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A revista brasileira de música eletrônica

VERMELHO

R$ 19,90 • Nº 49 •maio/junho/julho
Celebrado pela habilidade
em vários aspectos da
cultura da música eletrônica

DEKMANTEL
Atrai novamente a São Paulo
um público expressivo e uma
curadoria artística aplicada

BRMC 10a
EDIÇÃO
Desde 2009 segue como meio
fundamental para a discussão
de temas importantes

DIVERSIDADE
NA PISTA
12 páginas com ações e reflexões
a respeito da representatividade

SHARAM
(ou falta dela) na cena brasileira

JEY
São mais de 20 anos de carreira, vários sucessos
pela Bunny Tiger e muito apoio aos DJs brasileiros

WARUNG
ADAM BEYER
DAY | ASHIBAH
| OCTAVE| ONE
ELLEN| ALLIEN
MEME | | UMF
RYANBRASIL
ELLIOT | | DEKMANTEL
LUCIANO | TIME
| BPM
WARP
laroc sunset club
rod. dom pedro I, km 118
valinhos, são paulo, brasil
www.laroc.club
follow us /larocclub /larocclub

a conexão da música
eletrônica em um
lugar paradisíaco
COLABORADORES
GABRIELA LOSCHI é pós-graduada em Jornalismo, e
começou a escrever sobre música eletrônica em 2004, cobrin-
do eventos como Skol Beats. Morou em Berlin em 2017, mas já
esteve em Nova Iorque por dois anos quando foi correspon-
DIREÇÃO EXECUTIVA

Jeniffer Avila
Nada de aCúCar,
só aaasas.
jeniffer@housemag.com.br
dente da Electro Mag e Folha de São Paulo. Nesta edição assi-
na a matéria de capa com Sharam Jey, o review do Dekmantel Jorge Vieira Junior
SP, além das entrevistas com Ryan Elliot e Luciano. jorgejunior@housemag.com.br

Raul Mendes
raul@housemag.com.br

LUIZA SERRANO é Jornalista e pós-graduada em co- EDITOR-CHEFE


Alexandre Albini

red BULL sUGarFree.


municação estratégica, atuando como social media de DJs
alexandre.albini@housemag.com.br
e agências. Realiza serviços de assessoria de imprensa para
eventos e artistas de música eletrônica, trabalhando há
DIREÇÃO DE ARTE
nove anos como assessora de comunicação do BDMG Cul-
Catia Herreiro
tural. Nesta edição assina as matérias Vegas, Jana Matheus catia.herreiro@gmail.com
e agência Seasons.
ASSISTENTE DE EDITORAÇÃO
Henivaldo Alves
arte@housemag.com.br

ALAN MEDEIROS é fundador do portal Alataj, e atual-


mente entrega seus textos também para o site da DJ Mag Bra- COMERCIAL
comercial@housemag.com.br
sil. Estudante de Publicidade e Propaganda tem na música e
na comunicação social suas maiores paixões — convivendo de
INTERNET E TECNOLOGIA
perto com uma das cenas mais prolíferas do país, a do Vale do
Commix – www.commix.com.br
Itajaí. Nesta edição assina a matéria “Perdemos nossa raízes?”,
que faz uma reflexão sobre a presença negra no atual merca-
JURÍDICO
do da dance music; além de resenhas na seção Lançamentos. FSN Advogados Associados
tel 48 3733.5516

COLABORADORES
CHICO CORNEJO é Sociólogo e pesquisador da cultura Alan Medeiros
eletrônica, tendo colaborado com vários veículos voltados a André Salata
esse gênero musical. Já cuidou do selo e site da D-Edge, foi Breno Losch
apresentador do Boiler Room no Brasil e curador do projeto iBruna Antero
Bruna Maia
Pulso da Red atualmente é responsável pela comunicação
Danila Moura
dos eventos da Gop Tun, ODD e Capslock. Nesta edição as-
Felipe Tiradentes
sina o texto “Diversidade na pista de dança” e reviews da Georgia Kirilov
coluna Lançamentos. Ilan Kriger
Irena de Almeida
Jade Gola
Jennifer Didjurgeit
ARTHUR COBAT é formado em Jornalismo e há 2 anos Jode Seraphim
se mudou para Belo Horizonte, onde atua na produção e co- Jonas Fachi
Junior Antoninni
municação da festa 101Ø. A decisão de trabalhar e escrever
Luana Dornelas
sobre festas aconteceu após voltar de um período sabático
Lucas Arnaud
dedicado a conhecer os principais clubs e festivais da Europa. Lucas Portilho
Nesta edição assina a matéria “Abaixo a intolerância!”, que fala Luigi Vanucci
sobre como estão sendo construídos locais mais seguros para Marcelo Godoy
a comunidade LGBTQI. Marcelo Madueño
Mateus B.
Maurício Soares
Nazen Carneiro
ISABELA TALAMINI é aficionada por música desde os Rodrigo Cury

15 anos, quando teve seu primeiro blog reconhecido como Romulo Pieroti

um dos melhores do cenário eletrônico. Já foi editora de mú-


IMPRESSÃO
sica da Red Bull Brasil e já teve sua própria coluna no Thump.
Gráfica Maxigráfica
Unir artistas de diferentes cenários virou uma profissão e,
hoje, escrever sobre música virou um hobby para as horas Todo o conteúdo apresentado pelos colunistas e colaboradores desta
vagas. Nesta edição assina a matéria “Xô preconceito”, em publicação em suas respectivas páginas é de inteira responsabilidade dos

que fala sobre coletivos paulistanos efervescentes. autores, assim como todo o material cedido pelas assessorias e eventos.

A House Mag (ISSN 2176-7009) é uma publicação da Editora Made in


Brazil | contato@housemag.com.br | www.housemag.com.br

4 WWW.HOUSEMAG.COM.BR
8

12 Review Warung Day Festival


14 Sem definição, definido está
16 Entrevista com Ashibah
18 Review Dekmantel SP
24 Entrevista com Ellen Allien
26 Entrevista com Vermelho
28 Perfil: Super mãe da cena
30 Especial: Diversidade na cena
42 Síndrome de Burnout

44 Entrevista com DJ Vegas 68 Review Lollapalooza 2018


45 Opinião: Alcance em baixa 70 De minas para o mundo
48 Não siga (só) a sua paixão 72 We are clubbers
50 Entrevista com Ryan Elliot 74 Identidade Própria
52 Perfil: Juju & Jordash 76 A música cura a alma
54 Apropriação do prog house 78 Crise de identidade
56 Review Time Warp 2018 80 Entrevista com Luciano
57 Perfil: Hot Bullet 82 BRMC 10ª Edição
58 Capa: Sharam Jey 86 Lançamentos
64 Perfil: Groundbass 90 Colunas Sociais

92 House Mag Áudio


98 Fala DJ - Aninha

6 WWW.HOUSEMAG.COM.BR
WHAT’S UP

Num Universo Paralello próximo de você!


POR Jeniffer Avila FOTO Thiago Dea
Pela segunda vez tive a sorte de estar presente em
um evento onde artistas, público, produção e staff
se sentem imensamente satisfeitos com a entrega
realizada. O festival reuniu mais de 21 mil pessoas na
praia de Pratigi, cidade que fica a pouco mais de cinco
horas de Salvador; e é difícil imaginar como tudo isso
se torna possível, com tão poucos recursos, tendo a
organização conseguido proporcionar os melhores
dias de milhares de pessoas. Nesta edição houveram
melhorias visíveis, sendo o cartão de consumo uma
novidade que funcionou perfeitamente. Outro ponto
alto foi a equipe de limpeza e o staff dos bares. Andando
pelo festival era possível encontrar pessoas de todas as
tribos e do mundo inteiro. Artistas renomados com os
pés na areia, no meio da pista e sentindo a verdadeira
energia do público. Ali não havia diferenças, com todos
em um mesmo nível e igual sentimento de pureza,
solidariedade e amor. É como se a entrada no festival
tirasse, de uma só vez, tudo que nos faz mal no dia
a dia. Mesmo sem conforto, não havia espaço para
reclamações, pois os melhores momentos estavam
sendo vivenciados a cada instante. As histórias que
ouvi e vivi poderiam render horas de conversa e textos
imensos, mas isso resumiria somente o meu ponto de
vista, dentre milhares possíveis e existentes. Como
nem tudo é perfeito, infelizmente, se houve um ponto
negativo foi da minha parte de ter que ir embora às
4:30 da manhã do dia 1. O que me resta agora é esperar
para viver tudo isso novamente em 2019.

Sistema criado por brasileiros leva som orgânico para as festas mais interessantes de Londres
Tropical Burn: o experimento social do Burning Man em terras tupiniquins
POR Felipe Tiradentes
POR Lucas Arnaud FOTO Lung Liu
Dois jovens do Rio de Janeiro estão transformando que frequentavam. Segundo os rapazes, a produção com o diferencial de que o sistema sempre passava
a cena alternativa de Londres através de um novo em massa das grandes marcas prejudica a qualidade por um ajuste fino que o adequasse perfeitamente ao O Burning Man é um evento que ocorre anualmente
conceito. Em 2016, o engenheiro de som Milton do som porque prioriza componentes menores, espaço no qual funcionaria. Desde então, se tornou desde 1986, tendo migrado em 1991 para seu cenário
Carvalho e o designer Bruno Conti começaram a mais baratos e que facilitem processos logísticos de um “atestado de qualidade sonora”, o que passou a característico: o deserto de Black Rock, Nevada
projetar o Core Soundsystem, com o objetivo de transporte e produção em detrimento à qualidade. atrair centenas de pessoas. (EUA). Durante sete dias, possui uma proposta que
reproduzir os elementos musicais de forma fiel, vai muito além do que se pode chamar de “festival”
através de um feitio artesanal e com material orgânico Alex Arnout, respeitado DJ baseado em Londres, que Em março deste ano, o The Cause — recém- ou “festa” — na verdade, o evento funciona como um
para oferecer uma alternativa a equipamentos se apresentou na D-Edge no último ano, concorda e inaugurado club da região — firmou parceria para experimento social, no qual os participantes podem
produzidos em escala industrial, de plástico e “sem afirma que o Core é talvez o melhor sistema de som que uma versão maior fosse produzida de forma ter a oportunidade de viver em uma comunidade
alma”, como eles os definem. em que tocou nos últimos anos. “Tocar nele é sentir o customizada ao local. Stuart Glen, dono do espaço, com costumes, regras e convenções bem diferentes
amor reverberando em cada componente de forma explica que escolheu o Core por conta de seu das quais estamos acostumados. E toda essa filosofia
A ideia começou quando Milton — que se mudou orgânica”, completa o artista. pioneirismo e do público fiel que o segue: “Desde que é muito bem conduzida ao espírito de liberdade
para a capital inglesa para estudar produção musical ouvi o sistema pela primeira vez, fiquei impressionado. criativa e disruptiva, que culmina nas impressionantes
e passou a organizar festas nos armazéns do leste O duo produziu a primeira versão em 2017 e É por isso que foi claramente minha primeira escolha estruturas, carros alegóricos, esculturas ou mesmo nos
da cidade — percebeu que os profissionais de passou a usá-lo em suas próprias festas, muitas para o The Cause. Mal posso esperar para conferir o figurinos ousados e antidogmáticos. Com cerca de 60
som não davam a atenção necessária a eventos vezes realizadas ilegalmente em florestas, parques que eles construíram para nós. Tempos emocionantes “eventos irmãos” pelo mundo, como o AfrikaBurn,
pequenos. Cada espaço tem um som, uma resposta, e espaços abandonados. Durante uma delas, e um futuro brilhante está à frente”, afirma Stuart. chegou a nossa vez: ainda sem data definida, mas
e poucos pareciam se atentar a isso, o que resultava conheceram o dono de um barco adaptado para planejado para o primeiro semestre de 2019, o Tropical
numa sonorização ruim”, afirma Carvalho. eventos que estava aportado num canal próximo e E o futuro parece reservar muitas coisas a eles. Burn foi anunciado como o braço do BM em nosso
a partir daí passaram a utilizá-lo como espaço para Novos clubs, festas e projetos estão em fase de país. Até o momento, a ideia é realizar o evento em
A partir de então, Milton propôs ao amigo carioca after parties. Hoje, o Monday Boat é um projeto planejamento e realização. Talvez o mais interessante uma praia do Nordeste e atrair de 2 a 3 mil pessoas
Bruno Conti que juntassem suas expertises e colaborativo que se tornou um dos principais deles seja a versão portátil para casas e estúdios. para a primeira edição. Apesar de serem menores
criassem um sistema para suprir as necessidades de destinos para quem não quer parar no domingo e se Em breve, você poderá customizar componentes que o evento principal nos EUA (que reúne entre 50
festas de até 500 pessoas no leste londrino que, para estende muitas vezes até a noite de terça. e comprar a versão miniatura do sistema para ser e 70 mil por ano), as dinâmicas em outros países têm
eles, é o que há de mais autêntico na cena alternativa ouvido em locais privados, desenvolvido para ter a vantagem de oferecerem uma experiência mais
da cidade. A partir daí, decidiram que não queriam A repercussão foi tão grande que outros organizadores um som limpo e uma resposta fiel aos elementos da intimista ou mesmo nostálgica, que remete às origens
apenas reproduzir a lógica das grandes indústrias, locais se interessaram e passaram a alugá-lo várias música que está sendo tocada. Já testei o protótipo do encontro, nas quais os participantes iam pela
mas fazer uma coisa tão autêntica quanto as festas vezes por semana para festas de até 300 pessoas, e a qualidade é impressionante. experiência em si, e não por modismo.

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Lista com 100 clubs mais votados do mundo tem seis marcas brasileiras

A revista inglesa DJ Mag divulgou no final de março a seleção com os clubs mais votados de 2018. No topo temos, novamente, a Green Valley, que sobe duas
posições e iguala os resultados alcançados em 2013 e 2015. Em segundo a Ushuaia Ibiza, sexta colocada no ano passado. Fechando o pódio aparece a Zouk, de
Singapura, quarta no último ranking. O também catarinense Warung figura em 18º, subindo sete posições. Já o El Fortin, também do Sul, passou a ser o 26º. O Laroc,
do interior de São Paulo, após estrear em 45º em 2017, passa a ocupar o 29º lugar — demonstrando clara ascensão. Fechando a participação brasileira temos outras
duas marcas importantes: o Matahari, que vem recuperando o posto de número 37 conquistado em 2016, sendo agora o 54º; e o D-Edge, que sai da posição 50 para
a 81. Vemos, portanto, que o nosso país se mantém como uma potência neste quesito. Contudo, vale ressaltar a votação orgânica recebida por Warung e D-Edge
que, assim como em edições anteriores, não fizeram qualquer tipo de campanha. À exemplo de 2017, chama atenção a permanência da força eletrônica de Santa
Catarina, já que quatro dos seis premiados estão neste Estado, provando mais uma vez ser a nossa meca nacional de superclubs.

King Festival fecha parceria com XXXPerience e Beatport lança novo gênero em sua
define nova data plataforma de vendas

A produtora Juliana Cavalcanti bateu o martelo e definiu a data para a edição de Após realizar mudanças profundas, em 2016, muitos selos e artistas que ficaram
cinco anos do King Festival: maior evento de música eletrônica do Norte/ Nordeste. conhecidos por releases de “prog house” como “techno melódico” continuaram
Será em 22 de setembro, e o local escolhido foi novamente o Caxangá Golf Club, inundando os charts de deep house, techno, electronica e até de tech house. Então
em Recife, Pernambuco. No início do ano, a produção havia escolhido o dia 5 de para finalmente “devolver pureza” a estes gêneros e satisfazer a parte comercial das
maio para realizá-lo; porém, após um grande acordo fechado com a XXXPerience, gravadoras envolvidas, foi criada a seção melodic house & techno, a fim de abrigar
que acontece em Itú (SP), ocorreu a mudança. “Essa união vai ser muito importante, lançamentos dos selos Afterlife, Diynamic, Stil Vor Talent e outros, além de artistas
pois estamos viabilizando a vinda de melhores DJs para a esta comemoração como Tale of Us, Stephan Bodzin, Patrice Baumel, HOSH e Adriatique; enquanto
especial”, afirma Ju Cavalcanti. Sobre a data anterior, o público terá a oportunidade Hernan Cattaneo, John Digweed, Nick Warren e Guy J seguem no progressive
de conferir uma festa de aquecimento já em fase final de preparação. Outras clássico. Assim, uma melhor organização continua sendo promovida, o que é ótimo
informações estão disponíveis na página oficial do evento no Facebook. para DJs e produtores deste segmento — principalmente os menos experientes.

Red Bull Music Pulso 3ª edição


Entre os dias 3 a 28 de abril, o Red Bull Music Pulso proporcionou uma programação que reuniu 30
artistas dos mais variados gêneros. Impulsionando a cena independente para identificar oportunidades
e desafios, o evento abrigou seis painéis abertos ao público em que foram discutidos temas atuais
relacionados ao mercado, além de workshops e shows gratuitos. Durante as quatro semanas, os artistas
trabalharam em conjunto, divididos em cinco coletivos, com o objetivo de partir em busca de um novo
horizonte sonoro. Eles foram selecionados por cinco curadores convidados: Ana Paula Paulino (produtora
do Heavy Baile), Anna Penteado (criadora do festival Vento), Anderson Foca (fundador do festival Dosol),
Rafael Tudesco (produtor da Universal Music — que já trabalhou com nomes como Lil Wayne, Jay-Z
e Emicida) e Valesuchi (DJ produtora chilena habitué da cena eletrônica brasileira). O projeto também
possibilitou conversas abertas a fim de discutir as nuances e os rumos da música e do mercado atual.
Para quem mergulhou mais fundo nos conteúdos oferecidos, os workshops ensinaram um pouco
sobre discotecagem e produção, processo de gravação de vinil e a criação de aparelhos eletrônicos
relacionados à produção musical e tecnologia.

Música eletrônica é destaque no Grammy 2018


POR Lucas Arnaud Brasil ganha canal em português no YouTube Anônimo doa U$ 4 milhões em Bitcoin para
Em janeiro deste ano, ocorreu o 60º Grammy Awards, que consiste no prêmio mais influente na indústria sobre produção musical pesquisa em MDMA
internacional da música. Apesar de o maior destaque ter sido Bruno Mars, conquistando nada menos que
três prêmios com seu álbum 24K Magic, é importante ressaltar que esta edição teve relevância histórica Andre Salata (professor, DJ, produtor), embarca numa nova empreitada com um Um milionário enviou quatro milhões de dólares em Bitcoin para uma pesquisa
para o cenário da música eletrônica, ao laurear Kraftwerk na categoria “Melhor álbum de dance music” canal de produção musical no YouTube. Ele, que já é considerado um dos mestres clínica sobre os possíveis usos terapêuticos do MDMA. Apesar de ser utilizada de
por 3-D The Catalogue. Com mais de cinquenta anos de estrada, o famoso grupo alemão é um dos quando se trata de ensinar e formar alunos, toma a plataforma como o meio perfeito modo ilegal com finalidade recreativa, estudos indicam que a substância pode tratar
grandes pioneiros da dance music, tendo obtido destaque pelo uso inovador de sintetizadores na década para democratizar e desmistificar as ferramentas de criação sonora. Já conta com acometimentos psiquiátricos como o transtorno de estresse pós-traumático. Esse
de 70. Já um dos maiores projetos de dance-rock dos EUA, LCD Soundsystem, que recebeu indicações mais de dois mil inscritos e 15 vídeos que explicam como criar o seu kick, elaborar distúrbio afeta pessoas que viveram grandes traumas, à exemplo de combatentes
nas categorias de “Melhor álbum de música alternativa” e “Melhor single de dance music”, faturou o efeito estéreo em synths, mixar hi-hats, diferenças entre mix e master, além das de guerra, sobreviventes de tragédia, vítimas de sequestro ou de abuso sexual na
prêmio por esta última, com “Tonight” — evidenciando o sucesso na tendência estilística que o grupo vem novidades para a última versão do Ableton live. Salata já é figura conhecida dos infância, dentre outros. Os estudos têm seriedade científica, sendo realizados sob
adotando desde que retornou à atividade, em 2015. Outro ótimo resultado foi conquistado em “Melhor diversos workshops sobre o assunto em todo o país, mas agora seus ensinamentos regularização da FDA (US Food and Drug Administration), estando em fase III de
gravação remixada”, em que a vitória coube ao produtor norte-americano Latroit, ao remixar a faixa “You se tornam viáveis para um número maior de pessoas e também uma diversidade experiência — ou seja, já próximo do desfecho. Tudo isso foi possível pela plataforma
Move” da banda Depeche Mode. ainda mais abrangente dentro desse grupo. Pineapple Fund, que incentiva a filantropia por meio das criptomoedas.

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11
REVIEW

a
WDF 5 EDIÇÃO
Warung Day Festival reforça por que é um dos melhores festivais do país,
tendo recorde de público e atrações aguardadas por gerações de expectadores

POR Jonas Fachi FOTOS Ebraim Martini e Gustavo Remor

O Warung Day Festival chegou a sua quinta edição formulando novamente


uma conexão de sucesso com a Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba. A cidade
cosmopolita, referência no país em práticas de urbanização sustentável, se
alinha perfeitamente com a proposta do club em Itajaí, detendo um cenário
ideal para um evento capaz de fazer frente ao templo da Praia Brava.

O dia 14 de abril de 2018 amanheceu cinzento em Curitiba, e os portões se


abriram ainda pela manhã, às 11h. Essa antecipação era uma clara tentativa
de fazer um público que viria a ser recorde (14 mil pessoas) de se distribuir
homogeneamente em todo o espaço. Outra medida tomada pela organização
foi adiantar a apresentação de artistas internacionais de grande apelo, como no
caso de Ryan Elliot, que iniciou o set às 15:30h.

Adentrei o festival por volta de 14:30h. Neste momento estava levemente


garoando, mas nada que comprometesse a empolgação de fazer parte de um
encontro de tamanha magnitude para a cena Sul do país. São poucas às vezes
possíveis de se reunir tantas gerações de clubbers e poder ainda rever amigos
de várias épocas de mais de dez anos de pista.

Após fazer algumas aquisições nos caixas ambulantes, comecei a circular para
conferir os novos detalhes estruturais do festival, que, diga-se de passagem,
estavam ainda melhores que no último ano. Vale destacar que o espaço e
decoração foram pensados para facilitar e dar qualidade aos participantes.
Direcionei-me para o Garden onde Lost Desert iniciava o set. Olhando ao
redor, era interessante perceber que todas as pistas já apresentavam público
consistente. O carisma de Lost, somado a sua clássica sonoridade levemente
melódica e dançante, foi perfeito para o momento.

Em seguida, fui para o Warung Stage e consegui pegar os 15 minutos finais do Assim que a escuridão tomou conta da pista, foi o momento ideal para o A abertura é feita com “Crazy Diamond”, uma obra prima através da parceria Voltar a tocar b2b após um hiato de seis anos, e com a amplitude contemporânea
Leozinho. Por sorte tive a chance de ouvir das mãos dele, no encerramento “baixinho” dar as cartas. Todos sabem que diante de pistas tão pesadas, muitas de John Digweed, Nick Muir, Eagle & Butterflies. Sua melodia é uma clara que possuem, não é simples. Ainda assim, era incrível perceber as semelhanças
do set, a minha música favorita da série Involver de Sasha: “These Days”, de vezes os artistas precisam ajustar o set, excluindo faixas com break longos homenagem ao clássico da banda Pink Floyd. A meia hora inicial é comandada do som que estavam apresentando ali, diante de nossos ouvidos, com álbuns
Peter, com um brilhante mashup de “What Are You to Me”, da banda Unkle. Era ou muito imersivas. Guy J fez isso, mas sem perder sua carga de emoção e por John de forma magistral, mantendo o ritmo em baixa velocidade. Sasha consagrados dos anos 90 como Northern Exposure e The Mix Colletion.
o primeiro sinal do sentimento que iria se apresentar na pista mais tarde e uma profundidade. Entre as diversas faixas que eu poderia destacar, gostaria de entra e logo na primeira faixa traz para o jogo alguma profundidade.
oportunidade de estar no mesmo palco que as lendas Sasha & John Digweed. citar duas: “Pistolwhip”, de Joshua Ryan, em um remix que, na minha opinião, Depois de tantos anos, não pender para tendências passageiras é uma vitória,
foi o ápice do set, energizando a pista por completo; e “Fixation” — um dos Eles estavam intercalando sessões de duas músicas com muito cuidado e se adaptar ao que está disponível no universo musical é imprescindível. Por
Blancah assume evidenciando sua evolução como comandante de uma pista maiores clássicos do artista lançado pela Bedrock —, no final da apresentação, e impressionando a cada nova virada. Era o cartão de visitas do famoso isso, sonoridades mais limpas, com menos arranjos de baterias e baixos rápidos
de dança, nesse caso, das mais difíceis e intimadoras para se tocar. Em um live comovendo e surpreendendo a todos. brilhantismo técnico que possuem. Mesmo numa pista tão grande, realizar que flertam com o techno são apresentadas na hora final. “Make Me”, de Sentre
composto de músicas autorais, expressou seu ritmo característico sem deixar-se uma primeira hora descompromissada, com os ritmos baixos e ainda fazendo o (ID remix), e a incrível “Five”, de Kink, descrevem isso com perfeição.
entrar em momentos muito obscuros. O momento mais esperado foi em “Talus”, Já se aproximava das 21h quando finalmente Sasha e John Digweed surgem. público dançar, foi algo que jamais pensei ser possível fora do ambiente clubber.
composição que recebeu remix de ninguém menos que Hernan Cattaneo. Ficou evidente a emoção de Guy J em recebê-los para assumir o comando. Eu É preciso mencionar faixas como “Journey Into Light”, de Pale Blue; seguida de Na última meia hora, a entrega foi para momentos mais emocionais. Uma grande
estava a dez metros do palco, juntamente de algumas das melhores pessoas uma das músicas mais bonitas de todo set, em uma mixagem desconcertante homenagem de John a Guy J veio com “Lamur”, faixa lançada pelo israelense em
Após uma hora, segui novamente para o Garden na esperança de ver se quem que já conheci. Nada poderia dar errado. de Sasha: “Zebra”, de Olivier Weiter & Alex Pedra e remix de Einmusik. “Virala”, 2011, pela Bedrock. “Opal”, de Bicep e remix de Four Tet, faz todos se reunirem na
estaria no comando da pista seria Lee Burridge. Porém, quem assume foi de Trikk, fechou a hora inaugural dando o tom do desse primeiro ato. mesma energia enquanto Sasha, visivelmente emocionado, levanta o dedo para
YokoO, um dos mais destacados integrantes do All Day I Dream, trazendo um Chegava a grande hora. Após longo período de um sonho que parecia ter se cima em sua tradicional forma de interagir com o público. Era o final, entretanto,
set orgânico composto por elementos tribais e muitos vocais em referência ao perdido, forças eram somadas para se desenhar o cenário ideal capaz de recebê- A segunda hora ganha um pouco mais de dramaticidade e espaço para sons John ainda tinha mais uma arma guardada, e que faria todos entrarem em euforia.
Mantra. A pista montada a beira do lago, e com uma pequena cachoeira que -los com uma estrutura e público a altura de seus nomes. Foram necessários ritmados e viajantes, à exemplo de ‘’Kamakura’’, de Musumeci. Percebe-se “Close Your Eyes”, de Luke Brancaccio e Simon Berry, que voltou à memória
surge em meio ao paredão de pedras, é um dos espaços mais belos do festival. quinze anos de cena clubber e cinco edições de um dos melhores festivais com isso, ao chegar na terceira hora, o quão bem pensado e elaborado era dos mais atentos e relembrou um dos maiores clássicos da história do house
da América do Sul educando um público que se renovava constantemente o set que eles estavam moldando. Como eu havia imaginado, eles jamais progressivo: “Forget The Word”, de John Creamer e Stephane K.
Às 18:30h Guy J passa a comandar o Warung Stage, o maior palco do evento, que para, enfim, poder contar com a dupla em um evento do Warung. A expressão iriam pular etapas e sim respeitar a construção progressiva de ritmo. Era o
contava com diversos bares, camarotes e um grande backstage que formavam “dream come true” estava prestes a ser riscada da cena sulista, com todos os momento de apresentarem algumas faixas mais obscuras e de maior apelo aos Saindo da Pedreira a sensação era de que finalmente nossa cena estava
um coliseu ao redor da pista central. Revelado por John Digweed, tornou-se personagens que chegavam a Pedreira imaginando como eles iriam iniciar processadores de efeito. Nessa hora os grandes destaques ficam por conta emancipada e definitivamente pode ser colocada entre as mais importantes do
um dos produtores mais respeitados da última década. Era, talvez, o nome que e conduzir essa jornada musical de quatro horas e, principalmente, como de “Sand Your Shoes”, de Artbat & Dino Lenny, em um vocal que remete aos mundo. Temos um club lendário e um festival do mais alto nível que se equipara
todos gostariam de ver antes do show principal, e ele não decepcionou. corresponderiam à tamanha expectativa. clássicos de house progressive; além de “Patchouli”, de Denis Horvat. com os melhores. O desejo é apenas um: vida longa a tudo isso! ■

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OPINIÃO

Four Tet, no Red Bull Music Academy, Suíça

SEM DEFINIÇÃO,
DEFINIDO ESTÁ!
Sobre misturas criativas e a ousadia nos DJs sets

POR Georgia Kirilov FOTO Jean-Christophe Dupasquier (Red Bull Content Pool)

Sabe aquela hora inesperada em um set quando quem está se apresentando O esforço de definir música com um número crescente de classificações e
supera todas as expectativas e toca uma faixa que exige uma reorganização mental a impossibilidade de o fazer com sons extremamente peculiares é de fato o
e corporal antes de uma resposta? Então, esse momento de confusão induzida tipo de movimento que deveríamos promover dentro da indústria, quebrando
simboliza uma crescente na diversidade dos sets e na ousadia de vários nomes em barreiras sonoras, estilísticas e criativas. Algo nessa direção significa que música
evidência, como, por exemplo, Four Tet, Seth Troxler e Antal — que tem um repertório eletrônica se tornaria mais abrangente, introduzindo possibilidades infinitas entre
de música brasileira que faria até Gilles Peterson ficar impressionado. os gêneros musicais e todos os seus subgêneros existentes.

