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ABSTRACT
Since the beginning of the seventeenth century, Catholic literature written in
Portugal stopped believing in a sincere conversion of the group named ‘New
Christians’ and started to defend that there was a incompatibility of faith due to
the Jewish heritage. This article aims to study the issue around the Jewish people
REVISTA LABIRINTO and the measures to be taken against their descendants based on the analysis of
ANO XVII Sermons of Auto-da-Fé preached in Portugal between 1612 and 1640. The
VOLUME 27 objective is to establish elements that evidence racial issues, mainly based on two
aspects: the idea of Jewish impure blood as an infectious fear for Catholics and,
(JUL-DEZ)
also, as a generational inheritance. Another objective of the article is to discuss
2017 the historiography about the anti-Jewish literature, which paid little attention to
P. 168-192. the racism of the documentation. Finally, the article aims to emphasize the great
importance of studying the anti-Jewish writings as a great formatter of a hate
speech that culminates in requests of condemnation of Jews descendants to die
burned or be expelled.
KEYWORDS: sermon of auto-de-fé, anti-Jewish literature, racism, anti-
Judaism.
“VÓS TENDES POR PAI AO DIABO”: PRECONCEITO RACIAL NOS SERMÕES
DE AUTOS-DE-FÉ DA INQUISIÇÃO PORTUGUESA (1612-1640),
LUÍS FERNANDO COSTA CAVALHEIRO
REVISTA LABIRINTO, PORTO VELHO (RO), ANO XVII, VOL. 27 (JUL-DEZ), N. 1, 2017, P. 168-192.
“VÓS TENDES POR PAI AO DIABO”: PRECONCEITO RACIAL NOS SERMÕES
DE AUTOS-DE-FÉ DA INQUISIÇÃO PORTUGUESA (1612-1640),
LUÍS FERNANDO COSTA CAVALHEIRO
clima era de instabilidade. Na fronteira lusa com pessoa do seu sangue, ou que tenham a menor
os reinos espanhóis, diversos cristãos novos gota dele, mas ainda nos cristãos velhos, de que
atravessavam de um lado para o outro, se têm tanta experiência e por casamentos que
transformando os portugueses em “sinônimo de com eles fazem”.x Eram os casamentos mistos
marrano”, de acordo com o historiador António um grande perigo, pois perpetuavam as infâmias
de Oliveira.vi Nas colônias, uma “luta global e impregnavam o puro sangue católico. A
contra os holandeses”vii era financiada por ricos situação que a Sé atravessava naquele momento
mercadores descendentes de judeus, que para lá colocou um “muro pela defesa da Igreja
fugiam e retornavam ao antigo credo.viii Nas Católica”,xi uma situação próxima àquela do
distantes e interioranas regiões do território luso, historiador francês Jean Delumeau sobre o medo
eram constantes as “descobertas” de heresias que “sitiou” a Igreja por volta do século XIV.xii
judaizantes, as quais aumentavam o número de Em referência ao trabalho de Delumeau,
réus nas sentenças dos autos-de-fé, conforme o historiador Michael Mullet afirmou que a
lembrou o carmelita Estevão de Sant’Anna no Igreja não se permitiu por muito tempo
sermão de auto-de-fé do segundo domingo da amedrontada e logo passou à ação.xiii Em
170
quaresma, em Coimbra. ix Portugal, mais especificamente, a reação
O século XVII traria transformações concentrou-se no combate às heresias, resultando
indeléveis nas relações entre católicos e cristãos em um discurso radicalmente antijudaico. A
novos. Logo nos primeiros anos daquela reação lusa, no entanto, tornou-se efetiva a partir
centúria, o arcebispo de Évora, D. Teotônio de do fortalecimento da simbiose entre Igreja e
Bragança, enviou uma longa carta a Filipe III Estado. Federico Palomo denomina essa
clamando para que “acuda ao grande incêndio aproximação de confessionalização, conceito
que se teme [que] se acenda [...] os da nação muito recente na historiografia, que se
judeus”. O religioso, importante liderança da caracteriza pela a imposição de um
Igreja lusa, exclamava a necessidade de fazer os disciplinamento social para conduzir a
cristãos novos confessarem suas culpas, pois, de consciência dos súditos.xiv Longe de serem duas
acordo com sua própria experiência, tinham-se instituições dissociadas, cada qual com sua
“descobertos tantos apostatas de nossa Religião identidade própria, é possível dizer que os
cristã” que por anos viviam como hipócritas e séculos XVI e XVII viveram tempos de
falsos cristãos, porque além de conservarem-se “teologização da política” e “politização da
no judaísmo e não se redimirem dele também religião”, conforme notou José Pedro Paiva.xv
faziam “tantos progressos não somente nas
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“VÓS TENDES POR PAI AO DIABO”: PRECONCEITO RACIAL NOS SERMÕES
DE AUTOS-DE-FÉ DA INQUISIÇÃO PORTUGUESA (1612-1640),
LUÍS FERNANDO COSTA CAVALHEIRO
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DE AUTOS-DE-FÉ DA INQUISIÇÃO PORTUGUESA (1612-1640),
LUÍS FERNANDO COSTA CAVALHEIRO
Virgínia, nos Estados Unidos. Abordando uma forma velada, Boxer continuava a polêmica com
proposta um tanto original à historiografia, Salazar, ao não se conformar que
Boxer discordava de Salazar.
