre as tecnologias que contratos de tecnologia averbados no pe- 1988.

13
JJ!J(J ARTIGO

ríodo considerado. Os contratos envol- TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS


vendo Serviços de Engenharia de Monta-
gem Industrial, uma das suas subcatego- As recentes mudanças introduzidas
rias, apresentaram um declínio significa- pelo Governo brasileiro na regulamenta-
tivo nesse período, principalmente em ção do comércio de tecnologia se inscre-
meados dos anos 80, tanto em percentual, vem dentro de um cenário de ampla re-
quanto em valor contratado. Esses dados visão internacional sobre esta questão. O
refletem, sem dúvida, uma redução do ambiente internacional apresenta-se al-
ritmo de implantação de novas unidades tamente competitivo, onde as novas tec-
produtivas, bem como da renovação das nologias desempenham um papel fun-
plantas e equipamentos industriais exis- damental na reestruturação dos setores
tentes. Refletem também o aprendizado produtivos; e a ampliação do processo
obtido internamente pelas empresas na- de oligopolização em nível internacional
cionais de engenharia que, por força da estabelece novas formas de cooperação e
regulamentação estabelecida em 1980, competição entre grupos econômicos,
passaram a ser obrigatoriamente as con- com vistas a repartir o mercado mun-
tratantes principais desses serviços, a me- dial. Tudo isso acompanhado de práti-
nos que as empresas usuárias demons- cas protecionistas, principalmente no
trassem possuir, em caráter permanente, que concerne à transferência de tecnolo-
técnicos em quantidade e especialidades gia. Nos foros internacionais, os gover-
suficientes para absorver a tecnologia ob- nos dos países desenvolvidos têm pro-
jeto da contratação (Ato Normativo posto medidas que objetivam, simulta-
60/80). A redução do valor médio dos neamente, ampliar a liberdade de circu-
contratos, como mostra a tabela 2, é um lação de mercadorias e serviços e res-
indicador desse aprendizado induzido tringir a difusão de tecnologia, quer pela
pela regulamentação. ampliação dos direitos do titular de pa-

,
Fonfe: INPIIQfretQrla~ de Contratos.
"~.
~'DiV1são
. -. de Estudos
"- e Estatísticas
...
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' .. "".