Com um acesso maior a acervos dos mais diversos e específicos, hoje o céu nem é Porém, essa ansiedade se torna mais simples para o estabelecimento de uma
mais o limite para os DJs e vemos figuras com longas carreiras se reinventando e/ ou conexão sonora entre gerações, pois não podemos compreender o presente sem
se mantendo atuais por conseguirem surpreender o público. Os expoentes Or:la e estudar o passado. Afinal, essa tendência mostra uma geração que não espera
Mall Grab, que acabaram de fazer um b2b pela primeira vez no DGTL Amsterdã, são mais do artista uma permanência na sua identidade sonora. Ainda que tenhamos
figuras relativamente novas na cena e que também estão construindo suas carreiras chegado aqui aprendendo muito com Kraftwerk, Jeff Mills, Kevin Saunderson,
em cima desse elemento surpresa. Grace Jones e muitos outros mestres, é esse intercâmbio de ideias (e épocas)
que cria conteúdos atemporais. Estamos produzindo e absorvendo isso de uma
Quando se trata de produção musical o panorama não é diferente, com sons cada vez maneira nova e os festivais já compreenderam esta mudança, oferecendo palcos
mais indefiníveis, combinados a referências diversas, para criar híbridos que não se que fazem uma curadoria fluída, irreverente e sem nome.
encaixam com precisão em nenhuma vertente. Como você classificaria John Talabot,
Glasser e Arca? É realmente um desafio e desde 2016 o Beatport vem se esforçando Núcleos nacionais como Mamba Negra, VOODOOHOP e 101Ø (BH), entre muitos
para estabelecer os gêneros e subgêneros com maior exatidão por meio de mais outros, também estão se esforçando para diversificar as propostas e inovar dentro
opções, autorizando os artistas a posicionarem suas músicas de maneira adequada. de um formato parecido, por meio da abertura do line-up a diferentes sons. Na
Entretanto, essa presença maciça de faixas que flertam com diversas categorias última 101Ø foi assim, com Renato Cohen e Barbara Boieng dividindo o comando
torna o portal e as tags ferramentas antiquadas, que não conseguem comportar o da pista, mesmo tendo propostas sonoras distintas. Algo que é de extrema
movimento frenético e disperso atual. importância para os DJs, pois os impulsiona a ousar na hora da pesquisa e os leva
a sair do molde que lhes foi “imposto” — seja pelo público, pela gravadora, etc…
Até porque é raro um set que se mantenha em um gênero somente na sua integridade
— e mais difícil ainda encontrar duas pessoas que concordem em dar apenas Ou seja, nada é criado em um vácuo e a cena da música eletrônica atual reflete
uma definição sobre o mesmo. Essa mudança é marcada por diversos avanços e características da nossa sociedade. Ao mesmo tempo que a globalização é uma
acontecimentos no mundo, tanto na tecnologia, que oferece um grande número de forma de imperialismo tecnológico, ela oferece da mesma maneira grandes
aparelhos para serem explorados (synths, softwares, mix de instrumentos acústicos, vantagens, que se forem exploradas apropriadamente podem resultar em
etc…), ou pela circunstância da democratização dos home studios. criações sensíveis, multifacetadas e, é claro, indefiníveis. ■

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PERFIL

QUEM É ESSA GAROTA? dificuldades para conquistar espaço. Foi, então, que os vocais ao vivo começaram
A artista que dá vida à Ashibah é Sarah El Habashy. Ela nasceu em 1984, numa a fazer parte das apresentações de Sarah e o público de Copenhagen ficou curioso
cidade de 47 mil habitantes no sul da Dinamarca, chamada Naestved. O pai é com a novidade. Boom! Assim nasceu Ashibah. “As pessoas se interessaram porque
egípcio, a mãe é dinamarquesa, e as memórias de infância são recheadas de era algo diferente na noite, pois eu cantava e tocava ao mesmo tempo e a maioria se
música. Quando tinha dois anos de idade, seu pais se mudaram para a capital surpreendia quando via isso”, lembra. E neste período que veio o primeiro grande
do Egito, Cairo, cidade onde viveu com os irmãos até a adolescência. A bela voz reconhecimento: um contrato de dois anos com as gigantes Ministry of Sound e
do pai foi a herança genética que despertou Sarah para a música, ainda muito HedKandi, entre 2013 e 2014. “Foi tudo tão rápido: uma reunião em Londres e na
nova, influenciada pelo pop dinamarquês dos anos 80, a soul music americana e semana seguinte já estava na estrada. Viajei e toquei em diversos países com eles.
artistas tradicionais egípcios. Sarah cantou no coral da escola e aos sete escreveu Tive muitos momentos especiais, como a noite em que me apresentei no 70˚ andar
sua primeira música, uma canção de amor. Aprendeu a tocar udo, um instrumento de um dos arranha-céus mais altos do mundo, com vista pra cidade de Jacarta... e
egípcio parecido com o violão, e começou a brincar de produção musical, mesmo quando toquei em Ibiza, claro.”
sem nunca ter pisado numa escola de música. “Aprendi o que sei sozinha e com as
pessoas que conheci ao longo da minha jornada. Quando precisava saber algo, me Outro divisor de águas foi a relação que Ashibah construiu com o produtor belga
virava e dava um jeito”, conta, mostrando que a personalidade forte veio do berço. Kolombo, que praticamente lançou sua carreira como vocalista em collabs. Ela o
conheceu numa festa na Dinamarca, depois de dizer que adorava suas músicas e
AMAMOS HOUSE MUSIC... E BASQUETE que colaboraria com vocais quando ele quisesse. Dois dias depois, Kolombo enviou
Nos anos 90, início da adolescência, Sarah se apaixonou pela house music de uma faixa, ela compôs uns versos e mandou de volta. “Passada uma hora ele ligou
A tropicalidade Chicago, cheia de vozes poderosos e mensagens fortes. “Sonique foi quem me e disse: ‘pqp, eu amei! Vamos lançar!’” Era o remix de “Wade in The Water”, uma das

toma conta despertou para os vocais originais na música eletrônica. Foi ela que começou este
movimento. Lembro de um show, no Cairo, em que eu conhecia os organizadores da
mais tocadas em 2013, especialmente no verão de Ibiza — e com suporte de Laurent
Garnier.
da dinamarquesa festa e fiquei bem atrás dela enquanto a via tocar. Só olhava e pensava: ‘ela é foda!
É isso que quero fazer da minha vida!’” E não demorou a acontecer. ELA VAI ALI E JÁ VOLTA
Ashibah, em Ashibah retorna ao Brasil para uma turnê de inverno, em julho. “Sinto uma conexão

pleno romance No ensino médio, Ashibah dividiu seu tempo entre o colégio e as apresentações
como DJ em festinhas da turma, ao lado de seu melhor amigo; além dos treinos e
especial com meus fãs brasileiros. Para mim, é como encontrar pessoas da minha
família em cada apresentação que faço. Afinal, são meus ashibunnys! E mal posso
com o Brasil competições de basquete — esporte que pratica desde a infância. Mas quis o destino esperar para vê-los novamente, em alguns dos meus clubs brasileiros favoritos, neste
que ela fizesse a escolha mais importante de sua vida, que definiria seu futuro, ainda inverno”, conta, referindo-se ao nome carinhoso que batizou os seus seguidores
adolescente. “Fui escalada para a Seleção do Egito quando tinha 16 anos e ganhei tupiniquins. E a promessa é de grandes novidades: “A turnê do próximo verão será
uma bolsa para jogar e estudar nos Estados Unidos. E foi neste momento que decidi a cereja do bolo. Tenho muitas músicas novas e quero proporcionar uma jornada
POR Irena de Almeida largar o basquete para me dedicar ao meu verdadeiro amor, a música.” diferente e mais profunda. Meu álbum estará nas ruas e além das apresentações nos
FOTOS Rude clubs, teremos alguns shows bem especiais. Será incrível!”, finaliza.
ENTÃO... NASCEU ASHIBAH!
O começo da carreira artística não foi tão fácil. Era a primeira década dos anos Acompanhe as novidades e fique por dentro das próximas datas em facebook.com/
2000 e num mercado dominado pelos homens, uma DJ enfrentava ainda mais ashibahmusic e instagram.com/ashibah. ■

LADO SELVAGEM
O rosto anguloso, no alto de seus 1,86m de altura, o olhar intenso, a voz Já são sete turnês, numa relação que começou em 2013 e se fortalece a cada
inconfundível e a imensa energia que ela entrega nas apresentações são alguns vinda da artista. O país é realmente especial, pois foi aqui que pediu o amor da
dos adjetivos que tornam Ashibah um ser quase hipnótico quando assume o vida dela em casamento, e também onde compôs e produziu algumas faixas
palco. É realmente difícil tirar os olhos dela: uma beleza exótica de descendência que a consolidaram no mercado. Ao lado de Vintage Culture, lançou a certeira
africana que magnetiza a tudo e todos enquanto solta sua voz — com traços “Circles” — um dos maiores sucessos de 2014 e que continua incendiando as
de Sade. Ela canta sucessos de Fragma, Hot Natured e composições próprias pistas; “Will Be OK”, com Dashdot e Rocksted; “Make It Better”, outra colaboração
com uma afinação impecável — apesar de dançar o tempo todo —, mixando com Dashdot; “Without You”, com Sharam Jey; a cheia de groove “Get It On”,
suas produções com sucessos de artistas brasileiros e internacionais, fazendo ao lado de Jean Bacarreza; “Let You Go”, com Chemical Surf; a recém lançada
uma mistura de deep e tech house que conquista um público crescente. No “Anything”, coprodução com Schwanka; e várias outras.
encerramento da sétima turnê que fez pelo Brasil, a também DJ, compositora e
produtora dinamarquesa se derrete pelo país que a recebeu de braços abertos, “Quando recebo uma produção, gosto de ficar imersa no som para sentir o que vou
e já se considera “brasileira de coração”, apaixonada por açaí e canja de galinha. compor pra música. Aí trabalho nas melodias e letras a quatro mãos: muitas das
músicas crio junto de minha ‘parceira no crime’, Nikoline. Nos completamos muito
Mas quem diria que o Egito, um lugar quase místico na imaginação dos bem no estúdio. E são nas sessões à capela, quando escrevo e canto sobre o que
ocidentais, é muito parecido com o Brasil? Por isso, não foi nada difícil para estou sentindo, que geralmente as letras surgem. Acho que isso pode ser chamado
Ashibah, metade-dinamarquesa-metade-egípcia, cair de amores por seu novo de ‘autoterapia’ e o Brasil tem me inspirado como nunca!”, explica, sorrindo. Quando
público assim que botou os pés no Brasil. “Era minha primeira apresentação perguntada sobre qual artista brasileiro ela adoraria dividir as produções e pick-ups,
aqui [em Floripa], e não fazia ideia do que esperar. Antes disso, no dia, fui com Ashibah responde na lata: “Gui Boratto. Ele é um gênio!”
a equipe que me acompanhava em um churrasco: muitas pessoas diferentes,
familiares, amigos..., umas 15 pessoas. Estavam assando um peixe, as crianças Em sua última vinda, Ashibah chegou ao país em outubro de 2017 e foi embora no final
jogavam futebol no jardim e tudo isso com vista pro mar. Pelo jeito que interagiam, do mês de março. Foram seis meses de residência brasileira, mais precisamente em
sempre com um sorriso no rosto, vi o quanto os brasileiros são parecidos com Balneário Camboriú. E este período se transformou em trinta apresentações e muitas
os egípcios, o que me fez sentir-se em casa imediatamente. No dia seguinte fiz músicas novas. Com vários lançamentos rolando — incluindo parcerias com Sharam
minha estreia no Green Valley, numa noite absolutamente mágica! Depois do Jey, Dashdot, Gabriel Boni, Mumbaata e outros artistas —, finaliza seu primeiro álbum
show, o público me abordou com muito carinho e intensidade. Nunca havia tido ainda este ano. Tenho várias facetas e podem esperar por todas neste trabalho, com
uma experiência assim. E desta forma que começou o meu caso de amor com músicas super agitadas pro club, mas também um som bem tranquilo, para relaxar
o Brasil... a minha segunda casa!” smoking a joint”, nos conta em tom descontraído.

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REVIEW

Lena Willikens & Vladimir Ivkovic Cashu DJ Stingray

Marcos Valle Palms Trax Tessuto

NOVAMENTE IMPECÁVEL A EXPERIÊNCIA


POR Marcelo Godoy
boa parte das atrações, conhecer artistas que nunca havia visto antes; ‘pulando
de galho em galho’… Vinte minutos aqui, meia hora ali, encontrava amigos e
conhecidos que não via há tempos em todos os palcos. Foi demais!

Dekmantel SP recebeu público expressivo e uma curadoria musical aplicada “De um modo opinativo bem pessoal, o que vi se equiparou a qualquer festival Cheguei por volta das três e meia da tarde de sábado. No palco principal Davis
europeu. E nisso, o público está de parabéns também. De vibrações leves a tocava um techno groovado, com BPM mais baixo e muito interessante. Dali parti
estruturas impecáveis. De organização dos line-ups, à construção de momentos e para explorar a área. Encontrei o palco Gop Tun, onde vi um pouco de TYV. Na
POR Gabriela Loschi e Alexandre Albini FOTOS Ariel Martini, Eduardo Magalhães e Gabriel Quintão detalhes que deixaram a festa muito mais gostosa. E os after-parties… Nunca havia pistinha do Na Manteiga Rádio, Rotação Brasil dava o tom. Parei um pouco também
me sentido tão à vontade em um evento no Brasil — desde sempre! para ver Bufiman, na pista Selectors. Do lado, passando pela ponte — quem foi
nas ‘Noites do Terror do Playcenter’, certamente se lembra que ali só se passava
“Feliz por ver um evento desse acontecendo aqui em São Paulo! Com essa máximos da infância. E para todos os que puderam presenciar o aproveitamento Acho que a palavra que mais se destaca quando penso no assunto é ‘inclusão’. As correndo — chegava-se ao UFO, que neste ano foi o segundo maior palco. Vi o final
variedade e qualidade musical, pluralidade de um público tão preparado para de cada espaço do antigo parque de diversões para a construção de pistas de festas aqui começaram a desenvolver processos de safe-spaces e inclusão social do set do Tessuto e o começo da Cashu, ambos bem pra cima. Fui ao main stage
receber e se entregar a tantas sensações.” Essa não é a fala de apenas uma dança aconchegantes e altamente vibratórias, com estruturas montadas em meio a de muitas ‘minorias’. Pela transgressão de normas e quebras de tabus, uma esfera encontrar uns amigos, e estava rolando Peggy Gou. A coreana é supertalentosa.
pessoa. É um sentimento que tomou conta da maioria do público. Nos dias 3 e 4 de árvores e plantas que refletiam colorido e felicidade nas iluminações. social contempla melhor as pessoas do jeito que elas são. E isso cria vibe. Quando Tocou alguns clássicos e fechou com “Transition”, do Underground Resistance.
março, esta metrópole não recebeu apenas um festival. Aquilo que vivemos foi uma você dança com a pessoa ao seu lado, sem se importar com a aparência dela, e
verdadeira egrégora energética. "Para além da curadoria cuidadosa e representativa, tudo isso foi embalado pelo sim somente por querer ter um tempo bom juntos, constata que a música e a arte Outro destaque desse momento foi o set ‘cabeçudo/ diferentão/ pra frentex’ da
respeito aos artistas nacionais, e por pistas divertidíssimas, tanto de dia quanto a propiciam o pano de fundo para esses acontecimentos. Acredito fortemente que Lena Willikens & Ikvovic. Os residentes do Salon des Amateurs, em Düsseldorf,
O lado racional nos faz buscar por pontos-chave do que fez o Dekmantel manter- noite, cada uma com sua proposta. No Anhembi não havia a estrutura de um festival festas são ferramentas de transformações sociais. mostraram um derretimento cerebral que entortou a pista. Fiquei com muita vontade
-se tão especial em sua segunda edição na capital paulista: a música, a estrutura, em si, mas o after foi espetacular, com uma atmosfera underground tão poderosa de conhecer esse club alemão. Voltei ao palco principal para a apresentação do
os detalhes, os artistas, os locais, as facilidades de acesso, a diversidade social, as que me fez chorar, que aquilo estava acontecendo no Brasil…”, conta Gabriela Loschi. Dito isso, gostaria de parabenizar o time de performers e artistas que deixaram o Midland, que já havia visto algumas vezes — mas esse set, que maravilha! Passeou
experimentações… um pouco de tudo! Depois de vivenciar cada segundo desses festival ainda mais colorido: Gabriella Garcia, Euvira, Valentina Luz, Alma Negrot, por diversos estilos, do jeito que eu curto. Um pulo no Na Manteiga pra encontrar
dois dias mágicos, destacar um fator é necessário: a atmosfera do festival. Esta edição abriu ainda mais espaço para talentos nacionais. Foi muito bonito ver Aretha Sadick, Alex Honda, Roberta Uiop. Parabéns também ao pessoal da 28.room outra amiga e ouvir um pouco do Thiago Guiselini, sempre um som classudo.
o suporte dos fãs, das pessoas curiosas e abertas a conhecer o diferente, mas pelo trabalho de iluminação e criação de ambientes. E claro, para a Gop Tun, além Kobosil pulei, pois já assisti várias vezes — o mesmo para o Mano Le Tough e
Não só para nós, mas a energia que contagiou o antigo Playcenter e o Sambódromo principalmente da fomentação da cultura e da arte locais. O público estava antenado de todo o staff e trabalhadores que fizeram parte desse momento artístico coletivo. Modeselektor.
do Anhembi por um final de semana inteiro, comandou os corpos e os sorrisos de e afim de ver nos grandes palcos aqueles que há tempos trabalham no Brasil, ao lado Os eventos não são só música e artistas famosos, e é importante sabermos valorizar
mais de seis mil pessoas, que vieram de todo o Brasil para viver ali algo que não se de nomes relevantes que estão causando nos clubs pelo mundo. É a coroação de todos os aspectos que nos trazem uma linda experiência multissensorial. Curti bastante o Randomer, que nunca havia visto, e peguei um pouco do set do
vive tão comumente em nosso país. anos de trabalho de muitos artistas brasileiros; e um possível carimbo no passaporte. Ney Faustini também. Só sonzeira em todos os palcos. Voltei para o UFO para uma
Entendo que muita gente gostaria de poder moldar os horários de uma forma em das apresentações mais aguardadas do meu roteiro: DJ Stingray, que teve uma
Em 2018, com a pressão de entregar novamente algo que entrasse para a Quando dissemos que esse tipo de evento não é tão comum no Brasil, estamos que pudessem assistir mais de seus artistas favoritos, porém é impossível agradar seleção de electro absurda, ‘malvada’, baterias que te espancavam — e um BPM
história tupiniquim, a organização (capitaneada pela Gop Tun) se deparou com falando na categoria de quem participa da cena paulistana há anos. A nossa equipe a todos. Já tive muitas oportunidades de ver a grande maioria do line-up, então o bem alto para a média. Muito foda ver mestres como Renato Cohen e Benjamin
um empecilho: o de não poder realizá-lo novamente no Jockey Club. Algo que se de cobertura foi formada por profissionais que costumam frequentar festivais e festas jeito que curti o festival foi um pouco diferente: estava interessado na experiência Ferreira se jogando na pista. A música atravessa gerações e isso é sensacional!
transformou em uma grande alegria para quem tem no Playcenter um dos símbolos underground ao redor do mundo e que estão até hoje em êxtase pelo Dekmantel SP. coletiva, ainda que a música em si tenha me puxado. Assim, pude transitar entre Assim foi o primeiro dia de festividades. Bora pro after?!

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Ariana Miliorini

Jayda G

Chegando no Sambódromo do Anhembi, que local bonito: a arquitetura Gostaria de ter visto o show d’Os Mulheres Negras, mas me perdi para lá e para cá.
quase brutal, as linhas de concreto e a iluminação na medida. A trilha do Outro destaque foi a Jayda G. Que vibe! Só de ver/ sentir a energia dela tocando você já
palco principal foi aberta por Lust Attraction, de Medellín. Também conferi a quer dançar. Som funkeado e super groove, que lotou a pista Selectors. Na sequência
apresentação do Anthony Naples. Muito classe o som! Voltei pra ver o Juju & acompanhei um pedaço de Marcel Dettmann e de lá fui ver Anthony Parasole — que
Jordash — infelizmente o Juju (Gal) teve de se apresentar solo, mas mesmo pegada! Acompanho o som dele há anos, e curti bastante o set no UFO.
assim fez bonito. Passeei, vi mais um pouco de Lena Willikens, Cinnaman, e um
pedaço de RHR. Dois outros grandes destaques da programação noturna que De volta ao Sambódromo, o after estava em chamas! Chegando lá, a chilena Valesuchi
queria muito ver: Teto Preto e DJ Fett Burger. mandava um som maravilhoso. Na pistinha, esquentando as carrapetas, um b2b que
acredito ser de Interstellar Funk com John Gómez e Mall Grab. No palco principal algo
Sou fã de Teto Preto há anos, e fazia três que não os via: que evolução sonora! inédito se formava: Marcel Dettmann e Nina Kraviz convidavam Kobosil para participar
A unidade da banda, as transições e a musicalidade em si. Amei o som! Vi um do b2b. Desceram a lenha, com bastante industrial e minimal techno — BPMs altos
pedacinho de The Hacker presents Amato live, um electro/ techno com pegada e energia então, nem se fala! Foi muito lindo de ver tanta gente diferente dançando
diferente da de Detroit. E na ‘saideira’ fiquei pingando entre o set do mestre brazuca junto, numa pista composta por uma galera internacional, junto aos locais de vários
Magal e o b2b entre Palms Trax, Courtesy e Mano Le Tough. Saí de lá as sete da núcleos e festas. No outro palco, Four Tet e Floating Points transmutavam o público
manhã, acabado, porém feliz. numa viagem cósmica. Passeando por diversos gêneros, e numa sintonia de amigos
de longa data.
Dormidinha básica, banho tomado... Fui para o segundo dia e logo comi um
strogonoff vegano num dos trailers — bom demais! Nisso já estava rolando o set Depois Gui Scott e Young Marco tocaram bastante groove e sons baleáricos
do Marcio Vermelho. Muita classe sonora. Mesmo com a chuva que caiu, a pista mesclados com house. E Augusto Olivani, o Trepanado do Selvagem, tocou b2b
já estava cheia. Queria ter chegado mais cedo pra assistir ao mestre e caríssimo com o Casper Tielrooij, do Dekmantel Soundystem — rolou até Fernanda Abreu,
colega Tahira, e o ‘bro’ Gui Scott. Mas descansar era preciso para aguentar uma fazendo a galera remexer num swing maroto. A hora de acabar foi chegando, e
nova maratona. Parti então para o show do Azymuth com DJ Nuts. Há bastante na pista principal Anthony Parasole tomou conta e mostrou como os closings são
tempo queria ver esses caras: lendas vivas da música brasileira. Muita emoção em feitos do seu modo. Danny Daze se juntou a ele e um grande final foi feito, do jeito
forma de ondas sonoras e uma energia incrível! que um festival tão especial como esse merece.

Dali começou o meu ‘ping-pong’: um pouco de Mall Grab, para ouvir uns UK garage Quando o som parou, ficamos todos órfãos querendo mais! Mas foi lindo, e uma
e old school rave; aí fui para Dekmantel Soundsystem e de lá para o Selvagem, festa acabar às 7:30 da manhã de segunda no Brasil não é tão comum. Saí de lá
que também é uma brisa delícia. Vi também um pouco de Floating Points, no Na com um sorriso enorme no rosto, com memórias lindas de dançar debaixo do sol
Manteiga. E voltei ao UFO para o final da Courtesy, com seu techno super fresh; e e da lua, de pegar uma chuvinha tropical e me esbaldar que nem criança numa
um pedaço do live do Zopelar, que está há muito tempo um absurdo. Aí metade festa com tanta gente legal, interessante e de corações maravilhosos. Vida longa
do Four Tet... Que set lindo! Construções interessantíssimas, texturas e timbres ao Dekmantel São Paulo e a todo o público, organizadores, agitadores, artistas de
diferentes, subindo e descendo com um fluxo que poucos conseguem fazer. todos os âmbitos e trabalhadores da cultura!” ■

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ENTREVISTA

EM CONEXÃO
Durante passagem pelo Brasil para a estreia do
descansar por mais algumas horas. Chegando em São Paulo, alimentou-se bem,
com direito a suco de maracujá e pão de queijo, que ela adora.

Em sua vibrante apresentação no The Hole Festival, mostrou mais uma vez todo
comprometimento e paixão em conduzir a pista, mesclando algumas novidades
com antigas composições de sua autoria, como um dos remixes da faixa
The Hole Festival, Ellen Allien fala das mudanças na cena “Freak”, que abriu o set. Super simpática e disponível, nossa conversa abordou
assuntos dos mais diversos — desde a função dos clubs como aglomeradores de
clubber, DJs mulheres e novos projetos experiências, até sua visão crítica que envolve o sistema da música eletrônica.

Como seguidor do techno desde a adolescência lembro de grandes


POR Rodrigo Cury acontecimentos, como Jeff Mills tocando com a Orquestra Filarmônica de
Montpellier em 2006 ou a Love Parade transformando Berlim em uma imensa
rave, com um milhão de pessoas nas ruas durante os anos 90. Em sua opinião,
quais os fatos mais marcantes do gênero?
Com quase três décadas dedicadas ao techno, Ellen Allien já fez de Com um fim de semana de folga, mas bem agitado, a artista
Em primeiro lugar a Love Parade, pois fiz parte desta história como DJ, a partir da
tudo para fomentar a cultura dos clubs. É DJ, produtora, chefe do encontrou tempo após a gig para prestigiar eventos, como da amiga
metade dos anos 90. Depois o Glastonbury, na Inglaterra. Nunca vi um festival tão
selo BPitch Control, idealizadora de festas e designer de camisetas Claudia Assef, no Women’s Music Event, visita a exposições de arte
imenso e bonito em toda a minha vida. Sem gestão de marca, sem anúncios, com
através de sua marca homônima. Neste período lançou sete álbuns de (no Museu da Imagem e do Som de São Paulo), e a intenção de
pessoas super amigáveis e dispostas a interagir. É como se fosse uma cidade de
estúdio, dezenas de EPs e já remixou músicas para uma quantidade conferir a apresentação da Octo Octa na ODD, que acabou não se
clubs e palcos. Uma mistura de estilos musicais: hippie, rock e techno, tudo junto!
considerável de artistas, como Mountie Kimbie, na gravadora Warp, e concretizando.
É, talvez, o festival mais antigo do mundo. Você tem que ir!
até para o Depeche Mode, só para citar os mais recentes.
Momentos antes de embarcar para mais uma edição do Miami
Você vive a cultura clubber há quase três décadas. O que mudou neste período?
A alemã, símbolo do techno berlinense, acumula residências nos Music Week, Ellen me recebeu no hotel que estava hospedada.
A cena cresceu muito, os sistemas de som ganharam potência e qualidade, os
tempos áureos do Tresor Club e do extinto E-Werk nos anos 90; e, Em apenas cinco minutos já pude sentir toda sua empolgação,
toca-discos ficaram ainda melhores, o que facilita nossa vida como DJ. Soma-se
claro, apresentações na Love Parade e Melt! Festival, nesta mesma fruto de como ela leva a vida e se dedica genuinamente ao techno.
a isso o surgimento de novos formatos de áudio, como MP3 e Three Wave, o
década. Atualmente possui residências nos clubs Nitsa, em Barcelona, Comecei perguntando como fazia para manter toda esta energia,
que ajuda nas viagens. Sempre levo meus discos, mas é importante ter outras
na festa Circo Loco, que acontece no DC 10 em Ibiza, além de viajar e me contou que em Valência, na véspera de vir ao Brasil, dormiu
possibilidades caso algo dê errado. Acredito que no passado a competição
com frequência para tocar nas principais festas ao redor do mundo. antes do set, depois pegou um voo para Lisboa e lá conseguiu
entre artistas, promoters e organizadores era mais intensa e estressante. Hoje
é possível vivenciar esta cultura em diversas partes do mundo — antigamente
era mais em Berlim e no Reino Unido. Outro fator interessante é que agora é o
público quem escolhe aonde quer ir e o que ouvir, porque existem muito mais
opções. Mesmo com muito mais DJs mulheres, o techno ainda é um universo de domingo para segunda — a próxima acontece em abril. Já o Vinylism é um
masculino, mas para mim como mulher, ficou mais fácil. projeto realizado em diferentes lojas de discos ao redor do mundo, onde a ideia é
sempre tocar o que há disponível nas prateleiras e convidar artistas locais, mas as
Sobre as mulheres DJs de techno... isso era comum vinte anos atrás? vezes acabo me apresentando sozinha. É uma maneira de ativar estes espaços
Mais ou menos. Sempre houveram mulheres discotecando house e techno, como tão importantes para os DJs.
a K-Hand, Miss Djax, e outras menos conhecidas, principalmente em Berlim.
Muitas ficaram sem destaque porque não fizeram disso um negócio, não criaram Um dos momentos mais vibrantes da apresentação no The Hole Festival
gravadoras e não se envolveram com este cenário diretamente. Mas agora isso é foi quando você tocou sua versão remix de “Cover Me”, do último álbum do
diferente porque existem mais clubs, público e por isso necessitam de mais DJs. Depeche Mode. Não sei se sabe, mas São Paulo recebeu recentemente, e com
O “bolo” ficou maior, com melhores profissionais, e a música se tornou acessível público expressivo, a aclamada a turnê Global Spirit. Conte como começou sua
para todos através da internet, o que acho lindo. relação com a banda.
O Depeche Mode remete a minha infância, me fez abrir os ouvidos com faixas
Em termos de negócios, São Paulo vive o momento mais estruturado no diferentes para a época, especialmente por mesclarem eletrônica com pop e
cenário da música eletrônica e do techno de todos os tempos, com festas de com o dark. É o time dos sonhos da música, uma das melhores bandas do
rua fazendo parte do calendário oficial de eventos da cidade, grandes nomes mundo. Quando eles me perguntaram se eu gostaria de remixar alguma das
internacionais se apresentando toda semana, além de festivais estrangeiros faixas do álbum Spirit, escolhi “Cover Me” porque é a minha favorita deste
acontecendo anualmente. Se pudesse comparar a vida noturna de Berlim com disco. Ao enviaram as linhas cruas da composição, vi que todas as partes eram
a de São Paulo, o que diria? fantásticas — bateria, synths, voz... Então pensei: Como vou fazer para criar uma
São Paulo tem uma vida noturna bastante forte, assim como Berlim. A cena gay nova versão de uma música tão incrível? Não conseguiria nada melhor do que
também é notória em ambas as cidades, e muitas vezes as festas não têm horário eles já fizeram. Aí me veio a ideia de produzir algo simples que pudesse tocar,
definido para acabar. Me lembro que a primeira vez que cheguei aqui para tocar meio acid, mas do jeito Berlim.
no D-Edge, achei incrível o mix de pessoas, e não importava se você era homem
ou mulher, todo mundo ia junto ao banheiro. Uma loucura! Agora ambas as cenas Tem mais alguma coisa que gostaria de mencionar?
cresceram e se tornaram mais comerciais, com mais gente escutando música Gostaria de agradecer pelo calor do público e pela conexão que sinto em todas as
e indo aos clubs e festivais, o que é comum em metrópoles que possuem uma vezes que me apresentei aqui no Brasil. Não me considero uma pessoa com ego
grande concentração de pessoas. de superestrela. Não é porque estou no palco como DJ que sou diferente. Gosto
de me sentir conectada e de trocar energia com as pessoas que estão dançando.
Falando em novos projetos, explique as ideias por trás de We are not alone e E se isto não acontece, em qualquer lugar que seja, não consigo voltar para me
Vinylism. apresentar novamente — como já aconteceu. Para mim isso tudo é algo muito
O We are not alone é uma série de festas que estou fazendo em diferentes espiritual. Os clubs são pontos de encontro de pessoas que se conectam por uma
cidades pela Europa, em que convidamos artistas que amamos. Não é sobre a razão, de sair do sistema convencional e construir um outro sistema. Tem a ver com
minha gravadora ou qualquer outra coisa e sim sobre música. Em Berlin acontece um modo de vida, o de encontrar novas e criativas soluções para sobreviver. Criar
no Griessmuehle, novo club de Neuköln, com 24 horas de duração, sempre algo inédito, único e próprio e poder viver disso, isso pra mim é a verdadeira arte. ■

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ENTREVISTA

A EXPERIÊNCIA DE
MÁRCIO VERMELHO
Você, além de Químico por formação, é um excelente
Fotógrafo. Existe algum projeto seu atualmente nesse
âmbito, ou a tendência maior seria audiovisual?
Com fotografia, nenhum projeto no radar. Já com
o Vídeo-Sistema, pretendo produzir mais no futuro
Frequentando a noite de São Paulo há vinte anos, é celebrado como um próximo, e também experimentações com sons e

grande conhecedor em vários aspectos da cultura da música eletrônica vídeos mais radicais, ideias além da dance music.