As conferências tornaram-se livro já no não faltam eminentes autoridades
contemporâneas que afirmem que os
ano seguinte. E logo no prefácio, Boxer criticava Portugueses nunca tiveram quaisquer
preconceitos raciais dignos de menção. O
profundamente a afirmação de Salazar à revista que essas autoridades não explicam é a razão
pela qual, nesse caso, os Portugueses,
Life. Baseado em uma pesquisa com resultados durante séculos, puseram uma tal tónica no
inéditos à historiografia, o historiador dissecava conceito de ‘limpeza’ ou ‘pureza de sangue’
não apenas de um ponto de vista classista
os relacionamentos dos portugueses prestados às mas também de um ponto de vista racial,
nem a razão por que expressões como ‘raças
populações das suas colônias. Seus objetos de infectas’ se encontram com tanta frequência
em documentos oficiais e na
análise eram, sobretudo, os “cleros nativos”, correspondência privada até o último quartel
do século XVIII.xxi
formados na África, na América Portuguesa e
nas colônias asiáticas. Consoante Boxer,
Desta vez, Boxer lançou análise sobre o
Portugal baseava suas hierarquias
tratamento persecutório contra mouros, judeus e
administrativas – e aí estão inclusas as relações
seus descendentes cristãos novos. Sua conclusão 172
religiosas – em distinções raciais,
aí foi de um paradigma racial ainda mais
caracterizando-se, assim, como um reino
particular, baseado por conflitos sociais, étnicos
xix
racista. A recepção ao livro não foi das
e, sobretudo, religiosos.xxii Sete anos depois, já
melhores. Salazar vetou sua circulação por todo
passada a Revolução dos Cravos (1974), quando
território português, bem como proibiu a entrada
Portugal finalmente retornou à democracia e as
de Boxer no país. Intelectuais da envergadura de
colônias africanas conseguiram independência,
Gilberto Freyre lançaram duras críticas ao
Boxer fez novas conferências sobre as relações
trabalho – e desde então ficaram em lados
raciais do Império Português, agora com ênfase
xx
opostos historiograficamente.
ao papel da Igreja Católica na formação dos
Boxer persistiu com sua tese sobre o
novos espaços portugueses ao longo do Período
racismo português. Em 1969 lançou sua maior
Moderno. Daí veio sua tese mais controversa:
obra, O Império Marítimo Português, um esforço
no texto “Relações raciais” Boxer afirma que
de síntese estrutural sobre a administração
teria sido a Igreja a grande responsável por
colonial lusa. Logo no primeiro parágrafo do
formulações racistas entre os portugueses.xxiii
décimo segundo capítulo do livro, intitulado
Em concordância e consonância às
“pureza de sangue e raças infectas”, ainda que de
críticas de Boxer, estudiosos voltavam suas
atenções às questões raciais. Na França, em
REVISTA LABIRINTO, PORTO VELHO (RO), ANO XVII, VOL. 27 (JUL-DEZ), N. 1, 2017, P. 168-192.
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1961, o historiador judeu Léon Poliakov lançava réus inquisitoriais, como uma forma de
o seu De Maomé aos Marranos, segundo livro resistência à ditadura vivida em Portugal naquele
de uma sua série que visava remontar a história momento.xxvii Uma abertura e florescimento
do antissemitismo. Poliakov chamava a atenção historiográfico passou a surgiu após o fim do
para a ocorrência de um arraigado culto à Pureza Salazarismo, no esmorecimento do Estado Novo
de Sangue Península Ibérica, indicador, a um só português, que encontraria seu fim em 25 de
tempo, de distinção e segregação. Em Portugal, abril de 1974.
mais especificamente, isso se dava com a Marcocci destacou o trabalho de António
repetição que os cristãos-novos eram marranos, José Saraiva como um dos mais emblemáticos da
indecisos na fé.xxiv Na Inglaterra, Henry Kamen geração em oposição ao salazarismo. O primeiro
publicava no ano de 1965, sua síntese histórica trabalho de Saraiva abordando algum assunto
sobre o Santo Ofício na Espanha, dedicando um sobre o judaísmo surgiu em 1955, com o livro
capítulo unicamente à “Pureza de Raça e História da Inquisição Portuguesa. Esta versão
Racismo”. Kamen foi um dos primeiros seria consideravelmente ampliada e revisada e
historiadores a abertamente utilizar a expressão novamente publicada em 1969, agora com o
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racismo para indicar a busca por uma pureza de título Inquisição e Cristãos-Novos. Uma última
sangue entre os espanhóis. O autor, no entanto, versão sairia em 1985, com o mesmo título da
não deixou de notar que o ideal de pureza não edição anterior. Baseado em um marxismo
era prática exclusivamente espanhola, mas ortodoxo, Saraiva afirmou categoricamente que
seguida também em Portugal, tendo agravantes os cristãos-novos acusados de judaísmo não
após a União Ibérica.xxv Contudo, nota-se, eram passavam de criações da Inquisição que, por sua
análises estrangeiras. vez, nada mais era que uma “fábrica de
Em Portugal, críticas sobre a questão judeus”.xxviii Uma das originalidades do trabalho
racial ainda eram escassas, tímidas.xxvi Durante consiste em apresentar alguns apontamentos
todo o período da administração de António sobre a “limpeza de sangue” em Portugal,
Salazar como Chefe de Governo português, entre assinalada pelo autor como de baixa incidência
1932 e 1968, é notável um retraimento no clero luso. Referente ao período proposto para
historiográfico, sentido, sobremodo, na este artigo, Saraiva analisou o Aphorismi
historiografia da Inquisição. Ao analisar a Inquisitorum, livro apologético à Inquisição,
produção historiográfica do período salazarista, o publicado em latim pelo franciscano António de
historiador italiano Giuseppe Macocci, notou que Sousa, em 1630. Para o franciscano, a presença
as pesquisas concentraram-se em processos de de cristãos novos seria perigosa e o convívio de
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fiéis com descendentes hebreus deveria ser disso, aliás: os casos de judaísmo foram “uma
proibida. Claramente, tratava-se de um discurso realidade histórica e social”.xxxi
pautado em preconceitos raciais, não De forma pioneira, em sua tese de
apresentando, por parte do religioso, qualquer doutorado defendida na USP em 1970, a
interesse na conversão de judaizantes. Saraiva, historiadora brasileira Anita Novinsky fez breves
no entanto, cometeu um enorme equívoco ao apontamentos para o uso de éditos de pureza de
afirmar que António de Sousa estaria “fora do sangue para a inserção de leigos católicos às
tempo e da realidade, aplicando à sociedade sua familiaturas inquisitoriais. Além de ser um dos
contemporânea categorias jurídicas próprias de primeiros trabalhos brasileiro tratando a
um mundo desaparecido”.xxix Muito pelo Inquisição e os cristãos-novos, a abordagem de
contrário, o franciscano aplicava uma concepção Novinsky destaca-se pelas iniciais menções
muito cara de seu tempo. historiográficas acerca do racismo empregado
As teses de António José Saraiva foram pelo Santo Ofício não apenas para com seus
amplamente criticadas nos anos seguintes. Ao acusados, mas também com seus membros.xxxii
longo da década de 1970, foi travado um Foi durante as décadas de 1960 e 1970,
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profícuo debate com o historiador francês Israel portanto, que se abriram possibilidades de novos
Revah. Consoante este autor, a Inquisição não diálogos e desconstruções historiográficas.
