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BODY ART E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE:

CONEXÕES COM OS PROCESSOS EDUCATIVOS EM ARTES


VISUAIS
Angélica Tomaz de Miranda¹
Sandra Borsoi²

RESUMO
O trabalho “Body art e identidade na contemporaneidade: conexões com os processos
educativos em artes visuais” concentra observações a respeito do corpo como meio de
reflexão e expressão acerca da identidade representada pelo educando nas aulas de artes
visuais. A questão norteadora dessa pesquisa foi: como compreender a body art a partir da
representação da identidade do educando e suas possibilidades através das Artes Visuais
na contemporaneidade? Os objetivos dessa pesquisa foram: 1. Possibilitar através das artes
visuais e da body art a compreensão da identidade do educando a partir de suas memórias;
2. Relacionar o corpo com o conceito de identidade considerando o tempo e o espaço em
que se encontra; e por fim 3. Situar a compreensão da identidade do aluno na
contemporaneidade a partir das aulas de artes visuais. Para tanto, a metodologia utilizada é
a pesquisa qualitativa, visto que não são caracterizados valores numéricos. Assim, a
pesquisa é conduzida pela busca da uma relação entre o desenvolvimento da identidade do
aluno e as aulas de artes, a partir da body art.

Palavras Chave: Artes Visuais; Processos Educativos; Identidade; Bodyart

ABSTRACT
The work "Body art and identity in contemporaneity: connections with educational processes
in the visual arts" concentrates observations about the body as a means of reflection and
expression about the identity represented by the student in the classes of visual arts. The
guiding question of this research was: how to understand body art from the representation of
the identity of the student and its possibilities through the Visual Arts in contemporary times?
The objectives of this research were: 1. Enable through the visual arts and body art the
understanding of the identity of the student from their memories; 2. Relate the body to the
concept of identity considering the time and space in which it is; and finally 3. To situate the
student's understanding of the contemporary identity from the visual arts classes. For that,
the methodology used is qualitative research, since numerical values are not characterized.
Thus, the research is driven by the search for a relationship between the development of the
student's identity and the art classes, from body art.

Keywords: Visual Arts; Educational Processes; Identity; Bodyart.

1. INTRODUÇÃO
O trabalho intitulado “Identidade e Body art na contemporaneidade: conexões
com os processos educativos em artes visuais” tem como tema reflexões sobre a
identidade e suas proposições na body art em processos educacionais nas aulas de
artes visuais.

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A escolha do tema se deu em virtude de uma busca pela compreensão da
identidade do aluno a partir da Body art, visto que é um assunto proposto pelos
documentos que regem a educação; na arte contemporânea encontramos um ponto
de encontro entre aquilo que é material, a saber, a produção artística e o imaterial,
que transcende a razão e se manifesta a partir do ser.

A questão central desse trabalho é como compreender a body art a partir da


representação da identidade do educando e suas possibilidades através das Artes
Visuais na contemporaneidade?

Ao que se refere ainda à metodologia utilizada na pesquisa, destacamos a


abordagem qualitativa, visto que “não se preocupa com a representatividade
numérica, mas, sim, com os aprofundamentos da compreensão de um grupo social”
(SILVEIRA e CÓRDOVA, 2009, p.31). Assim, as proposições apresentadas nesse
trabalho conduzem à compreensão do ser no mundo a partir de práticas artísticas na
body art.

O objetivo que norteou a presente pesquisa foi de possibilitar através das


artes visuais na contemporaneidade e da body art a compreensão da identidade do
educando a partir de suas memórias; sendo assim, especificamos a arte corporal
como um meio direto da relação do homem com seu corpo no espaço e tempo,
assim como o vínculo dele com o mundo, compreendendo sua identidade enquanto
indivíduo na sociedade.

Como objetivo específico, buscamos relacionar o corpo com o conceito de


identidade, visto que a body art está diretamente ligada a utilização do corpo como
manifestação artística, além de situar a compreensão da identidade do educando na
contemporaneidade a partir das aulas de artes visuais.

Os resultados obtidos com a pesquisa se referem a reflexões sobre a formação


da identidade no aluno relacionando às memórias de curto e longo prazo e
possibilidades de contribuição através das aulas de artes visuais na escola e a body
art como instrumento de auto reconhecimento e posicionamento na sociedade.