Então há vontade de apresentar o Vídeo-Sistema


em mais localidades? Como se sente em relação ao
POR Marcelo Godoy espaço audiovisual nos eventos pelo país?
Este é um projeto de experimentação audiovisual
que se desenvolve melhor no ambiente de estúdio.
Não tenho intenções de apresentá-lo ao vivo, por
enquanto, talvez algo que se conecte aos meus DJ
Márcio Vermelho está entre os gigantes da Alguma consideração em relação a eventos de rua Existe algum fator em que sinta falta ou nostalgia sets ou um possível live no futuro. Há um entendimento
discotecagem brasileira. São praticamente duas versus club? São Paulo vivenciou uma revolução em relação a esses anos de evolução? Uma vibe do atualmente de que festa é um acontecimento
décadas imerso na cena clubber nacional — bagagem nos últimos anos. A fórmula deveria ser replicada passado que não exista mais ou algo difícil de ser que reúne diversas linguagens de expressão. As
que solidificou esse artista multifacetado. Passo-a- em outras regiões do país? recriado em função das mudanças tecnológicas e/ performances passaram a ser parte essencial do
passo tem se tornado referência perante gerações Eventos de rua têm o caráter de unir pessoas e ou sociais? line up das festas pelo país afora. Tenho observado
e conquistado até mesmo os ouvidos de artistas artistas de uma forma democrática e livre, além Acredito que este momento, sem dúvida o mais um olhar mais atento dos produtores de eventos em
mais experientes. Formado em Química e já tendo da ressignificação dos espaços onde as festas peculiar dos 20 anos que acompanho a noite de São relação a iluminação, o que sempre foi um pilar muito
trabalhado como Fotógrafo, suas experimentações acontecem e o seu entorno. Acho que toda Paulo, é o que mais deixará o sentimento de nostalgia importante na história dos clubs e festas, porém vejo
em diversas áreas convergem ao centro de suas região onde se concentram núcleos artísticos nas pessoas quando se transformar. Cada época uma direção mais artística e experimental agora.
atividades artísticas e socioculturais. Da organização deveria experimentar trazer para a rua as próprias tem suas peculiaridades, estéticas, personagens. De
de eventos a vários outros projetos, suas atividades experiências. A transformação é real. modo geral, vejo que tudo o que experimentamos Você é uma referência para a cena queer brasileira,
incluem o uso de vídeos em mídias “obsoletas” no anteriormente é a base do que está aí, talvez por isso promovendo integração de públicos e diminuindo
Vídeo-Sistema, a parceria com Ivana Wonder no Em entrevistas concedidas em 2004, você disse eu não seja tão saudosista. diferenças na pista de dança. Como avalia o atual
Vermelho Wonder e o projeto Sphynx, com Zopelar. que havia uma certa distância sua com o techno, e momento em relação à liberdade de ser e estar?
que por causa do Luiz Pareto e Marcos Morcef se Poderia nos dizer alguns momentos inesquecíveis Qual o papel social das festas e das artes?
Um dia antes do Dekmantel São Paulo, a House Mag apaixonou pelo house underground. Atualmente a em que sentiu que todo o trabalho aplicado foi Há muito a ser feito, mas não podemos negar que
bateu um papo com ele. De lá até aqui já rolou a ODD tem trazido grandes nomes em voga do techno compensado? E quais situações difíceis passou e atravessamos um momento mais inclusivo na noite
edição c.odde em Cascavel (PR) e na capital paulista, mundial. Como essa fusão é proposta/ balanceada? como fez para superá-las? se compararmos com outras épocas. O debate está
tendo em ambas a atração norte-americana Maya Sempre gostei muito de house, foi o estilo que fez a Momentos sublimes que ocorrem na troca entre mais intenso e produtivo, as posições mais firmes e
Bouldry-Morisson, mais conhecida como Octo Octa; minha cabeça e me seduziu a “tornar-se DJ”. Em 2004 DJ e público são os mais especiais, principalmente as pessoas tem cada vez menos medo ou vergonha
e a ODD III, na Casa das Caldeiras, na capital paulista. o cenário musical era bem diferente. São Paulo vinha quando acontecem em pistas inesperadas. Um de se posicionarem como são. Pelo contrário, é
Criada por Márcio e que tem no time Davis e Zopelar, de um longo período onde os eventos de techno momento extasiante recente se deu na edição da tempo de afirmação e orgulho. As festas são espaços
é um pilar no ecossistema de festas do Brasil. predominavam. Em 2001/2002, quando comecei a ODD de dezembro. Como produtor de festa, curador vitais para abrigar esse comportamento de respeito,
produzir as minhas primeiras festas, organizar algo e DJ, foi uma realização única. Porém, uma situação tolerância, diversidade e segurança. Um contraste à
Em 18 anos de carreira, já se envolveu em projetos voltado ao house era um ato corajoso e arriscado. relativamente recente ocorreu quando tivemos realidade fora do universo das festas, onde seguimos
dos mais variados, entre exposições, instalações, O público era menor e as condições nem sempre um evento interditado pela prefeitura, em meados na mesma luta por mais direitos e visibilidade; porém,
audiovisuais e a cultura de integração social. Sente favoráveis. Hoje temos uma outra dimensão muito de 2017. Foi um baque inesperado, pois tínhamos infelizmente, vivemos hoje em uma sociedade
que ainda há algo inexplorado a ser descoberto? mais diversificada e sólida. O direcionamento musical preparado uma edição muito especial da ODD. histérica reacionária. Por isso é tão importante
Sempre há o que ser explorado e descoberto. da ODD vai além do techno. Nomes internacionais Por outro lado, tivemos um apoio muito forte dos reafirmarmos essa função importante das festas e
A incessante busca por novas ideias, parcerias, como Legowelt, Steven Julien, Massimiliano Pagliara, seguidores e simpatizantes da festa. Saímos muito protegermos nossos espaços e uns aos outros.
conteúdo e formatos é um combustível e tanto. Ata, Tama Sumo e Lakuti, só para citar alguns, mais fortes e renovados.
Combinar diversos projetos e linguagens é algo que traduzem bem o mosaico sonoro que criamos. Quais são suas fontes de pesquisa preferidas? O
está no meu horizonte atualmente. Fale um pouco do seu projeto com a Ivana Wonder. que poderia recomendar ao público?
Existe alguma tendência que sinta que haverá nas Existe uma busca do house old school com vocais, Tenho usado cada vez mais o Bandcamp, um lugar
Você sempre salientou que todo DJ deveria se próximas ondas da música eletrônica? Muito se fala referências de Chicago e etc? para descobrir selos e artistas independentes. Gosto
envolver em muitos projetos, além de criar o seu de volta do trance, ou do gabber, e que as novas Sim, acabamos de lançar o EP da “Rock the Box” há muito das rádios online NTS e Beats In Space, fontes
próprio evento e fomentar a cena local. Em 2018, o gerações vão pedir BPMs altos novamente. Após poucos dias pelo selo In Their Feelings, com remixes inesgotáveis de pesquisa musical.
conselho ainda é válido? deep house, techno e agora electro, o que você do ROTCIV, RHR, Davis e Zopelar. A minha parceria
Criar o próprio espaço para desenvolver a sua acredita que vem pela frente? com a Ivana surgiu há mais ou menos um ano, Quais os planos para 2018? O que podemos esperar?
identidade, público e experiência continua sendo Talvez os timbres sintéticos do electro fiquem no ar quando começamos a gravar os nossos primeiros Turnê europeia em junho e algumas datas em Nova
imprescindível. O momento é propício, bem mais que por um tempo. O vai e vem cíclico de sonoridades e experimentos. House old school é só uma das várias Iorque em agosto, quando gravo a minha segunda
há 18 anos, pois temos um movimento em expansão, BPMs faz parte da renovação da música eletrônica, referências que temos. Synth pop, ítalo disco e participação no programa Beats In Space, dez anos
com um público interessado e aberto a várias vejo como algo natural. O meu set sempre absorve minimal wave também são influências fortes nesse depois do primeiro. Dos lançamentos previstos, um
propostas. Sobre se envolver em muitos projetos, é um pouco de vários estilos, então acabo não me projeto. Em breve vamos lançar um novo trabalho e disco solo daqui a alguns meses e um novo Vermelho
uma questão muito particular e longe de ser uma regra. preocupando tanto com a “próxima onda”. seguiremos fazendo apresentações ao vivo. Wonder em breve! ■

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PERFIL

SUPER MÃE DA CENA blackmind.com.br

/blackmindbrasil

@blackmindbrasil
Tem quem escolha Poderíamos optar por uma entrevista tradicional, mas ao conversar com artistas,
amigos e família, os comentários foram unânimes: uma profissional dedicada e uma
a música eletrônica; super mãe. Logo sacamos que Jana Matheus é tão visceral e apaixonada pelo que

Jana Matheus foi faz, que seria melhor descrevê-la através do olhar de pessoas que a conhecem
bem, e muito! Na agência que comanda, a JAM Bookings, acumula as funções de
escolhida por ela booker, management, financeiro, logística e social media. Fundada há quatro anos,
atualmente conta com 18 artistas de destaque no cenário. Mas quem é essa mulher
que tem descoberto talentos e se tornado cada vez mais conhecida no mercado?
POR Luiza Serrano
Antes de mergulhar fundo nos bastidores da música eletrônica, Jana trabalhou no
Warung e El Fortin. Nas redes sociais, postava as suas descobertas musicais, de
artistas conhecidos e outros nem tanto. “Ela é influente no Facebook. Foi assim que
a conheci”, conta Marcos Violent, do Hot Bullet. Na época, ela realizava algumas
festas e um after no Estalerinho, em Balneário Camboriú. Em um desses eventos,
houve um embargo que a fez mudar os rumos.

Em 2014, com apenas três meses de projeto, Marcos a fez um convite desafiador:
“Jana, quer ser nossa booker?”. Sem experiência, apenas com contatos e força de
vontade, ela topou. Durante cerca de um ano, aprenderam juntos sobre o mercado,
o que não foi fácil. “Era tudo novo. Tomamos calote, tivemos problemas com
logística. Foi uma escola e ela nos ajudou muito. Abriu portas de grandes clubs e
nos deixou um legado enorme, mesmo após a nossa entrada para a Plus Network”,
conta o artista que, apesar de estar em outra agência, sempre manteve contato
como grande amigo, contratante e DJ.

DE MÃE QUE GOSTAVA DE DANCE MUSIC,


PARA MÃEZONA DA MÚSICA ELETRÔNICA
O processo de procurar novos artistas foi natural. Um dos primeiros da agência, e
que está até hoje, é Alex Senna. “Temos uma parceria que em breve fará quatro
anos, iniciada quando fui convidado para fazer parte do casting”, afirma. O trabalho
realizado com ele não foi diferente do que faz com seus outros artistas. Amigas
há anos, Jeniffer Ávila, diretora executiva da House Mag, enxerga Jana como
garimpeira e lapidadora de artistas. “Ela pega um artista do zero e o tira da inércia”,
explica. Para a família JAM Bookings, esse é um grande diferencial. “Somos tratados
da mesma forma. Se esforça por todos, e isso é admirável”, conta Senna.

Após o sufoco do início, ela aprendeu bem como se virar no mercado. Há quase
dois anos na agência, o Breaking Beattz tem Jana como manager e super mãe. “Ela
é muito pró ativa, não espera o contratante chegar. Está sempre disponível e faz
de tudo para mostrar que seus artistas são a melhor opção. O que temos é uma
parceria em que crescemos e batalhamos juntos”, revela Rafael Zocrato, um
dos integrantes do projeto ao lado de Lauro Viotti. “A Jana é uma máquina
de fechar gigs. Ela é do tipo que não deixa nada para amanhã e se entrega
a tudo que faz”, completa John Patrício, que faz parte do Clubbers junto
com Luiz Lopes, o Bozito.

Mas além de dar conta desses 18 filhos, tem outros três em casa
que dividem a sua atenção e um coração gigante. Júlia Machado,
a mais velha, acompanha de perto essa rotina. “Minha mãe teve
outros empregos, mas nenhum com essa paixão. Ela chora, vibra, vive
intensamente tudo em que se envolve. Acho que é capaz de matar um
leão por todos os seus artistas”, conta.

Com muita luta, determinação e claro, amor pelo que faz, Jana Matheus
pode se considerar bem posicionada entre as grandes agências. “Ela
sempre foi esforçada. Do tipo mãezona, que nos encoraja a ir mais
longe. Enxerga que somos capazes e nos mostra que podemos sempre
mais, tornando artistas pequenos em headliners brasileiros”, explica
Alex Senna. “Ela tem um olhar especial para encontrar DJs talentosos e
investir”, completa Rafael Zocrato. Se antes corria atrás de novos talentos,
hoje é procurada para auxiliar na carreira de muitos deles, um verdadeiro
reconhecimento para quem foi escolhida pela música eletrônica. ■

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DIVERSIDADE

para minorias, o número de artistas negros no line-up é extremamente inferior


ao necessário — mulheres negras então, raríssimas. Camilo Rocha, uma das
referências do jornalismo na música eletrônica brasileira, trabalhando atualmente
no Nexo, levantou um questionamento interessante nas redes sociais sobre o
assunto e de lá surgiram alguns pontos de vista importantes. Caio Lauer comentou:
“Grande parte do underground eletrônico se originou na quebrada. Acho que
isso explica a fortíssima representatividade negra da cena no início dos 90’s. Já a
questão da elitização da dance music no Brasil fez, sim, o negro perder espaço nas
pick ups. Queiram as pessoas admitirem ou não.”

Durante muito tempo uma cena esteve consolidada nas periferias, fez escola e
deu espaço para muitos DJs negros se desenvolverem. Um deles, Andrew Santos,
também deixou sua opinião sobre o assunto: “Quando se fazia festas na periferia
(que somavam mais de 3mil, 4mil pessoas) não precisávamos nem de atrações. Mas,
assim que preciso, agências cobravam cachês absurdos, inviabilizando a parada.
Além de ignorar os artistas, ignoraram toda uma cena existente nos extremos da
cidade. Hoje muita gente paga o preço — e bem alto — por isso.”

Andrew também comentou, com exclusividade, alguns detalhes dessa cena que
foi de suma importância para a dance music na principal metrópole do país: “A
periferia sempre esteve à frente, os melhores DJs do mercado saíram dela. Além
de ter a sensibilidade musical, o talento nunca deixou de ser a carta na manga. Vivian Marques
Este foi o grande diferencial." Além disso, há também a inclusão sociocultural.
Segundo o próprio Andrew, os moradores dessa região não eram expostos à
cultura: “Não tínhamos acesso aos bailes de gala, com as orquestras, nos anos
50. Diversão do pobre era ter comida em casa, família unida e música tocando.”

Esse cenário um tanto quanto desfavorável não distanciou os negros das cabines nas
principais pistas do país. Nomes como Marky, Murphy, Marcio S, RHR, Akin Deckard,
Dany Bany e Vivian Marques já escreveram capítulos importantes na jornada musical
brasileira, mas tiveram que batalhar e muito para conquistar esse espaço. Uma das
principais dificuldades relatadas é o mal comportamento dos contratantes. Murphy
comenta o assunto: “A maioria dos DJs negros no Brasil hoje são somente vistos
em festas específicas de techno e house, boa parte delas em São Paulo, onde o
Tati Lisbon underground prega a diversidade entre mulheres, negros, gays e afins.” Dany Bany
também se posiciona de forma breve e incisiva sobre o tópico, deixando sua opinião

PERDEMOS
a respeito das razões que impedem a presença de mais negros nos line-ups: “Falta
de oportunidade, às vezes, por conta da origem e aparência.”

Já Tati Lisbon possui uma visão diferente sobre a questão e acredita que isso não
é algo de momento e sim histórico: “A presença dos DJs negros não diminuiu,
porque, na real, esse espaço na música eletrônica, assim como todos os outros

NOSSAS RAÍZES?
de trabalho — com exceção, é claro, dos cargos como os de limpeza, segurança
e etc (que tem toda sua honra, naturalmente) —, são majoritariamente ocupados
por pessoas brancas.” Entender quais caminhos são necessários para mudar
RHR, na Tantsa
esse panorama exige um esforço coletivo e urgente da cena. Marcio S, residente
do D-Edge e nome ativo desde a década de 90 comenta esse processo:
“Acredito que temos que fazer com que a música eletrônica underground chegue
POR Alan Medeiros FOTOS Nonono nononoon
Uma reflexão sobre a presença negra no atual mercado da dance music na periferia das cidades, pois lá estão 98% dos negros. Hoje não temos uma
quantidade significativa de festas e clubs nesses locais, coisa que nos anos 90
A dance music tem suas raízes cravadas no gueto. House, techno e boa parte
era muito presente e perdeu intensidade ao passar dos anos.”
dos movimentos musicais que hoje pulsam na pista surgiram na periferia e foram
POR
turbinados Alan Medeiros FOTOS
por gays e negros que transformaram Felipe Gabriel e Alexandre Barrenha
para sempre a forma como nos
Sem muitos representantes negros no cenário, jovens da periferia não possuem
relacionamos com a música.
uma representatividade motivadora no mercado e logo seus sonhos e objetivos
A dance music tem suas raízes cravadas no gueto. House, techno e boa parte representantes brancos e oriundos de outra cultura — algo perfeitamente normal e até
perdem força. “Os equipamentos de DJs são muito caros. Um setup profissional
Um
dos breve resgatemusicais
movimentos ao passado nos remete
que hoje pulsam anaalguns dos pioneiros
pista surgiram dos sons
na periferia que
e foram mesmo importante para o desenvolvimento dos estilos. O que não era esperado, ao
chega na casa dos R$ 20 mil e aí já temos um filtro desanimador para seguir
dançamos
turbinados hoje: Frankie
por gays Knucles,
e negros que Larry Heard, Derrick
transformaram May, Kevin
para sempre Saunderson...
a forma como nos menos em uma reflexão partindo do conceito lógico das coisas, foi o enfraquecimento
em frente. A música eletrônica no Brasil segue o parâmetro de outras áreas de
todos negros! com
relacionamos Se dermos
a música.um passo para trás para entendermos as origens de do número de DJs negros nos line-ups dos principais eventos do mundo.
trabalho, ela é elitista”, complementa Marcio. À exemplo do que a Tati comentou,
outros sons de pista, não dá outra: Afrika Bambaataa no hip hop, King Tubby no
não é somente nos palcos que faltam negros atuante: os bastidores também
dub e por aí
Um breve vai. Está
resgate ao na história,
passado noremete
nos sangueaealguns
no ritmo.
dosNão à toa ados
pioneiros black music
sons que É claro que o techno de Detroit ganhou um novo polo em Berlim e que a house
precisam receber estes profissionais com mais frequência e em posição de
— num contexto
dançamos hoje: mais geral
Frankie e não focando
Knucles, apenas
Larry Heard, em um
Derrick ou outro
May, Kevin estilo — é tida
Saunderson... music de Chicago influenciou a escola britânica com base cravada em Londres.
comando, para assim podermos ter mais oportunidades para os artistas.
por
todosmuitos como
negros! Seuma espinha
dermos um dorsal
passo do nosso
para trás cenário.
para entendermos as origens de Essas duas forças europeias da dance music são formadas em parte por muitos
outros sons de pista, não dá outra: Afrika Bambaataa no hip hop, King Tubby no DJs e produtores brancos, mas nem de longe isso justifica o que tem acontecido
Por parte das principais marcas do mercado, pouco tem se feito para que a presença
Quando
dub e porhouse
aí vai.e Está
techno
na saíram
história,donogueto,
sangueeraebem possível
no ritmo. Nãoque eles
à toa ganhassem
a black music nos últimos anos. Se pegarmos os principais eventos de house e techno no mundo,
de mulheres e homens negros aumente, o que é preocupante. Clubs, núcleos,
pistas
— nummais elitizadas
contexto mais ao redor
geral e não dofocando
globo eapenas
consequentemente
em um ou outro passassem
estilo — éa tida
ter alguns dos criadores do estilo estão lá, mas há poucos artistas negros da nova
gravadoras e empresários precisam começar a pensar de forma diferente, para que
representantes
por muitos como brancos e oriundos
uma espinha de outra
dorsal culturacenário.
do nosso — algo perfeitamente normal e até geração inclusos nesse cenário “high touch”.
finalmente a cena adquira a maturidade ideal e olhe com a devida atenção para as
mesmo importante para o desenvolvimento dos estilos. O que não era esperado, ao
raízes da nossa música. Mais do que um compromisso, precisamos reconhecer o
menos
Quandoem uma reflexão
house e techno partindo
saíramdo doconceito lógico
gueto, era bemdaspossível
coisas, foi
queo enfraquecimento
eles ganhassem Ao olharmos para o Brasil, a situação é ainda pior. Com a exceção de eventos
talento que reside nesses profissionais, pois bons exemplos devem ser replicados
do número
pistas maisde DJs negros
elitizadas ao nos linedo
redor upsglobo
dos principais eventos do mundo.
e consequentemente passassem a ter independentes que possuem uma preocupação genuína em oferecer espaço
e o debate sobre esse tipo de tópico precisa permanecer constantemente aberto. Tempos da Soweto

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DIVERSIDADE

RESISTÊNCIA NEGRA
Histórias de vida e reflexões a respeito da representatividade na cena

POR Danila Moura FOTOS Ariel Martini e Felipe Gabriel (Red Bull Content Pool)

Durante a noite, enquanto assistia ao telejornal na TV de tubo, a mãe da DJ Dany tocar, pois é o mesmo que eu dançaria. Já percebi muitos DJs homens torcendo o
Bany aproveitava para rodar as fitas cassetes nas quais gravava pérolas como nariz para mim e também escutei: ‘o ela acha que vai fazer?’ Na hora fiquei um pouco
“Pump Up The Jam”, do Technotronic. Rapidamente, a filha tomou gosto pelos chateada, por dentro, porque minha resposta eu dei na música. Hoje, com quase
beats, e tempos depois, pelas viradas. “Minha única preocupação é fazer a pista 40 anos de idade, posso afirmar: existe preconceito na cena sim, e cabe a nós nos
dançar”, conta a DJ que integra a coletividade NAMÍBIA e é uma das produtoras juntarmos para gritar contra. Mas acima de tudo, acreditar e também prestar atenção
do projeto Soul Freak, no club D-Edge. Talento de sobra e determinação foram a nas famosas panelinhas. Temos vários coletivos que levam isso muito a sério.”
chave para que conseguisse espaço num meio dominado por homens e brancos.
ELAINE ELA
Assim como ela, outras estão firmando território na cena eletrônica, aqui e fora do
país. Uma lista de DJs produtoras impõe respeito pela qualidade musical. “As que A ida a clubs lendários de São Paulo, como Sound Factory e Tocco, despertaram
mais tenho escutado são Badsista, Jayda G, Natasha Diggs, Analog Soul e Tati os sentidos da produtora cultural Elaine Ela. A noite vista como local de trabalho
Lisbon”, recomenda a DJ GUILLERRRMO, que também faz parte da NÁMÍBIÀ. O começou quando foi hostess no after-hours Paradise, a convite do DJ Oscar Bueno, e
fato é que felizmente muitas estão indo além da pista, e a House Mag conversou depois no Lov.e. Em 2009, criou a festa Fervo, que nasceu de “uma grande vontade
com quatro dessas mulheres que cumprem funções estratégicas no universo de contribuir, de manter uma essência, nosso estilo de vida vivo, apresentando os
eletrônico para abordar questões tocantes a representatividade. sons para novas gerações e para mostrar aos mais experientes que existe muita coisa
nova sendo produzida”, relata. Desde então, ela encara lindamente a organização de
DANY BANY, em depoimento uma festa movida pelas vertentes pesadas de techno.

“Nos últimos anos, pude observar o crescimento e a valorização de uma Houve um aumento de mulheres negras em funções como DJ, produtoras
diversidade de estilos, festas e gente da minha cor. Em 1998, quando comecei musicais e culturais, organizadoras de eventos e afins?
a sair, estava tão maravilhada com a música eletrônica que nem pensava À passos de formiga, mas vem aumentando sim — o que é positivo. Tem muita gente Dany Bany
em tocar, ou percebia muitos preconceitos que sofria. Nessa época, havia que relaciona a mulher negra somente ao Carnaval e samba no pé. Adoro samba,
um pouco mais de DJs negros por conta da alta do drum and bass, mas, DJ mas a roda gira, né pessoal!
mulher, paulistana e negra eram uma ou duas. E olhe lá!
Já sofreu algum tipo de agressão e preconceito enquanto estava trabalhando? MARCELA RAMOS AKA MAFALDA ANA PAULA PAULINO
O tempo foi passando, os clubs foram fechando, outros abrindo... A cena Quando eu era hostess, uma mulher queria entrar sem pagar e perguntou: “O que
eletrônica tomou uma proporção imensa, e eu ali na pista. Uma nova era uma preta está fazendo aqui?” Deu confusão, queriam chamar a polícia, mas ela saiu A vida deu grandes voltas na trajetória de Mafalda. Frequentadora de festas como a Largar tudo para seguir o instinto pela música. Esta foi a decisão da produtora cultural
chegava com tecnologia, modernidade e informações. E não tinha essa do correndo. O primeiro sentimento que bate é constrangimento, porém depois, quem Mamba Negra, Capslock e Sonido Trópico, ela se sentia, às vezes, “como um corpo Ana Paula Paulino, uma das organizadoras do Heavy Baile e curadora do projeto
‘senhor DJ’ não vai falar o nome da música. Ou você terá que voltar na próxima realmente precisa se envergonhar? O ato foi deprimente, e só me arrependo de não estranho naqueles rolês”, apesar da identificação com as propostas e ideias. No ano musical Pulso, organizado pela Red Bull. Após dispensar um emprego na área da
semana para escutar aquela tal música que ficou a semana inteira na cabeça. ter seguido com o chamado da polícia. Hoje faria diferente. Já nas edições das Fervos passado, graças a sua companheira, Pi Erra, teve contato com os organizadores da comunicação, iniciou a carreira musical como assistente na organização da festa.
e Raves, que têm a predominância de homens e brancos, isso nunca aconteceu. festa BATEKOO. Desde então, é uma das produtoras do evento. “Nunca tinha tido contato direto com funk carioca e a mistura de ritmos que o Leo
Assim cresceu minha vontade de tocar e fazer parte do outro lado da pista. Tive Fazemos parte de um mesmo movimento, o que nos conecta é independente de fazia era bem diferente da cena eletrônica de BH. Tudo era muito novo pra mim!”,
amigos que não me deixaram desistir e sempre acreditei no estilo que escolhi para gênero, raça ou opção sexual. Meu trabalho sempre foi respeitado. Como lida com o fato de estar num meio dominado por homens brancos? revela Ana, que e tem no currículo o trabalho de produtora da MC Carol.
Gosto muito da palavra resiliência: resistir para existir. Vivemos num mundo
dominado por homens brancos e a cena é reflexo disso, porém vejo a cena Como avalia a representatividade da mulher negra em cargos musicais como os

FOTOGRAFIA FELIPE GABRIEL/RED BULL CONTENT POOL


cultural independente hoje com esperança. É um espaço onde os novos, como que você atua, de produtora executiva e organizadora de selo musical?
eu, estão junto de uma galera mais velha do role, compartilhando das mesmas Parece que por ser negra, a pessoa precisa necessariamente ser uma artista e não
ideias para se unir, se encontrar e construir, sabe? Isso me anima, pois existem alguém com competências para trabalhar em áreas estratégicas de gerenciamento
festas legais em São Paulo que são feitas por e para minas. E isso não acontece artístico. Fico até impressionada, porque é grande o número de homens nesses
só no centro. Acho que pelo menos nesse meio independente os paredões de cargos, inclusive se tratando de equipes de artistas mulheres. Sempre que encontro
boys estão com os dias contados (risos) uma produtora ou empresária negra nessa área, confesso que a empatia é imediata.
Pois parece que no olhar a gente sabe exatamente o que cada uma passou para
Como avalia e sente a presença da mulher negra na cena eletrônica? estar ali. Vai desde ouvir cantadas absurdas até tentar ser silenciada por homens em
Têm nomes que me passam muita força e que me geram reconhecimento: a cargos “inferiores” ou “superiores” aos nossos. Na real, só de ter uma mulher nesses
Aérea Negrot, que recentemente veio ao Brasil; a Honey Dijon, que também é espaços já me sinto mais aliviada! É bem puxado às vezes...
uma baita artista e vem agora pro DGTL. Entre a galera daqui, temos gente que
não ficam devendo em nada. O som da Dany Bany, por exemplo, é o que me Que mensagem daria para quem deseja trabalhar no mesmo ramo que o seu?
representa. Tenho a mesma sensação quando vejo a Linn da Quebrada com Ao longo da caminhada você vai encontrar outras mulheres negras que irão te dar
a Badsista no palco. É bom ver essa representatividade crescendo, porque na força, compartilhar suas vivências e histórias, e isso só te preencherá ainda mais, te
realidade a cena eletrônica é fruto da efervescência cultural de uma juventude dando fôlego pra seguir. Nunca se faz nada sozinha, pois o trabalho de uma depende
em grande parte negra. As mulheres negras sempre foram o cerne dessa cultura, da outra. Busque se aprimorar, principalmente com quem já está na área. Muita
então esse reconhecimento — não só delas, como dos LGBT e travestis — é coisa no mundo da música a gente não aprende em faculdade ou em curso. Eu me
uma coisa que não noto só com orgulho e alegria. Há também um senso de formei em Comunicação e tudo que sei da minha área aprendi no corre! Não sei o
justiça, de reconquista de um espaço que existe por conta da potência de uma que seria de mim se não tivesse tanta gente disposta a me ensinar e compartilhar
Elaine Ela Ana Paula Paulino galera que foi colocada em segundo plano por muito tempo, apesar de serem as o conhecimento deles comigo o tempo todo. Sigo buscando isso e hoje posso
originadoras de parcela considerável da música e da arte que definem essa cena. compartilhar um pouquinho do que sei também.

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DIVERSIDADE DIVERSIDADE

EXALTAÇÃO VISUAL XÔ PRECONCEITO!


As performers estão na noite há anos, mas agora são reconhecidas e Festas e coletivos de resistência
aclamadas como figuras chaves das festas mais badaladas de São Paulo feminina, negra e LGBTQ
transformam
POR Luana Dornelas FOTO Fernando Schaepfler a cena noturna de São
Paulo em uma das mais
efervescentes do momento

POR Isabela Talamini FOTO Ariana Miliorini

juventude paulistana a reavaliar sua relação com a vida noturna. A Mamba Negra,
talvez um dos maiores exemplos, foi fundada por duas artistas mulheres e continua
expandindo seus ideais ao abrir espaço para DJs e performers pertencentes a
minorias. A festa, que conta com uma lista de entrada gratuita para transexuais, se
estende a oficinas, palestras e selo musical, exercendo um papel fundamental de
luta pelo equilíbrio de gênero na música eletrônica.