produziu judaizantes. Havia, segundo Revah, Tratou-se, também, um importante momento de
casos concretos de judaísmo, em parte secreto, abertura na abordagem das fontes, tanto sobre a
em parte praticado e professado como uma Inquisição, quanto sobre o antijudaísmo,
tradição familiar entre os descendentes de constituindo novas perspectivas metodológicas.
judeus. O confronto de ideias levou o historiador Foi nesta conjuntura que ocorreram estudos mais
português a reconsiderar parte de suas pormenorizados sobre a literatura antijudaica em
explicações, sem contudo, abandonar a tese que Portugal – a qual os sermões de autos-de-fé
o judaísmo em Portugal Moderno era mito.xxx faziam parte, como uma espécie de subliteratura,
Elias Lipiner, historiador romeno radicado no conforme destacou Francisco Bethencourt.xxxiii
Brasil, também acrescentou algumas Em 1979, a crítica literária Maria Idalina
provocações ao debate, questionando se os cruéis Rodrigues, propôs uma visão de conjunto de
métodos inquisitoriais, na visão de Saraiva, textos antijudaicos – os quais a autora,
realmente existiram ou foram criações. Lipiner abertamente, chamava-os de antissemitas –,
desconsiderou a tese de que os judaizantes publicados em Portugal nos séculos XVI e XVII.
seriam um mito criado pela Inquisição; longe Rodrigues identificou que já em 1589, com a
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assuntos ofensivos aos judeus. Em todo caso, As pesquisas que hoje abordam o
inspirados e envoltos pelo humanismo, preconceito racial contra judeus e seus
esperavam que seus escritos estimulassem a descendentes em Portugal são em muito
conversão dos casos de judaísmo e o retorno dos decorrentes da abertura e do pioneirismo
culpados ao seio cristão. Esse pensamento seria historiográfico dos anos 1960. Ao longo dos
abandonado, de acordo com Feitler, a partir dos últimos sessenta anos, a historiografia renovou-
escritos de Vicente da Costa Mattos, quando um se e evidenciou o aspecto mítico empregado às
tom racista demonstrou que não haveria mais tentativas de pureza de sangue em solos lusos.
motivo algum para crer em uma conversão Mas não se trata de abordagens definitivas. O
sincera dos descendentes de judeus, pois eles, que há de definitivo é que houve um discurso e
desde tempos muito antigos, estavam infectados uma prática racistas entre os portugueses que foi
por um sangue impuro. Para piorar a situação, o capaz de barrar, segregar e, até mesmo, aniquilar
sangue infecto estava sendo repassado nas aqueles que eram considerados inimigos da
gerações seguintes, com os casamentos mistos – nação e da fé católica. Alguns aspectos ainda
caracterizando-se, assim, um preconceito podem ser evidenciados em outras tipologias de
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antissemita. O autor afirma que essa mentalidade fontes. É o que se pretende nas páginas a seguir.
originária dos anos de 1620 perdurou até por
volta de 1750. Durante o referido período Feitler A HERANÇA DIABÓLICA E O SANGUE
afirma que a literatura antijudaica “não se INFECTO
destinava realmente a converter os
judeus/judaizantes, mas a afirmar uma O oitavo capítulo do Evangelho de São
superioridade [católica] tendo os judeus como João termina com os judeus pegando pedras para
contraponto e a conter a ameaça de uma atirar em Cristo, após a insistência de ser Ele o
‘infecção’ por parte destes”.xliv Em agosto deste Messias. Jesus acusava o diabo de ser um
ano, Feitler lançou um novo livro, fruto de mais mentiroso, o pai da mentira. Os judeus, por outro
de dez anos de pesquisa e revisitando sua tese lado, não criam n’Ele por ser ele a Verdade.