14
NOVA REGULAMENTAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NO BRASIL

tentes, quer pelo reconhecimento das Medidas corno essas modificam com-
práticas restritivas no comércio de tec- pletamente o modo de apropriação de co-
nologia. nhecimentos tecnológicos. Uma delas, a
Na Rodada Uruguai de negociações eliminação da exigência de full disclosure
multilaterais do GATT, iniciada em 1986, corno condição para a concessão de pa-
os países industrializados ricos defendem tentes, rompe com uma das principais
propostas que tornariam os sistemas de justificativas que acompanhou a introdu-
proteção da propriedade intelectual (pa- ção dos sistemas de patentes desde a sua
tentes, marcas, know how, mask work etc.) origem no início da Era Moderna, qual
mais rigorosos e inflexíveis, retirando seja, a de que a patente promove a disse-
dos países a possibilidade de legislar uni- minação de informações científicas e tec-
lateralmente sobre esta matéria, segundo nológicas, pois ela torna pública a inven-
suas conveniências. Na avaliação dos
países industrializados, os acordos inter-
governamentais existentes, principal-
mente a Convenção da União de Paris
para a Proteção da Propriedade Indus-
trial, estabelecem princípios de proteção
muito flexíveis, que favorecem a criação
de sistemas nacionais de proteção aos ati-
vos tecnológicos pouco eficazes. Dessa
forma, os governos desses países defen-
dem a inclusão desse tema na esfera das
negociações no âmbito do GATT, tema
esse que até então tivera como foro privi-
legiado a OMPI (Organização Mundial
da Propriedade Intelectual). A mudança
de foro para essa questão implica o aban-
dono de uma regulamentação internacio-
nal formada por adesões voluntárias, co-
mo são os tratados administrados pela
OMPI, para um tratamento de caráter im- ção ou modelo patenteado. Assim, para a
positivo, típico do GATT, com dispositi- sociedade, a patente seria preferível ao si-
vos mais eficazes para obrigar os países a gilo como modo de proteção de conheci-
cumprir as cláusulas acordadas, tal co- mentos aplicáveis aos sistemas produti-
mo, o uso de retaliações comerciais. vos. Para os países de industrialização
Além disso, os países ricos defendem tardia a redução do disclosure tornará
a ampliação dos direitos resultantes das mais difícil o uso das informações conti-
atividades científicas e tecnológicas, tais das na documentação resultante do pro-
como: aumento dos prazos de validade cesso de patenteamento para fins de de-
para as patentes; redução da descrição senvolvimento tecnológico interno. Vale
da invenção (disclosure) para efeito de dizer que a utilização dessa documenta-
patenteamento; proteção aos segredos ção para esta finalidade era recomendada
de comércio (trade secrets); proibição da por organizações como OMPI, UNIDO
possibilidade dos países de excluir seto- (União das Nações Unidas para o Desen-
res econômicos ou áreas tecnológicas da volvimento Industrial) e UNCT AD (Con-
proteção patentária; eliminação dos dis- ferência das Nações Unidas para o Co-
positivos legais que obrigam a explora- mércio e o Desenvolvimento), como parte
ção da patente concedida no país conce- das estratégias de desenvolvimento tec-
dente, como é o caso da licença obrigató- nológico do tipo cathing up. Entendia-se
ria estabelecida na Convenção da União que a possibilidade de usar tais informa-
de Paris; e, como já foi dito, o uso de ções constituía uma das poucas vanta-
mecanismos punitivos, como a retalia- gens que os países tecnologicamente atra-
ção comercial, aos países que permiti.- sados poderiam obter da sua adesão aos
rem infrações aos direitos de proprieda- tratados internacionais sobre proprieda-
de intelectual. de industrial.