Na edição 2018 do Dekmantel São Paulo, que já se mostrou com um line-up mais
diversos do que no ano passado, pudemos ver o que a Mamba já vem fazendo:
desconstruir a ideia tradicional de DJ set, quase sempre masculino, para incluir
mais DJs mulheres e performances de artistas LGBTQ. Seja no show bombástico
da banda Teto Preto com o performer Loic Koutana, ou a Cashu representando as
minas nos toca-discos, isso foi também expressado nas performances de Euvira,
Valentina Luz, Aretha Sadick, Alex Honda, Alma Negrot e Roberta Robs.

A edição de aniversário da Mamba, em maio desse ano, já anunciou uma


Performers e drag queens existem na noite paulistana há décadas, e desde o No tocante da performance dentro da arte, se pensarmos bem, a importância apresentação da cantora negra e trans Linn da Quebrada, que representa bem
início sempre estiveram lá com uma forte presença. Durante os anos 90, no auge visual em que o corpo está presente sempre existiu, como na capoeira ou nos um outro espectro desse cenário, que ainda tem tomado forma no underground,
da era clubber, nomes como Johnny Luxo e Marcelona se tornaram personagens desfiles das escolas de samba. “Não é uma surpresa ver esse impacto chegando com festas como Batekoo, Milgrau e coletivos de artistas como a Tormenta ou
importantes da cena. Toda essa história está muito bem registrada no livro Babado também na cultura underground”, completa Loic. “Temos vivido uma era muito a Coletividade Namíbia — este último fundado pela performer Euvira, que vem
Forte, de Erika Palomino, em que muitas vezes estas figuras eram consideradas visual e isso dá abertura para a aceitação. Além de ter voz, precisamos ser servindo como uma plataforma para mostrar a participação de artistas negros e
como atrações e entretenimento das festas, sendo tão importantes quanto os DJs. vistas”, diz a drag queen Kitty Kawakubo. gays em eventos culturais.

Depois destes anos de efervescência, o cenário ficou meio adormecido. De um ano pra cá, a representatividade aumentou muito e a Coletividade NÁMÍBIÀ No mês de abril o coletivo se uniu com a Sangra Muta em uma festa chamada
Porém, nos últimos anos, mudanças vêm acontecendo e estes artistas visuais é uma das grandes responsáveis por isso. A performer Euvira Euvira, criadora “trans.cendência/cyborg”, dividida em “linha áudio” e “linha ação”, equilibrando
estão voltando com força total, sendo reconhecidos como peças chave dos do coletivo, começou a questionar sobre qual era o papel das minorias dentro Valentina e ressaltando a importância de todos os artistas envolvidos. A edição anterior
eventos mais badalados da cidade. Loic Koutana, Ivana Wonder, Euvira Euvira, dos eventos, focando em aumentar a visibilidade da produção artística negra no trouxe ao Brasil a cantora e performer trans venezuelana, radicada em Berlim,
Elloanigena Onasiss, Valentina Luz, Alma Negrot, Aretha Sadick, Kitty Kawakubo, circuito underground eletrônico. “As pessoas sempre deram importância ao artista Aerea Negrot. Já a ODD mais recente, por sua vez, foi marcada pela presença da
Alex Honda são algumas das figuras essenciais das festas de São Paulo. visual, mas nunca questionavam o lugar dele na festa. Agora isso está mudando.” DJ, produtora e ativista das causas trans e negra Honey Dijon, de Nova Iorque.
Se perguntarmos hoje para qualquer frequentador da noite paulistana dicas para
As festas underground têm refletido o espectro político atual, e com a repressão, Fato que gerou a lista VIP para trans e drag queens na Mamba Negra, em o final de semana, várias das respostas serão “festas que têm um propósito em Porém, apesar da crescente presença e prosperidade de artistas na cena
vem a resistência. Criando uma consciência sob o corpo, estes artistas gritam que Kitty Kawakubo é a responsável junto de Euvira. Ainda que eu tenha meu comum por trás” — à exemplo de Mamba Negra, ODD, Sangra Muta, e outras. noturna, a luta pela igualdade e diversidade racial e sexual no cenário cultural
revolução, e isso é importante não somente para as pistas, mas também para a espaço, não fazia sentido ter uma comunidade visível com cinco pessoas Seja focada no segmento de techno, house ou música experimental, todos é mais urgente do que nunca. Afinal, o número de casos de violência contra a
própria existência. Com uma urgência de se expressar, passam suas mensagens numa cena tão grande. Comecei a pensar em como as trazer de volta para esses eventos vão muito além das pistas de dança. Ou melhor, utilizam-se delas comunidade LGBTQ está aumentando, fazendo com que, infelizmente, o Brasil se
para o mundo em forma de montação e dança. Podemos dizer que tal momento esse ambiente, já que nos anos 90 éramos figurinhas carimbadas da cena. Não para desenvolver iniciativas sociais de empoderamento e representatividade distancie cada vez mais de abandonar o posto de primeiro lugar entre os países
tem sido muito importante e que a história está sendo escrita. dá mais pra esconder que nós existimos!”, conclui Kitty. Euvira complementa: de negros, mulheres e LGBTQs. Nas ruas, ocupações ou clubs, essas iniciativas que mais registram casos de crimes deste tipo.
“Pensamos nessa iniciativa porque são pessoas que trabalham na noite, então estão conquistando um público cada vez maior e trazendo à tona a voz das
Um destes protagonistas é Loic, artista francês-africano que mudou para a capital acho legal que não precisem pagar para entrar nas festas. Abrir estas portas a minorias cansadas de serem silenciadas e ignoradas ao longo do tempo, É importante nunca esquecer, portanto, que gays, negros e queers sempre
paulista há alguns anos e se tornou performer do Teto Preto. “Temos criado um elas e possibilitar acesso a entretenimento e sociabilidade.” tentando promover visibilidade, combater o assédio e desconstruir, mesmo que exerceram papéis fundamentais na história da música eletrônica e hoje continuam
movimento no qual crescemos juntos. No início focávamos mais no espetáculo aos poucos, o racismo sistêmico no Brasil. impulsionando as cenas undergrounds, mostrando-se mais relevantes. À medida
e no figurino, mas agora pensamos em qual mensagem queremos passar. Tendo em vista que o papel do performer é mostrar visualmente a mensagem que o que projetos como os que citamos se fortaleçam, ganhem respeito e esgotem
Estamos muito mais cientes do nosso papel, tanto eu, negro e gay, quanto a evento se propõe, foi criada e aprimorada com êxito uma atmosfera contempladora Apesar da discussão de tais questões muitas vezes parecer superficial — tratando o ingressos antecipados, percebemos a necessidade e demanda por mais festas
Laura Diaz [vocalista] como mulher. Nossos corpos hoje são políticos, e não mais e lúdica, com tais artistas trazendo um olhar questionador sobre o corpo que está ali feminismo ou o movimento trans e queer como tendências, e não como movimentos inclusivas. Elas são mais que necessárias para termos os chamados “safe spaces”,
uma atração da festa”, conta. Segundo ele, este movimento é muito exclusivo da se expressando, e de forma ou outra, acabam por reeducar o público. E uma coisa sociais —, o contínuo levantamento e abordagem desses assuntos em espaços onde todas as minorias podem ser acolhidas para se expressarem livremente e
América Latina e quase não ocorre ainda nos festivais. podemos ter certeza: estas vozes estão ecoando muito além das pistas de dança! noturnos e festas está colocando pressão em diversos outros eventos e levando a continuem a desconstruir preconceitos.

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DIVERSIDADE

pervertidas, as mensagens primordiais foram subvertidas e os valores foram nos clubs, festivais ou nas festas independentes. Se esta popularização era algo tão
convertidos, já que muito daquilo que estabeleceu sua existência como um desejável e positivo, por que não se deu de forma universal e radicalmente inclusiva
recanto onde se busca liberdade e tolerância, hoje se tornou algo mais próximo a ponto de criar uma verdadeira utopia na qual todos aqueles que nos legaram essa
de um resort à procura de amenidades e indolência. Isto não se refere apenas ao cultura musical e comportamental tivessem um lugar nela? Ou, trocando em miúdos:
recrudescimento de certos tipos de comportamentos infensos à militância, mas por que essa abertura não transformou a sociedade a ponto de termos mais negros,
principalmente de um certo tipo de ignorância que repele a diferença ao não gays, trans, lésbicas e cada parcela identitária que ajudou a criar esta comunidade
admiti-la ou até reconhecê-la. Este é o ponto crucial no qual uma pista se torna como integrantes de sua pluralidade, mas acabou por absorver as cisões externas
algo especial, além de um mero estabelecimento comercial, exatamente no limiar que operam na marginalização de cada um desses grupos?
em que entretenimento se torna cultura e, aqui, vemos claramente os limites
daquilo que um ambiente estritamente interessado em retornos financeiros pode É previsível que tal afirmação seja vista como uma injustiça e possível que seja
prover, pois certas considerações de sustentabilidade e durabilidade não têm entendida como um exagero, mas como não se intrigar com a simples constatação
como ser contempladas nessa dinâmica fugaz. de observar essa mesma pista em muito desprovida de representantes das
comunidades que ajudaram a fazê-la ou, quando muito, sua presença em
Basta vermos as imensas dificuldades que se põem a empregadores quando o posições subalternas distantes da simples fruição daquilo que esse ambiente
tema se torna inclusão, ou pior, diversidade no ambiente profissional. Este é o tem de melhor a oferecer? Como lidar com o fato de que a pista se tornou um
ponto em que o nível comunitário se distancia do societário e no qual as relações reflexo daquilo que procurava contestar desde suas origens?
mais pessoais se tornam mais fundamentais. Assim se explica aquele ato tão
contraditório como o de colocar estritos controles de acesso a um local que deveria Este é um dos dilemas que se apresentam a todos os clubs, mas que os coletivos
ser ecumênico, quando quem está na porta de um club pretere alguns para o independentes souberam enfrentar de modo mais direto e frutífero justamente
privilégio de outros. Essa tensão entre dimensões distintas de sociabilidade também por não estarem tolhidos pelas considerações comerciais mais imediatas às quais
define muitas das particularidades que a história do entretenimento noturno nos essas estruturas institucionais de entretenimento mais tradicionais (e rígidas)
trouxe nesse glorioso século de existência e, a partir delas, entendemos melhor sempre estiveram submetidas. É evidente que, quando se tem em mente o êxito
que a pista ser apreciada como um lugar universal é um mito em certo sentido. financeiro num tipo de empreendimento cujo risco é extremamente elevado, por
conta do próprio tipo de bem cultural que circula no mercado, decisões que podem
Entretanto, a evolução da pista como um empreendimento trouxe com ela todas ameaçar as posições e reputações que foram granjeadas com grandes custos são
lógica de um âmbito social no qual essas sutilezas comunais não teriam lugar, já vistas com um temor previsível. Grande parcela dos consumidores desses bens
que um público cada vez mais amplo demanda códigos com maior disseminação. que garantem a sobrevivência de tais empreendimentos são parte de uma elite que
Esta expansão custou uma bela parcela de autenticidade ao universo que fora tanto se sustenta dessa desigualdade quanto se envergonha dela, apresentando a
até então cultivado na — e pela — pista de dança, mas a contrapartida se deu contraditoriedade manifesta de um país entrecortado de paradoxos.
numa necessária democratização de suas normas e público. Daqui em diante não
apenas os escolhidos ou entendidos, os pioneiros e seus seguidores, detinham Em contrapartida, o fator que moveu e deu originalidade ao novo movimento
o privilégio de definir seus pares e os rumos de sua comunidade: ela havia propelido por festas como Mamba Negra, ODD, Capslock — e sua transformação
se transformado, em algo maior e muito mais plural. Isto não se deu sem uma conjunta da fauna e flora noturnas da metrópole paulistana — foi uma radical
transmutação radical da essência do que se entendia ou desejava, já que aquele reproposição do que uma pista deveria ser enquanto lugar criativo, para além do
mesmo mundo contra o qual ela se moldou e protegeu os seus começava a ser meramente contemplativo. Este contraste e a tensão que o alimenta são o que fazem

DIVERSIDADE
insinuar e penetrar em seus meandros mais profundos. deste momento atual algo único em termos de seu potencial transformativo. Se, de
um lado temos o tipo de seletividade exclusiva que um dia fez de lugares de prazer
O que se seguiu foi a popularização desse universo e a transformação de vários de e apreciação musical verdadeiros refúgios, de outros temos uma permissividade
seus mais elementares aspectos, para o melhor e para o pior. Pois, se a “perestroika inclusiva que ainda se faz necessária frente ao avanço de um conservadorismo
da pista” através de sua comercialização e popularização massivas trouxe uma tacanho que em muito se calca na segregação econômica. Mas não é apenas

NA PISTA DE DANÇA
nova geração e, com ela, um novo fôlego à cena que a mantinha viva, mas também nessa polarização que o potencial de mudança pode ser se encontrado, já que
se imiscuíram questões complexas que são parte intrínseca aos problemas que núcleos como a Gop Tun e Soul.Set parecem estar conseguindo, não sem conflitos
fazem de uma sociedade aquilo que ela é. E, como sabemos, no caso de um país e percalços, um equilíbrio entre representatividade dentro e fora das cabines, sem
diverso como o Brasil, mostra-se extremamente desigual em termos de distribuição ter de recorrer a uma postura mais aguerrida.
de oportunidades, privilégios ou simples condições de existência e dignidade.
Todavia, seria ilusório pensar que vivemos uma renascença, aquele idílio que um
E finalmente chegamos à questão central que se torna cada vez mais candente, seja dia pôde ser aproveitado por tantos e tão distintos num só lugar e que marcou
Como colorimos nossa cena? Com CMYK ou RGB? as décadas pioneiras da música eletrônica dançante no Brasil e o cenário é
um tanto desalentador se levarmos em conta as promessas que se encerram
nessa cultura desde sua origem. Em plena segunda década do século XXI ainda
POR Chico Cornejo FOTOS Felipe Gabriel e Eduardo Magalhães
vemos seleções excludentes em termos de padrões convencionais de beleza na
porta de clubs; ainda não vemos tantos afro-brasileiros na pista quanto vemos
limpando-a ou servindo a quem nela curte a noite; uma visão erotizante-exotizante
Existe uma enorme quantidade de demandas e funções que recaem sobre um
ainda define muito de nossas relações com a população trans, quando não uma
espaço coletivo, especialmente aqueles que congregam uma vasta parcela de
transfobia explícita; e sequer podemos dizer que atingimos um equilíbrio entre
indivíduos em torno de um objeto de desejo ou fruição comum. Assim, esses
homens e mulheres nas posições de destaque desta “indústria”.
espaços acabam tendo de atender a uma quantidade imensa de expectativas. E,
quanto mais diverso o contingente que abriga, maior a variedade de conteúdos
Em suma, temos pouco do que nos gabar, considerando que esta cena foi
e, consequentemente, de finalidades que engloba. Algo aplicado a museus,
construída por párias e sobre uma sólida base de respeito às diferenças, contudo
aeroportos, parques, praias, pistas de dança...
até que bastante do que nos orgulhar, pois as possibilidades abertas pela nova
geração, com seus novos modos de reivindicar direitos, reintroduzir questões e
Cabe colocar desde o início que uma pista não encontra a realidade num vácuo,
repensar um futuro mais inclusivo estão aí para propor desafios e soluções. O
pairando sobre a sociedade como um satélite ou mesmo existindo uma dimensão
cenário não deixa de ser alentador, porém as apostas foram elevadas, pois o que
paralela. Esta depende de inúmeros aspectos que a ancoram no mundo em que
deve ser feito, não se aplica mais apenas a nossas interesses e sonhos imediatos
todos nós existimos, feito de preocupações comerciais, condicionamentos legais
e circunscritos, mas devem atingir a sociedade como um todo.
e demais assuntos triviais. Mesmo como um refúgio de todas essas agruras que
a vida numa cidade nos apresenta impiedosamente, ela está sujeita a ser poluída
A pista não acaba quando o som desliga, ela continua enquanto houver fôlego e
por muito daquilo a que a própria procura se colocar como alternativa.
vontade para dançar, lutar, mudar e amar. Só nos resta saber, respondendo à pergunta
inicial, se em meio a tudo isso vamos colorir nossa cena por adição ou por subtração.
Porém, quando isto ocorre, fica claro que as finalidades originais foram

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DIVERSIDADE

eventos, até as instruções que passamos para os seguranças, sempre há essa


preocupação em ressaltar o cuidado e importância destas minorias para nós e
manter todos alinhados sobre isso, afinal, também fazemos parte dela. Construir
um ambiente onde pessoas da nossa comunidade sintam-se acolhidas sempre
foi um dos maiores propósitos ao criar o 101Ø, principalmente pelo histórico
de repreensão e vulnerabilidade que passamos diariamente”, ressalta o DJ
OMOLOKO, assumidamente gay e um dos fundadores do coletivo mineiro, que
há três anos realiza festas em espaços públicos e fechados em Belo Horizonte.

“Basta enviar o seu nome social mais sua identificação de gênero.” É uma
das frases destacadas em uma postagem na página do Facebook da ODD
(SP), comunicando os seguidores sobre a entrada gratuita para transexuais.
“A ideia de criar uma lista para pessoas T é tornar as festas mais acessíveis
e seguras para esse público”, destaca Márcio Vermelho, DJ há mais de 20
anos e também um dos organizadores do evento. A festa também firmou
recentemente uma parceria com o Centro de Cidadania LGBT Luiz Carlos
Ruas. Sobre esse projeto, Vermelho explica: “A ponte que fizemos com eles
tem o objetivo de oferecer mais oportunidades através do mercado da música
eletrônica. Cadastrados no Programa Transcidadania poderão participar de
cursos com profissionais da área artística e operacional e ocupar vagas de
trabalho nas edições da ODD e outras festas.”

A já falecida Condessa Mônica, fundadora do lendário Nostro Mondo, club clássico “Historicamente a música eletrônica surgiu nessas comunidades LGBTQI e negras,
da cena paulistana na década de 70, se orgulharia de ver isso acontecendo. para depois ser absorvida pelos europeus brancos heteronormativos e assim se
Pratica esta que tem sido utilizada por diversas iniciativas do segmento e, sem espalhou no mundo. É mais do que nossa obrigação que o ambiente da festa seja
dúvida, é uma ferramenta que potencializa o protagonismo destas pessoas na acolhedor para essas pessoas, não somente, mas também para as mulheres”,
cena. “Eu como mulher trans e periférica dificilmente teria oportunidade de estar ressalta Carol Schutzer, conhecida como DJ Cashu, uma das fundadoras do
nesses espaços, principalmente por falta de grana. Acho a lista off e essas ações coletivo e festa paulistana Mamba Negra. Cashu também acredita que “o mais
super importantes. É uma inclusão necessária diante da falta de oportunidades importante é ter diversidade e representatividade, porque esse é um problema
para a nossa classe!”, afirma Titi Tiffany, hostess responsável pela “Lista T” das estrutural. Nada adiantaria fazer medidas de listas free e conscientização se
festas dos coletivos de música eletrônica de BH e integrante da ONG Transvest. a festa não tiver pluralidade nela própria. [...] o próximo passo que a cena em

ABAIXO A
geral tem que se preocupar é em capacitação para minorias, workshops etc, já
“Todo e qualquer tipo de ato violento e abusivo, verbal ou físico, seja motivado que sabemos que o problema maior e anterior a tudo não está em nossa alçada
por machismo, homofobia, transfobia, racismo, xenofobia, gordofobia ou que é o acesso aos equipamentos, principalmente aqui no Brasil com impostos
contato íntimo não consensual, não será tolerado.” Este é o alerta do coletivo gigantescos”. Sobre as ações de inserção de minorias adotadas por vários
MASTERplano, de Belo Horizonte, ao divulgar um grupo no WhatsApp criado coletivos do país, a DJ completa: “Não sei até que ponto é uma transformação
exclusivamente para estreitar a comunicação entre o público e a produção. O social tão abrangente, porque estamos falando de um nicho, mas arrisco dizer

INTOLERÂNCIA!
link que direciona para este canal é divulgado para os participantes da festa que o que fazemos se aproxima de uma micropolítica.”
e tem o objetivo de receber possíveis denúncias que envolvam qualquer tipo
de assédio ou discriminação durante o evento. É uma espécie de “grupo de No país onde deputados são eleitos e passam tanto tempo de mandato sem
olheiros” que compactuam com os mesmos ideais da turma e zelam por um aprovar nenhuma Lei favorável aos anseios da sociedade, e mesmo assim sendo
ambiente mais harmônico na cena da cidade. aclamadas por algumas pessoas, torna-se cada vez mais importante a construção
de pequenas iniciativas visando uma melhoria macro. E, sem dúvida, a música
O que os produtores de eventos têm feito para construir ambientes cada A respeito da ferramenta, Pedro Henrique Saldanha, um dos integrantes do
núcleo mineiro, explica que essa ideia foi colocada em prática depois de ter
eletrônica tornou-se uma forte ferramenta sócio-política no fortalecimento da
igualitariedade destas minorias e para a construção de espaços onde cada um
dia mais seguros para a comunidade LGBTQI+ dentro destes espaços? sido recebido diversos relatos de pessoas que haviam sofrido alguma forma pode ser livre para dançar e celebrar como realmente é... sem censuras!
de assédio ou discriminação nos eventos. “Resolvemos então fazer uma roda
de conversa aberta com o público e outros produtores da cidade para debater
formas de tornar esses espaços mais seguros. Tivemos a participação, inclusive,
POR Atrhur Cobat FOTOS Fábio Resende e Ivi Maiga de representantes de festas que não eram de música eletrônica. Nesse debate,
uma das soluções apontadas foi a mudança da equipe de segurança para uma
equipe composta majoritariamente por mulheres, além do grupo de mensagens.
Sempre que reforçamos isso em nossas comunicações, de alguma forma afasta
Em um país como o Brasil, onde fazer parte da noite sempre foi sinônimo de São Paulo e Minas Gerais aparecem entre os dois Estados onde se registraram este tipo de comportamento.”
resistência, diversas festas da cena eletrônica atual vêm criando estratégias que no ano passado o maior número de ocorrências, seguidos por Bahia e Ceará
acolhem e promovem um espaço cada vez mais legítimo para a comunidade — em termos absolutos. É importante lembrar que em um período não tão É bom frisar que toda essa preocupação trazida novamente para a cena
LGBTQI+ se expressar de diversas formas, levando sempre em consideração as distante de hoje (1982), durante a Ditadura Militar, um delegado rondava as é extremamente importante para resgatar uma parcela essencial desta
especificidades, vivências e barreiras sociais de cada indivíduo destes grupos. ruas da capital paulista a procura de festas ilegais em uma caça intimidadora comunidade para a música de pista. A dance music sempre teve uma relação
à comunidade LGBTQI e artistas da época, em missões que foram designadas muito próxima dos LGBTQI+, acompanhando esses grupos em cada conquista
Nos últimos cinco anos têm crescido o número de coletivos que carregam em como “Operação Cidade”. O objetivo desta ação era prender assaltantes e e nas batalhas sociais diárias. Gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais,
seu propósito muito mais do que a música, mas também o compromisso em criar traficantes no centro da cidade, porém, nos finais de semana eram detidas queers, intersex e tudo que percorre a sexualidade não-normativa, sempre
festas seguras para minorias e pessoas com pouca visibilidade na sociedade. São aproximadamente 500 pessoas acusadas de “práticas de homossexualismo”, assumiram uma narrativa importante para a construção dos mais diversos
coletivos que fortalecem a sociabilidade desta comunidade, diante de um cenário “expressões artísticas impróprias” e outros “delitos”. Ainda bem que não estilos eletrônicos, desde o início da década de 70, com a famosa boate
não muito favorável. Pois, segundo dados da ONG Grupo Gay da Bahia (GGB), em estamos mais naquela época e hoje é possível produtores usarem a música The Loft, de David Mancuso; pelo Chicago house com o Frankie Knuckles;
2017 o Brasil alcançou uma marca preocupante: a cada 19 horas uma pessoa é eletrônica como um agente social transformador. no Detroit techno, com importantes colaborações de Morris Mitchell; no acid
assassinada vítima da “LGBTQIfobia”, o que coloca o nosso país como o campeão house do Paul Oakenfold e Nicky Holloway; na própria pista da Berghain, que
mundial desse tipo de crime. Isso equivale a aproximadamente 450 mortes por “Nós temos o poder de criar espaços libertadores em nossas festas e precisamos é completamente ocupada pelas mais diversas tribos; ou de todas as festas do
ano, sendo que 56% dos casos acontecem em vias públicas. acreditar e lutar por esse ideal. Desde a comunicação durante a divulgação dos segmento underground que fortalecem este cenário.

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DIVERSIDADE DIVERSIDADE

FOTOGRAFIA FERNANDO CYSNEIROS


Linn da Quebrada,
no RBMA Festival 2017

Marian Ana Gisele Viviane Mendes

QUEBRANDO
O PODER DELAS! BARREIRAS!
Os desafios de ser DJ, numa profissão ocupada em maior parte por homens
Feminismo e empoderamento trans são fonte do que há de mais criativo hoje
POR Bruna Maia
POR Jade Augusto Gola FOTO Felipe Gabriel (Red Bull Content Pool) As mulheres estão e conquistando cada vez mais espaço no mercado de trabalho, Viviane Mendes e Valentina Luz são negras, e além dos desafios diários do
e no mundo da música eletrônica não tem sido diferente. Apesar de sermos minoria, machismo, precisam também lidar com o preconceito racial. Viviane destaca que
vem sendo mais comum encontrá-las brilhando e atuando de forma significativa. algumas curadorias não costumam prestar atenção em artistas femininas por puro
Esta edição da House Mag foca na diversidade, pois em 2018 é impossível não falar ainda mais adicionado por elementos de ghetto tech, house music e dançarinos Mas nem tudo são flores e ainda há muitos desafios para essas artistas. Para tentar comodismo. “Você é julgada o tempo inteiro pela aparência e jeito de tocar. Mesmo
de política, sociedade e cultura sem abordarmos questões sobre representatividade. de vogue sci-fi e andróginos. traçar um panorama a respeito, conversei com as DJs Jessica Tribst, Marian Flow, se já tiver um trabalho reconhecido, sempre rola um tratamento de que não é boa o
Se por um lado é triste perceber como muita gente na cena eletrônica nem vergonha Viviane Mendes, Valentina Luz e Ana Giselle, que falaram sobre as dificuldades em suficiente pra estar lá”, conta. “Enfrento desafios desde muito cedo, então aprendi a
tem de demonstrar apoio por políticos que vão contra os valores de P.L.U.R, por outro Em Berlim, o Berghain/ Panorama Bar tem noites em que 80% do line-up é uma atividade exercida em maior parte pelo sexo oposto. lidar com meus medos e ter amor próprio. O preconceito é diário”, comenta Valentina.
lado é excitante perceber como no feminismo e no empoderamento transgênero feminino — iniciativa que alguns núcleos do Brasil também adotam. Dos EUA, uma
surgem algumas das demonstrações musicais mais legais do momento. referência vem da agência de artistas Discwoman, que reúne diversos talentos Inegavelmente, o ato de discotecar sempre teve uma característica mais masculina Ana Giselle, mulher trans, acaba tendo que provar muito mais a sua capacidade
femininos. Também de lá, The Black Madonna é a mina gorda, que dança e toca — não só no Brasil. Talvez porque os meninos desde pequenos já tenham maior profissional, sem contar a discrepância no valor dos cachês, “o que dificulta,
Está em turnê pela Europa o show da Fever Ray, com a vocalista Karin Dreijer (que já de disco a house como ninguém, que um dia já foi considerada por haters como afinidade com equipamentos tecnológicos e jogos eletrônicos. Como em toda inclusive, a permanência na cena exercendo a profissão de DJ, que para a
foi a voz do célebre grupo sueco de techno pop The Knife). A banda canta o sexo e a “uma DJ para não ser vista, pois não se ‘parece’ apropriadamente como tal”, e ocupação que possui mais homens, existe um certo preconceito quando encontram otimização do trabalho exige equipamentos caros que não condizem com a
realização do desejo feminino como um ato político em uma apresentação dançante, hoje é dos nomes mais celebrados, com programa na BBC inglesa e fãs como uma mulher ocupando tal posição. Algo que pode vir de todos os lados: da família situação financeira da maioria de nós”, ressalta.
cheio de groove. Já aqui no Brasil, diversos holofotes estão direcionados para o Iggy Pop. Sua amiga Honey Dijon é negra, trans, houseira de primeira, roda o que não considera essa profissão “adequada” para meninas; por uma parte dos
novo disco da rapper Karol Conka, Ambulante, prestes a ser lançado e ajustado pelo mundo igualmente e estampa capas de revistas como a Vogue, com sua vigorosa contratantes e colegas de ofício que as julgam “incapazes” de conseguir comandar Assim como alguns coletivos já vem fazendo, o M.A.N.A.S e o Tetatrônica, de
produtor gay Boss in Drama, que terá um pé bem fundo na sexualidade fluida da história e força criativa. uma pista ou usar os equipamentos corretamente; e por aí vai. Brasília, nasceram com objetivo de unir forças para conquistar mais visibilidade e
house music — algo notável para o ainda masculino universo hip hop. oportunidades de trabalho para as mulheres na cena. Exemplo disso é o club Zig,
Gavin Russom — agora Gavin Rayna, após assumir-se como mulher trans — é Jessica conta que sofreu certo tipo de ceticismo no início da carreira: “Tem o lance que passou a oferecer workshops gratuitos de discotecagem para pessoas trans.
Aqui no Brasil, diversos holofotes estão direcionados para o novo disco da rapper mestre dos synths do selo DFA e do LCD Soundsystem: tocou na capital paulista de ser julgada. A mulher é mais vulnerável a este tipo de situação, e fica com maior
Karol Conka, Ambulante, prestes a ser lançado e ajustado pelo produtor gay Boss na ocasião do show da banda e ficou emocionada com a força e o apoio da receio de dar a cara a tapa. Isso acaba fazendo parte do processo, infelizmente.” Nesse ponto Jéssica pondera: “Ainda há uma ‘barreira’ a ser quebrada. No começo
in Drama, que terá um pé bem fundo na sexualidade fluída da house music — algo comunidade trans paulistana. Seguindo os passos da icônica DJ Sprinkles, Octa Marian reforça: “Passei por diversas barreiras para evoluir e aprimorar o meu é difícil, mas acaba fluindo de forma mais natural na sequência.” Por mais que os
notável para o ainda masculino universo hip hop. Octa é um dos nomes mais quente do deep e da house music hoje, que além de conhecimento ao longo dos anos. Muitos duvidam da capacidade feminina de desafios sejam enormes, as mulheres que sonham com isso têm encontrado um
magnífica produtora e também uma DJ insana — quem a viu tocando na ODD produzir música e executar bem a parte técnica.” cenário promissor, com várias DJs de destaque fazendo história na música eletrônica.
Em São Paulo, Linn da Quebrada é a trava língua que você respeita: negra, recentemente está falando desse set até agora… Entretanto, é nítido que seguimos longe de uma equalização de gênero nos grandes
babadeira, feroz na rima, excursionando na Europa e premiada no festival de A existência de uma cobrança maior em cima da mulher em todas as profissões eventos, em que elas não representam nem 10% dos artistas contratados.
cinema Berlinale com o seu biodocumentário “Bixa Travesty”. Ela fechou, no Ainda que o objetivo principal desse texto não seja insistir apenas no proselitismo é irrefutável. Situação resumida pela pergunta infeliz de sempre: “Será que ela
início de abril, a celebração de três anos da ODD, ao cantar sobre os beats da político, buscamos exemplificar aqui apenas como muitos que são alvos de consegue?” Eu particularmente gosto quando esse tipo de desafio é lançado, A fim de mudar esse cenário, temos contado com a luta de diversas profissionais
DJ Bad$ista a faixa “Vencer é ‘vem ser’”: ela canta como ser travesti é bom, intolerâncias das mais diversas são os que estão fazendo o que há de mais criativo, porque, como afirma Jéssica, “não existe gênero que fale mais alto do que talentosas e de outras que estão esperando apenas uma oportunidade, trabalhando
esfregando a pepeca na cara da sociedade. E quem não gosta tem mais é que bonito e excitante na cena. Procure saber, abra sua mente, ouça música boa e livre, um trabalho bem feito”. E mesmo em meio a tantos empecilhos, estamos em conjunto pela valorização do trabalho e visando construir uma cena mais
se retirar, pois empoderamento é punk e é pra incomodar. Showzaço potente, e não se esqueça, como dizia o funk carioca já clássico: hoje, a pepeca é o poder! conquistando o merecido espaço. saudável, justa e igualitária.