sobre o abandono na crença de uma conversão Preferiam alimentar-se na mentira. Por serem
sincera. Segundo o autor, a literatura antijudaica filhos do diabo, consequentemente, eram filhos
adotou uma linguagem própria, com da mentira e esta seria hereditária. Jesus retirou-
terminologias que facilitavam a discriminação se passando entre os próprios judeus, mas sem
dos descendentes de judeus.xlv ser atingido. Algum tempo depois, no entanto,
Cristo foi julgado e condenado à morte pelos
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(...), não vos endureçais, nem fecheis estes morreram seus avós, Judeus morreram seus
corações para crer e aceitar a verdade e pais e os filhos morrem por viver e morrer
santidade da lei de Cristo vosso e nosso como eles, com tanta afronta sua e tanto
Deus (...). Dai as mãos, alma e coração a custo seu.lii
Deus, que ali vedes crucificado por vós,
entrai no santuário desta formosa Igreja de Portanto, não apenas os pecados dos pais
Cristo que Deus santificou para sempre.l
e avós foram transmitidos, mas tudo aquilo que
Daí denota-se que a transmissão identificavam os judeus enquanto tais –
hereditária diabólica, entendida aqui como uma sobremaneira na recusa à conversão.liii
das formas de racismo, não era puramente Em um dos mais odiosos sermões,
biológica, mas ideológica-religiosa. Era essa pregado em 30 de junho de 1630, na cidade de
situação, pois, que reforçava a condição do Évora, o agostiniano Philippe Moreira afirmou
cristão-novo enquanto um pária, conforme ser a presença judaica como
definição de Tucci Carneiro, ou de um “homem
contagiosa, pega-se como pestes; é mais
dividido”, conforme elaborou Anita Novinsky:li seguro ir morar nos desertos montes que
alguém de condição inferior, não assimilado, viver com eles nas cidades. Fugir, fugir,
fugite ad montes. Mas não fujais vós agora
sem lugar. fiéis, que quando se aponta este meio de
há doenças hereditárias, diz São Ambrósio, não fale com estrangeiro que não vá logo com a
que vêm de uns a outros em toda uma mão ao nariz para examinar [o que] se cheira.” lv
geração; a geração dos Judeus isto tem por
heranças, todos são enfermos de mal de O odor desagradável vindo de judeus era uma
coração, que é a obstinação. Judeus
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tópica já antiga e conhecida: remontava aos ao longo das gerações. Com o aumento de casos
tempos dos pogroms medievais, quando se de judaizantes processados pelo Santo Ofício, a
afirmava que para se reconhecer um judeu Igreja Católica portuguesa passou a reforçar que
bastava sentir o cheiro. Acreditava-se ser um a questão judaica era uma doença infecciosa. Os
odor desagradável, principalmente nos homens, e cristãos novos, por sua vez, eram acusados de
que provinha do sangue, como um mênstruo. portar um sangue sujo, impuro. Tratava-se,
Ao analisar o fenômeno da AIDS nos portanto, de uma espécie de “vírus social”.
anos oitenta, a escritora Susan Sontag – que anos Segundo Maria Luiza Tucci Carneiro, o sangue
antes fora acometida com um câncer – concluiu impuro tornou-se uma ameaça ao “corpo” da
que “os objetos de pavor mais profundo Nação, visto ora ameaçado, ora infectado; a
(decomposição, decadência, contaminação, metáfora do sangue sujo alçou à descendência
amônia, fraqueza) identificam-se com a doença. judaica a condição de doença contagiosa que
A doença em si torna-se uma metáfora”.lvi A corrompia a moral católica.lviii
lepra na Idade Média, por exemplo, era um
“texto social”, que expunha a um só tempo a UMA SOLUÇÃO IMEDIATA: EXPULSAR
181
fragilidade humana e o castigo divino. Após a
epidemia leprosa, a expressão ficou para a Portanto, a convivência com cristãos-
posterioridade como sinônimo de algo em novos trazia aos católicos uma ambiência de
utilizada para “identificar” e macular os cristãos- judeus que “infeccionastes [a] Espanha,
A conversão forçada de 1497 não surtiu o efeito nobreza, infeccionastes [as] cadeiras da
que haviam restados resquícios da antiga fé e, infeccionastes as Religiões (...). Por onde é justo
por isso mesmo, diversas foram as tentativas e bem que de tudo isto vos desterrem.”lix Nas
evangelização – sendo o própria sermão um judeus eram como pó e deveriam ser carregados
importante instrumento ao longo do século XVI. pelo vento – uma possível referência ao
seus rituais que sobreviviam e eram transmitidos apresentar essa metáfora, ele lançou as seguintes
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perguntas “pois que remédio tendes contra o pó resultado que podemos considerar minimamente
que se põem todas as partes? Quê?” E a resposta efetivo apenas no ano de 1683, quando o rei D.
foi: “Sacudi-lo. Sacudir os Judeus e lança-los Pedro II promulgou a “Lei do Extermínio”, que
fora, ficaremos limpos”,lx pois quem quisesse ser levava a efeito a expulsão de todos os
limpo que os sacudisse.lxi A expulsão, neste judaizantes que tivessem sido abjurados nos
sentido, seria uma imediata solução para autos-de-fé no prazo de dois meses sob pena de
recuperar a honra do reino e livrar-se da infecção morte. A Lei, no entanto, não surtiu os efeitos
judaica. desejados e poucos sentenciados por heresia
Ao longo da década de 1620, período de judaica foram expulsos.lxiii
maior virulência do discurso antijudaico, A expulsão, no entanto, não era apenas a
diversos foram os debates sobre a necessidade de continuidade da punição para um pecado de
expulsar os cristãos novos como uma forma de tempos primitivos. Susan Sontag chama a
limpar e purificar o reino português. Segundo o atenção que a doença afasta o doente da
historiador espanhol Juan Pulido Serrano, desde possibilidade de convívio social. O medo do
1627 a Igreja fazia planos para erradicar a contágio transforma o combalido em um ser
182
heresia judaica. Uma junta de prelados reuniu-se repugnante, passível de pena e, em casos
em Tomar, no ano de 1629, para discutir quais extremos, de segregação e exclusão. Não é
seriam as diretrizes para a erradicação, chegando possível qualquer sentimento de empatia para
à conclusão da necessidade de expulsar todos os com o doente, pois ninguém quer ser
cristãos novos, inclusive aqueles que fizeram infeccionado ou imaginar-se enfermo.lxiv O
casamentos mistos com os cristãos velhos. Os “judaísmo” enquanto assim doença reproduzia e
pedidos foram enviados ao rei e circulou em um resumia a força do preconceito racial português
tratado manuscrito. No entanto, não teve efeito e do século XVII, demonstrando que o corpo
a expulsão, nas palavras de Pulido Serrano, social católico deveria manter-se puro.