15
~!JtJARTIGO
Mesmo que tais propostas ainda não te- 2. maiores dificuldades de apropriação
nham sido aprovadas pelo CATI, muitos das novas tecnologias;
países já começaram a introduzi-las em
suas legislações de propriedade industrial, 3. a globalização do mercado mundial;
em atendimento às pressões, via comércio
exterior, praticadas pelos países desenvol- 4. o acirramento da competição interna-
vidos, principalmente os Estados Unidos. cional e o declínio da liderança dos Es-
A legislação de comércio exterior deste tados Unidos.
país, modificada em 1984, prevê a possibi-
lidade de estabelecer retaliações comer- Para Cardozo 14, a perda de competiti-
ciais contra países que não ofereçam pro- vidade desse país tem sido vista como o
teção eficiente aos direitos de propriedade resultado de um modelo de proteção
Intelectual (u. S. Trade and Tariff Act, se- demasiado aberto e, portanto, incapaz
ção 301 e Omnibus Trade and Competiti- de impedir que outros países pudessem
veness Act, super 301). Face às pressões eventualmente se beneficiar da sua tec-
dessa natureza, diversos países já revisa- nologia, aproveitando-se de fragmentos
ram suas leis de propriedade intelectual e de informações que viessem a ter aces-
de transferência de tecnologia, como é o so. Diversos autores, tal como Zys-
caso do México, que veio modificando sua man 15, utilizam a expressão "neo-mer-
legislação desde 1986, culminando com a cantilismo" para caracterizar essa nova
"Ley de Formento y Proteción de La Pro- postura altamente intervencionista dos
priedad Industrial" de 1991. De acordo governos dos países tecnologicamente
com Conda 11, esta nova Lei, que aumen- avançados em torno do desenvolvimen-
tou consideravelmente os direitos dos ti- to tecnológico e de suas novas formas
tulares de patentes e marcas, acompanha de proteção. Nada mais distante do li-
uma tendência mundial que já está pre- beralismo pretendido para o comércio
sente nas legislações de vários países, den- de mercadorias tangíveis e para o fluxo
tre eles, Coréia do Sul, Espanha, Canadá, de capitais.
11. GONDA, Roberto U. La nue- Bélgica, Chile e China. No Brasil, a pro- As ações concretas entre as empresas
va ley mexicana en matéria de produtoras de tecnologias já incorpora-
propriedade industrial. Comér- posta de alteração do Código da Proprie-
cio Exterior, México (DF), v. 21 dade Industrial (Lei 5772/71), em tramita- ram as práticas protecionistas objeto das
n. 11,p. 1057, novo1991. ção no Legislativo Federal, também se ins- negociações da Rodada Uruguai. As
creve nesta tendência geral de fortaleci- aquisições de tecnologia pela via contra-
12. PATEL, Surendra J. Los de-
rechos de propriedad intelectual mento dos direitos dos titulares de paten- tual exclusiva e isolada, que prevalece-
em la Ronda de Uruguay. Co- tes, tais como a ampliação dos seus prazos ram até meados da década passada, estão
mércio Exterior, México (DF), V. sendo rapidamente substituídas por acor-
de validade e das áreas possíveis de pa-
39 n. 4, p. 288-301 (p. 299),
abr. 1989. tenteabilidade (produtos químicos de per dos globais entre empresas para formar
se, produtos e processos farmacêuticos, alianças estratégicas, envolvendo merca-
13. CORREA,Carlos Maria. Pro- dos, tecnologias, composição societária,
alimentícios etc).
teccionismo tecnológico y acce-
so a tecnologia en los países en A atual situação é bastante contraditó- fontes de financiamento etc. Essas alian-
desarrolo. In: SEMINARIO IN- ria. De um lado, verifica-se o crescimento ças pressupõem formas mais complexas
TERNACIONAL: TRANSFERÊN- das teses liberais e, de outro, um indisfar- de interação entre empresas, tais como
CIA DE TECNOLOGIA E MU-
DANÇA NO CENÁRIO INTERNA- çado protecionismo na área da proprieda- joint venture, projetos conjunto de P&D e
CIONAL (mimeo). São Paulo, p. de intelectual e, por conseguinte, na de licenças cruzadas (cross-licensing) para
2, 20-22 de novembro de 1990. transferência de tecnologia. Ou, como iro- uso de patentes, marcas e know how, for-
14. CARDOZO, Arthur Câmara. niza Patel ", esses governos "advogam ao mando um relacionamento de coopera-
Consideracione sobre el tema mesmo tempo a liberdade para seus comercian- ção e competição simultâneo. As alianças
de la protección tecnológica y tes e a proteção para os seus industriais". Na estratégicas refletem o aprofundamento
los paises em desrrolo. In:
Reflexiones de caracas: taller de opinião de Correa 13, a ofensiva dos paí- de uma tendência do comércio de tecno-
especialistas in política tecno- ses industrializados nessa área reclaman- logia desde há muito conhecida, qual se-
lógica.Anais. Caracas: UNCTAD, do por mais proteção à propriedade inte- ja, a de ser este comércio mais propício
p. 77, 4 a 8 de junio de 1990.
lectual e ao seu comércio deve-se às se- para operações casadas, na qual cada em-
15. ZYSMAN, John. Trade, Tec- guintes razões: presa passa a ser, ao mesmo tempo, for-
nology and national competi- necedora e receptora de tecnologia. As-
tion. Internation Journal of Iec-
nology Management, V. 7, n.1, l. a intensificação das atividades de P&D sim, a empresa que produz tecnologia de
jan.1992. e a elevação dos seus custos; modo sistemático adquire maior facilida-

16
NOVA REGULAMENTAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NO BRASIL

de para contratar tecnologias de outras. tração no comércio internacional de tec-