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SAÚDE

A urgente necessidade
do debate sobre saúde
mental na música
eletrônica

POR Lucas Arnaud

SÍNDROME DE BURNOUT
Abril de 2018 trouxe uma triste notícia aos fãs de dance music: o jovem produtor de entrar em crise é a pior parte deste trabalho”. Nota-se, então, que vários dos
sueco Tim Bergling, mais conhecido por Avicii, fora encontrado morto. “Com elementos da vida de um DJ contribuem para o esgotamento mental e emocional.
todas essas entrevistas, tours e tudo mais, ele vai cair morto”, relata Ash Pournouri E esse acometimento tem um nome científico: é a “Síndrome de Burnout”, definida
(então seu manager) em tom de ironia, numa cena do documentário sobre o artista por Herbert J. Freudenberger como “(…) um estado de esgotamento físico e mental
lançado em outubro de 2017. Apesar de chocante contrastar tal declaração com o cuja causa está intimamente ligada à vida profissional”.
recente acontecimento, essa comparação nos evidencia algo digno de interesse: já
se sabia dos problemas com sua saúde mental. Em 2016, anunciou que pararia de A fundação Mental Health, da Inglaterra, afirma que um a cada quatro pessoas
tocar em tours pelo mundo: “Falei para meus empresários que esse estilo de vida em turnê vai sofrer com algum problema de saúde mental na vida. Para a revista
me mataria”, diz no mesmo documentário. Only The Beat, Laidback Luke, DJ holandês, admite: “já tive a síndrome de Burnout
duas vezes”. O artigo “O impacto psicológico de estar no centro das atenções:
Ollie Cornéer, um dos dois DJs da famosa dupla Dada Life, também anunciou há a luta emocional das celebridades” [em tradução livre] nos lista alguns fatores
uns meses que não sairá mais em tour pelo projeto. Promete, porém, focar no lado que contribuem para o cansaço emocional destes artistas, a citar: ausência de
da produção musical em estúdio, não abandonando o trabalho pela dupla. O duo já privacidade, despersonalização, falta de desafios e exposição midiática exagerada.
tocou, por exemplo, no palco principal do Tomorrowland Bélgica (em 2014 e 2016).
Mesmo assim, com a possibilidade de se apresentar nos melhores eventos do Empresários, fotógrafos, agentes, relações públicas e qualquer outro profissional que
mundo e para uma legião de fãs, Ollie preferiu desistir desse lado da carreira. Esse viaje em turnês também podem desenvolvê-la. E o que chama a atenção: esse é um
fenômeno se repete e merece uma análise pormenorizada. tema ainda pouco debatido no meio da música eletrônica. A conscientização sobre
os malefícios do estilo de vida e da falta de descanso podem ajudar a conciliar o
Exemplos iguais seriam os de Bassjackers e Blasterjaxx. Ambos já tocaram nos trabalho com medidas que diminuam o estresse, como maiores intervalos e mais
maiores festivais, e mesmo assim um membro de cada um dos duos desistiu da vida tempo para sono. Avicii, de certa forma, não escondia sua situação: “Precisava decidir
de turnês. Mas o que faz DJs de tanto sucesso tomarem decisões que, para nós, o que queria para minha vida. Tudo girava em torno da busca pelo sucesso. Eu não
parecem absurdas? “Tinha vontade de desistir. Podia ver que não era eu que queria era mais feliz.” Também não era segredo que o produtor sofria de problemas crônicos
parar de fazer música, e sim essa energia negativa tentando assumir o controle.” causados pelo abuso de álcool (como pancreatite), numa possível busca por válvulas
A fala foi retirada de uma entrevista de Nicky Romero à revista Billboard, em 2015, de escape para a ansiedade.
após ter crises de ansiedade que o impediam de progredir na carreira. Quando
perguntado se conhecia outro caso parecido, respondeu: “Um dos membros do É inadmissível, portanto, que uma questão de tamanha importância tenha
Blasterjaxx estava sofrendo de depressão, então liguei para ele e conversamos relativamente tão pouca repercussão no meio da música eletrônica. Este trágico
por horas. Disse que, se precisasse do meu apoio, ficaria feliz em falar sobre isso.” falecimento deve ser encarado como um grave sinal de alerta. Precisamos de ações
que lidem com a conscientização sobre saúde mental dentro das equipes dos
O que seria tão grave e danoso a ponto de os levarem a ter esse tipo de pensamento? envolvidos com música eletrônica, de forma que haja maior zelo pela integridade
Nicky mesmo nos conta: “A vida em tour é quase um ataque ao próprio corpo. Não psicológica desses profissionais. Enquanto isso não ocorrer, casos como de Avicii,
é saudável em geral — o jetlag, a falta de sono, o horário de alimentação... O medo que não é o primeiro (e nem será o último), estarão longe de deixar de existir. ■

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ENTREVISTA REDES SOCIAIS

ALCANCE EM BAIXA
A parte orgânica do Facebook agoniza. Como se adaptar a esta mudança?

POR Ilan Kriger

A forma de divulgar eventos passou por mudanças Musk, ao excluir as páginas da Tesla e SpaceX que IDENTIFIQUE OS SEUS MAIORES FÃS
profundas nos últimos 10 anos, em um cenário que juntas somavam mais de cinco milhões de curtidas. Pesquise em mídias sociais a fim de identificar os
parecia estabilizado: com o marketing de massa Um ato que pode vir a ser seguido por outras usuários que têm potencial para ações que chamem
virando marketing de nicho; a busca orgânica marcas no futuro próximo. mais clientes e novos fãs;
ganhando força; e as mídias sociais emergindo como
ferramentas gratuitas e de considerável impacto. Uma peça importante que também tem diminuído a COMUNIDADE EM TORNO DA MARCA
credibilidade das mídias sociais é o uso e abuso de Isso ajuda na divulgação do evento, no teste de
Através destas novas maneiras de chegar ao público campanhas com celebridades e influenciadores. As ideias, sugestão de atrações, avaliações e inúmeras
alvo, muitas empresas deixaram de ter um site agências e empresas apreciam este tipo de ação, pois possibilidades;
próprio ou criar e manter listas de e-mails — pois se a marca é exposta para uma quantidade significativa
tinha a falsa impressão de que todos os clientes em de usuários, gerando um salto no engajamento. O MICRO INFLUENCIADORES Muitos eventos
potencial estavam a poucos cliques de distância. problema é que as pessoas já perceberam que estão focando nesse perfil, que são expoentes nas
A mídia social que ganhou mais destaque neste esse tipo de ação não passa tanta credibilidade, e respectivas áreas de atuação e contam com até 10 mil
período foi o Facebook, disponibilizando já em 2007 o público que a celebridade/ YouTuber/ blogueiro seguidores; pois mega ou macro influenciadores são
a ferramenta Pages, que permitia qualquer empresa traz nem sempre é o que a marca procura. Poucas caros e não tem tanta confiança do público;
criar um “site grátis” na plataforma. empresas — e acredito que nenhum festival ou festa

TIPO EXPORTAÇÃO
— têm R$130 mil para gastar em uma publicação MIGRE PARA O INSTAGRAM O público de
As publicações de páginas, que inicialmente tinham com a Sabrina Sato, por exemplo. música eletrônica está indo com força nesta direção. As
a mesma força orgânica que outras formas de marcas têm se preocupado em adequar publicações e
perfis, foram ficando cada vez mais restritas para os Tendo este cenário em vista, o seu evento, produtora linguagem para essa mídia;
seguidores mais ativos nelas. A mudança maior foi ou empresa vai precisar se adequar a esta nova
anunciada pelo CEO Mark Zuckerberg no começo de realidade. Tenho trabalhado com diversos festivais, NAVEGUE NA HASHTAG As mídias sociais vão
Vegas: um verdadeiro produto Vegas a um carimbo semelhante, e comecei a usar a hashtag nas redes sociais. A
minha intenção não era criar algo exclusivo, mas, com o passar do tempo, o público
2018, afirmando que a rede social passaria a dar ainda labels de festas, casas noturnas... e algumas das continuar mudando e os eventos têm criado hashtags

nacional em destaque
mais importância para os posts de amigos e familiares, soluções que as produtoras têm usado são: para as suas marcas, que podem migrar de uma mídia
começou a ligar a expressão ao meu projeto.
para tentar combater notícias falsas de todos os tipos. social para outra com facilidade.
SITE PRÓPRIO Por menos de R$ 500,00 é
Com o lançamento do primeiro álbum, Good Things, foi possível mostrar um
Se somar tal preocupação a uma dificuldade do possível ter um espaço seu (Wix, Wordpress e outras Ou seja, muitas empresas já perceberam que estas
POR Luiza Serrano FOTO Leandro Quartiermeister outro Vegas. Como se deu a recepção dos fãs? Você prefere DJ set ou live?
Facebook em lidar com isso, e o escândalo recente soluções), com blog e ferramentas para captar ferramentas não são grátis e democráticas como se
No início foi um pouco estranho assimilar um lado mais melódico, para mim e para
de 50 milhões de contas com dados roubados para e-mails, fazer vendas e entender o público alvo; pensava, num cenário que causa certa incerteza,
o público, ao lançar também faixas experimentais de chill out. Aproveitei para
serem utilizados na eleição de 2016 nos EUA, tem Crie a sua lista: colete e-mails de todos os seus mas que também possibilita novas oportunidades.
Já imaginou chegar em Joinville, Santa Catarina, e encontrar um tal de Paulo Vilela mostrar a diversidade e amplitude musical que um produtor pode ter, afinal álbuns
crescido o movimento “delete Facebook”. Exemplo clientes, segmente por evento, tipo de ingresso e Aproveite-as enquanto o seu concorrente ainda está
de roupa social em um escritório administrativo? “Trabalhei anos na área de logística permitem isso. Passei anos fazendo DJ set, mas sempre quis ter um live. Demorei
no ramo moveleiro. No primeiro semestre de 2017, a minha carteira de trabalho ainda
recente desta tendência foi protagonizado por Elon tudo mais que conseguir; esperando um milagre vindo do Facebook. ■
tanto tempo para produzir minhas próprias músicas que hoje quero apenas tocá-las
era assinada em meio horário. Acredita?”, conta Vegas. Podemos dizer que os anos (risos). É raro, mas ainda faço DJ set.
recentes desta carreira foram de muitas conquistas, com suas músicas nos sets dos
principais DJs de progressive e psytrance do mundo. Em 2017, fez a primeira turnê Em todo esse tempo de carreira, qual foi o seu maior sonho realizado?
para a Argentina, México, Israel e países da Europa. Teve releituras assinadas por Vini Tocar em Israel. Creio que esse seja o objetivo de qualquer DJ produtor deste
Vici e Bizzare Contact; criou versões oficiais para Major7 e Hi-Profile; além do remix estilo. Me apresentei num importante festival em Tel Aviv, ao lado de lendas vivas
para uma faixa sua tocado por Armin Van Buuren e lançado pela Spinning Records. do psytrance. Foi uma experiência única chegar nos bastidores, ver todos os caras
“Quando tinha 14 anos, o movimento clubber chegou com força no Brasil. Aos 16, que sou fã e poder dividir o palco com eles, na terra deles.
já estava mergulhando no universo dos DJs. Me dividia entre trabalho, faculdade e
home studio. Enquanto meus amigos passavam noites jogando vídeo game, eu as Quais os próximos países que vão importar este produto nacional? Algum remix
virava fazendo música”, diz o artista sobre como tudo começou. planejado?
2018 já começou mágico. Temos confirmados Áustria, Dinamarca, México, Canadá
Mas por que o psytrance em uma região onde se escuta muito house music? e Alemanha. Sim! Estou trabalhando para um remix oficial da dupla israelense Vini
O contato inicial foi com a dance music, depois techno e house, até o dia que ouvi Vici, na faixa “100”, em parceria com DJ produtor australiano Timmy Trumpet. Ainda
psytrance, em um CD que ganhei de um amigo. Foi paixão à primeira vista. Mesmo está no processo de finalização, porém, já a tenho testado nas apresentações.
sendo a terra do house music, Santa Catarina foi importante no cenário trance;
porém, uma onda que passou. Isso me forçou a buscar outras oportunidades fora Já rolou até casamento em uma das suas gigs. Como é ter músicas como trilha
do Estado — algo que me deixou um bom tempo sem tocar. Hoje fico feliz e honrado sonora das pessoas?
em ver este gênero novamente ganhando espaço nos clubs do Sul e de todo o país. As vezes a gente não se dá conta da responsabilidade que temos. É mágico
saber que aquilo que buscamos inserir na nossa arte alcança mais do que o
De onde surgiu o #produtonacional? entretenimento. Alguns já eternizaram as minhas músicas na pele, em forma de
Sempre dei muita ênfase a nossa cultura, fazendo um som voltado para o público tatuagem. Fico muito feliz, pois sei que fiz parte de um momento importante na
brasileiro. Certa vez vi em um aeroporto uma caixa tipo exportação escrita “Produto vida das pessoas. Elas acabam levando um pouco de mim e isso faz todo o meu
Nacional”, o que me chamou a atenção. Pedi ao designer uma logo que unisse trabalho valer a pena! ■

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COLUNA

Descubra seu Ikigai tendo em


NÃO SIGA (SÓ) vista o que você ama, do que
o mundo precisa, aquilo pelo

A SUA PAIXÃO o que você pode ser pago


e o que você faz muito bem

POR Maurício Soares

Qual é a sua razão de ser? Uma pergunta aparentemente simples, em torno do qual nosso mercado, numa lista extensa — mas não exaustiva — de onde a competição é
se ergue o Ikigai: conceito japonês que combina as palavras “ikiru” (viver) e “kai” (a significativamente menor do que pelo espaço dentro da cabine, em que a demanda
realização do que se almeja). por profissionais competentes e criativos, de todas as idades, é crescente.

Originado em Okinawa, ilha japonesa com uma das populações mais longevas do Para tomar emprestado um exemplo do esporte, é interessante observar a trajetória
mundo, está inserido profundamente no estilo de vida dos habitantes locais. Mais do alemão Joachim Löw: um jogador absolutamente sem brilho e que hoje, como
do que algo espiritual, é o sentido prático do conceito, ao focar na convergência técnico da seleção do seu país, ostenta uma das carreiras mais duradouras e
entre quatro campos, que parece manter o senso de propósito, realização e vitoriosas dentre os que já ocuparam a posição. A paixão dele pelo futebol é nítida
comunidade deste povo. desde sempre, mas só encontrou seu ikigai quando conseguiu conciliar o que ama
com aquilo que faz com brilhantismo, o que a Alemanha precisava e aquilo pelo
Muitas vezes, especialmente quando somos mais novos, acreditamos que que poderia ser pago.
amor nos basta para “chegar lá”. É claro que a maior parte dos profissionais de
primeiro escalão já foram jovens cheios de paixão, dispostos a fazer concessões A música, como dito na minissérie “The Defiant Ones”, é um jogo de jovens — porém
e tomar riscos que outras pessoas nem cogitariam para realizarem seus sonhos. isso não quer dizer que a cadeia de valor que a envolve seja um território restrito
Paixão, contudo, é condição quase sempre necessária, mas nunca suficiente para aos com menos idade —, como provam seus protagonistas, Dr. Dre e Jimmy Iovine,
resolver a equação do sucesso. Fatores como educação, contatos e até mesmo dois gigantes do meio musical. No cenário da música eletrônica, o exemplo de
sorte cumprem um papel importante na trajetória de qualquer carreira. Pete Tong também ilustra claramente como é possível se reinventar para manter-se
relevante, buscando a convergência entre os quatro campos do ikigai: DJ, dono
Cito tais pontos como uma provocação para aqueles que pensam em trabalhar de selo, radialista à frente de um dos programas mais relevantes do segmento e,
com música eletrônica. Num mercado que muitos ainda percebem como restrito mais recentemente, cofundador da divisão de música eletrônica da WME (uma das
a DJs, produtores, managers, contratantes e bookers, existe uma série de maiores agências artísticas do mundo).
oportunidades ainda pouco ou mal aproveitadas. E estas, quase sempre passam
longe do radar de quem tem intenção de entrar no jogo. A boa notícia é que vivemos num tempo em que as carreiras são líquidas, no
qual o aprendizado contínuo ao longo da vida e a dedicação a temas e projetos,
Cenografia, iluminação, decoração, arquitetura, design, roteiro e direção de ao invés de organizações, deixam de ser a exceção para se tornarem a regra.
show, gestão de marca, captação de recursos, relações públicas, produção de Por isso te pergunto: Qual é o seu Ikigai? Faça a você mesmo esta indagação
conteúdo, jornalismo, performances, programação, serviços (bar, operação, etc), com frequência, sem esperar uma resposta definitiva. Ela tem mais a ver com o
licenciamento... Todas são áreas também direta ou indiretamente ligadas a este caminho do que com o seu destino. ■

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ENTREVISTA

Quando você é um DJ que nasceu em Detroit e se mudou para Berlim, separo alguns dias durante a maioria das semanas apenas para sentar no estúdio,
tornando-se residente do Berghain/ Panorama Bar, os olhares sobre ti podem experimentar e me divertir.
emanar da mais profunda admiração, a um julgamento pungente, daqueles que
anseiam sempre o próximo passo do artista. Mas Ryan Elliott não permite que Ainda considera o Panorama Bar/ Berghain o melhor do mundo? Quais outros
a rapidez de transformação da música eletrônica, em comunhão com a pressão clubs, festas e eventos você se sente confortável tocando ao redor do mundo?
da velocidade da vida contemporânea o consumam. Suas habilidades são O Berghain ainda é absolutamente o melhor. É completamente único e sou muito
fortalecidas, permitindo que as criações musicais e projetos tomem forma no grato pela minha residência lá. Me sinto confortável se apresentando na maioria
seu tempo, embebedando-se da consistência que um ritmo demasiadamente das situações. Adoro tocar em grandes e pequenos shows, festivais, clubs...
frenético poderia anular. Considero-me um DJ versátil e diferentes ambientes permitem mostrar isso — o
que mantém as coisas sempre interessantes.
Ryan é minucioso em seus passos, certeiro — visto os altos escalões onde ele se
firmou dentro dos redutos do techno e house mundial —, um profissional cujas Ouvi dizer que você é bem regrado para atividades físicas, que corre durante a
raízes são tão bem estabelecidas, que é considerado um dos seletores mais finos semana e tenta dormir bem. Já sentiu a necessidade de mudar alguns aspectos da
e versáteis da cena. Tanto que seu set no Panorama Bar em 2014 foi eleito o sua vida para se manter saudável? Quero dizer, muitos DJs lutam com este estilo
top mix do ano pelo Resident Advisor. E que sorte a nossa, brasileiros, em ter a de vida de trabalhar à noite e viajar muito. Como está sua rotina atualmente?
oportunidade de recebê-lo aqui para mais uma turnê que promete trazer tantas Esta rotina muda conforme minhas necessidades como pessoa e artista se alteram.
novidades quanto seu case comportar. Ele chega para se apresentar nos festivais Sempre procurei estar fisicamente saudável — fazendo exercícios, dormindo o
D-Edge e Warung Day, dia 14, e para estrear em Campinas, dia 20, no club Caos, suficiente, comendo bem. Mas o que nós não falamos tanto (porque é mais difícil
ao lado de Efdemin. O Brasil já se tornou tão essencial para Ryan, que está na de colocar o dedo) é da dificuldade de se manter mentalmente saudável e feliz.
hora de bater um papo sério com ele. Sempre reservo tempo para mim mesmo como uma pessoa normal, pra passar
com minha esposa e amigos, ler livros não relacionados a música, ver filmes —
Olá Ryan. É um prazer tê-lo de volta no Brasil em breve. Começamos falando que mantêm você feliz, curioso e jovem. Fazer essas coisas traz recompensas,
um pouco sobre seu set ano passado no DGTL São Paulo — considerado por naturalmente. Tudo em nossas vidas está conectado e tem efeitos no outro. Isso
muitos como um dos melhores (se não o melhor) —, que misturou novos sons e é o que muitos DJs extremamente ocupados não percebem.
passeou por nuances de house, techno e disco. Como você sentiu o público e
toda a experiência do festival? O que podemos esperar este ano? Conte-nos sobre seus planos, o que vem em seguida na sua carreira?
Foi, sem dúvida, uma das minhas festas favoritas de 2017. Tudo se encaixou: a Finalmente iniciei meu próprio selo! Isso é algo que queria fazer há muito
multidão, o clima, a atmosfera... Foi um desses sets em que tudo era tão fácil e tempo, pra ter uma visão clara e também estar em um ponto da minha carreira
natural. Não tinha nem que escolher a próxima faixa, pois meio que “surgiam” pra em que pudesse lidar exatamente da maneira que gostaria. Será meu escape
mim. Foi um dia especial — do tipo que me dá energia e inspiração por meses para músicas que amo e toco. Acredito que o lançamento de estreia precisa vir
depois. Estou muito animado para voltar ao Brasil novamente. Tenho novas de mim, então estou trabalhando para terminar o primeiro EP em breve. ■
músicas e ideias para compartilhar com todos.

Em 2017 também rolou por aqui uma apresentação na Capslock; e na


Beehive, no Sul do país. Este ano, você tocará em um novo club underground
em Campinas, chamado Caos. Então podemos dizer que já experimentou
diferentes tipos de festas, atmosferas e locais. A cena daqui te inspira de
alguma forma? Do que mais gosta?
O Brasil, ao meu ver, é um dos lugares mais inspiradores do mundo para tocar,
através de uma longa e rica história com a dance music. Porém, a dance music
“eletrônica” ainda é relativamente nova e excitante pra vocês. Acho que é essa
combinação de um profundo entendimento do ritmo, mas também a novidade do
clubbing, que os torna tão especiais para mim como DJ.

Passando pelo seu histórico, você acha que ser de Detroit o ajudou de
alguma forma a ser reconhecido no começo? Ou, na verdade, era uma
responsabilidade ainda maior, para se destacar entre tantos produtores e

DE VOLTA
artistas que surgiam da motor city?
Acho que ambos. Sim, no início da minha carreira isso certamente ajudou. Mas
apenas o fato de ser um “Detroiter” não te leva longe — você tem que se provar
como um bom DJ a cada apresentação se quiser ser bem-sucedido.

AO BRASIL
Quando se mudou para Berlim, em 2009, você já tinha um relacionamento
com Ostgut Ton e Berghain, onde costumava tocar às vezes. Já planejava ser
um residente do club? Depois de quase dez anos, Berlim ainda te inspira?
Me mudei em 2009, porque sabia que, se quisesse levar a carreira ao próximo
nível, precisava estar na Europa. Tendo passado toda a minha vida nos EUA,
também almejava uma mudança: viver em outro país e ver mais do mundo.
Após o enorme sucesso de suas gigs por aqui Naquela época, tocava no Berghain algumas vezes por ano e presumi que teria
mais gigs se morasse em Berlim; mas ir “apenas” para me tornar um residente
em 2017, Ryan Elliot retorna para apresentações nos festivais do club não era o plano. Fiz por mim e pela música. Amo morar aqui. Não há

D-Edge, Warung Day e Club Caos nenhuma cidade igual no mundo, que abraça culturas contrárias, diferente de
qualquer outro lugar que já fui.
“O Brasil, ao meu
POR Gabriela Loschi FOTOS Stephan Redel
Você começou como DJ e passou a produzir depois, especialmente quando passou
a morar em Berlim. Como está o seu relacionamento com a produção X DJing?
ver, é um dos lugares
Quanto mais longe vou em minha carreira, mais vou gostando da produção. mais inspiradores do
mundo para tocar.”
Acho que porque nunca tive que depender de lançamentos para ser bookado
para shows, e isso tornou o processo de produção mais puro para mim. Sempre

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ENTREVISTA

Juju & Jordash:


sinônimo
de arranjos
complexos e
musicalidade
de sobra

POR Marcelo Godoy

ALTA QUALIDADE
A combinação de Gal Aner (Juju) e Jordan Czsamanski (Jordash) data do final Vocês já disseram que em locais grandes têm que tocar de uma forma um
dos anos 90 na Holanda, quando se conheceram em jazz sessions de bandas pouco menos complexa — ou, os ecos e reverberações poderiam matar a vibe.
que estavam envolvidos na época. Gal nasceu em Israel, e Jordan nos EUA — Como isso funciona na prática? Quais são os fatores técnicos que interferem
mas, se mudou para Israel ainda criança. Em Amsterdam o duo foi tomando quando estão tocando ao vivo?
forma, quando passaram a se conectar com as raves locais. Em uma contínua Gal: Ao chegarmos a checagem do som, é o melhor momento para decidirmos
mescla de estilos, e de sua posição em não se fixar à uma fórmula de criação, a situação, e isso normalmente vai ditar como começaremos o show. Tocamos
variam seu som a cada lançamento. Em cinco álbuns de estúdio e muitos um pouco durante a checagem, sentimos como é, deixando os equipamentos
outros releases, a única constante é a atitude jazzy subconsciente que dita a preparados, e começamos depois a partir daquele ponto. Então temos a liberdade
fluidez de suas jams. Eles também são parte do grupo Magic Mountain High, de irmos a qualquer direção que sentirmos ser correta para aquele público. As
juntamente com Move D. Conversamos de forma breve com a dupla antes de vezes tocando de uma forma menos complexa e pesada, pelo menos no começo,
se apresentarem no Dekmantel São Paulo. pode servir de orientação em locais muito grandes. Também o mood criado pelo
DJ que toca antes de nós, é um fator a ser levado em consideração.
Em entrevista para a Red Bull Radio, vocês disseram que a abordagem quando
estão tocando ao vivo não é tão improvisada como no álbum Sis-Boom-Bah! Suas primeiras músicas juntos são de 2004, mas o release de estreia pela
Quais os truques usam para “colar” as músicas, já que possuem um grande Dekmantel veio somente em 2009. Como foi esse período?
leque de estilos misturados em suas composições? A intenção era que este trabalho saísse por uma outra gravadora, do Reino Unido,
Desde o lançamento do nosso último álbum em outubro, começamos a inserir mas eles perderam o esquema de distribuição no Japão e não puderam mais
um pouco de nossas músicas de estúdio em meio às jams; sendo as do LP fazer. Sorte que acabávamos de conhecer o pessoal do Dekmantel. Eles nos
ou algumas antigas favoritas. Então tocamos partes e improvisamos em cima bookaram para discotecar em uma festa que estavam fazendo numa praia. Assim
daqueles acordes/ temas por um tempo. Isso realmente depende à cada que tocamos o álbum, decidiram lançar o selo. Puta sorte!
apresentação, de acordo com nosso humor e como introduzi-las na mix. É algo
que, nos melhores casos, acontece naturalmente. Acredito que o fato de termos Vocês acabaram de criar a Slack Trax. O que podemos esperar para os
sempre certos instrumentos no palco nos ajudam a “colarmos” as músicas — próximos lançamentos?
sonoramente falando. Gal: Criamos este selo pois assim poderíamos mais fácil e frequentemente lançar
músicas orientadas às pistas de dança, sem termos de esperar muito. O primeiro
Poderiam nos dar uma visão panorâmica do set-up? Como operam efeitos e etc? EP saiu em março. No mais, temos uma colaboração com a Peggy Gou, lançada
Jordan: São três drum machines, um sampler, cinco sintetizadores, efeitos, em abril, pela gravadora Needs. Esse é um projeto especial, sem fins lucrativos,
guitarra… Isso se a apresentação não for numa cabine de DJ. O Gal atua mais feito em parceria com a ONU Mulheres, em suporte à campanha e semana de
como um baterista/ percussionista e eu sou o cara dos synths. Cada um opera arte HeForShe. Também existem remixes para vários artistas, os quais viemos
seus próprios efeitos durante o show, o que é sempre algo totalmente não trabalhando nos últimos tempos e sairão em breve. Outro lançamento que
preparado, a não ser quando incorporamos uma faixa antiga na jam — o que é está para sair ainda este ano será pelo selo do festival Freerotation, com dois
raro. Somente para ocasiões específicas. segmentos de nossa performance ao vivo na edição 2017.■

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OPINIÃO

APROPRIAÇÃO DO PROG HOUSE


O retorno do Swedish House Mafia trouxe à tona uma discussão que
parecia resolvida com as mudanças promovidas pelo Beatport em 2016

POR Jonas Fachi

Não há dúvidas: o momento mais comentado durante o Ultra Miami 2018 foi o de embarcar numa onda pop e trabalhar na porta de entrada de um novo
retorno do Swedish House Mafia. Axwell, Steve Angello e Sebastian Ingrosso, público sedento por música eletrônica. Até aí tudo bem, pois todos têm direito
após um hiato de cinco anos, subiram ao palco do festival e viraram o assunto de escolherem seus caminhos, o que acaba sendo importante para trazer mais
da semana dentro do movimento pop eletrônico. O trio sueco possui uma consumidores ao segmento.
extensa carreira de lançamentos e já inspirou uma série de novos artistas. Muitos
comemoraram no Twitter este acontecimento; mas duas postagens de nomes A grande questão, entretanto, é a rapidez com que este fenômeno se apresentou
conhecidos chamaram atenção da mídia, o que me fez escrever sobre o assunto. a partir de 2010, e a incapacidade do mercado em processar um novo estilo — nem
mesmo havia um subgênero definido no Beatport. Por isso, alguns resolveram
ARTY publicou: “O progressive house acaba de voltar.” Outro nome, Crankdat lançar estes sons como progressive house, transformando uma seção que era
descreveu: “A música eletrônica verá mudanças por causa disso. Foda, estou estritamente relacionada a músicas cerebrais e imersivas em algo que fugia das
muito empolgado…, seja pelo retorno do progressive house ao mainstream, ou características originais do gênero. Os artistas mais puritanos se viram então
a apreciação da volta de uma dance music mais instrumentada… Esse set vai ser obrigados a procurar outros espaços, como deep house ou tech house, para
muito importante. É o SHM, baby!” que seus seguidores os encontrassem nos lançamentos de músicas e álbuns.
Isto perdurou até 2016, quando finalmente foram criados espaços para a cena
Apenas os dois artistas fizeram essa correlação, porém, o assunto tem ganhado mainstream, como big room, future house e dance, além da renovação completa
projeção e parece novamente abrir uma porta que parecia selada. Na comunidade de deep house, house e progressive house.
conceitual, a vertente é seguida por milhares de fãs mundo afora desde a
criação, ainda no início dos anos 90. Assim como o techno de Detroit e o house Aos poucos, produtores conceituais voltaram para esta seção dentro do Beatport
de Chicago, o estilo desenvolvido no Reino Unido é um dos mais complexos e e hoje encontramos Guy J, Eekle Kleijn, Khen, Guy Mantzur, 16 Bit Lolitas e
difíceis de se produzir, por envolver uma série de capacidades musicais distintas, muitos outros de uma nova geração figurando entre os mais vendidos. Outro
em que melodias ou elementos obscuros, linhas de baixo e harmônicos, devem ponto importante é que, coincidentemente ou não, na metade de março foi
funcionar como uma banda. criado um novo gênero para vendas. O melodic house e techno veio como uma
forma de agradar um outro lado importante da cena, representado por Dixon,
Sasha e John Digweed, considerados “pais” deste movimento, iniciaram em Mano Le Tough e Maceo Plex, que mesmo tendo músicas que se encaixam nas
Manchester o que viria a influenciar gerações de clubbers e DJs. Em 1994, características do house progressivo — com menos profundidade, é verdade —
produziram a primeira compilação da lendária gravadora Renaissance, através não se sentiam à vontade em lança-las como tal. Essa foi a versão dada pelo
do CD The Mix Collection. Outros artistas ingleses como Nick Warren, Danny próprio portal, e que pareceu razoável à primeira vista.
Howells, Dave Seaman e Darren Emerson surgiram em seguida ajudando a levar
esta sonoridade para o resto do mundo. Ao mesmo tempo, Hernan Cattaneo, na Porém, esse retorno do trio e uma possível tentativa do universo mainstream em
Argentina, e Timo Maas, na Alemanha, se juntaram aos britânicos para dominar as tomar para si novamente um estilo que nunca lhes pertenceu, pode estar relacionado
pistas, ganhando seguidores fiéis até hoje. com a antecipação do portal em criar outro espaço. Movimentos ensaiados ou não,
só o tempo dirá. O SHM lançará no big room? A lógica diz que sim, pois é lá que
Com as devidas explicações de maneira resumida, você poderia se perguntar: devem estar. Olhando de um aspecto mais distante, parece haver uma tentativa de
Por que então esses caras do movimento mainstream falam em “retorno do “efeito manada” — à dos citados no início. Ou seja, quando se publica para milhares
progressive house”? O que significa? Ao mesmo tempo que tais afirmações são de seguidores uma ideia e esta rapidamente se espalha pelas redes sociais como
vazias, quando levamos em conta toda a história, é algo que também diz sobre verdade, isso acaba criando o resultado desejado pela força da repetição.
o que pode estar acontecendo no cenário. Artistas e público parecem saturados
de músicas superficiais, em que o show pirotécnico e o microfone na mão são De toda forma, qualquer um que tenha conhecimento razoável sobre história da
indispensáveis para a pista conseguir funcionar. dance music sabe que “buscar algo novo para vender aos fãs de primeira viagem”
é uma prática bem antiga. Vale lembrar, portanto, que o progressive house é um
Após a explosão norte-americana do que convencionou-se chamar de “EDM”, só. Assim sendo, torço para que tudo se mantenha como tem ocorrido após as
com Hardwell, Calvin Harris e outros que já possuíam longa carreira na cena, à mudanças promovidas pelo Beatport e que isso não passe de uma confusão sem
exemplo de David Guetta e o próprio SHM, estes artistas viram a oportunidade fundamento com a realidade atual — o que tem aparentado ser, de fato. ■

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REVIEW
RETROSPECTIVA PERFIL

HOT BULLET
TIME WARP 2018
Com 24 anos de história, segue sendo o festival de headliners
Contando uma história de sucesso

POR Nazen Carneiro

Formado pelos produtores musicais Marco Violent e Marc Ransson, o Hot Bullet
POR Marcelo Madueño (que já foi trio) vem conquistando espaço considerável nestes quase cinco anos
de atividade. Em 2017, após três de Jam Bookings, o duo deu um importante
passo na carreira ao assinar com a agência Plus Network. Com três lançamentos
em 2018, os quais comentam a seguir, apresentamos nesta matéria um pouco
mais sobre este projeto que tem crescido na cena eletrônica brasileira.