acabou tornando-se frustrada.lxii
Durante muito tempo, a expulsão ficou A CURA: O FOGO PURIFICADOR
restrita apenas a anseios e pedidos da literatura e
do populacho, mas sem discussão levada pelo O medo de um potencial contágio resulta,
clero ou pela Coroa – sobretudo, porque a segundo a antropóloga Mary Douglas, em um
presença de cristãos-novos era importante para a reforço do imperativo de purificar a sociedade. A
manutenção da a empresa marítima na luta purificação, marcada sobretudo a partir de um
contra os holandeses A expulsão teve algum ritual, seria uma “contribuição positiva para a
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expiação”, essa mesma expiação que se exigia finalmente, é queimado vivo.lxvii Para além da
dos fiéis, a ponto de neles incutir a delação de crueldade na sequência dos atos de “justiça
todos aqueles que tivessem alguma prática popular” feita, é o destino final do corpo,
suspeita de heresia. Por conseguinte, seguindo os entregue às chamas, que melhor demonstra a
rastros da autora, é através dos rituais de pureza forma de purificar um sacrilégio.
que “os padrões simbólicos são executados e O judaísmo, afora outras heresias, era a
publicamente manifestados. Dentro desses preocupação máxima da Inquisição. Seu caráter
padrões, elementos díspares são relacionados e a infeccioso, que vem sendo demonstrado, exigia
experiência díspar assume significado”. Mais uma solução que pudesse limpar o reino. O fogo
precisamente, um significado abjeto, indesejável. era assim compreendido pelo Santo Ofício,
Daí a pressão social em expurgar as impurezas e visivelmente nos sermões pregados nos púlpitos
retomar ao estágio primitivo da crença.lxv inquisitoriais. Sempre ocorria ao fim dos autos-
Com as frustradas tentativas de expulsão, de-fé, depois de já proferidas todas as sentenças.
anteriormente comentadas, restava o ritual de À fogueira, eram condenados apenas os acusados
purificação por excelência do Antigo Regime: o de crime graves, como os “relapsos” – os quais
183
fogo. Maria Luiza Tucci Carneiro chama a já haviam se arrependido de culpas anteriores,
atenção que o fogo, quando entendido para mas voltaram à heresia – e os “pertinazes”,
“queima da doença”, transformava de um aqueles que declaravam morrer judeu na “Lei de
elemento natural para o “elemento-símbolo da Moisés”; neste caso, o crime era considerado de
purificação”, reestabelecendo, assim, um ideia de gravidade máxima e o sentenciado era queimado
sociedade pura e, ao mesmo tempo, vivo. Depois de apresentadas as penas, os
“inocentando os ‘homens da Inquisição’ sentenciados eram levados ao queimadeiro, local
responsáveis pela manutenção da ordem preparado para fazer-se a pena capital. As
social”.lxvi autoridades religiosas acompanhavam o cortejo
Em janeiro de 1630 um atentado com os culpados. Junto corria a população, para
sacrílego foi cometido na Igreja de Santa acompanhar as execuções. O queimadeiro ficava
Engrácia, em Lisboa, quando hóstias foram em uma parte isolada, em local por vezes
espalhadas e pisoteadas. A suspeita inicialmente distante do cadafalso onde ocorria o auto-de-fé.
caiu sobre o jovem Simão Dias Solis, A atmosfera toda desejada para o auto-
pertencente a uma abastada família cristã-nova. de-fé era a encenação do Juízo Final. O evocar
Horas depois o suspeito é preso por uma do apocalipse entoava as trombetas finais junto
multidão, torturado; tem a mão decepada e, da ira do julgamento divino. O tenebroso fim dos
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tempos anunciava-se assim como fez o já citado o corpo corrupto em poucas cinzas, não
Manoel Rebelo no auto-de-fé de Lisboa, em resguardando, assim, a necessidade de enterrar o
1638 defunto ou, até mesmo, de se criar e preservar
uma memória – ainda que negativa.lxxii
vem o dia em que se celebra o Auto de Fé,
dia de tempestade e trovoada. Plus ignem. Certamente por isso nenhum corrupto escapava
Chuva de fogo, para queimar corpos e os
fazer em pó e em cinza, fogos para que
das chamas inquisitoriais: estivesse foragido ou
outros sejam afogueados, tempestades e morto queimava-se do mesmo jeito, fosse em
trovões para que outros sejam castigados,
não para destruir, senão para emendar e efígie, em estátua ou com os restos mortais.
reduzir.lxviii
Manoel Evangelista, em 1619, apresentou
O fogo, no entanto, não se tratava de uma
a outra maneira de punir quem continuava
novidade ou de uma criação da Inquisição, mas
negando a vinda do Messias, mesmo passado
um castigo muito antigo. Philippe Moreira, em
mais de um milênio e meio depois: “Gente que
1630, lembrava que,
nega e renega de Cristo, queimem-nos”.lxxiii Os
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Apenas Cristo foi puro e, por isso, a também, um ato justo e divino, para que o reino
Igreja deveria seguir seu exemplo. Deveria dos céus não tivesse impurezas e infecções,
retornar ao catolicismo primitivo, conforme como tinha, naquele momento, o católico reino
desejava o Concílio de Trento – que foi a um só português.
tempo o retorno à antiga fé e o estabelecimento
de uma nova forma de catolicidade. Queimar, CONSIDERAÇÕES FINAIS
portanto, era purificar: “o mundo com fogo se há
de purificar”, avisava Philippe Moreira, em Ao longo do texto, foi minha intenção
1630.lxxv Afinal, se o medo de uma infecção demonstrar que o preconceito racial não se
epidêmica rondava Portugal nas primeiras restringiu e nem se finalizou na injúria, na pecha
décadas dos seiscentos, reduzi-la às cinzas ou na alcunha. Não se trataram apenas de
poderia ser mais vantajoso que expulsá-la – agressões verbais ou simbólicas: algumas das
certamente assim os portugueses não correriam o violências aqui tratadas eram a continuidade do
risco de serem generalizados como “judeus em racismo. Um ato que poderíamos definir como
fuga”. Arder as chamas, então, seria purificar o inconsciente, se por isso entendermos como um
185
perigo da existência de fementidos, que insistiam medo que precisa urgente ser superado e a única
em enganar com suas falsas demonstrações de fé solução é a aniquilação do inimigo. Daí a
católica, conforme expressou Luís de Melo, em expulsão e o fogo serem compreendidos não
1637: “porque só com o fogo se pode purificar apenas como formas de castigos, mas como atos
quem finge fé sem tê-la e diz que fala a verdade de extensão do preconceito racial contra os
com um coração mentiroso e infiel (que assim se descendentes de judeus.
