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Janne Rantala
University of the Western Cape
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All content following this page was uploaded by Janne Rantala on 22 May 2019.
Objectivos do estudo
O objectivo principal do estudo é compreender a natureza da polémica sobre a música do
Azagaia entre os anos de 2007 e 2009, contextualizando a discussão de um modo geral nos
debates sobre a História de Moçambique e nas tensões sociais por de trás dela. O estudo
também relaciona o conhecimento científico e o conhecimento popular, relacionando os
4 B'andhla é uma prática local para reunir de acordo com a tradição, com que Langa
compara “o Agora” dos antigos gregos.
Representações do passado
O debate sobre Azagaia é aqui enquadrado na discussão sobre passado nacional, onde
os participantes pretendem construir ou desconstruir justificativas históricas da política de
hoje. As representações públicas são sempre parcialmente fictícias. Em Moçambique, o
passado é muito presente em várias formas. Opiniões públicas sobre o passado podem ser
acompanhadas todos os dias em discussões na via pública e nas esquinas. Nos últimos anos
tem havido um boom de biografias dos ex-combatentes da liberdade, e um número de
escritores, nacionais e estrangeiros também têm-se manifestado fortemente comprometidos
com a história do país. Não existe, no entanto, uma visão consensual sobre o passado de
Moçambique muito embora os líderes políticos do partido dominante assim o afirmem 5. A
História de Moçambique é controversa e polémica para os jornalistas, para o cidadão comum,
para os escritores de letras de rap e música popular, e mesmo nos debates entre os partidos
políticos no Parlamento e nos órgãos de comunicação social. Curiosamente, as pessoas menos
escolarizadas em todo o país usam camisetas, autocolantes ou cartazes e outros sinais que
explicitamente se referem ao passado do país, especialmente ao seu primeiro presidente
Samora Moisés Machel (1933-1986). Nas esquinas ouvem-se narrações populares de
acontecimentos históricos que são obviamente opostos a história oficial6. Muitas vezes,
como no caso dos rappers críticos, a figura de Samora é usado como um símbolo do
desenvolvimento socioeconómico para todos e instrumento de crítica Voltariana contra a
política vigente (Cf. Ngoenha 2009). No entanto, nem todas memórias populares alinham no
mesmo diapasão "Bahtinian"; um outro ramo da música popular é mais consonante com a
narrativa oficial. Por exemplo, a música revolucionária Maconde é muitas vezes usada para
encontrar afinidades para as representações oficiais do passado (Israel, 2010).
Com a expressão da narrativa nacional, refere-se ao conceito "oficial" de história da
elite política, que é difundido através da escola, historiografia, cerimónias 7 comemorativas,
12 Refere-se ao sub-genero do rap que tornou-se popular em metade dos anos 1990.
Kuti, e estrelas do reggae, Bob Marley e Peter Tosh como as suas preferências. Como uma
fonte fundamental de inspiração, ele cita o poeta moçambicano José Craveirinha, cujo
trabalho o levou a escrever a música de crítica social. Ele se vê como seguidor de Craveirinha
(1922-2003)13.
No contexto do hip hop moçambicano, Azagaia é conhecido pela sua crítica social agressiva.
As referências mais próximas podem ser encontradas nos artistas militantes Moçambianos de
Cotonete Records e do MC Português, Valete, com quem Azagaia colaborou. Na entrevista
(i2013), Azagaia menciona Rage, Iveth, Izlo, Flash, Duas Caras, Simba, Xitiku ni Mbaula
como artistas do rap Moçambicanos que gosta de ouvir. Azagaia já tem seguidores em
Moçambique e referências a ele podem ser ouvidas no rap lusófono e crioulo14.
Artista e Autoridades
Azagaia como artista-intelectual crítico sofreu alguma repressão directa e indirecta
durante a sua carreira. Em Abril de 2008, foi interrogado por um procurador-geral por causa
da sua canção “Povo no Poder”, que ele lançara imediatamente após as manifestações de
Fevereiro do mesmo ano, sob a acusação de fomentar insegurança nacional e incitacao à
violência. No final, ele não foi preso. Em 30 de Julho de 2011, foi preso, acusado de posse
de cannabis, momentos antes da estreia duma música e vídeo “Minha Geração [My
Generation]” (O País online: 2011). O artista foi libertado depois de dois dias.