1. Identidade e body art: conexões com processos educativos

A identidade pode ser compreendida como “conjunto de características de um


indivíduo” (BUENO, 2000, p.335), sendo assim, torna-se complexa a compreensão
plena desse tema, porém os Parâmetros Curriculares Nacionais direcionam a
educação como agente contribuinte na formação da identidade do aluno,
considerando-a como uma característica em construção durante a idade escolar,
além de memórias que o aluno traz e forma nesse período.

Visando a colaboração com o processo de formação, as artes visuais


contemplam diversas formas de expressão e compreensão do ser enquanto
indivíduo, nessa pesquisa, utilizamos a arte corporal como meio de reflexão pessoal.

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A partir da década de 50 o corpo passa a ser a representação do “em si”, pois é
capaz de captar sensações1 gerando percepções e a partir delas reconhecendo o
mundo, isso significa que o corpo também é um meio pelo qual o ser humano
reconhece o ambiente em que está inserido. Segundo Cardim (2009, p.27): o
homem “só se realiza na vida comum”, assim, um importante fator perceptivo de
identidade é a memória, que pode ser classificada a curto e longo prazo (SOUZA,
2014) e pessoal ou social.

As memórias de longo prazo se referem àquelas que são adquiridas a partir de


vivências marcantes ao indivíduo e são memoradas em um futuro distante. As
memórias de curto prazo são aquelas que dizem respeito a atividades cotidianas e
acontecimentos recentes; ambas têm impacto sobre a identidade do aluno, porém as
de longo prazo podem definir características permanentes na personalidade do
indivíduo (SOUZA, 2014).

Além do tempo, outro aspecto que envolve a memória é o espaço e a relação


interpessoal. Um acontecimento pode ser percebido individualmente gerando uma
memória única e pessoal, porém alguns aspectos percebidos por um grupo de
pessoas podem gerar memórias sociais, as quais influenciam a identidade de um
povo, assim como as pessoais interferem na identidade do indivíduo (SOUZA,
2014).

Merleau-Ponty levanta a necessidade que há no homem de conhecer a si


mesmo, pois diante da sociedade o corpo sofre modificações consequentes de
geradores externos. “É preciso que encontremos a origem do objeto no próprio
coração de nossa experiência, que descrevamos a aparição do ser e
compreendamos como paradoxalmente há, para nós, o em si” (MERLEAU-PONTY,
2011, p. 109-110).

Considerando a relação social do corpo, este acaba sendo direcionado pela


influência de agentes externos da sociedade, “ver-se-á que o corpo próprio se furta,
na própria ciência, ao tratamento que a ele se quer impor” (MERLEAU-PONTY,
2011, p. 110).

Assim, dentro da sala de aula, o professor age diretamente como interlocutor


entre o aluno e a sociedade. O encaminhamento das atividades em sala pode
contribuir de forma positiva ou negativa nesse desenvolvimento.

Em uma sala de aula, alunos constroem-se como sujeito constantemente, a


linguagem da qual se utilizam veicula informações que refletem no comportamento
discente e que vão além de simples palavras, pois se constituem em acontecimentos
e gestos implícitos ou explícitos que também permitem que o educando ocupe um
espaço em seu meio social, o qual poderá corresponder aos conceitos e/ou
preconceitos que podem existir no contexto escolar, nas práticas docentes. Sendo

1
Sensação (do latim sensatio) “impressão subjetiva e interior advinda dos sentidos e causada por
algum objeto que os excita ou estimula”. (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001). Também pode ser
definida como a maneira pela qual o homem é afetado, gerando a experiência em si mesmo
(MERLEAU-PONTY, 2011).
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assim, as atitudes implícitas ou explícitas e as palavras do educador, podem inferir
intensamente na concepção do “eu” de cada aluno, como também podem influenciar
todos os membros que compõem uma sala de aula a terem a mesma percepção.
(FERNANDES, ALMEIDA, RODRIGUES, 2011, p. 2).

Vista a relevância do corpo nas sociedades, é importante ressaltar a fala de Le


Breton a respeito dessa representação em sociedades tradicionais e individualistas:

Em sociedades que permanecem relativamente tradicionais e


comunitárias, o “corpo” é o elemento de ligação da energia coletiva e,
através dele, cada homem é incluído no seio do grupo. Ao contrário,
em sociedades individualistas, o corpo é o elemento que interrompe,
o elemento que arca os limites da pessoa, isto é, lá onde começa e
acaba a presença do indivíduo. (LE BRETON, 2007, p. 30).