justifica Deus quando castiga)”.lxxvi O que aqui se apresentou foi suficientes
Na tradição católica, é sabido que um dia para ilustrar aquilo que o historiador Jean Claude
Jesus retornaria ao mundo, para julgar os vivos e Schmitt descreveu como se tratar da história dos
os mortos. Sentia-se que era preciso fazer justiça marginais: quando um grupo não aceito à
contra a dissonância. Se aos homens não bastava sociedade ainda ocupa um espaço, o grupo tende
carregar o fogo, que o trouxesse também o a ser segregado, hostilizado e, até mesmo,
Messias em seu retorno: “para que antes que desumanizado.lxxviii Retomando a metáfora da
nosso Senhor venha a Juízo na segunda vinda à doença, é como se o corpo doente precisasse, de
terra, venha diante fogo conflagrante, para alguma forma, regurgitar a infecção; raramente a
purificar o ar e as nuvens onde se há de pôr o enfermidade seria fagocitada.
trono imperial de Cristo”.lxxvii Purificar era,
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Entender o racismo para além dos CALAINHO, Daniela Buono. Agentes da Fé:
discursos, buscando também as intenções em familiares da Inquisição Portuguesa no Brasil
propagação e perpetuação talvez seja uma Colonial. Bauru: EDUSC, 2006.
interessante e possível forma de discutir os Carta de D. Teotônio de Bragança a Filipe III.
espaços hoje marginalizados – como, por Seminário conciliar de Braga (S.C.B.). Códice nº 42,
exemplo, as favelas brasileiras ou as cidades fls. 438-442. In: MARQUES, José. “Filipe III de
Espanha (II de Portugal) e a Inquisição Portuguesa
palestinas atuais. Afinal, quem habita estes
face ao projecto do 3º Perdão Geral para os cristãos
espaços lá estão, na maioria dos casos, por
novos portugueses”. In: Revista da Faculdade de
imposição e por uma condição praticamente
Letras, Universidade do Porto, 2a ser., X, 1993, pp.
intransponível: ainda que de lá saiam e vão
189.
ocupar outros espaços, serão considerados como
CAVALHEIRO, Luís Fernando Costa. “E
pertencentes aos espaços segregados. Racismo,
Cristo é a única voz de todo o mundo”: a
portanto, não é apenas verbalizar um ódio, mas
defesa da Respublica Christiana nos sermões de
transformar o outro em um corpo inútil e daí em
autos-de-fé da Inquisição Portuguesa (1612-
diante passível das piores atrocidades.
1640). Dissertação de mestrado em História. 186
Curitiba: UFPR, 2015.
REFERÊNCIAS
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fé – questionar a História V. Lisboa: Editorial
BETHENCOURT, Francisco. História das
Caminhos, 2001.
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2000. COLLEGIO DO SPIRITO SANTO DA
BOXER, Charles. A Igreja Militante e a COMPANHIA DE IESV E VNIVERSIDADE
Expansão Ibérica – 1440-1770. Trad. Vera D’EVORA. No auto da Fê, que se celebrou na
Maria Pereira. São Paulo: Companhia das Letras, praça da mesma Cidade, em de Novembro,
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JESUS, Ambrósio de. SERMAM FEITO NO Jesus, NO AUTO PUBLICO DA FE’ que se
AMBROSIO DE IESV Diffinidor Geral que há MOREIRA, Philippe. SERMAM QVE PREGOV O
sido de toda a Ordem de S. Francisco e Padre da PADRE MESTRE E Fr. PHILIPPE Moreira,
Prouincia de Portugal. Lisboa: Pedro Craesbeeck, religioso da Ordem de Sãto Agostinho, Doutor
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CELEBROV em Euora a 30 de Iunho de 630. REBELLO, Manoel. Sermão qve pregov o padre
Évora: Manoel Carvalho, 1630. mestre FR. Manoel Rebello da Ordem dos
MULLET, Michael. A Contra-Reforma. Trad. Prègadores, natural de Coimbra, no auto da Fé
J. Santos Tavares. Lisboa: Gradiva, 1985. celebrado nesta cidade de Lisboa, em cinco de
NOVINSKY, Anita. “A Inquisição portuguesa a Setembro deste anno de seiscentos e trinta e oito.
Lisboa: Paulo Crasbeek, 1638.
luz de novos estudos”. In: Revista de la
RODRIGUES, Maria Idalina Resina. “Literatura
Inquisición. Madrid: Editorial Universidad
e anti-semitismo. Séculos XVI e XVII”. In:
Complutense, 1998 (7), pp. 297-307.
Estudos Ibéricos. Lisboa: Instituto de Cultura e
NOVINSKY, Anita. “Reflexões sobre o
Língua Portugesa, 1987.
Racismo (Portugal séculos XVI-XX)”. In:
SALAZAR, António Oliveira. Entrevistas 1960-
Revista USP, São Paulo, v. 69, pp. 21-33.
1966. Coimbra: Coimbra Editora LTDA, [s.d.].
NOVINSKY, Anita. Cristãos novos na Bahia.
SANTA’ANNA, Estevão de. SERMÃO DO ACTO
São Paulo, Perspectiva, 2013. [1972]
DA FEE QVE SE CELEBROV NA CIDADE DE
NOVINSKY, Anita; CARNEIRO, Maria Luiza COIMbra, na segunda Dominga da Quaresma.