Um dos principais críticos de Azagaia, Langa (2008) subestimou as alegações de
censura sobre o músico, tendo as categorizado como uma "construção social de mártir". Há,
porém, muitas provas de repressão. O Apresentador de televisão da TVM (Televisão de
Moçambique), Daniel “Danny” Ripanga, confessou numa entrevista à revista Lua (2012) que
enfrenta uma censura quotidiana no seu trabalho, acrescentando que seria impossível tocar
músicas de Azagaia e de outros jovens rappers críticos no seu programa. Um outro jornalista
de rádio disse que a auto-censura, “lambebotismo”, a repressão imaginária, que, no entanto,
tendem a representar a realidade e pressão informal por políticos, homens de negócios e os
líderes partidários são meios potenciais da repressão. A censura directa e restrições
directamente encomendadas ao mais alto nível político não são muito prováveis. Todos estes
15 Langa, que escreveu 13 textos sobre Azagaia no seu blogue na sua fase mais activa
durante 12 meses, desde Novembro de 2007. Macamo também ganhou algum prestígio
entre azagaialogistas com os seus textos longos. Langa é actualmente professor na
Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e presidente da Associação Moçambicana de
Sociologia enquanto Macamo tem sua carreira na Universidade de Basileia, na Suíça.
Na verdade Azagaia, como ele próprio reconhece, não inventa nada do que diz,
apenas faz eco a aquilo que as pessoas dizem nas esquinas e corredores, portanto,
ao conhecimento popular. Aquele conhecimento daqueles que não têm tempo nem
paciência para conviver com a dúvida enquanto avaliam as premissas. É um
conhecimento do senso comum, portanto, apriorístico, intuitivo, assistemático. Na
verdade, é um não – conhecimento ou desconhecimento. Azagaia não faz
perguntas, dá respostas. E as respostas que nos oferece, não são respostas novas.
Entre 2007 e 2009 os sociólogos aqui referidos produziram vasto material sobre sua
recepção do Azagaia nos seus blogues, da qual maior parte são textos polémicos contra
Azagaia, seu “desabafo”, teorias conspitórias irracionais e uso do senso comum. Polêmica
revelou interesse enormo dos académicos o que não diretamente resultou em quaisquer
publicações, apenas posivelmente atraio também interesse académico mas positivo 18. Azagaia
(e2011b) reconhece que a discussão lançou interesse académico mais sério e que depois
muitos pesquisadores lhe tinham entrevistado.
18 Cf. Bahule 2011, Honwana 2013: 161-164. Um estudo do Bahule que se baseou
numa longa entrevista bem elaborada com o Azagaia, num formato de questões e
respostas.
espaço público, a música oferece visão do senso comum moçambicano sobre o passado e
sobre a política do país. O ritmo da música é suave, o que transmite um sentimento triste,
talvez até nostálgico. Isto sublinha a gravidade da mensagem e da tristeza e gravidade da
mensagem que ele pretende transmitir.
O Rap é mundialmente observado como um genero com foco à apresentação
(Lusane, 2004), que tem influências do cinema, do teatro e da narração oral. Muitos rappers
norteamericanos protagonizaram filmes com muita facilidade, como o próprio Azagaia. A
Interpretação do rap é melhor feita no contexto da apresentação, apénas que as letras
excepcionalmente longas particularmente no ramo “conciente” ou “underground”, com
influências da literatura, particularmente da poésia, e do jornalismo deixam a audiência
enfatizar sua intelectualidade.
Na cantiga, Azagaia enumera casos não resolvidos do passado recente, como a morte
do Presidente Samora Machel, num acidente de avião, em 1986, o assassinato do jornalista
Carlos Cardoso, em 2000, e do economista António Siba-Siba Macuácua, em 2001. O vídeo
da música (Azagaia 2007b) começa com uma citação de Constituição de Moçambique que
garante a liberdade de expressão e proíbe a censura. Após o texto, segue-se uma cena em que
Azagaia, trabalhando com seu computador portátil e pilhas de papel, recebe uma chamada–
ameaça.. Há uma atmosfera muito tensa em todo o vídeo em que Azagaia é perseguido,
capturado, amarrado e finalmente é alvejado depois de dizer "Vocês podem até me matar, mas
não podem calar a verdade". Uma dimensão interessante da música é seu aspecto verbal - as
acusações são precedidas pela frase "se eu te dissesse". O Artista está a referir ao
sensíbilidade destas questões levantadas. Este e outros aspectos enfatizam o aspecto
revolucionário das letras, ligando uma música descritiva mais apertada para outras músicas
dele, assim como “A Marcha” (Azagaia 2007a) ou “Povo no Poder” (Azagaia 2008) onde o
artista clama por uma revolta popular.