Essas aquisições recíprocas baseiam-se nologia, como decorrência de uma eco-
na impossibilidade de se alcançar a exce- nomia cada vez mais globalizada e do
lência tecnológica pulverizando recursos desenvolvimento das novas tecnologias.
em diversas áreas técnicas e neutralizam Estas, como fontes de produtividade e de
a tendência de encarecimento de P&D, competitividade internacionais não se
conforme já mencionado. De fato, em encontram disponíveis com a mesma fa-
muitos casos analisados por Berg et al. 16 cilidade das tecnologias maduras. As
a joint venture reduziu a intensidade de exigências por parte dos fornecedores
P&D, ao nível das empresas, bem como tornaram-se muito maiores. Impor limi-
os riscos e o tempo para introduzir o no- tes estreitos ao pagamento de tecnologia,
vo produto ou processo no mercado. obrigar o fornecedor a aceitar a interve-
Além disso, as alianças tornam mais efi-
cazes os instrumentos de apropriação
dos conhecimentos tecnológicos, como a
patente e o sigilo, à medida que criam
vínculos mais estreitos entre as empresas
envolvidas, pois, na qualidade de forne-
cedoras e receptoras recíprocas, transfor-
mam-se em parceiras para explorar no-
vos negócios. Por isso, os acordos glo-
bais entre empresas com capacitações
tecnológicas semelhantes deverão preva-
lecer cada vez mais tornando-se as for-
mas dominantes de transferências de tec-
nologias relevantes. Contrariamente, os
acordos isolados entre empresas com
grandes desníveis tecnológicos tendem a
diminuir com o tempo, ou ficar restritos
às tecnologias maduras ou defasadas em
relação ao estado da arte do setor onde
elas se aplicam. Os acordos globais são
formas de transações coerentes com a era niência de instituição governamental de
de globalização da economia, da forma- pesquisa para ajudar a receptora a absor-
ção de blocos econômicos e dos progra- ver a tecnologia adquirida, e outros ex-
mas e consórcios de desenvolvimentos pedientes semelhantes utilizados pelo
tecnológicos cooperativos, como é o caso INPI já não fazem sentido neste novo ce-
do programa ESPRIT (European Strate- nário internacional. Além disso, dada a
gic Program for R&D in Information abertura do mercado interno, é de se es-
Technology), ou do "Semiconductor Re- perar que os fornecedores de tecnologia,
search Corporation", um consórcio for- a continuar os procedimentos de contro-
mado por mais de 20 empresas norte- le, prefiram eles mesmos investir no país
americanas para financiar atividades de ou abastecer o mercado através de im-
P&D em áreas do seu interesse a serem portações, a transferir tecnologia. Assim,
realizadas por instituições de ensino e parece salutar as recentes medidas ado-
pesquisa. tadas pelo Governo brasileiro, embora o
O problema agora é ter acesso às no- mais correto seria acelerar o processo de
vas tecnologias, acesso este cada vez liberalização seletiva que já vinha ocor-
mais restrito. Não faz mais sentido aque- rendo desde o final da década passada.
les instrumentos de controle concebidos Esta não é uma situação exclusiva do
para uma realidade completamente di- Brasil. Praticamente todos os países estão
versa. quando não mais se verificam adequando suas legislações a essa nova 16. BERG. Sanford V.; DUNCAN,
aquelas facilidades para importar tecno- configuração do mercado internacional Jerome; FRIEDMAN, Philip.
logia que prevaleceu durante o processo de tecnologia. Por exemplo, no México a Joint venture strategies and
cotporste innovation. Cambrid-
de substituição de importações. No mo- nova "Lei sobre el Control y Registro de ge, Mass: Gunn & Hain Publis-
mento, verifica-se uma verdadeira con- Transferencia de Tecnología y el Uso y hers Inc., p. 127-35, 1982.