Tucci. Inquisição: ensaios sobre mentalidade, Anno de 1612. COMPOSTO E PREGADO
188
heresias e arte. Rio de Janeiro/São Paulo: PELLO Padre Frey Esteuão de S. Anna Religioso
Expressão e Cultura/Edusp, 1992. Carmelita, Doutor na sagrada Theologia, Reytor
OLIVEIRA, António. Filipe III. Lisboa: Temas do Collegio de nossa Senhora do Carmo na
& Debates, 2008. Vniuersidade de Coimbra. Coimbra: Nicolau
POLIAKOV, Léon. De Maomé aos Marranos. Cristãos-Novos. 5ª ed. Lisboa: Estampa, 1985.
Trad: Ana M. Goldberger e J. Ginsburg. São SCHIMITT, Jean Claude. “A história dos
Paulo: Editora Perspectiva, 1996. [1961] marginais”. In: LE GOFF, Jacques (dir.). A
PULIDO SERRANO, Juan Ignácio. “La história Nova. Trad. Eduardo Brandão. São
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DE AUTOS-DE-FÉ DA INQUISIÇÃO PORTUGUESA (1612-1640),
LUÍS FERNANDO COSTA CAVALHEIRO
Frey Esteuão de S. Anna Religioso Carmelita, Doutor Expansão Ibérica – 1440-1770. Trad. Vera Maria Pereira.
na sagrada Theologia, Reytor do Collegio de nossa São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pp. 11-53.
Senhora do Carmo na Vniuersidade de Coimbra. xxiv
POLIAKOV, Léon. De Maomé aos Marranos. Trad:
Coimbra: Nicolau Carualho Impressor da Vniversidade, Ana M. Goldberger e J. Ginsburg. São Paulo: Editora
1612, fl. 8v. Perspectiva, 1996, pp. 184-205. [1961]
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DE AUTOS-DE-FÉ DA INQUISIÇÃO PORTUGUESA (1612-1640),
LUÍS FERNANDO COSTA CAVALHEIRO
xxv xxxii
KAMEN, Henry. A Inquisição na Espanha. Trad. NOVINSKY, Anita. Cristãos novos na Bahia: a
Leônidas Gontijo de Carvalho. Rio de Janeiro: Editora Inquisição no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 2013, pp.
Civilização Brasileira, 1966, pp. 149-171. [1965] 103-107. [1972]
xxvi xxxiii
Uma das primeiras preocupações sobre questões raciais BETHENCOURT, Francisco. História das
em Portugal da Primeira Modernidade pela historiografia Inquisições. Portugal, Espanha e Itália – séculos XV XIX.
foi feita, brevemente, por António Baião presente no artigo São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 248.
“Graves Irregularidades no Recrutamento de Oficiais do xxxiv
A tese era defendida por Meyer Kayserling, mas
Santo Ofício”, publicado no terceiro volume de seu livro
Rodrigues não o menciona em seu texto. Cf.
Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa, em
KAYSERLING, Meyer. História dos judeus em
1905. De certa forma, uma historiografia sobre a violência
Portugal. Trad. Anita Waingort Novinsky. São Paulo:
contra judeus e cristãos-novos portugueses foi tardia se
Pioneira, 2009, p. 268.
comparada, por exemplo, à historiografia sobre a
Inquisição lusa. Uma primeira referência historiográfica xxxv
RODRIGUES, Maria Idalina Resina. “Literatura e
sobre antijudaísmo em Portugal é encontrada no livro anti-semitismo. Séculos XVI e XVII”. In: Estudos
História dos judeus em Portugal, do rabi e historiador Ibéricos. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portugesa,
germânico Meyer Kayserling, publicado em 1866. O autor 1987, p. 257. O texto foi originalmente publicado em
faz breves menções à literatura antijudaica, mas sem Brotéria – cultura e informação. v. 109; nº2/3; agosto-
destacar questões raciais ao longo de suas páginas. A setembro de 1979, pp. 137-154. A versão aqui utilizada é a
discussão começou externamente a Portugal e uma mesma, presente em uma compilação de artigos da autora.
historiografia nacional viria só três décadas depois, em xxxvi
1895, com Joaquim Mendes Remédios e sua História dos É importante destacar que a abordagem de pureza de
Judeus Portugueses. A grande obra referente ao sangue de Tucci Carneiro não é uma influência direta ou
indireta de António José Saraiva, comentado
antijudaísmo veio com João Lúcio de Azevedo, com a
anteriormente.
História dos Christãos Novos Portugueses, trabalho
contemporâneo à obra de António Baião e que se tornou
público em 1921 – período quando ocorriam “convulsões
xxxvii
167.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Op. cit., pp. 141- 190
periódicas à questão judaica”, conforme o próprio autor
destacou. Ainda que tenha utilizado expressões como “raça
xxxviii
NOVINSKY, Anita. “A Inquisição: uma revisão
hebreia”, “raça suspeita” e “semita”, Azevedo não fez uma historiográfica”. In: NOVINSKY, Anita; CARNEIRO,
análise pautando-se nos preconceitos raciais contidos nos Maria Luiza Tucci. Inquisição: ensaios sobre mentalidade,
escritos antijudaicos. É um fato curioso, pois Azevedo heresias e arte. Rio de Janeiro/São Paulo: Expressão e
escreveu seu livro em um momento de profundo debate Cultura/Edusp, 1992, p. 8
sobre teorias racialistas. O caráter antissemita das obras só xxxix
NOVINSKY, Anita. “Reflexões sobre o Racismo
seria tomado pela historiografia décadas depois, conforme (Portugal séculos XVI-XX)”. In: Revista USP, São Paulo,
veremos mais adiante. Mas, consoante Giuseppe Marcocci, v. 69, p. 29. Novinsky é conhecida na historiografia por
as perspectivas de Azevedo não foram seguidas pela defender a controversa tese que a Inquisição Portuguesa e
historiografia e seu trabalho só foi retomado mais de meio seus éditos de pureza de sangue moldaram uma
século depois. Cf. MARCOCCI, Giuseppe. “Toward a mentalidade que gerou o racismo de Estado do século XIX
History os the Portuguese Inquisition Trends in Modern e o nazi-fascismo, no século seguinte. Esta concepção foi
Historiography (1974-2009)”. In: Revue de l’historie des constantemente retomada pelos seus orientandos, mas não
religions, nº3, 2010, p. 358. encontrou nenhuma referência em outros trabalhos.