O corpo está fortemente relacionado com a questão presença-ausência no


mundo. Feijó (1992, p. 27) ressalta a importância dessa relação:

A vida em sociedade é descrita a partir de vários corpos, de uma forma


regular ou permanente, dentro do mesmo território. A presença física do corpo é
considerada tão essencialmente importante para os grupos humanos, que o
fenômeno da ausência chega a ser tratado como a grande ameaça à sociedade.

O ser humano é constituído de um corpo que carrega a alma (MERLEAU-


PONTY, 2011). Em seu interior é formada a identidade, porém os agentes externos
ao corpo estão constantemente influenciando essa formação: “a identidade é algo
que se forma ao longo do tempo, por meio de processos inconscientes, e não é algo
que existe desde nosso nascimento. A identidade permanece sempre incompleta,
sempre em processo, em formação” (SANTOS, 2015, p. 3). Essa formação ocorre
por influência do meio em que o corpo está inserido.

Nesse sentido, uma forma de contribuição com o reconhecimento pessoal do


aluno é o estímulo da autonomia, que pode facilmente ser desenvolvida a partir da
body art.

Utilizando a teoria de Lowen, Brito expõe a relação do corpo vivo com a


consciência e o que determina a personalidade do homem da seguinte maneira:

O corpo vivo possui uma mente – aspecto do corpo que tem como
função a percepção; um espírito – não na sua conotação mental ou
abstrata, mas no sentido de pneuma ou energia; e uma alma – como
um senso ou sentimento pessoal de fazer parte de uma ordem mais
ampla ou universal. (BRITO. 1996, p. 156).

Considerando o homem como um ser social, é necessário relevar a influência


obtida a partir do contexto em que o indivíduo se encontra. “Uma pessoa é a soma
de suas experiências de vida, registradas na sua personalidade e estruturadas em
seu corpo. Nesse caso, o corpo denuncia, revela muito mais do que aparentemente
é percebido.” (BRITO, 1996, p. 156).
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A dicotomia em torno do corpo é questionada na relação social, ao mesmo
tempo em que representa o limite entre o homem e o meio, é o que permite a
relação do eu com o social.

Ainda grandes discordâncias são encontradas no que se refere ao corpo e


sua manifestação social. Ao mesmo tempo em que pode ser considerado enquanto
substância biológica, não se exclui a definição de mente/corpo como unidade do
indivíduo. Le Breton (2007, p. 26) coloca o corpo como “uma falsa evidência, não é
um dado inequívoco, mas o efeito de uma elaboração social e cultural”.

Nessa dicotomia, a body art se encaixa como estruturadora do indivíduo, visto


que é uma manifestação artística que utiliza o corpo, muitas vezes do próprio artista
como meio ou fundamento da obra e se popularizou a partir do fim da década de 60.
De acordo com Dempsey (2003, p. 244) é “uma reação à impessoalidade da arte
conceitual e do minimalismo2”.

A body art é primariamente pessoal e privada. Seu conteúdo é autobiográfico


e o corpo é usado como o corpo próprio de uma pessoa particular e não como uma
entidade abstrata ou desempenhando um papel. O conteúdo dessas obras coincide
com o ser físico do artista que é, ao mesmo tempo, sujeito e meio da expressão
estética. Os artistas eles mesmos são objetos de arte. (SANTAELLA, 2003 apud.
SANTOS, 2009).

No que diz respeito à Body art, o corpo atua como a própria obra, como
referenciado acima. Segundo Merleau-Ponty (2011) o corpo atua como um invólucro
da alma e de acordo com Jeudy (2002, pg. 83), a pele é o “invólucro” do corpo,
portanto pode-se considerar a body art como manifestação da alma do artista
através da pele, como na tatuagem, por exemplo.

Além de envolver o corpo, a pele promove a interação do homem com o meio,


assim, é relevante considera-la, pois, a manifestação artística da qual nos referimos
utiliza diretamente esse órgão do corpo humano.