Quando se inicia a carreira como DJ, tocar nos grandes festivais e clubs é sem
dúvida um dos maiores objetivos. “Seja numa pista com 100 pessoas ou num
evento para 10 mil, valorizamos igualmente cada lugar que nos apresentamos”,
contam. Tendo as gigs como um dos focos, pode-se destacar apresentações no
Tomorrowland Brasil, Eletric Zoo, Tribe, Universo Paralello; além de passagens
por clubs como Green Valley, Laroc, El Fortin, Sirena, Anzu e Belvedere.

No começo, o som do Amine Edge & Dance era a inspiração, no entanto


mudanças na cena possibilitaram que evoluíssem de uma forma diferente e com
tempo — e amadurecimento — criassem uma identidade. Hoje, o Hot Bullet figura
em importantes lines ups, trazendo consigo algo autêntico. Deixando referências
e rótulos à parte, nota-se um trabalho voltado para o cenário nacional e toda uma
construção de sonoridade com participações de outros brasileiros.

Tanto Marco quanto Marc tinham projetos com propostas semelhantes e, assim,
seguiram valorizando os vocais em português. “Muitos torciam o nariz por algo
O começo da primavera é um momento bastante emblemático para o europeu. em que a primeira começa 19:30h e as últimas (2 e 3) terminam às 14h do dia no nosso idioma. Porém, vimos essa mudança ocorrendo a passos lentos, mas
A paisagem, agora não tão gélida, já sinaliza que em breve o calendário de seguinte — com os palcos 4, 5 e 6 indo até às 10h. que chegou num patamar de grande aceitação”. Sobre isso, Marco complementa:
festivais estará recheado por todo o continente; e, quando o assunto é techno, “‘Sede pra te ver’, do KVSH, e o remix de ‘Deixe me ir’, do Liva, foram as que mais
quem abre alas é o Time Warp. Iniciado em 1994, o festival — que tem sede em Às 22h os seis espaços estão abertos e então é possível entender um dos ouvimos em festas no ano passado, através de uma quebra de tabu que aproximou
Mannheim — é o mais antigo do gênero e já circulou por oito cidades alemãs e elementos que colocam o festival como uma referência mundial: todos os artistas o público desse tipo de faixa. Acredito que esse fenômeno não vai ser passageiro,
outros seis países (à exemplo de Holanda, República Checa e EUA). Com tanta são headliners. A minha sequência foi Dubfire, Sven Vath, Adam Beyer, Rodhad, e enxergo outras vertentes da eletrônica apostando em vocais nacionais”.
bagagem nas costas, iniciantes e experientes são nivelados na pista de dança Ben Klock, Laurent Garnier, Ricardo Villalobos b2b Raresh, Len Faki e Nina Kraviz,
pela grandiosidade da experiência musical. Como tudo tem começo, meio, fim com destaque para Ben Klock. O artista costuma tocar uma linha mais sóbria, Exemplo dessa atuação constante no estúdio são os três releases nos últimos 40
e after, irei compartilhar com vocês um pouco de como foi a minha experiência. linear e hipnótica, mas após o set cheio de energia de Rodhad, ele deu uma aula dias. “Don’t Know” foi produzida em parceria com Maffei, do interior de São Paulo,
de versatilidade, técnica e seleção musical. e que já conta com boa aceitação, segundo Marc. “Rolou um resultado legal na
COMEÇO pista. A gente já sabia da química e mistura de ideias. Devido à distância, foi
Minha chegada em Mannheim foi prematura: cerca de três dias antes do evento. Porém, a surpresa pra mim tem nome: Dubfire. Já o vi em tantas apresentações aquele processo de troca de arquivos do que acha que encaixa e vai adaptando.
Tendo cerca de 300 mil habitantes, é dedicada à indústria química e possui uma ruins que não o colocaria em nenhum line-up. Talvez a energia do TW, o abandono O resultado ficou ótimo, melhor do que esperávamos”.
das melhores universidades da Alemanha, cuja escola de negócios da música é a daquele bassline ultrapassado da M_nus, a lua cheia... Enfim! O set foi bom, fez
única do país. Considerada patrimônio histórico pela UNESCO, seu dossiê contou jus ao horário e mexeu com a pista. Já “I Don’t Know Why” é um bootleg de um hino da house music, da cantora
com a presença do Time Warp para ser aprovado. Moony. “A faixa foi produzida no estúdio do Wolsh, em São Paulo, com as
Em um prato cheio dos melhores artistas do gênero, todos no mesmo lugar, intenções convergindo tão rapidamente que a terminamos em um dia”. Já “Wake
MEIO entram em jogo outros diferenciais: cenografia e técnica (som, luz e vídeo). A Up” teve a participação do duo DoubleZ. “Eles disseram que tinham uma música
Um dia antes a cidade ainda parecia bastante calma, porém com duas pré festas vibe é uma “experiência de club gigante”, e lá toda pista se torna uma caverna iniciada com vocal da Thayana e mostraram uma prévia disso. Gostamos da ideia
sendo realizadas nos clubs que pertencem aos produtores do festival. Com blindada da luz do dia, banhada por um show de luzes muito mais completo do e resolvemos produzir juntos”.
propostas complementares, o club Zimmer apresentou Patrick Topping e Steffen que já vi em qualquer outro festival. A cenografia dá um toque avançado no teto
Deux, enquanto o Loft recebeu Chris Liebing e Rod Malmok. Nenhum lotou e era dos dois principais palcos: um deles desenhado com fios de LED que formam Acompanhar o progresso do Hot Bullet é acreditar num sonho e saber que, com
nítido que as pessoas estavam se resguardando. O melhor momento da noite se uma teia, e outro com “bolhas” suspensas e iluminadas por flashes que parecem trabalho e dedicação, não existe barreira capaz de impedir um objetivo. Questão
deu no Loft através do duo local Confidns, que fez um long set de techno/ acid/ uma tempestade. Ah, e o som? Alto e em bom tom, obrigado! esta refletida por Marcos: “Recentemente vi um documentário que falava sobre
break beat em um espaço projetado dentro do fumódromo. Tendo em vista essa carreiras, e um dos entrevistados disse o seguinte: ‘Você precisa trabalhar 100% pra
ótima entrega, foram escalados para tocar novamente, desta vez na principal AFTER alcançar o seu sonho, e 200% pra se manter nele’.” De fato: Entender a realidade do
após Liebing, segurando o público até o encerramento. Ir embora sempre é algo trabalhoso, mas não em Mannheim. Após dez minutos nosso mercado e o que o público deseja, respeitando a identidade proposta, são
do encerramento estávamos dentro do taxi em direção ao after no club Zimmer. componentes de uma fórmula difícil de balancear e ideal para continuar relevante.
FIM Ao entrarmos já avistamos Butch saindo do banheiro, e ao descer as escadas me
A chegada ao local foi a mais tranquila que já tive até hoje. As ruas pareciam deparei com o Sven Vath tomando shots de tequila com três amigos. Olhamos A dupla, que conta com agenda cheia, segue tocando incansavelmente por todo o país,
vaziam, como se não houvesse evento. Por quê? Os órgãos públicos têm uma para os decks e lá estavam Seth Troxler, Nastia e Marco Carola em um b3b. Seis o que já proporcionou diversas histórias interessantes: das festas mais sensacionais
parceria com o Time Warp e disponibilizam trem e VLT grátis para todos que horas se passaram para finalmente dizermos adeus a nossa energia e a uma até caminhar quilômetros na estrada e conseguir se apresentar. Para conhecer alguma
viessem a partir de Frankfurt. São 20 mil pessoas distribuídas em seis pistas, maratona a ser repetida em todos os anos. ■ delas a fundo acesse a entrevista na íntegra no site da House Mag. ■

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CAPA

SHARAM
JEY
RESPEITO
PELO São mais
de 20 anos de

BRASIL mercado, sucessos


encravados nos
cases de artistas
e playlists de fãs,
e muito apoio aos
Uma coisa é certa: poucos artistas internacionais deram tanto apoio aos brasileiros
como fez — e ainda faz — Sharam Jey, que, através da sua gravadora Bunny Tiger,
DJs brasileiros.
se tornou um dos principais canais de conexão entre muitos DJs do Brasil e o Sharam Jey
mercado internacional. Em 2018, o selo alemão completa cinco anos de vida,
período no qual lançou diversos sucessos nos charts de nu disco, tech house, estampa nossas
deep house, house e afins.
páginas em
Para se ter uma ideia, das dez faixas da Bunny Tiger mais vendidas no Beatport comemoração aos
nos últimos 12 meses, três são ou tiveram colaboração dos brasucas. “Hey
Hey Hey”, do Chemical Surf; “Get Slow” (Sharam Jey, Chemical Surf e Breaking cinco anos do
Beatzz); e “Like it Better” (Easrstrip e Frey) estão em segundo, terceiro e quarto
lugares, respectivamente. Todas elas e uma infinidade de outras músicas caíram
seu selo Bunny
nos coros das pistas lotadas de bass e melodias de norte a sul do país. Tiger
Com tanto carinho à nossa cena, não é de se espantar que ele seja recebido sempre
de braços abertos. Suas raízes, no entanto, se encontram numa miscelânea de
POR Gabriela Loschi
nações. Várias de suas memórias de infância são iranianas, onde viveu até os nove
FOTOS Tiago Pavan
anos, quando seus pais e toda a família se mudaram para a Alemanha. País este
que se tornou sua pátria e onde ele passou a desenvolver a carreira musical em
bandas de escola, para então entrar na música eletrônica, sempre viajando muito
e adquirindo inúmeras influências — o que se reflete em seu som, que carrega
grooves latinos, com batidas e ritmos funkeados do mundo todo.

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CAPA

muita coisa boa, mas é impossível lançar todas,


infelizmente.

Agora está voltando com um selo antigo seu,


certo?
Sim. Tive um selo de vinil por dez anos e estou
retornando com esse projeto para disponibilizar
novamente alguns clássicos. Ano passado, durante
o encerramento da temporada do Space Ibiza, o Carl
Cox tocou uma música que fiz em 2003; e outros,
como Sasha, começaram a incluir minhas faixas
antigas nos sets, como “Rock City”. Então resolvi

“Ipsum e lorem aqui neste espaço de fazer alguns remixes e relançar a label digital, com
edições de vinil limitadas.
texto falso precisa de uma frase aqui Você lançou recentemente um álbum inteiro no
por enquanto o texto é falso.” Spotify. Acha que o fato de hoje o número de
plays nos streamings valer até mais do que a
venda da música em si, é desafiador? Como foi a
sua adaptação?
O mercado muda a cada 2, 3 ou 4 anos, mas no final o
que evolui são as tecnologias. No ADE ano passado,
por exemplo, só falaram de Spotify e streamings.
Se você possui um selo, tem que estar lá, mesmo
sem ganhar. Isso obriga os DJs a viajarem muito e
fazer shows. Então se por um lado não é lucrativo,

Já deu pra perceber que a multifuncionalidade é característica de Sharam Você costuma apoiar novos artistas pelo mundo.
Jey. Em meio a uma label respeitada, produções, lançamentos, grandes
apresentações e tantos outros projetos rolando, o artista ainda encontra
Depois da Bunny Tiger Brazil Collection, veio a
compilação mexicana, por exemplo. Qual é a ideia
“Recebemos tantas
tempo para a família e faz questão de cuidar e estar com os filhos todos os principal desses projetos? coisas boas que
é desperdício um
dias. Nossa conversa por Skype rolou às 22h no horário da Alemanha, logo A ideia é encontrar talentos locais e apresentar as
após os pequenos dormirem. particularidades de cada país com faixas exclusivas.

Olá, obrigada por essa entrevista. É um prazer falar contigo. Então acabou de
Ainda vai sair compilações dos EUA, da Austrália…, e
talvez mais algumas. A do Brasil tem grandes nomes artista com potencial
colocar os filhos pra dormir. Como é sua rotina atualmente?
Olá, o prazer é todo meu. Sim, tenho uma filha e um filho pequenos. Acordo por
e foi um sucesso. Isso é algo muito pessoal meu,
pois sempre quis dar chance a novos talentos de se
se apresentando só
volta das seis da manhã, ajudo a prepará-los para a escolinha, onde eles passam
o dia, e aí entro no estúdio. À noite fico feliz de poder passar mais um tempo com
apresentarem de alguma forma ao mundo. com mashups.”
eles, e só volto a trabalhar depois de irem pra cama. Em 2018 já teve tour no Brasil, tocou na Bunny
Tiger showcase no El Fortin e vai ser uma das
Você lançou um álbum em 2005 que teve grande sucesso. Depois em 2009 atrações na festa da House Mag em julho. Quais
repetiu a dose e de lá pra cá foram várias compilações e hits lançados. Por são os planos para o país ainda este ano?
que quase uma década para preparar um disco autoral? O plano é trazer toda a experiência Bunny Tiger,
Comecei a prepará-lo em outubro do ano passado. Demoro para fazer um através dos showcases com a Bunny crew e os
álbum artístico pois meu processo de criação é totalmente diferente de quando brasucas. O primeiro rolou ano passado no El Fortin
produzo uma música de club ou single. Gosto de contar uma história, fazer algo e tinham umas seis mil pessoas. Sem dúvida será
mais pessoal e não colocar apenas faixas que toco na pista. Penso de uma outro grande ano no território brasileiro. Faremos
forma mais old school também. Um trabalho desse envolve muita preparação, muitos shows, e estamos focados em encontrar
por isso quero que as pessoas o escutem pela próxima década e que seja artistas e dar a eles a chance de lançarem suas
atemporal. O 4 Da Loverz foi um grande sucesso, fui capa da DJ Mag inglesa músicas internacionalmente.
e fiquei três anos em tour. Sempre penso que tenho que finalizar um ciclo pra
começar o próximo, então este será outro passo, um novo bebê. Um dos últimos artistas brasileiros que você
apoiou foi o Breaking Beatzz. Existem outros na
A Bunny Tiger foi criada há cinco anos, então imagino que estava com suas sua mira? Quais são as qualidades que mais busca
forças concentradas em outra coisa, certo? em um produtor para lançá-lo?
Sim, há cinco anos esse tem sido meu grande foco. Estamos lançando um A “Don’t Stop”, do Breaking Beatz com o Chemical
álbum, que não é o meu autoral, mas sim uma compilação com remixes das Surf, se tornou uma grande faixa e recebeu ótimos
melhores faixas do selo. Quando comecei, nunca esperei que fosse crescer feedbacks. Eles são muito talentosos. Já a música
tanto assim, e ao olhar pra trás me sinto muito satisfeito, surpreso e agradecido mais recente do Dakar teve apoio do Green Velvet.
pelos suportes que tivemos. Recebemos milhares de demos toda semana,

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CAPA

por outro te traz visibilidade — pois com milhões de visualizações os bookers te


contratam. A nova geração não compra música, e não sabem como era antes de
ser tudo digital. Para eles isso é o normal. Então é algo diferente que temos que
acompanhar e não ficar saudosista.

Se lembra da primeira vez que você veio ao Brasil?


Foi em 2007 para tocar numa festa na praia em algum lugar de Jurerê, lá crescia muito, e a Alemanha naquela época não
Florianópolis, e naquela época a cena não era tão grande como é hoje. Um ano era assim. Aqui sempre foi mais techno e afins. Se
depois voltei e não tive uma experiência muito boa (risos). Tinham outras coisas você não produz o techno, digamos, propriamente
acontecendo, a cena de psytrance e prog house eram bem maiores, e minha dito, então não combina tanto. E aí comecei a amar
música não cabia aqui. Mas aí há cinco anos voltei, no início da Bunny Tiger, e a cena do Brasil, porque me mostraram muito amor
o cenário estava completamente diferente. O meu público se mostrava mais e apoio. Se pudesse escolher alguma pra morar,
interessado, as reações foram maravilhosas e me apaixonei por essa cena em dentre todas, EUA, etc, escolheria a brasileira, meu
crescimento. Vi que as pessoas começavam a amar esse tipo de música. território número um atualmente, inclusive porque
comecei a viajar pelo país e amar. Estou tendo
Das músicas de artistas brasileiros que já lançou, me parece que “Bass”, do a chance de conhecer pessoas e de aprender a
Illusionize com o Chemical Surf, teve um grande impacto na cena na época. Foi cultura, tanto que quase sempre levo minha família,
a que mudou tudo, definitivamente, e diria que também representou bem o som e ficamos normalmente em Florianópolis.
brasileiro. Foram milhares de charts, muitos apoios, e um sucesso no mundo. Amo
dar oportunidade a novos talentos e poderíamos ter lançado outras como aquela, Tantos projetos, família, filhos, o que mais tem
mas sem cópia. Se você é talentoso, não copie. pela frente?
Estou muito feliz em poder fazer o que amo. Tudo pode
A cena brasileira também está repleta de mashups e reworks. O que sempre ser maior e melhor, mas ficaria feliz se pudesse
acha disso? celebrar mais alguns anos de selo. Temos que curtir
Eu fazia bastante há 10, 15 anos, e haviam selos apenas disso. Ainda gosto, mas o que estamos criando e aproveitar o agora também,
não acho correto um DJ ficar uma ou duas horas só tocando mashups. Pra mim não não ficar pensando só no futuro. E esse é o momento
é legal. Os brasileiros pagam caro pelas entradas nas festas e precisam esquecer de celebrar cinco anos da Bunny Tiger. Quero criar um
tudo quando estão lá curtindo, com o DJ sendo responsável em oferecer a catálogo para a linha fashion e expandir a marca, além
melhor experiência. Seria bom se os artistas mostrassem mais o talento, tocando da ansiedade por causa do meu novo álbum e pelas
um maior número de músicas originais. Recebemos tantas coisas boas que é compilações. É muito trabalho!
desperdício um artista com potencial se apresentando só com mashups.
Por último, deixe uma mensagem para o público
Você acredita que sua música combina mais com a cena brasileira do que brasileiro.
com a alemã? Quero agradecer imensamente o amor e carinho
Não toco tanto aqui [na Alemanha]. Desde muito novo estou acostumado a rodar que tenho recebido de vocês. Estou tentando
o mundo. No meu primeiro lançamento as pessoas me disseram: “Uau, sua música oferecer algo em troca e espero que esteja
parece tão Inglaterra.” Nisso os ingleses passaram a me apoiar, lancei em grandes conseguindo. Mal posso esperar para voltar. Temos
gravadoras e comecei a viajar, absorvendo inúmeras influências. O que vinha de grandes planos pela frente! ■

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PERFIL

GROUNDBASS
De DJ set para um dos destaques da nova geração de produtores brasileiros

POR Luiza Serrano e Luigi Vanucci FOTO Leandro Quartiemeister


Diretamente de Florianópolis, o prodígio Thiago Ramos é o nome por trás do levanto, tomo café, checo as minhas redes sociais e começo a produzir por volta
GroundBass — um dos projetos nacionais de maior repercussão no cenário do das 14h e vou ate às 23h. Não posso passar muito disso se não a minha mãe me
trance psicodélico e progressivo mundo afora. Dono de um estilo peculiar, o artista mata”, explica entre risos.
criou o nome em 2013 e, rapidamente, conquistou um espaço enorme no mercado,
ganhando muito destaque através de seu carisma e energia na música eletrônica. Com sonoridades temáticas, Thiago busca inspirações em filmes, seriados e até
mesmo documentários. E criatividade não lhe falta: em 2018, o DJ produtor lançará
Além de colecionar hits como “Savannah”, “Sentidos”, “Puro Extase”, “Devadeva” o primeiro álbum da carreira, diferente de tudo que tem mostrado nos últimos anos.
e “Judgment Day”, se encontra em constante ascensão nos charts do Beatport. Serão entre dez e doze faixas voltando as suas origens, com muita psicodelia, uma
Atualmente, faz parte de uma das maiores gravadoras do gênero no mundo, forte influência do techno e pitadas de progressive dark.
a Blue Tunes Records, e integra o casting da Season Bookings, garantindo
marcantes apresentações em diversas festas e festivais. “Vou contar em primeira mão, porque até agora não divulguei em nenhuma rede
social. O álbum vai se chamar Lost Paradise.” De acordo com o artista, algumas
Mas antes disso acontecer, já vinha sendo observado pelo DJ e CEO da agência, músicas já estão sendo testadas em pistas de diversos lugares do Brasil, presentes
Vitor Falabella. “Conhecia o Thiago e notava o seu grande potencial. No tempo em sets de grandes DJs e recebendo um retorno bastante positivo dos fãs.
correto, nos envolvemos profissionalmente em 2016. Hoje, ele é uma realidade
no cenário nacional e um dos nossos objetivos é expandir cada vez mais o O novo álbum marca o aniversário de cinco anos de GroundBass e ele tem muitos
alcance desse talento, inclusive no exterior”, revela Vitor. motivos para comemorar. Mostrando uma constante evolução, várias conquistas
já foram alcançadas em sua carreira. Entre elas, apresentações na XXXPerience
Há cerca de seis anos, Thiago entrou no universo da produção musical. Suas e no Green Valley. Ter participado em três edições do Universo Paralello, também
faixas têm influências de seus gostos pessoais, que incluem Captain Hook, é muito especial. Um dos meus maiores sonhos já concretizei, que é viver da
Sphera, MVMB, Freedom Fighters e amigos brasileiros. Além de ter crescido música. Não há realização maior do que essa”, afirma.
ouvindo Pixel, Wrecked Machines, Infected Mushroom, Krome Angels, Xerox
Illumination, GMS, Cosmonet, entre outros, é também fã de Shanti e Eskimo, que Mesmo com todo esse sucesso, o artista tem focado em produzir e levar o seu
ele acredita terem revolucionado a cena do psy trance no ano de 2010. som o mais longe que conseguir. Meu maior foco é levar a felicidade através
da música, e não vou descansar enquanto não ver ainda mais pessoas com o
Para manter o ritmo de bons lançamentos, investe de seis a oito horas de sorriso no rosto e dançando como se não houvesse amanhã”, finaliza. Se isso é
estúdio por dia e, dependendo da inspiração, até dez. “Ultimamente estou com um plano futuro, é melhor planejar os próximos, pois, com certeza, Thiago Ramos
um problema sério no meu sono e tenho acordado bem tarde. Então, quando tem conquistado cada vez mais o seu público. ■

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REVIEW

LOLLAPALOOZA 2018
O festival que não para de crescer — especialmente no palco eletrônico

POR Jode Seraphim e Bruna Antero (A melhor balada) FOTO Gui Urban

Em seu sétimo ano no Brasil, o Lollapalooza 2018 criou muita expectativa nos maiores atrações, responsáveis por fechar o festival, cumpriram seu papel e
fãs ao anunciar a maior edição de todos os tempos. Com três dias, um a mais empolgaram o público.
do que nos últimos anos, o festival precisou se reorganizar para oferecer uma
experiência ainda melhor para o público. E na entrada já foi possível sentir que a Outra novidade foi a disposição dos palcos Onix e Axe, que dividiam praticamente
organização tinha se preparado. As filas praticamente não existiam, e o fato de o mesmo espaço, intercalando os horários das apresentações. Na sexta, quem
ter contado com três acessos distintos ajudou muito para que isso fosse evitado. assistiu LCD Soundsystem pôde curtir bem de perto a banda, que fazia uma
performance incrível, e ver Mac Demarco logo ao lado.
Quem escolhia a entrada principal dava de cara com o novo Palco Perry, que
ocupava um espaço muito maior que em edições anteriores. Para amantes da No sábado um dos shows mais comentados foi Imagine Dragons, que apesar de
música eletrônica, como nós, essa mudança foi extremamente bem-vinda, já todo entusiasmo da banda, deixou o público que estava mais para trás insatisfeito
que no último ano diversos shows tiveram lotação máxima e muitas pessoas não por problemas de volume no som — que não chegava para todos que estavam no
conseguiram entrar para ver alguns de seus DJs favoritos. local. Quem preferiu continuar por ali conferiu Kygo em seguida, que também fez
um dos sets mais animados do festival. No domingo a dobradinha foi de Lana del
No fim do primeiro dia, quando a dupla Galantis fechava o set, e Alok se preparava Rey e Wiz Khalifa: a primeira com suas músicas melódicas que ecoavam em coro
para tocar, foi possível perceber que realmente espaço não era problema. Uma pela plateia, e o segundo com seu jeito irreverente no palco Axe.
multidão esperava os sets mais aguardados sem muvuca, o que aconteceu também
com DJ Snake e Hardwell — para muitos, o headliner de todo o festival. Outro Apesar dos problemas do Palco Onix, e de reclamação da maioria do público
destaque eletrônico foi a forte presença da bass music, representada nos shows com relação aos valores cobrados, o Lolla mostra que vem crescendo de maneira
de NGHTMRE, What So Not, Alison Wonderland, Yellow Claw e muitos outros. sustentável. Para um evento que teve ingressos esgotados em dois dos três
dias, surpreendeu pela quantidade e agilidade nos caixas e bares, assim como
Já o palco Budweiser se manteve cheio durante quase todo o dia. Algumas na expansão do Chef’Stage. Porém, o destaque dessa edição, fica por conta
apresentações surpreenderam, como Chance the Rapper e Anderson Paak, da melhoria do espaço Perry, que mostra uma maior atenção aos fãs de música
que mesmo durante o dia animaram os que estavam por ali. Mais uma vez as eletrônica, público que aumenta cada vez mais dentro do festival. ■

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CENÁRIO

DE MINAS
PARA O MUNDO
Uma das principais agências de agência em meados de 2014 e, desde o início, confiou no serviço oferecido. Ainda
para o primeiro semestre de 2018, foram fechadas gigs na Áustria, Dinamarca, México,
DJs do Brasil, a Season Bookings Canadá e Alemanha. “Gosto de reforçar que atrás da carreira de um artista não existe

tem no casting diversos nomes de apenas uma, mas várias pessoas envolvidas, que trabalham duro nos bastidores e
fazem toda a diferença. Já estou no meu quinto ano na Season Bookings e devo
destaque nacional e internacional muito a todo o staff pelo meu crescimento no nível nacional e internacional.”

É claro que uma agência sozinha não faz milagre. Ela conta com a dedicação e
empenho do artista para auxiliá-lo nesse mercado cada vez mais profissional e
POR Luiza Serrano FOTO Leandro Quartiermeister repleto de novos nomes. Neelix, um dos principais destaques do trance mundial,
foi um dos primeiros a entrar na SB e sabe muito bem sobre a necessidade da
Prestes a completar 10 anos, a Season Bookings já pode comemorar o parceria que se deve ter com o artista. “A partir do momento em que se tem um
amadurecimento da agência e dos artistas que fazem parte do casting. Atualmente, a manager, você deve confiar na expertise dele e não tentar controlar o trabalho feito.
família SB é formada por 63 nomes da música eletrônica, de estilos e personalidades As decisões são tomadas com sabedoria e pensamento a longo prazo, e não só por
diferentes, que se apresentam por todo o Brasil e em turnês fora do país. razões financeiras. O Vitor sempre teve um plano para mim e eu nunca questionei
as decisões que foram tomadas, pois ele é muito bom nisso. Várias agências vêm e
Quem está à frente dela é o empresário, e também DJ, Vitor Falabella. “Quando vão porque as prioridades escolhidas são erradas”, conta.
iniciei a caminhada, em 2009, com o meu ex-sócio Max Mendes, foi uma
oportunidade aliada a necessidade de artistas emergentes em terem alguém
de confiança para administrar esta demanda de apresentações”, explica. Hoje, a
missão de orientar e descobrir novos talentos se tornou uma das características
Muitos motivos para comemorar
Consolidada no mercado, mas consciente sobre a necessidade de inovar e
marcantes da Season. Prova disso, são os nomes revelados ao mundo por meio
se desenvolver sempre mais, é presença confirmada nos principais clubs e
desse trabalho, com alguns ainda agenciados e os que por ela passaram: Alok,
festivais brasileiros, à exemplo de El Fortin, The Garden e Green Valley; além
Vegas, Ruback/ Dubdogz, Mandragora, Rrotik, Shapeless, Devochka, Dirtyloud,
de showcases na Clash, Deputamadre Club, Danghai, entre outros.
FTAMPA, Harmonika/ Darth&Vader, Capital Monkey, Bhaskar/ Logica, entre outros.