xxvii
Idem, pp. 356-358. xl
Idem, p. 31.
xxviii
SARAIVA, António José. Inquisição e Cristãos- xli
CALAINHO, Daniela Buono. Agentes da Fé: familiares
Novos. 5ª ed. Lisboa: Estampa, 1985, pp. 121-126. da Inquisição Portuguesa no Brasil Colonial. Bauru:
xxix
Idem, p. 118. EDUSC, 2006, pp. 24 e 25.
xlii
xxx
Os debates podem ser encontrados em: Idem, pp. 211- Idem, pp. 65-66.
292. NOVINSKY, Anita. “A Inquisição portuguesa a luz de
xliii
xxxi
LIPINER, Elias. “O Cristão Novo: mito ou realidade”. novos estudos”. In: Revista de la Inquisición. Madrid:
In: Os Baptizados em pé: estudos acerca da origem e da Editorial Universidad Complutense, 1998 (7), pp. 297-307.
luta dos Cristãos Novos em Portugal. Lisboa: Vega, 1998, xliv
FEITLER, Bruno. Op. cit., p. 157.
p. 416.
REVISTA LABIRINTO, PORTO VELHO (RO), ANO XVII, VOL. 27 (JUL-DEZ), N. 1, 2017, P. 168-192.
“VÓS TENDES POR PAI AO DIABO”: PRECONCEITO RACIAL NOS SERMÕES
DE AUTOS-DE-FÉ DA INQUISIÇÃO PORTUGUESA (1612-1640),
LUÍS FERNANDO COSTA CAVALHEIRO
xlv
Idem. The Imaginary Synagogue – Anti-jewish 30 de Iunho de 630. Évora: Manoel Carvalho, 1630, fl.
literature in the Portuguese Early Modern World (16th-18th 11v
centuries). Leiden/Boston: Koninklijke Brill, 2015. lv
REBELLO, Manoel, 1638, fl. 8v.
xlvi
COUTO, Sebastião do. SERMÃO QVE O DOVTOR lvi
SONTAG, Susan. A Doença como Metáfora. São
SEBSTIÃO DO COUTO DA Companhia de IESV,
Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 53.
Lente de Prima jubilado da Vniuersiddade de Evora,
pregou no auto da Fé que se fez em Lisboa a 14 de lvii
Idem, ibidem. A autora cita o exemplo francês da
Março de 1627. Lisboa: Pedro Craesbeeck, 1627, fl. 19. fachada corroída chamada de lépreuse.
xlvii
SIQUEIRA, Bento. SERMAM QVE PREGOV O CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. “O sangue como
lviii
Padre da Prouincia de Portugal. Lisboa: Pedro questionar a História V. Lisboa: Editorial Caminhos, 2001,
Craesbeeck, 1622, fl. 2v. pp. 144-145.
liii
Não tão somente o aspecto de doença, mas também lxviii
REBELLO, Manoel. SERMÃO QVE PREGOV O
deficiências físicas hereditárias acompanhavam os PADRE MESTRE FR. Manoel Rebello da Ordem dos
descendentes de judeus. Era comum conferir a eles a Prègadores, natural de Coimbra, no auto da Fé
cegueira, a surdez e a maqueira, metáforas que tornava celebrado nesta cidade de Lisboa, em cinco de
visível uma recorrência nos erros da fé. Sobre o uso dessas Setembro deste anno de seiscentos e trinta e oito.
metáforas ver: CAVALHEIRO, Luís Fernando Costa. “E Lisboa: Paulo Crasbeek, 1638, fl. 18.
Cristo é a única voz de todo o mundo”: a defesa da lxix
Respublica Christiana nos sermões de autos-de-fé da MOREIRA, Philippe, 1630, fl. 18v.
Inquisição Portuguesa (1612-1640). Dissertação de lxx
MENDONÇA, Francisco de, 1618, fl. 25v.
mestrado em História. Curitiba: UFPR, 2015, pp. 164-173. lxxi
GOMES, André, 1621, fl. 15v.
liv
MOREIRA, Philippe. SERMAM QVE PREGOV O lxxii
PADRE MESTRE E Fr. PHILIPPE Moreira, religioso LIPINER, Elias. Op. cit., p. 117.
da Ordem de Sãto Agostinho, Doutor pola lxxiii
EVANGELISTA, Manoel, 1619, fl. 5.
Vniuersidade de Coimbra & qualificador do S. Officio.
lxxiv
NO AVTO DA FEE QVE SE CELEBROV em Euora a SANTA ANNA, Estevão, 1612, fl. 15.
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“VÓS TENDES POR PAI AO DIABO”: PRECONCEITO RACIAL NOS SERMÕES
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LUÍS FERNANDO COSTA CAVALHEIRO
lxxv
MOREIRA, Philippe, 1630, fl. 19.
lxxvi
MELO, Luís de, 1637, fl. 5v.
lxxvii
JESUS, Ambrósio de, 1621, fl. 15.
SCHIMITT, Jean Claude. “A história dos marginais”.
lxxviii
REVISTA LABIRINTO, PORTO VELHO (RO), ANO XVII, VOL. 27 (JUL-DEZ), N. 1, 2017, P. 168-192.