Em vez de considera-la como uma superfície intermediária entre o de fora e o


de dentro, parece que, no dia a dia, ela é mais uma superfície de autoinscrição,
como um texto, mas um texto particular, pois seria o único a produzir odores, sons e
a incitar o tocar. (JEUDY, 2002, pg. 84).

No que diz respeito ao caráter fisiológico do corpo, Merleau-Ponty (2011)


considera o contorno do corpo como o limite entre o homem e o mundo, ao mesmo
tempo estabelece uma relação deste com seu entorno, gerando um dilema entre ser
e espaço.

2
Movimento que surge por volta de 1950 como resposta contrária ao Expressionismo abstrato, que
priorizava a expressão do artista. O minimalismo utiliza a forma mais simples de representação,
valorizando o conceito. “Os minimalistas compartilhavam com Mondrian a crença em que uma obra
de arte deve ser completamente concebida pela mente antes de sua execução” (STANGOS, 2000, p.
221).
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Para cada um, seu corpo é seu acontecimento do ser, tão essencial
que se torna metáfora do ser. É então mais que a “forma
contingente” que admite sua existência necessária. É o capital ou o
tesouro originário que o precede e confirma seus laços com o
mundo. O corpo é para cada um uma metáfora do universo e de seus
potenciais de existência. SIBONY apud JEUDY, 2002, pg. 66.

A partir da citação de Sibony, pode-se ainda pensar o corpo como “metáfora


do ser”.

Talvez essa figura possa ser argumentada pela construção do ser a


partir do conjunto em que se insere. A fenomenologia de Hussel, que
quer superar o objetivismo da filosofia tradicional, reconstruindo o
conhecimento às avessas, não escapa do objetivismo, quando quer
recuperar o mundo da vida, a existência fáctica, a historicidade e a
temporalidade, fica inacessível, eterno começo que leva à
compreensão do ser. “Heidegger supera essa eterna aporia da
metafísica colocando o homem, com sua facticidade e historicidade,
já sempre para fora de si mesmo, para dentro da compreensão do
ser, como eksitência” (STEIN, 2002, p. 49).

O corpo, nesse caso, funciona como um elo entre o ser e o meio em que o
homem se encontra, a partir de elementos externos o homem passa a existência. As
características do ambiente são incorporadas de forma que modificam sua
personalidade, assim, a chave para a espiritualidade do corpo seria o sentimento.
(BRITO, 1996).

O corpo é o veículo do ser no mundo, e ter um corpo é, para um ser


vivo, juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e
empenhar-se continuamente neles. MERLEAU-PONTY, 2011, pg.
122.

A relação do corpo na sociedade é considerada por Le Breton (2007, p. 21) a


partir do viés comportamental e de ética social.

As regras de civilidade vão, de fato, impor-se para as camadas sociais


dominantes. Como se comportar em sociedade para não ser, ou parecer, um bruto.
Pouco a pouco o corpo se apaga... As manifestações corporais são mais ou menos
afastadas da cena pública, muitas delas desde então ocorrendo nos bastidores,
tornam-se privadas.

A essência do homem se perde, muitas vezes por uma busca constante em


encaixar-se em padrões dentro da sociedade. Como citado acima, o corpo é um
veículo de adaptação no mundo, porém nessa socialização o “em si” é deixado em
segundo plano, por isso torna-se necessário o reencontro com a essência original
humana. Nisso se dá a relevância do tema a ser trabalhado na escola, enquanto o
indivíduo ainda se encontra na fase da adolescência.

No interior de uma mesma comunidade social, todas as


manifestações corporais do ator são virtualmente significantes aos
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olhos dos parceiros. Elas só têm sentido quando relacionadas ao
conjunto de dados da simbologia própria do grupo social. LE
BRETON, 2007, p. 9.

O corpo é capaz de captar percepções e a partir delas reconhece o mundo,


isso significa que o corpo também é um meio pelo qual o ser humano reconhece o
meio em que está inserido. “Aprender a ver as coisas é adquirir certo estilo de visão,
um novo uso do corpo próprio, é enriquecer e reorganizar o esquema corporal”
(MERLEAU-PONTY, 2011, p. 212).