Com sede em Belo Horizonte, realiza eventos na cidade desde quando foi
Se os mineiros comem quieto, podemos dizer que essa turma tem feito barulho.
fundada. O primeiro deles foi a Summer Edition, iniciada em 2010. A demanda
Com a experiência de mercado e buscas frequentes para management, a agência
crescente propiciou a criação da Label Party, que já conta com edições nas
expandiu o seu leque de atuação. “Ao longo dos anos, investi muito na minha rede
cidades de Campo Grande, Curitiba, Joinville, São Paulo, Porto Belo, Vitória,
de contatos e adquiri experiência tocando em vários festivais no mundo, participando
e acontecerá, pela primeira vez, em Recife, no mês de maio.
também de conferências como o WMC e ADE, desde 2010. Hoje, me orgulho em
ter atraído o interesse não só dos talentos brasileiros, mas também de importantes
O SB Trance Club, criado para divulgar o casting da agência e unir música
nomes da cena mundial para gerir as suas carreiras por completo”, finaliza Victor.
com futebol, também virou selo de festa. A “partida inaugural” será realizada
em junho, em São Paulo, e seu formato poderá circular por todo país. ■
Essa entrada no mercado fora do país também contribuiu para o aumento dos tours
internacionais, beneficiando todo o casting. O DJ produtor Vegas entrou para a

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ENTREVISTA

WE ARE CLUBBERS
Com conquistas importantes ao longo da carreira, o projeto Clubbers
colhe os frutos de uma fusão bem-sucedida de diversas influências
POR Breno Loschi

Autores de uma das faixas mais esperadas do final de 2017, Como despertou a vontade de cada um de estar na música eletrônica? Ou, então, encontro um vocal e aí decidirmos se daremos prosseguimento ou passaram e, no final de 2016, fizemos um remix para “Wild Kidz”, com o nosso
Bozito: Antes de ser DJ eu frequentava várias festas de música eletrônica, não. Sobre a carreira, a gente planeja e discute tudo junto, mas fico mais à amigo ANICIO, que caiu no gosto da galera e dele também.
“Memories”, collab com Vintage Culture, Bozito e John Patrício
pesquisava muito sobre os artistas que iam se apresentar e os lançamentos frente na parte burocrática, contato com a agência e marketing.
são os nomes por trás do projeto Clubbers. DJs produtores e
deles. Depois fui tendo curiosidade sobre como era tocar. Baixei o virtual DJ no Minas Gerais está cheia de bons produtores! Quais nomes têm chamado a
amigos, o duo chegou ao top #10 viral Brasil do Spotify e top #2 computador do trabalho e ficava lá por horas tentando mixar as músicas sem ter Quem são suas maiores referências dentro da música eletrônica? atenção do duo?
no Beatport em menos de uma semana com este lançamento nenhum conhecimento sobre a técnica. Até que em 2009 enchi tanto a paciência Bozito: Gosto muito do som do Chris Lake, CID, Damien e outros que nem são Aqui na terra do pão de queijo (risos) temos ótimos nomes, à exemplo de
pela Spinnin’ Records, que contou com suporte de artistas do DJ residente do club que eu trabalhava, que ele me ensinou a tocar. tão famosos ainda. Não vou citar nomes para não roubarem minhas fontes de Dubdogz, KVSH, Woo2tech, Joy Corporation, Breaking Beattz, Devochka,
internacionais como Martin Garrix, Dimitri Vegas & Like Mike, pesquisas (risos). Sou bem eclético no meio da música eletrônica, escuto do Shapeless, Rrotik, Digitaria e FTAMPA. Não podemos esquecer de alguns
EDX e Sam Feldt John: Em 2008 descobri algumas rádios online e uma delas estavam recrutando deep house até progressive trance. nomes como Sam Marques, ANICIO e Talking Dirty, que também estão vindo
novos DJs. Me inscrevi e fui selecionado logo no primeiro set que fiz por com tudo. É muita gente boa!
streaming. A galera que estava online curtiu bastante e falou super bem! Acho John: Como vim do “EDM”, a maioria das minhas influências são de lá. Posso citar
Ao longo da carreira já remixaram oficialmente a banda
que foi nesse momento que fiquei maravilhado pela profissão e decidi que faria muitos artistas nos quais me espelho, mas acho que o número um seria o Zedd. Quais são os clubs e festivais que vocês têm mais vontade de serem
mineira Jota Quest, trabalharam em estúdio ao lado de Joy isso dali pra frente. escalados?
Corporation, fizeram a sua própria versão, em parceria com A faixa “Memories” teve grande repercussão, tanto nas pistas quanto na Cada club/ festival tem suas peculiaridades, e isso é o que torna cada festa
ANICIO, da faixa “Wild Kidz”, de RICCI e Vintage Culture — que Atualmente vivem apenas da música, ou exercem alguma outra atividade? carreira do Clubbers. Como foi o processo de criação dela até chegar na única. Caso fosse possível, tocaríamos em todos; mas como querer não é poder,
passou a fazer parte dos sets do próprio artista. “Get It”, “Love Bozito: Hoje, graças a Deus, consigo viver somente de música, mas nem Spinnin’ Records? se tivéssemos que optar entre três clubs escolheríamos Green Valley, Laroc e El
to Edit” e “Marrakesh” são algumas das músicas lançadas sempre foi assim. Quando comecei a tocar trabalhava na função de produtor Foi como o de qualquer outra música. A gente tinha um vocal e começamos a criar Fortin. Os três festivais seriam Lollapalooza, UMF e XXXPerience.
recentemente e que caíram no gosto do público. de eventos e como representante de uma marca de energético. Fazia muitas algo em cima disso. Nesse dia o Igor e o Caio, que são nossos amigos, estavam
festas no Deputamadre Club, em Belo Horizonte. no estúdio. O Caio gravou a guitarra, depois o John criou o lead principal do drop Quais foram os momentos mais marcante que vocês vivenciaram quando
e por aí foi. Fizemos várias versões até chegar em uma ideia legal. Mandamos decidiram seguir no ramo da música eletrônica?
Parceria que teve início quando os dois tocavam e produziam John: Trabalhei durante cinco anos em um escritório comercial, até o dia em que para o Lukas Ruiz, e ele deu os ajustes finais, entrando em contato com a Spinnin’, Apesar do projeto ter pouco tempo de estrada, já tivemos vários momentos
em projetos próprios e se encontravam em eventos de música percebi que dividir minhas energias em duas funções, ao mesmo tempo, não estava o que acabou proporcionando o suporte de vários nomes importantes da cena. marcantes. A primeira grande festa que tocamos com mais de 10 mil pessoas;
eletrônica e festas de amigos em comum. Luiz trouxe na me ajudando a alcançar meus objetivos. Pedi demissão e fui em direção a música. nossa entrada na Plus Network; e a mais aguardada de todas: a estreia na pista
bagagem referências do deep house, e John entrou com a Mas como tiveram contato com o Vintage Culture e como ele deu suporte principal do Green Valley, que será em julho.
influência do EDM e future house. A união destas diferentes Conte-nos um pouco mais sobre o entrosamento da dupla. O quanto de cada para vocês?
vertentes ajudou muito no crescimento da dupla, resultando um é essencial tanto na hora da produção, nas gigs e na carreira em si? A primeira vez que tivemos o suporte do Vintage foi em 2014, com o nosso Depois de um 2017 incrível, o que podemos esperar do Clubbers para 2018?
Bozito: Ficamos de terça a sexta produzindo e nos finais de semana viajando primeiro trabalho, que é um bootleg da faixa “Latch”, do duo Disclosure. 2018 vai ser de desafios para a gente. Estamos focados em criar novos sons e
em várias conquistas, como a presença na 13º edição do
para tocar. Passamos mais tempo juntos, no estúdio que fica na minha casa, do Mandamos o link por e-mail, sem saber se aquele endereço realmente era buscando crescer cada dia mais na cena eletrônica. Temos algumas músicas
Universo Paralello e no Só Track Boa.
que com a nossa família. É praticamente um casamento (risos). Na maioria das o oficial. Um dia, mexendo no Instagram, vimos que estava tocando a nossa prontas e estamos fazendo outras novas. Já posso adiantar que a nossa collab
vezes, o John começa algo do zero na cabeça dele e depois vamos lapidando. música em todos os sets. Ficamos eufóricos com aquilo. Alguns anos se com o Dubdogz é uma grande aposta para esse ano. ■
Como despertou a vontade de cada um de estar na música eletrônica?

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ENTREVISTA

IDENTIDADE PRÓPRIA
Duo Breaking Beattz fala sobre carreira, produções e projetos atuais

POR Breno Loschi Lauro Viotti e Rafael Zocrato são os nomes por trás do Breaking Beattz. A dupla
mineira agenciada pela Plus Network, que une talento e experiência adquirida
em caminhos distintos, apresenta faixas de forte identidade própria. Com
músicas lançadas por selos relevantes mundialmente como Bunny Tiger, Mix
Feed, House of Hustle, UP Club e Elevation, o projeto tem se destacado na
cena de música eletrônica nacional, através de colaborações importantes com
Chemical Surf, Sharam Jey e outros artistas. Entre horas no estúdio de segunda
a sexta, e gigs nos finais de semana, conversamos brevemente com o duo.

Como nasceu a vontade de estarem na música eletrônica? É no estúdio que


vocês passam a maior parte do tempo?
Começamos como DJs na mesma época, por volta de 2010, e o projeto surgiu
em uma conversa informal no Club Deputamadre, numa das várias noites que já
fomos lá. Desde então, começamos a nos encontrar a fim de criar algo que fosse
a nossa identidade musical. Não temos um momento definido para o processo
criativo, mas se calcularmos o tempo de trabalho por semana passa facilmente
das 40 horas entre estúdio, gigs, redes sociais e demais compromissos.

“Don’t Stop” e “Get Low”, lançadas pela Bunny Tiger, foram duas collabs de
sucesso com a dupla Chemical Surf. De que forma elas surgiram e chegaram
até Sharam Jey?
Foi durante nossas sessões no estúdio em março e abril de 2017. Nessa
época a gente já conhecia o Luca e o Hugo, e tínhamos vontade de
desenvolver algo juntos também. Enviamos a eles algumas ideias e foram
justamente essas as que mais gostaram. Após trabalharem em cima disso,
mostraram ao Sharam Jey, que além de ter curtido, se dispôs a colaborar
em ambas. Ele deu os últimos ajustes e no fim do ano passado passamos a
tocá-las, o que nos proporcionou um salto importante na carreira.

O “Bass de Vagabundo” é um podcast surgido recentemente. Em que se


inspiraram?
Foi a partir de uma brincadeira que fizemos para explicar qual era a pegada do
nosso som: como os vocais de hip hop são bem presentes, resolvemos inventar
essa “definição”. Acontece que aos poucos a parada foi pegando e muita gente
se identificando. Aí veio a ideia do podcast para poder incluir algumas faixas
ainda não lançadas e também outras que gostamos de tocar. É um set feito pra
galera que curte nosso estilo e quer ouvir novidades em primeira mão.

Diante de um mercado cheio de novos DJs, como é feito o trabalho para se


destacar e ser original ao mesmo tempo?
Tentamos fazer um som que a pista possa curtir, mas que se distancie um pouco
do que já está rolando, pois assim podemos chamar atenção de um público
que esteja procurando algo diferente. E foi com esse objetivo que conseguimos
criar nossa identidade, e é nela que acreditamos e trabalhamos todos os dias.

Vocês já lançaram por diversos selos. Quais ainda têm vontade de assinar?
As faixas que produzimos são a mistura de muitos sons que ouvimos em
diversas gravadoras, à exemplo de CUFF, Dirtybird, Confession, This Ain’t
Bristol, Box of Cats, Night Bass..., sendo verdadeiras inspirações e referências
pra gente, fazendo com que a vontade de lançar por estas surja naturalmente.
Algumas já temos mais liberdade e abertura para enviar nossas produções e
então essa meta tem ficado mais próxima.

Qual o maior sonho de vocês e as próximas novidades?


Estar no line-up dos maiores festivais do Brasil e quem sabe também do exterior.
Lançar nossas faixas nas labels que admiramos e o mais importante: ter uma
carreira sólida e duradoura. Estamos com muitas músicas prontas para serem
lançadas e alguns novos collabs em desenvolvimento. O ano de 2018 está sendo
especial, pois vamos tocar em lugares que sempre sonhamos e outros que nem
imaginávamos que estaríamos tão cedo por lá. Fiquem ligados! ■

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COLUNA

DJ | PRODUCER
SINGER | SONGWRITER

A MÚSICA
CURA A ALMA
Godog conta como a música passou dá é isso: você se obriga a ser resiliente. Sou muito grato por tudo, mas entendo que
meu lugar não é aí. Boa parte do mundo vem acompanhando essas novas ideias
a ter papel principal na sua vida que estão em sintonia com a liberdade de ser e estar. Sempre enfatizo a importância
do caráter social de festas, pois são nelas que se recarrega as energias depois de
uma semana enfadonha. E quando você dança do lado dos mais diferentes tipos de
POR Jennifer Didjurgeit FOTO Maik Schrank pessoas, isso cria um laço humano. Precisamos de mais disso no mundo.

Existe algo que não tenha sido contemplado nessa sua caminhada?
Marcelo Godoy, ou Godog, é um artista independente paulistano que vive atualmente São meio que duas vertentes de exposição dentro da música eletrônica, principalmente
na Alemanha e já se apresentou de forma orgânica em clubs como D-Edge e Vibe, a underground: produzir festas e/ou lançar músicas. Parei de fazer festas em 2014,
além das festas Mamba Negra e Troop. Na Europa, teve gigs nos clus londrinos porque me desgastava muito e quase nunca conseguia entregar um set bacana. Sei
Cafe 1001, Egg e Pacha; e em Berlim, nos clássicos Club Der Visionaere, Chalet, que quem me contrata é porque gosta do meu som e sabe da minha pesquisa, mas
Hoppetosse e outros. Em muitas dessas festas, esteve ao lado de expoentes mundias sou consciente que hoje tenho menos gigs por não ter um evento próprio.
como Fred P., Ian Pooley, Bill Patrick, Audio Werner, DeWalta, Bella Sarris e Voigtmann.
Protagonismo este que, aliado também as colaborações para mídias especializadas, Então, o reconhecimento que teve até hoje se deu por conta de sua pesquisa?
justifica sua presença no segundo capítulo desta nova coluna da House Mag, que irá Com certeza. Amo techno, house, minimal, dub, electro e todo o universo ao redor.
apresentar a cada edição profissionais que ajudam a movimentar o cenário musical Meu principal ponto é não ficar estigmatizado como um DJ de um único estilo. Meus COLLABS WITH:
em que estão envolvidos. heróis são ecléticos e vejo música sob a mesma ótica liberal que encaro a vida.
CHEMICAL SURF, BRUNOBE, SHAPELESS, DUBDOGZ
O que te fez escolher a música e sair de São Paulo? Você acha que isso talvez confunda os contratantes?

REMIXED BY:
Um senso enorme de inadequação e não pertencimento. Nestes anos fora do Brasil, O que aprendi nesses anos é: contexto. Pesquiso sobre a festa que vou tocar e
perdi o florescimento ao qual a cena se encontra hoje. Mas não foi só essa a razão os artistas do line-up em que estou. Recentemente encontrei amigos de núcleos
por eu ter procurado outra cidade. Meus amigos haviam parado de falar comigo por diferentes em uma festa, e um deles falou que eu devia parar de tocar techno, na VINTAGE CULTURE, KVSH, MANDRAGORA, GUSTAVO MOTA
eu ser homossexual. Entrei em depressão e foi assim que comecei a sair sozinho em frente de outro (do techno), que respondeu: “Mas ele é do minimal”; o que prova que
São Paulo. Não é exagero dizer que a música salvou a minha vida. Londres foi minha os dois estão errados, pois toco o que achar que devo e na hora que julgar correta.
primeira vivência internacional e pude estudar produção de música eletrônica. Não levanto bandeira dentro da música, pois quero ser surpreendido, arriscar e sair OUT SOON:
da zona de conforto. Acho que a galera deveria se misturar mais… Em Berlim as
CAT DEALERS, GABRIEL BONI, FELGUK, BRUNO MARTINI E OUTROS
Então qual sua relação com o Brasil? Existe algum trauma? pessoas rotacionam com maior frequência entre clubs e festas.
Existe uma ferida cicatrizada. Hoje fala-se muito em representatividade de lutas e
movimentos. Boa parte das pessoas, pelo menos nos grandes centros, tem a mente Alguma consideração final?
mais aberta e receptiva. As novas gerações estão dando um baile de consciência — Quero deixar como pensamento que se a música cura, quero ser curandeiro também.
é bonito de ver. Hoje a relação que tenho com minha terra natal é mais madura: me E é nisso que estou interessado: poder propiciar momentos de transe coletivo. Muito
considero um primo distante, visitando de vez em quando. Uma coisa que Brasil nos obrigado pelo espaço e oportunidade. ■

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OPINIÃO

CRISE DE IDENTIDADE
Precisamos falar sobre o “pós-EDM”!

POR Lucas Arnaud

Tem sido difícil definir quais estilos musicais atualmente compõem o movimento dos nomes mais expressivos do “progressive house”, mas hoje admite que o deixou
que passamos a conhecer por “EDM”. A isto, me refiro a um conjunto de vertentes de lado para focar no pop-music). Outros, como Porter Robinson (no projeto Virtual
da dance music — a exemplo do electro, big room e progressive, dentro do gênero Self), adotaram produções musicalmente maduras, procurando autenticidade
house — que se tornaram amplamente populares no mundo, tendo gerado todo um estilística. Portanto, não há mais hegemonia de poucos estilos, surgindo uma nova
mercado de crescimento explosivo desde o final da década passada. Em paralelo realidade na qual várias vertentes coexistem no mainstream da música eletrônica.
os eventos se expandiram, cativaram um maior número de fãs, agregaram valor; no
entanto tornaram mais inflado e irrealista o cachê dos maiores artistas envolvidos. Em 2017-2018, começam a se tornar comuns críticas à falta de foco estilístico e aos
Após o “boom” (entre 2011-2014), chegou-se em uma fase na qual notava-se nomes que renegaram as próprias raízes. Alesso chegou a bater boca com um fã
esgotamento da repetição dessas fórmulas musicais. que ridicularizou suas produções atuais. Já Tiesto afirmou numa entrevista que não
está satisfeito com a cena e que se deveria “voltar ao básico”, referindo-se aos DJs
Começou-se a discutir, já no final de 2014, o EDM como uma bolha econômica — que “fugiram” para o pop. Porter Robison opinou também: “artistas deixaram de ser
que se tornaria inviável do ponto de vista financeiro. Notícias como a falência da ousados e apaixonados desde a convergência do EDM com o pop”. E Calvin Harris
SFX (empresa responsável pelo Tomorrowland na época) e a venda da Spinnin’ anunciou que iria voltar a produzir house music nos tradicionais 128 BPMs. O que
Records para a Warner, em agosto de 2017, validavamesta visão. Apesar disso, a isso tudo nos diz?
esperada “explosão da bolha” acabou por nunca ocorrer, e os grandes festivais
continuam firmes e fortes. Mas houve um custo: para minimizar danos econômicos Pode-se dizer que, talvez, já se forma embriológicamente uma mentalidade “pós-
e gerar menor dependência dos restritos estilos que o compunham, produtores, pós-EDM”, na qual fãs clamam pela volta da identidade tradicional da dance music
gravadoras e empresários precisaram mudar de estratégia, investindo em uma e maior fidedignidade dos artistas a suas origens. E fala a favor disso o retorno
maior diversidade sonora. do Swedish House Mafia, que parece estar novamente comprometido com o
“progressive house” mainstream — ao mesmo tempo em que o palco principal do
E foi nesse contexto que surgiu o “pós-EDM”, termo criado numa postagem do Tomorrowland 2018 volta a priorizar bigroom/ electro/ prog, se comparado com a
artista A-Trak, em 2014, em que ele alerta sobre a saturação e a necessidade de um edição de 2017; e a Spinnin’ a lançar estilos aos velhos moldes, com artistas como
renascimento criativo na cena. Ele foi preciso na análise: não bastaria a produção e Ummet Ozcan produzindo bigroom.
reprodução de poucos estilos, o contexto pedia diversidade e maturidade musical.
O fato é que o movimento permanece numa crise de identidade. Enquanto muitos
Em 2016-2017, festivais como o Tomorrowland quebraram a hegemonia até então procuram novas referências, outros, como Porter Robinson e A-trak, já mataram a
dominante, confirmando artistas de techno e trance clássico em horários nobres charada: o futuro do dance music mainstream pertence a aqueles que produzem
do palco principal. Warner reformula a Spinnin’ — que antes tinha claro enfoque o que amam, livres das amarras criativas e dos estigmas que uma defasada, falha
no electro/ bigroom/ “progressive” e passa a sons diversos como bass music e e imprecisa nomenclatura possa gerar. Por fim, cabe a nós responder: “Estamos
hip-hop. Muitos trocaram sonoridades saturadas por novas vertentes (Alesso foi um entrando em um capítulo pós-EDM?” ■

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ENTREVISTA

EM PLENO VAPOR Em passagem recente pelo Brasil, Luciano nos concedeu uma entrevista
exclusiva em que compartilhou sua visão sobre a cena na América Latina

POR Gabriela Loschi

Após três horas de set houseado e caloroso em pleno verão brasileiro, amadureceu, a música se tornou mais popular, tem mais lugares e DJs. Adoro vir de sua própria terra. Precisei ir embora do Chile para me acharem bom. Saía, Você sempre apoiou muito novos artistas. Que tipo busca hoje para o seu selo?
apimentado pelo ritmo latino que tanto enriquece seu estilo, o ambiente foi para América do Sul. É um dos lugares que mais gosto de visitar e me sinto em tinham muitos artistas ótimos, mas vinha alguém de fora e davam mais valor. Isso Nós precisamos de pessoas e de música que tenham um brilho especial. Procuramos
tomado inesperadamente por uma das batidas mais famosas da história da casa, porque amo as pessoas, a vibe, várias coisas acontecendo, after-parties, é uma bobagem, pois talento nada tem a ver com a bandeira que você carrega. quem tem a música como o próprio universo. Pessoas que não estão tentando ser
dance music. Nenhum dos corpos suados naquela bela noite de janeiro, em novos artistas. Na Europa existem diversas regras: não pode fazer isso e aquilo... Sei que ainda é difícil e tem muita luta, mas meus amigos de lá reclamam que como a gente é, como eu sou, mas que estão sendo quem eles são.
Florianópolis, esperava uma virada dessas. Ao final de 180 minutos de frenesi, a aqui sinto que existe muito mais liberdade. ninguém os reconhece. Não posso dizer com propriedade, porém é o que ouço.
pista voltou para 1999 explodindo em saltos e gritos: “Superstar DJs, here we go”. Seu destaque, tanto pelas produções como pela discotecagem, sempre foi algo
Por que sente que aqui tem mais liberdade que na Europa? Quando começamos a música eletrônica no país não havia nada: nós criamos a latente. Qual dos dois formatos te traz mais satisfação?
Ser um DJ com mais de 20 anos de carreira, responsável por ajudar a construir Por exemplo: é possível acessar mais lugares pra fazer festas. Tenho amigos cena e essa era a motivação. Não éramos movidos por reconhecimento, e sim por Separo muito bem essas duas coisas e tento fazer melhor as duas partes. Para
uma das cenas mais sólidas do nosso continente, a chilena, embaixador de Ibiza no Chile fazendo afters nas florestas, e nada atrapalha. Ibiza era assim 20 criar algo novo. Hoje tem muita coisa acontecendo e a galera não percebe que mim DJing é uma grande conversa com as pessoas. É um momento coletivo, uma
e dono de um selo extremamente respeitado no universo da música eletrônica, anos atrás. Você podia ir nas praias e fazer algo especial pras pessoas; mas nem sempre foi assim. Tem redes de pessoas criando festas em diferentes lugares. conexão com os outros. Já quando produzo música, faço pra mim. Coisas que gosto,
Cadenza Music, ajuda a ter o feeling de pista necessário para saber o momento agora é impossível, pois existem muitas regras. Claro, quando há liberdade, há Naquela época, quando fui tocar música eletrônica pela primeira vez em uma cidade não necessariamente dance music. Pode ser música ambiente, leve ou de diferentes
preciso de encaixar — no caso encerrar — com a clássica das clássicas do criatividade. A liberdade cria a criatividade, novos artistas, etc... no norte do país, cheguei no club e o dono me deu o fone de ouvido, um microfone gêneros. Faço o que realmente quero fazer e sou bem egoísta nesse sentido.
Chemical Brothers, e ainda assim surpreender, sem cair em clichê, fazendo todos e disse: “Você vai tocar aqui hoje e convidar as pessoas para uma cerveja. Vou te
descarregarem com prazer o resíduo de energia restante. E nesse sentido, Ibiza ainda está te inspirando? A cidade faz parte de um grande dar uns ingressos para vender”. Pensei: “tá louco?!” Acho que ele não entende o que Nesses anos todos, o que te deixa mais irritado na cena?
papel na sua carreira... faço. Me expulsaram e fiquei sentado na parte de fora, num deserto. Precisei olhar Na verdade, é o fato de essa nova geração não ter tanto respeito, pois antigamente
Três horas antes da pista do Terraza se embebedar com o jeito Luciano de Tudo o que já fiz e faço é importante, ao meu ver. Minha missão na vida é fazer onde passava ônibus para poder voltar... Então existe uma grande distância entre o existia algo muito aguçado e sério. Por exemplo, meus mentores são os veteranos
discotecar, estávamos com ele no camarim (que chegou em cima da hora, devido música, entreter e levar boas vibes para as pessoas. Seja num club pequeno que rolava e o que está acontecendo agora. Acredito que é uma questão de tempo. de Detroit e Chicago. Antes poderia levar anos para termos oportunidade de tocar
a um engarrafamento) batendo um papo de 10 minutos, que se transformou na ou grande festival, a importância é a mesma. Não dá pra lutar com o tempo, as com eles, sendo um grande momento na carreira de qualquer artista. Hoje a cena é
entrevista que você lê a seguir: coisas mudam, é a evolução... Realmente estou mais velho (risos) e essa é a única Quando começou a criar a cena chilena, o sentimento foi parecido de quando criou tão rápida. Às vezes vejo alguém que acabou de surgir e em menos de dois anos já
mudança. De resto são novas pessoas vindo pra ilha, e é isso. a Cadenza, há 15 anos? está viajando de jatinho. Acho que se perderam os valores um pouco, e outras coisas
Você foi capa da House Mag há oito anos e comentou na ocasião que a cena Sim. Na verdade, nós nunca pensamos em criar um label. Minha irmã é designer estão se tornando mais importantes do que realmente fazer música.
brasileira era interessante, porém pequena e sem muitas coisas acontecendo. Você foi uma peça importante para o desenvolvimento da cena chilena, no início gráfica, estava terminando os estudos no Chile e precisava fazer a monografia.
Quais as suas impressões daqui hoje em dia? dos anos 90, e me lembro de uma afirmação sua antiga de que não havia tanto Disse pra ela: faço a música e o vinil, aí você trabalha na capa e apresenta o Por último... temos tempo para mais uma pergunta? O que vem pela frente?
Fui embora em 2000 e me desconectei da cena aqui. Mas mantenho contato apoio aos artistas locais quanto para os internacionais que iam tocar lá. E hoje, isso projeto. Logo que saiu a primeira faixa muitas pessoas queriam saber e ouvir Estou produzindo um novo álbum, que será lançado em breve... * Infelizmente ele
com artistas novos que me atualizam. A primeira vez que vim ao Brasil acho mudou? É algo que melhorou da forma que esperava ou queria? mais. Houve um alvoroço! Não conhecíamos sobre finanças, pagamentos, precisou sair para tocar, pois já estávamos além do limite do horário. Ficamos curiosos
que já faz 17 anos, então claro que nesse tempo a cena cresceu absurdamente, Acho que é a mesma coisa que acontece com o Brasil: ninguém é o profeta contratos..., mas assim que começou. sobre o novo álbum, e aguardamos ansiosos! ■

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MERCADO

BRMC #10
Comemorando a décima edição, a
conferência se reinventou em todos os
aspectos. Através de uma série de ações,
Com o objetivo de transformar o Rio de Janeiro na Já estabelecida, em 2014 recebe, pela primeira dentre elas, a renovação da identidade
capital da música eletrônica, foi organizado durante o vez, a AFEM: uma associação internacional sem visual, se reafirma como a maior da
Carnaval de 2011 um festival que atraiu mais de 25 mil fins lucrativos criada para representar os interesses América Latina. Segundo Bruna Calegari,
pessoas. Movimentando cerca de R$ 20 milhões em comuns das companhias e indivíduos que investem, da agência Hot Content (empresa por
dois dias, a Conferência, naquele ano, também bateu advogam e aplicam a boa prática no mercado. trás do marketing do evento), “BRMC é

BRMC 10ª EDIÇÃO


recorde de público: cinco mil pessoas. Além disto, a Neste mesmo ano, mais de 30 estabelecimentos a separação final entre a conferência e o
curadoria artística aprimorou o conceito apresentando participaram do Club Week, oferecendo para o festival Rio Music Carnival, que acontece
dois palcos que reuniram Booka Shade, Trentemoller, público 150 festas e cerca de 600 atrações musicais. na Marina da Glória. Sempre foi um grande
Kaskade, Fatboy Slim e o b2b dos DJs Marky e Para inaugurar as atividades daquele ano, aconteceu objetivo de comunicação da marca, e
Murphy. Expandindo o evento em outros centros o Boiler Room Live from RMC, no Morro do Vidigal. finalmente com isso tornou-se possível
urbanos, “Road Shows” levou a marca para diversas esclarecer o que é cada uma para os
respectivos públicos”, afirma.
Realizada desde 2009, a maior conferência sobre música eletrônica da América capitais: Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis,
Fortaleza, Ribeirão Preto e São Paulo.
No ápice da “EDM” mundial, em 2015, é lançado o RMC
Colab: um projeto que leva a música eletrônica para
Latina segue proporcionando um meio para a discussão de temas importantes instituições periféricas do Rio de Janeiro. Atraindo mais Para 2018, um super Anuário foi preparado.
Focado nas tendências e inovações do
Ampliando a área de atuação, em 2012 a duração foi de 40 mil pessoas a Marina da Glória, nomes como
estendida para doze dias repletos de atividades. Com Afrojack, Dimitri Vegas & Like Mike e outros artistas mercado da música eletrônica e outros
mais de 60 atrações e sete noites de festa, representou internacionais se apresentam ao longo de 14 dias. gêneros conectados, Calegari aponta
POR Lucas Portilho de Faria Cunha FOTOS Ebraim Martini um marco na história do evento com o lançamento uma linha do tempo especial relembrando
do Anuário RMC: uma publicação que visa discutir e Em 2016, o evento foi marcado com a mudança de os melhores momentos do BRMC como
abordar o universo da música eletrônica através de sede: do Hotel Pestana para o Museu de Arte do Rio e um dos conteúdos desta publicação.
entrevistas, matérias especiais e um compilado de Museu do Amanhã. Com três dias de atividades e 1500 Além disso, mais de 400 marcas estarão
O objetivo de uma conferência é propor, durante um O RMC foi criado com o objetivo de oferecer ao
dados sobre o mercado. Um dos destaques dessa pessoas participando de painéis, teve como destaque envolvidas e serão distribuídas em painéis,
tempo específico, a discussão de diversos temas. público sete dias de workshops e feira de negócios.
estreia foi a “invasão” de festivais internacionais em a discussão da valorização da música eletrônica workshops, cursos e feira de negócios.
Atividades como palestras, workshops e cursos são Com sede no Rio de Janeiro, sua realização se deu
oferecidos no intuito de aproximar o público com o tema em um dos pontos mais icônicos da capital carioca: território brasileiro. Outra novidade foi o lançamento produzida nacionalmente. Além da edição principal,
do “Prêmio RMC”, a fim de reconhecer o trabalho as regionais tiveram modificações: a de Curitiba virou Questionada sobre a comunicação
central do evento. O Brazil Music Conference, antigo o galpão Marina da Glória. Estandes e atividades de
realizado por profissionais de 16 categorias. RMC Brasil e a de São Paulo se tornou América Latina. com o público, ela explica: “o BRMC é
RMC, é focado na discussão e aprofundamento do lazer permitiram que o evento tomasse fôlego, com
uma plataforma que existe por e para o
mercado e da cultura da música eletrônica. Organizado temas como a “Revolução Digital: da queda do Vinil
Devido o aumento da proporção do evento, é Em 2017 a conferência foi dividida em três cidades: mercado, retroalimentando o que está
desde 2009, é considerado como o principal e o maior à ascensão do MP3” e o workshop de discotecagem
decidido fracionar a “The Conference” e “The Music” Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro, reunindo acontecendo no presente, reunindo
encontro que abrange este nicho na América Latina. com, DJ Marky, estrearam o evento com maestria.
em espaços distintos: sendo as discussões sobre o novamente cerca de 1500 participantes e dezenas de visões distintas que podem apontar para
mercado, tecnologia e inovação realizadas no Hotel convidados que discutiram temas como: “How to Talk possíveis cenários futuros. Desde que
Paralelo a conferência, o Rio Music Carnival também Após o sucesso da primeira edição, o RMC criou
Pestana (Copacabana); e o festival permanecendo Milennial” (painel que tratou formas de se comunicar trabalho com a marca, em 2013, nunca
possui destaque como um dos eventos brasileiros o conceito de duas atividades principais: a “The
na icônica Mariana da Glória. Mais profissionais com o público da geração Y); “The Future Of Clubbing” tantos públicos foram contemplados.
mais importantes. Voltado ao entretenimento, o festival Conference” (formato principal, com workshops,
internacionais são convidados exigindo, assim, (uma conversa sobre o status da cultura clubber em Aglutinar e trabalhar isso é um desafio,
reúne fãs da música eletrônica na época de maior palestras e cursos) e “The Music” (reunindo grandes
maior responsabilidade dos organizadores. Em 2013, nível internacional); e “A música eletrônica além das mas infinitamente mais interessante do
efervescência nacional: o Carnaval. Agregando artistas atrações internacionais em um mesmo festival).
inaugura-se o Club Week: uma semana de atividades pistas — powered by Austro” (abordando a questão que há cinco anos, quando tínhamos um
renomados do mundo todo, já apresentou David Reafirmando-se como um encontro de referência
em casas noturnas cariocas para apresentar ao das plataformas de streaming para a proliferação de mercado menor e mais fechado.” ■
Guetta, Gui Boratto, Pete Tong, Armin van Buuren, Erick global, a segunda edição contou com a apresentação
Murillo, Steve Angello, Tocadisco, entre muitos outros. do maior torneio de scratching do mundo: o DMC. público o melhor do universo da música eletrônica. produtos artísticos fora da pista de dança).