17
:ü~tJARTIGO
Explotación de Patentes y Marcas", de ções para os países que ainda continuam
1990, reduziu a intervenção governa- dependentes economicamente e, por
mental nessa área a tal ponto que, na conseguinte, em matéria de tecnologia.
opinião de Soberanis 17, o registro dos Estas distorções serão tanto maiores
atos e contratos sobre transferência de quanto maiores forem os seus desajustes
tecnologia no órgão competente conver- econômicos. Barraza 19 mostra que no
teu-se praticamente num requisito México a principal preocupação quanto
formal. à liberalização do comércio de tecnolo-
gia, estabelecido em 1991, conforme
PROBLEMAS E PROMESSAS mencionado na seção anterior, referia-se
à possibilidade de ocorrer uma avalan-
Com o afrouxamento da intervenção che de modificações nos contratos exis-
governamental sobre o comércio de tec- tentes para incluir restrições antes não
nologia, pode-se vislumbrar de pronto al- toleradas, inclusive elevação dos paga-
guns problemas. Operações fictícias en- mentos. Isso porém não ocorreu, pelo
volvendo transferência de tecnologia po- menos nos primeiros meses dessa nova
dem servir como fachada para remessas regulamentação, e os pagamentos de ro-
disfarçadas de lucro ou para qualquer yalties ficaram entre 4 a 7% do preço de
outra finalidade deste gênero. Vale lem- venda, taxas essas semelhantes às prati-
brar que isso de certa forma já ocorreu na cadas no período anterior à liberalização.
Argentina. Este país começou a discipli- Na opinião desse autor, esses dados
nar essa matéria em 1971 com a criação mostram que as empresas nacionais que
do "Registro Nacional de Contratos de contrataram tecnologia, seja com forne-
Licencia y Transferencia de Tecnología", cedores locais, seja com estrangeiros, ha-
que passou a funcionar dentro do INTI viam aprendido a negociar e que a expe-
(Instituto Nacional de Tecnologia Indus- riência acumulada de 18 anos de regula-
trial), e com o estabelecimento de normas mentação dessa matéria produziu resul-
gerais para a efetivação dos registros. Em tados favoráveis.
1976, com a ditadura militar, inicia-se Os principais problemas que a libera-
uma mudança de orientação política, lização do controle podem trazer para o
com a adoção de medidas liberalizantes país decorrem do tempo perdido e do
em matéria econômica, incluindo as que pouco investimento dedicado à C&T,
referem-se à transferência de tecnologia. principalmente ao longo da última déca-
Em 1977, a atuação do INTI nesta ques- da. Neste aspecto, o Brasil se encontra
tão ficou limitada apenas ao registro in- numa posição de clara desvantagem em
formativo dos contratos, que, em outras relação aos seus principais parceiros no
17. SOBERANIS, Jaime Álvares. palavras, significou eliminar as exigên- comércio internacional, face a um desen-
La política mexicana em matéria cias prévias para efetuar as contratações, volvimento tecnológico que ao longo do
de transpaso tecnológico. Co-
mércio Exterior, México, D.F., v.
conforme eram feitas até aquela data. De tempo se mostrou descontínuo e aquém
40, n.8, p. 767-772,ago. 1990. acordo com Correa 18, as remessas a título do que seria necessário para promover a
de pagamento por tecnologia saltaram de transição de um modelo econômico fe-
18. CORREA, Carlos Maria. Tec- US$ 51 milhões em 1977, o ano da mu- chado para outro baseado na competição
nologia y desarrolo de la infor-
mática en el contexto norte-sur. dança, para US$ 484 milhões, ao final internacional, competição que se mostra
Buenos Aires: Eudeba, p. 96-7, desse processo de liberalização em 1983. cada vez mais acirrada.
1989. Nesse mesmo período, ocorria na Argen- No Brasil, os investimentos em C&T
19. BARRAZA, Juan Antonio To- tina um desmantelamento da sua estru- também ficaram estagnados, como mos-
ledo. Justificaciones de política tura produtiva, especialmente do setor tra o orçamento da União para a Ciência
industrial y comercial para industrial, acompanhado de uma queda e Tecnologia (OUCT) ao longo dos anos.
abrogar la ley de tranferência de
tecnologia. Comércio Exterior, de 17% do PIB. Ou seja, ao contrário do Dados levantados pelo CNPq 20 mostram
México (DF), v. 41, n. 11, p. que seria de esperar, o aumento dos pa- que, de 1981a 1988,o OUCTjPIB passou
1037-1040, novo1991. gamentos ao exterior por tecnologia não de 0,38%a 0,42%respectivamente, o que
20. CONSELHO NACIONAL DE tiveram nenhuma correlação com o cres- representa um acréscimo insignificante
DESENVOLVIMENTO CIENTí- cimento econômico do país. para um país que almeja superar a de-
FICO E TECNOLÓGICO (CNPq). O que ocorreu na Argentina mostra pendência tecnológica conforme estabe-
Orçamento da União para a
C&T. Brasília, CNPq, p. 10, que a liberalização do comércio interna- lecia os PBDCTs, já comentados. Consi-
1989. cional de tecnologia pode trazer distor- derando que o OUCT corresponde a