Além disso, o homem se liga ao meio através do tato, sendo assim, ao tocar
algo o corpo é estimulado gerando reconhecimento do mesmo. “A resistência
corporal é o modo através do qual estabelecemos um contato com o mundo exterior,
permitindo, então, nos distinguir dele” (CARDIM, 2009, p. 43) e assim se apresentar
como corpo inserido no social.

Assim, a partir da existência o homem, enquanto indivíduo ou ser social, ele


se comunica, muitas vezes a partir do movimento corporal, estabelecendo sua
relação com o meio, como expressão de si mesmo, dessa forma, a body art pode
contribuir com o diálogo entre o ser e o mundo.

Apesar de arte corporal ser definida como aquela que utiliza o corpo, Anne
Cauquelin (2005) coloca a Body art em um nível meramente expressional, na qual o
artista deve estar ciente do que está fazendo e o corpo é o fundamento da obra,
resgatando a essência do homem como a pureza existente, porém até então
despercebida. Já Glusberg (2013) apresenta os primeiros artistas que utilizaram a
expressão corporal como precursores da filosofia de Merleau-Ponty a respeito do
corpo.

Em se tratando do meu próprio corpo ou de algum outro, não tenho nenhum


outro modo de conhecer o corpo humano senão vivendo-o. Isso significa assumir
total responsabilidade do drama que flui através de mim, e fundir-me com ele.
(MERLEAU-PONTY, 2011, apud GLUSBERG, 2013).

Considerando o novo sistema de arte nos anos 60 é importante ressaltar a


influência do grupo de Viena, que no ápice de suas produções de happening3
iniciaram a formação daquilo mais tarde seria conhecido como Body art. O grupo
contava com a participação de Gunther Brus, Otto Muhl, Arnulf Rainer, Hermann
Nitsch e Rudolf Schwarzkogler, suas produções se destacavam pelo
sadomasoquismo e mutilações no corpo. (GLUSBERG, 2013).

3
Manifestação artística que precede a Performance. Caracteriza-se pelo envolvimento do público,
segundo uma declaração assinada por diversos autores do happening: “toda pessoa presente a um
happening participa dele. É o fim da noção de atores e público”. (GLUSBERG, 2013, p.34).

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Além do grupo de Viena, a Body art sofreu influência de outros artistas da
época, fortemente influenciados pela Arte Conceitual, mas todos com o objetivo de
desfetichizar o corpo, colocando-o como objeto ou suporte da produção artística.
Glusberg (2013, p. 42) define o termo Body art fazendo a seguinte relação:

O termo body art, assim como o termo happening, agrupa diversas


tendências internas, que vão desde o esquematismo herdado da
dança e do teatro até o exibicionismo do Grupo de Viena. Essa nova
expressão artística teve sua estreia pública em 1969.

Considerando a expressão corporal dentro da body art, utilizamos como base


a proposição de Feijó (1992) que coloca em discussão a Teoria do Contínuo
Energético Bipolar, a qual considera a dualidade corpo/alma, uma vez que o corpo e
a mente são um dado fenomenológico.

A dicotomia corpo/alma surgiu com as teorias de Platão e Aristóteles. Antes o


homem era considerado a partir dos quatro elementos da natureza (fogo, água, terra
e ar), não se dissociando. Os gregos se destacam na concepção do corpo, pois
seguiam o conceito de que “corpo e alma deviam ser concebidos de modo
harmônico” (CARDIM, 2009, p. 22).

O importante a ser notado é que a abordagem da oposição entre a


alma e o corpo no pensamento platônico deve estar relacionada com
o pensamento verdadeiro, a imortalidade da alma, o destino, a
educação, o desejo, o auto movimento da alma, o lugar do homem
na ordem do universo, bem como a relação do humano com o divino.
CARDIM, 2009, p. 25.

Tadra (2009, p. 62) considera o corpo “como uma unidade que possui
aspectos materiais e não materiais, que se relaciona e se transforma
continuamente”. Esses aspectos podem ser considerados como Feijó coloca “corpo
e mente participam da mesma natureza-energia e devem ser tratados como os dois
polos da mesma energia” (FEIJÓ, 1992, p. 10).

Heidegger ainda coloca que compreender não é um modo de conhecer, é um


modo de ser. A existência é a compreensão do ser, seja no seu ‘eu’ corpo ou corpo
social (STEIN, 2002). Fundamentado nisso, a existência contemporânea da
sociedade é moldada de acordo com alguns aspectos relacionados a arte na
contemporaneidade, a saber, a estética como geradora de reconhecimento próprio.