O vídeo confirma o que o ouvinte acaba considerando - Azagaia refere-se a ameaças à
vida. De certa forma ele toma o lugar de Cardoso, do economista António Macuacua e do
músico Pedro Langa, todos por terem sido assassinados em situações obscuras. Na verdade,
na hora das suas mortes, Cardoso e Macuácua estavam a investigar questões que, se
comprovadas, teriam de colocar pessoas do topo da hierarquia de poder em posição difícil.
Neste contexto, é compreensível que a acção das autoridades contra Azagaia, que foi
anteriormente referida, tenha causado chamado a atenção.
As letras da música revelam uma outra verdade: a corrupção dos políticos, empresas e
agências humanitárias em Moçambique e as suas relações entre si. A canção também refere-
se à tradição da revolução como representado por Samora Machel, que foi marginalizada
devido à ganância dos novos líderes. Numa entrevista, Azagaia (e2011a) diz que, para ele
Machel representa a luta por um Moçambique mais igual. Talvez seja por tocar a figura
central simbólica e fundadora, que Samora Machel representa, as perguntas e acusações, que
no contexto do hip hop internacional são bastante moderadas, foram sentidas muito
fortemente, como se torna visível nas reacções de Langa (2007) e Macamo (2007)19.
As reacções levantadas pela “As Mentiras da Verdade” têm sido bastante perspicazes
e ao mesmo tempo doutrinais. Vamos tomar como exemplo algumas linhas sobre a morte de
Samora Machel.
E se eu te dissesse / Que Samora foi assassinado / Por gente do governo / Que até hoje
finge que procura o culpado (Azagaia, 2007b)
Num texto de blogue, posteriormente publicado no jornal Notícias, Langa (2007)
analisa as linhas da seguinte maneira:
Insinuação: E se eu dissesse que...
Conclusão: Samora foi assassinado.
Premissa (1): Por gente do governo que até hoje finge que procura
o culpado.
Langa continua: “Ainda não se produziu evidência, material, suficiente para que se
considere a morte de Samora um assassinato, muito menos por membros do governo. De que
governo?”
De acordo com Langa, qualquer um destes tipos de perguntas ou raciocínio não são
suficientes para eliminar a crença emocionalmente motivada de Azagaia de que "Samora foi
assassinado". A razão é, no entanto, necessária crítica social real, enquanto as emoções são
puramente por desabafo, conclui.
É preciso levar em conta que o mistério da morte de Samora tem sido investigado por
vários pesquisadores e jornalistas, incluindo o próprio Cardoso (ver Fauvet & Mosse, 2003).
O historiador David Robinson (2006) conclui no seu texto sobre o assassinato de Machel que
ainda é difícil ter certeza se foi um acidente ou um assassinato, embora o número de questões
não resolvidas e evidências parecem apontar para assassinato. De acordo com Robinson,
encontrar o culpado é especialmente difícil, já que muitos, em Moçambique e no exterior,
No contexto da esta história a letra e o vídeo da música, que acaba de baleado, pode
ser tomado como um thriller com narração que se refere aos escritos de Cardoso e seu destino
trágico. Atrevo-me a afirmar, que a análise lógica do Langa (2007) não foi uma boa
ferramenta para analisar a música. Raramente é quando se analisa arte.
Conclusão
Langa e Macamo descrevem Azagaia muito negativamente nos seus textos polémicos.
Em nome dos valores nobres cépticos e da autoridade académica eles pretendem
testemunhar que a crítica do artista baseia-se nos falsos argumentos, na falta de provas
nas suas acusações, e do espírito crítico, e assim implicam que obviamente as músicas
não teêm valor de tocar nos canais públicos. Sociólogos usavam ferramentas aqui
referidas para letras sem prestar atenção no facto de que música e artes em geral têm
maneira de expressar bem diferente que os académicos, ou os políticos quais eles
querem defender contra os insultos do artista.
21 ”Não faço a mínima ideia. Mas a julgar pela sua popularidade suponho que sejam
as pessoas que se contentam com diagnósticos simplistas da situação do país.” Esta
resposta de Macamo parece mais emocionalmente do que racionalmente motivado, pois
as suas bases da argumentação sejam de falácia lógica clássica como Argumentum ad
Populum.
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