18
NOVA REGULAMENTAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NO BRASIL

aproximadamente 2/3 dos dispêndios ção de controles rígidos, com o objetivo


totais em C&T, verifica-se que o país in- de melhorar as condições e forçar o pro-
vestiu em torno de 0,63% do PIE nestas cesso de absorção da tecnologia importa-
áreas. Este percentual provavelmente da. Ao final, esse sistema de controle bus-
não deve ser muito maior no momento, cava uma liberalização seletiva, como
em decorrência do descaso com que es- que premiando empresas e setores que
sa área foi tratada a partir de 1988, mas haviam se envolvido com esforços pró-
principalmente nesses primeiros anos prios para se capacitarem tecnologica-
da década atual. Trata-se, portanto, de mente. A década de 90 começa com uma
recursos insuficientes para reduzir o liberalização que só não é absoluta por-
hiato tecnológico que separa o Brasil do que muitas medidas restritivas ainda es-
mundo desenvolvido, onde os dispên- tão em vigor, dependendo de alterações
dios em C&T freqüentemente alcançam no âmbito do Poder Legislativo. São os
percentuais superiores a 2,5% do PIE. casos, por exemplo, das alterações no Có-
Dentro da lógica que orienta o mercado digo da Propriedade Industrial e na legis-
internacional de tecnologia, um país ou lação que disciplina o capital estrangeiro.
empresa que investe pouco em tecnolo-
gia, passa a ter dificuldades para adqui-
rir tecnologias relevantes, principal-
mente quando se observa a escalada do
protecionismo ou, como querem alguns,
do "neomercantilismo", nessa área. As-
sim, sem que esse cenário interno se al-
tere, a ampliação das medidas liberali-
zantes poderão gerar efeitos adversos
para a economia brasileira, podendo-se
antever mais uma década perdida, ou
década dolorosa, como preferiria dizer
Fajnzylber " .

CONCLUSÃO
A experiência internacional mostra
que a intervenção governamental sobre a
importação de tecnologia deve ser apro-
priada ao estágio de desenvolvimento Hoje, o Brasil vive uma situação bas-
das empresas e do país. Quanto maior for tante difícil. Dentro do novo cenário in-
o desnível entre estes e os fornecedores ternacional não há mais espaços para
estrangeiros, maior será a necessidade de continuar praticando uma regulamenta-
ação governamental para coibir as aquisi- ção restritiva, própria do modelo de
ções contrárias aos objetivos de desenvol- substituição de importações e de uma
vimento do país. À medida que o país economia fechada. Porém, a abertura
desenvolve a sua capacidade técnica e que está sendo feita e que pressupõe um
científica, pode-se proceder a urna gra- modelo competitivo de reconversão in-
duaI e seletiva liberalização dos controles dustrial, encontra a economia enfraque-
governamentais, pois espera-se que as cida pela crise prolongada, pelos planos
empresas que possuam capacitação tec- de estabilização fracassados e pela pro-
nológica própria tenham condições de funda recessão deste início de década.
realizar contratações vantajosas para si, Acrescenta-se a isso a lamentável situa-
sem a necessidade de serem tuteladas pe- ção em que se encontra a área de C&T,
lo governo. corno decorrência de anos de políticas
O Brasil passou por diversas fases da desastradas e irresponsáveis. Sem a re-
atuação governamental nesta área, evo- versão desse cenário desfavorável, os be- 21. FAJNZYLBER, Fernando. In-
luindo desde uma liberdade absoluta, nefícios esperados da liberalização do serción internacional e innova-
ción institucional. Revista de la
com o objetivo de promover a industriali- comércio de tecnologia podem não se CEPAL, Santiago (CH), p. 167,
zação em marcha acelerada, até a institui- concretizar. O ago. 1991.

Artigo recebido pela Redação da RAE em dezembro/92, aprovado para publicação em março/93. 19

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