Derivada do grego, a palavra “estética” significa “sentir” e envolve um


conjunto, uma rede de percepções presentes em diversas práticas e
conhecimentos humanos. As experiências estéticas de homens e
mulheres estendem-se a vários âmbitos de seu existir, de seu saber,
de sua identidade, enfim, de seu humanizar-se. (PCN, 2000,
p.48).

Diferente de qualquer outro momento na história da arte, a


contemporaneidade apresenta características de indagação a respeito da própria
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arte, de assuntos sociais e políticos, contribuindo com a humanização e
desenvolvimento de uma identidade pessoal e social.

Apesar de necessário, é consideravelmente difícil contemplar na totalidade o


que a arte contemporânea representa, pois vivemos em tempos transitórios, em que
algo que é considerado presente logo torna-se passado e a evolução dos meios de
comunicação e tecnologia ocorrem tão rapidamente quanto a passagem do tempo.
(CAUQUELIN, 2005).

Dessa forma, os Parâmetros Curriculares Nacionais mencionam a relação


espaço/tempo na sociedade, além de considerar toda forma de expressão válida,
desconsiderando a linguagem gratuita.

Não há linguagem no vazio, seu grande objetivo é a interação,


a comunicação com o outro, dentro de um espaço social,
como, por exemplo, a língua, o produto humano e social que
organiza e ordena de forma articulada os dados das
experiências comuns aos membros de determinada
comunidade linguística. PCN, 2000, p.5.

Essa compreensão de identidade se inicia na relação familiar, portanto a


escola tem como fundamento lapidar aquilo que o aluno traz de casa, sempre
considerando suas memórias, pois “nesse cenário, em que a memória se faz
instrumento para a construção identitária, a memória familiar é o primeiro recurso de
que o sujeito se vale. Esse é o ambiente em que o indivíduo encontra seus primeiros
referentes” (SOUZA, 2014, p.114).

Assim, as aulas de artes visuais, através do estudo da body art podem contribuir
para a compreensão da identidade do aluno enquanto indivíduo e a partir dela
organizar interlocuções com o mundo, considerando a relação em si e para o outro
através de memórias pessoais e sociais em criação, gerando novas experiências
que formam a identidade do aluno.

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa aponta para diferentes direcionamentos possíveis na formação da


identidade do indivíduo. A proposta apresentada, permite que os professores de
artes visuais tenham um direcionamento que auxilie na estruturação do
conhecimento, bem como reflexões a respeito da identidade e sua representação
por parte do educando.

O questionamento inicial da pesquisa propõe o reconhecimento da identidade


formada pelas memórias do educando a partir das aulas de artes visuais e a relação
com a história da arte, mais especificamente a body art, isso é possível pelo
encadeamento em si que esse conteúdo proporciona, no qual o estudante pode
perceber o que move suas percepções e atitudes, pois o corpo manifesta os anseios
da alma, como coloca Merleau-Ponty (2011). Dessa forma, a relação interpessoal é

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modificada, pois esse educando consciente de sua identidade passa a refletir na
sociedade características de uma pessoa esclarecida.

Da mesma forma, os objetivos inicialmente propostos foram supridos pela


relação alma/corpo exposta nessa pesquisa, uma vez que a identidade é formada de
maneira individual e intrínseca através de fatores estruturantes, como a memória e
pode se revelar através do corpo, pois este age como invólucro da alma (MERLEAU-
PONTY, 2011).

A pesquisa não teve como objetivo gerar respostas concretas, visto que se trata
de proposições que podem auxiliar no desenvolvimento e reconhecimento da
identidade do educando, sendo assim, abre possibilidade de reflexões a respeito do
indivíduo e o ser social.

Por fim, com essa pesquisa manifestamos a importância do ensino das artes
visuais na escola, do estudo através do corpo na arte contemporânea, das relações
da identidade de um ser social que se expressa conscientemente evidenciando o
processo criativo e sua relação com o mundo que o cerca. Sendo assim, propondo
temas que podem ser desenvolvidos de forma elaborada e significativa contribuindo
relevantemente na formação de um ser social e cultural através dos processos
educativos em artes visuais.

3. REFERÊNCIAS

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