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ENTREVISTA

PRESENTE
Além da questão logística, de que forma o BRMC se identifica com São Paulo?
São Paulo é o maior centro de negócios do continente e local do maior PIB na
economia da música no Brasil, contando com uma cultura de dance music rica, com
história e significado. O clima urbano, de megalópole, é atraente para os clubs e

E FUTURO
também para o estabelecimento dos festivais. Buscamos com esse movimento
nos aproximar ainda mais de outros países Latino-Americanos que são potenciais
impulsionadores de ecossistemas e negócios locais.

Em 2017 as principais conferências pegaram firme com relação a igualdade de


Claudio R. Miranda F, cofundador do gêneros. De que maneira o BRMC aplicou isso sobre a programação deste ano na
escalação de artistas e profissionais para apresentações e palestras?
BRMC, fala das novidades dessa edição Em 2018 a programação contemplará mais de 100 conteúdos e é formada por seis
seminários, em que as abordagens, temas e convidados de cada atividade são
desdobradas e se conectam, seja direta ou transversalmente. São estes: Somos
Latinoamerica, Music + Brands, Future Forum, Trending Topics, ShowBusiness e
Quais foram as inovações que a marca trouxe para o mercado nestes 9 anos? Art In Sound. O trabalho de compilação e coordenação é realizado por um time de
A principal missão da nossa plataforma é de, no continente Latino Americano, curadores e colaboradores do mercado, liderados pelo Gary Smith, Leo Janeiro e
oferecer o ambiente ideal para trocas de informações, geração de novos Maurício Soares. Penso que a questão de gêneros na música eletrônica, assim como
negócios, colaborações no mercado da dance music e do entretenimento ao própria atuação cultural deste meio, os movimentos políticos ou os temas nacionais
vivo. Acredito que muitas comunidades de valor na cadeia produtiva da música são assuntos, com mais ou menos foco, tratados no BRMC. Nas últimas duas edições
e do showbusiness se fortaleceram e prosperaram ao longo destes nove anos tivemos painéis com esse tema especificamente, e repetiremos a dose nesta também.
e tiveram no BRMC um aliado e agente impulsionador nas estratégias de É um assunto que, por necessitar de um equilíbrio maior em toda a sociedade, precisa
negócios e amadurecimento comercial. ser discutido para que diversos caminhos se formem e se apresentem.

TASIA
Como foi a transição comercial, estratégica e criativa entre RMC e BRMC? A música eletrônica é extramamente abrangente. Quais atividades foram

N
0 7 SET 2018 A
Sob a perspectiva comercial, penso que a formalidade dos negócios nas áreas desenvolvidas para os que apreciam diversas vertentes dentro desse gênero?

À F
criativas evoluiu muito nos últimos anos, mas ainda há um nível de informalidade Acredito que a diversidade encontrada dentro do ambiente da música

FES TA
grande em alguns setores, empresas e profissionais. Existir um encontro de eletrônica é o que a deixa mais atraente e estabelecida como o grande “guarda-
negócios no país, que reúna as principais marcas e os conteúdos do mercado, chuva” da indústria da música atualmente. É claro que há enormes diferenças,
acaba por ser uma oportunidade para representantes, profissionais e executivos se principalmente sob o ponto de vista comportamental e perfil de consumidor
apresentarem, buscarem novos negócios, atualizarem-se e desenvolverem formas de cada uma destas cenas. E isso é interessante para se discutir e trocar
inovadoras para comunicar-se neste ambiente. Na parte criativa, a nova marca foi experiências, pois há um rico viés cultural, ideológico e filosófico existente
concebida pela Diretora de Arte Leila Fittipaldi, a mesma que criou o design do RMC ao fazermos uma imersão em cada uma delas. Mas existe também os pontos
e vem nos acompanhando, desde 2009. Já o key visual e campanha é liderada em comum, a criação de modelos de negócio, operação, estratégia e outras
pela agência Hot Content, da Bruna Calegari e João Anzolin. Estou muito satisfeito! análises empresariais, que são comuns ao mercado como um todo. ■

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85
REVIEWS

LANÇAMENTOS GABRIEL MORAES WILIAN KRAUPP


HM RECORDS, HOUSE MACHINE, TIMELESS MOMENT POR Danilo Morttagua e Iael Meyer MEND GRAVITY
NIN92WO URBAN SOUL
Mend é um dos EPs mais importantes da Nin92wo. Com quatro faixas originais, “Kiev” Wilian Kraupp chega ao segundo lançamento em 2018 com o EP Gravity,
abre os trabalhos e é fruto de uma colaboração com o produtor francês Rafael Cerato. pela Urban Soul. A faixa que leva o título do trabalho transita entre techno com
“Holz” possui um kick mais denso e elementos distorcidos que o acompanham em pitadas progressivas, sendo ideal para warm up. “Injured Physically” carrega um
seu desenvolvimento. Já “Cycles” tem uma construção mais uniforme, sem grandes olhar dramático nos elementos, sendo levada por um ritmo intenso de baterias e
ZAC ELLIE KLOTZ picos ou surpresas. “Toro” finaliza com uma atmosfera mais melódica e progressiva. baixo curto. “Submission” é talvez a obra que tem mais peso dentro de todos os
Somadas, as características desse release espelham o que há de melhor nos artistas lançamentos do artista, com um olhar obscuro e toques de imersão, ideal para a
MOONLIGHT TAKING IT envolvidos. Alan Medeiros fase mais aguda da noite. Jonas Fachi
O ano de 2018 já começou a todo vapor para o DJ produtor ZAC ao receber três Ellie Klotz vem ganhando destaque em apresentações por clubs como Green Valley,
suportes seguidos de Hernan Cattaneo. Para o EP Moonlight demonstra algumas de Belvedere, Laroc, El Fortin, Matahari entre outros. Este ano a jovem pretende se
suas características no estúdio, com a faixa-título seguindo uma linha obscura, com destacar também no estúdio, com uma agenda de lançamentos construídos após
um baixo marcante e percussões precisas; enquanto “Astronomy” é conduzida por intenso período de estudos na arte da produção musical. A primeira faixa deste novo
uma harmonia precisa no bass line entre atmosferas inebriantes e arpegios hipnóticos. ciclo se chama “Taking It”, uma colaboração com 2owl lançada pela HM Records. MUMBAATA SEMPER VOLT
SON OF A GANDHY LEVE
BLACKYARD LOW TONE
A dupla formada por Lennox Hortale e Pedro Poyarte vive um momento intenso após Em uma interseção na qual coisas improváveis se encontram, este obscuro projeto
releases de destaque. A identidade sonora do novo trabalho faz referência a cultura paulistano encontrou seu lugar e criou um mundo de possibilidades musicais

HIPPOCOON DAMAZIO do Afoxé, ritmo que se tornou um alicerce nessa construção e que conta a história dos
filhos de Gandhy, um dos grupos de maior renome na Bahia. A faixa-título traz uma
bem singular. Semper Volt é a criação de um veterano da música eletrônica que
já fez parte de inúmeros movimentos e agora se encontra livre para experimentar
WHAT YOU GOT? TUNES percussão trabalhada entre o groove do atabaque, agbê e cabasas, que se intercalam manipulações rítmicas, contorcionismos melódicos senso de construção refinado. O
com os beats eletrônicos da 808 e 909 — clássicos da linha TR da Roland. As ótimas resultado é uma coleção de faixas que dialogam com o pop, mas sem abandonar os
Através de uma sequência de lançamentos de alta qualidade e um feedback de pista Lucas Damazio é produtor há sete anos e tem buscado aplicar os conhecimentos interpretações de Monobloq e Fractal Mood completam o EP. Maikon Willian fluxos de energia que orientam a música dançante da melhor estirpe. Chico Cornejo
bastante expressivo, o Hippocoon começa o ano com quatro ótimas faixas originais adquiridos em um projeto que passeia entre o tech house e o techno em suas
de tech house que apresentam muita atitude e personalidade. O EP intitulado What apresentações. O mais novo EP da carreira, Tunes, conta com as músicas “Fall” e
You Got?, lançado pela House Machine, traz quentíssimas linhas de baixo, envoltas “Stakes”, em que ambas possuem um bassline constante, acompanhado de efeitos
ao groove percussivo e dinâmico característico da dupla. Vale conferir! e sintetizadores analógicos — claramente produzidas para a pista de dança.
VAS NACIONAIS E EPS INTERNACIONAIS

MILLIDIU, LUC VAARIN,


PEDRO FLORIANI E
RAFAEL TEIXEIRA VA
UNCLOAK SONIC FUTURE HARMONIZED SERIES 001 COCADA
TERRAFIRME ONDULANTE DECK 1264 GET PHYSICAL
Formado pelo casal de produtores Tiago Lima e Cris Fernandes, o duo Uncloak Sonic Future conquistou grande notoriedade quando o hit “Regrets” recebeu o Tornado possível através do financiamento coletivo na plataforma Qrates, o EP Com uma capa híbrida entre o surrealismo e tropicália, Cocada — projeto do Leo
lança o primeiro EP solo pela Timeless Moment. Terrafirme começa com a hipnótica renomado prêmio RMC como melhor faixa do ano. Para Ondulante, seus synths Harmonized Series 001 será prensado levando o nome do selo baseado em Janeiro com a Get Physical — teve a participação de quinze artistas para criar uma
“Gayatheia”, seguida dos fortes tambores de techno que ecoam com poder em característicos e o sound design impecável estão presentes. A trilha homônima conta Florianópolis. Além de quatro faixas dos produtores brasileiros, ainda conta com mistura tão miscigenada quanto o Brasil em subgêneros da dance music. Destaques
“Cratos” e das harmonias complexas e emocionantes da faixa-título. Logo após a com um riff principal cativante embreado em atmosferas suaves e percussões precisas. uma inédita do romeno Sebastian Eric, intitulada “Vicii”. Neste trabalho encontramos para “BR-116” (colaboração de Mumbaata e Salata), com uma sobreposição de
estreia, alcançou o top 16 álbuns de techno e top 6 de progressive house no Beatport. Já “Sinuoso” é um techno com drop ideal para momentos de explosão na pista. desde o minimal house, com vocais que nos tele transportam a uma Chicago de nova ritmos que confunde e excita ao mesmo tempo; “10PM”, de Rodrigo Ferrari, é um
roupagem, passando por elementos de jazz, dub e deep house, até o minimal techno sucesso nos top 100 de deep tech do Beatport; e “Blaze”, de Leo e Mumbaata, foi
com kicks secos e atmosferas sombrias. Uma viagem que vale a pena. Carolina BW charteada por ninguém menos que Guy J. Merece nossa atenção! Alan Medeiros
EPS NACIONAIS

SASHA, DEMS, MICHAEL


COLORS SOUND SYSTEM TOM TRAGO MAYER, THEO KOTTIS
BINARYH THE ADVENTURES BERGEN TRUE - THE REMIXES
ÉOLO - PT 1 OF PAINTER JOE DEKMANTEL LATE NIGHT TALES
STEYOYOKE BLACK EKORD
Tom Trago já se tornou uma figura frequente e querida nas pistas brasileiras. Sendo Lançada em março, a faixa “True” de Sasha foi uma das obras inéditas apresentadas
O duo paulista Binaryh sempre apresenta um conceito diferente e criativo em seus A dupla Jota Wagner e Captain Wander, mais conhecidos pelo projeto Colors Sound um artista conhecido do público local após aparições memoráveis no D-Edge, em um durante seu concerto eletrônico Re-Fracted. O destaque fica para a reinterpretação de
lançamentos — e com o próximo não será diferente. Éolo é uma ode ao guardião System, chegou com tudo em 2018 trazendo o novo EP The Adventures Of Painter Joe. aniversário da Gop Tun e na primeira edição local do selo que abriga este álbum; salvo Mayer, em que o arranjo da espaço para toques marcantes de bateria. Os elementos
grego dos Quatro Grandes Ventos e as duas faixas deste EP traduzem exatamente Lançado pelo EKORD, selo do núcleo EKONCEPT, traz quatro músicas com grandes engano, é o mais completo e brilhante de sua carreira: em que cada faixa possui uma centrais demoram a aparecer até deixar um sintetizador progressivo emergir ao lado
as personalidades específicas dos ventos que lhes dão nome. “Noto” é a música que influências de house misturadas a referências de funk e afro-house. A sonoridade narrativa própria e encontra lugar em todo tipo de set. O resultado final nos faz pensar de toques nos acordes e tons emotivos no vocal. O produtor alemão mostra sua
representa o vento sul: quente e formador de nuvens; já “Bóreas” é enérgica e com orgânica e percussiva das composições fica evidente na versão original da faixa “The no quanto ele deve curtir essa cidade ou no que já deve ter aprontado por lá, pois um singularidade no estúdio enquanto retribui a altura a parceria com o lendário DJ inglês
timbres marcantes. Éolo - pt 1 será lançado na primeira quinzena de julho. Groove Path”, que conta com um baixo cheio de slaps e muito suíngue. tributo desses é algo que não aparece todo dia. Chico Cornejo iniciada em 2016, após o sucesso de “Out of Time” pela Kompakt. Jonas Fachi

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ÁLBUNS

ZOPELAR
STEPPING STONE TO
PAULO FOLTZ THE FUTURE OF SPACE
PINEAL CONNECTION EXPLORATION
PRISMA TECHNO IN THEIR FEELINGS
Apresentando um caráter autêntico e sólido, Paulo Foltz lança seu primeiro álbum Após um ano dos mais agitados em todas as suas frentes de atuação criativa,
pela Prisma Techno. Depois de muito explorar e aperfeiçoar os fundamentos Pedro Zopelar não mostra sinal algum de que vá diminuir o passo incessante de
de sua base musical, todo o esforço e dedicação é consolidado em Pineal novidades que marcou esse período. E este álbum segue seu movimento geral
Connection. Com uma abordagem introspectiva e profunda através de synths de crescimento e aprimoramento, já que é o primeiro ser lançado pela In Their
marcantes, pads atmosféricos, envolvidos por uma bateria espacial, o ouvinte é Feelings, selo que comanda em conjunto com Davis e Marcio Vermelho, é um
levado a uma autêntica viagem sonora, transitando entre as diferentes dimensões dos mais completos documentos de seu desenvolvimento artístico. Cada faixa
da natureza. A linguagem enfatiza a verdadeira conexão que existe entre música e carrega aquele cuidado artesanal na criação de elementos e a inventividade
alma que ocorre por meio da glândula pineal, muito conhecida por ser o “o assento que até aqui caracterizaram seu trabalho, mas com a precisão e imaginação
da consciência”, onde ocorre a comunicação de nosso ser interno e o corpo físico. que a experiência permite extravasar numa narrativa coesa, resultando em algo
Algo que resulta numa conversa silenciosa em que apenas sentimos como as tão simples no refinamento que emprega quanto primoroso no sentimento que
melodias ressoam em nosso interior. Leonardo Wallau envolve. Chico Cornejo

L_CIO OLIVER SCHORIES


POEMA BLITZBAHN
D.O.C. RECORDS SOSO
Poema é o primeiro álbum de L_cio pela D.O.C. Records (sublabel da Kompakt), Seja atrás dos toca-discos ou no estúdio, a mente criativa de Oliver Schories
que explora ao longo das oito faixas nuances distintas em sua obra — em um é responsável por grandes feitos. O exemplo mais recente é Blitzbahn, albúm
panorama de seus 12 anos de carreira. Traz um balanço ideal entre peso e leveza, lançado no início de março em sua label SOSO. Composto por 13 faixas que
texturas e ritmos e a marca já consagrada do artista: a flauta está presente e juntas se tornam uma série de frequências dançantes, traz junto sintetizadores
serve como portal ao transe. “Paqe” conta com uma linda percussão orgânica barulhentos, além de graves agressivos e ásperos. “Fakir”, a primeira faixa,
e claves acentuados marcando forte, numa quase bossa-nova eletrônica, com apresenta tons dançantes e sons recheados de personalidade. Destaque
colaboração de Gui Boratto na linha de baixo. Já “Canto”, “Forte” e “Avante” também para “lvre”, com sons escursos perfeitos para se perder de olhos
são mais longas, ideais para os DJs. Como a bonanza vem após a tempestade, fechados numa noite sem fim, “Magnolia” não deixa nada a desejar criando um
“Poema” traz uma brisa leve e toca aos ouvidos como poesia; já “Canto2” tem espectro de mistério e sonoridades árabes — ouso dizer até um pouco espiritual.
órgão e delays que te fazem viajar. Ao todo, uma linda obra para ser apreciada. Um trabalho honesto para não me repetir no “bem produzido” de um artista que
Marcelo Godoy não cansa de ficar no topo . Fernanda Mello

NILS FRAHM GRANT


ALL MELODY PERCEPTION
ERASED TAPES DUKE’S DISTRIBUTION
Nils Frahm é um músico alemão que se tornou um dos principais artistas desta No final de 2017, o produtor norte-americano Grant lançou o terceiro álbum da
década por sua peculiar combinação entre música clássica e eletrônica, misturando carreira. Perception apresenta o seu amadurecimento musical em plenitude, ao
pianos, drum machines e sintetizadores em composições belas e intensas. No início misturar deep house com texturas de lo-fi e break beats. Tendo releases desde 2014
de 2018 ele lançou o nono álbum solo intitulado All Melody, que apresenta uma por selos como Lobster Theremin, Mork e Temporary State, além de coprodutor de
proposta estética até então pouco explorada nos trabalhos anteriores, marcado diversos álbuns e fundador de sua própria gravadora, trabalha ao contrário da nossa
pelo uso de coros e uma diversidade maior de atmosferas eletrônicas. A obra é era, em que muitos artistas chegam a extrapolar os limites da promoção pessoal.
melhor entendida se apreciada na íntegra, mas algumas faixas destacam-se: “My Com pouco material sobre ele disponível nas redes virtuais, é adepto do “low
Friend The Forest”, por sua linda história contada pelo piano; “Human Range”, pela profile”, mas se firma fisicamente a cada disco lançado como um dos musicistas mais
surpreendente construção; e “All Melody”, peça fundamental de apresentações promissores do cenário eletrônico atual. Grant é um nome para ficar atento, sendo
recentes de Frahm — que dá nome ao lançamento e era aguardada pelos fãs. este um trabalho para se ouvir com extrema atenção e apreciado por diversas vezes.
Mohamad H. Neto Paulo Pires

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Green Festival Carnaval Circus 2018
O dia 6 de janeiro foi especial para quem passou A fina garoa que caía na noite do dia 10 de fevereiro
pelo Green Valley. Em parceria com a House Mag, o não atrapalhou o público que foi conferir o super
club mais premiado das Américas recebeu a terceira espetáculo que rolou no Green Valley. Inspirado
edição do Green Festival, que contou com três pistas no universo circense e com direito a decoração
e várias atrações. No line da pista principal, estavam temática, cenografia, interações e performances
nomes como Sam Feldt, Chemical Surf e Gabriel Boni. especiais, a festa proporcionou uma experiência
Na Underline_, DJ Betoko se apresentou ao lado de única ao público. Quando o ponteiro marcou
FractaLL, Fancy Inc e Fabrício Peçanha. E na Lagoon, 22h, Aninha abriu os trabalhos da pista principal,
os expoentes Mandragora, Vegas, Fábio Fusco e seguida pelo duo Dashdot, Bruno Be e atração
Paranormal Atack foram os destaques. principal da primeira noite: Vintage Culture.
Créditos: Diego Luís Jarschel Créditos: Diego Luís Jarschel

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COMO ELE FAZ?
AUDIO POR Mateus B (AIMEC)

A House Mag Áudio é uma seção especial dentro da House


Mag em que DJs, produtores musicais e amantes das
sonoridades eletrônicas vão poder descobrir todos os segredos
e mistérios da discotecagem, mixagem e masterização. Aqui
você vai encontrar: entrevistas com profissionais renomados
apresentando o estúdio e técnicas de produção musical;
reviews de softwares e equipamentos; tutoriais completos;
artistas mostrando como fizeram as suas faixas; e muito mais.

Para essa oitava edição, teremos as matérias especiais: Como


ele faz?, por Mateus B.; A nova era da democratização dos
sintetizadores, por Romulo Pierotti; O som do futuro, por Junior
Antonini; e O ruído do bem, por Andre Salata. Com o suporte dos principais artistas do mundo tocando suas faixas (à exemplo
de Steve Lawler, Hector Couto, Hot Since 82, Lane 8, Mark Knight e muitos outros),
o duo Fancy Inc se tornou referência, com direito a alguns radioshows e podcasts
pela Ibiza Global Radio, Rinse FM, Data Transmission, Pioneer DJ Radio e BBC
Radio1. Colecionam lançamentos em inúmeros selos de prestígio, como Toolroom,
ElRow Music, Lost Records, Twisted Fusion e Criminal Hype. Com passagens pela
Europa, Ásia e América do Sul, Adriano Dub e Matheus Rodrigues estão deixando
uma marca grandiosa por onde passam.

Costumam usar músicas de referência ou criar algo específico para um selo?


Sim, porque isso ajuda a não fugir do objetivo. Sempre começamos uma ideia
imaginando em que selo ela poderia se encaixar.

Utilizam o plugin PunchBox, da D16, para o kick principal ou apenas criação


de camadas?
Sempre para o principal, pois gostamos de construir nossos próprios kicks. Importamos
um sample base de outra biblioteca ou usamos as drum machines internas, e a partir
das ferramentas do plugin geramos algo mais original, com a nossa cara. Acaba
sendo o processo de maior importância e que trabalhamos mais no projeto.

Têm costume de fazer alterações nas faixas depois de testá-las na pista?


Normalmente até antes disso. Temos o hábito de deixar a faixa “de molho” e depois
de alguns dias escutar novamente. Sempre há coisas pra melhorar.

Acham que a masterização da faixa faz diferença no processo de seleção


em um selo?
Acreditamos que sim. Com o aumento de produtores no mercado, os critérios são
aprofundados também. Se a ideia for boa, mas não tiver uma boa pressão, com
certeza é um fator que aumentará as chances de um “não”.

ÍNDICE
Qual dica dão para os produtores enviarem faixas para gravadoras?
Enviar playlist com no máximo quatro músicas, sem plays e aquele monte de
comentários. Também é importante escrever uma breve apresentação falando
quem você é, em que selos já lançou, e principalmente, não enviar para vários
destinatários ao mesmo tempo. O A&R tem que perceber que a sua demo é
A nova era da democratização dos sintetizadores 94 exclusiva, e que a faixa soa de acordo com a identidade do selo. Encher a caixa
O som do futuro 96 de e-mail com trabalhos que não dialoguem com esta proposta podem esgotar as
O ruído do bem 97 suas chances de receber um play quando tiver algo realmente bom.

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AUDIO

HARDWARES
A NOVA ERA DA DEMOCRATIZAÇÃO DOS SINTETIZADORES POR Romulo Pierotti

Linha boutique, Roland Aira, Korg MS-20, Arturia Microbrute Arturia Drumbrute Teenage Engineering
a partir de U$ 299 a partir de U$ 199 a partir de U$ 449 U$ 290 U$ 449 Teenage Engineering U$ 49

Korg Minilogue Korg Volca, Behringer Model D, Moog Minitaur


(U$ 300) a partir de U$ 150 U$ 299 U$ 499

Ultimamente o mercado vem oferecendo melhores Por muito tempo, o comércio de synths esteve Um número maior de jovens tem se interessado mapeá-las manualmente e recordar-se onde cada Com preços a partir de U$ 50, marcas como as com acesso a apenas alguns parâmetros (com a
sintetizadores por preços cada vez menores, nos estagnado. Isso se deve a alguns fatores: baixa por produção musical e as empresas perceberam parâmetro foi endereçado, com pouco ou nenhum tradicionais Roland, Korg e Akai; as mais novas, necessidade de programar usando sub-menus
mais diferentes tipos e formatos: analógicos e digitais, demanda graças aos estilos que dominaram as paradas a necessidade de ofertar opções para todos os retorno visual. Sem falar que é raro ter uma tal qual Teenage Engineering, Arturia, Novation e/ou plugins específicos, o que tira um pouco
com ou sem teclas, em forma de módulos, ou como de sucesso; pouco investimento em desenvolvimento bolsos. Produtos de baixo custo se fazem ainda controladora com botões e controles deslizantes e Behringer; e até as de luxo, como Moog e DSi; a graça); teclados em miniatura ou ausência de
kits para montar em casa. Seja um clone ou um de novos produtos; foco apenas em lançamentos mais imprescindíveis em economias emergentes suficientes para todos os parâmetros presentes nos têm desenvolvido hardwares de entrada, brigando teclas (sintetizadores de mesa); cases em materiais
produto original, essa nova tendência tem novamente de luxo; e avanço da computação com consequente e com moeda desvalorizada, como a nossa. VSTs mais modernos. por uma fatia desse mercado e apresentando mais baratos como plástico ou até ausência de
popularizado e democratizado a acessibilidade a melhoria e popularização de instrumentos virtuais. Outro fator decisivo para o aumento desse nicho constantes lançamentos. Algumas têm relançado case externo (no caso da linha PO da Teenage
hardwares, como ocorreu em épocas passadas. é o bizarro mercado especulativo de synths Isso é só um detalhe, pois a maior vantagem de seus próprios produtos com novos recursos, à Engineering); lançamento de clones que diminuem
Apesar da facilidade de ter diversos instrumentos vintage. Basta algum produtor famoso falar que instrumentos físicos são justamente as limitações. exemplo da Korg com o Ms-20 e o Odyssey. Já o custo de pesquisa e desenvolvimento; entre
Alguns podem até argumentar que o mais virtuais à disposição, seja de forma legal ou não, usa determinado equipamento para que o preço Enquanto no meio virtual basta carregar outras apresentam edições digitais de clássicos outros.
importante é como o timbre foi alcançado — neste o interesse pelo mundo dos hardwares vem triplique na mesma semana. facilmente um novo plugin quantas vezes for com sonoridades que se assemelham aos originais
caso os equipamentos utilizados —, mas a verdade crescendo. Muito disso se deve a introdução necessário, “no mundo real” você deve lidar de e são fiéis a esse histórico, como é o caso da maioria Correndo por fora ainda temos a produção de
é que a maioria esmagadora do público pouco de bons equipamentos mais acessíveis e Outro ponto é a sensação tátil de manipular o som, forma criativa com suas restrições, seja o tipo de dos equipamentos da linha Boutique da Roland. módulos com preço de entrada e também kits
importa se a música que gosta foi feita com um principalmente a produção em massa que já é uma além de se deparar com belas surpresas. Claro ondas geradas, a quantidade de notas (mono, DIY (em que o comprador tem que realizar toda a
sintetizador raro da década de 60, um clone de U$ realidade. A demanda aumentou drasticamente e que isso também pode ser obtido através do uso poly e parafônico), o timbre..., algo extremamente Para diminuir os custos, as empresas utilizam montagem e soldagem do equipamento). Confira
300, plugins, samples ou uma “calculadora”. não parece dar sinais de diminuir tão cedo. de plugins, mas na maioria dos casos será preciso benéfico para a criatividade. algumas estratégias: painéis frontais reduzidos e alguns modelos. ■

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SOFTWARE ESTÚDIO

O SOM DO FUTURO O RUÍDO DO BEM


Conheça os últimos lançamentos para se chegar a Novos produtores estão buscando construir timbragens clássicas através de
um som de identidade e sem muitas dificuldades equipamentos como sintetizadores e processadores analógicos mais antigos
POR Junior Antonini (AIMEC)
POR Andre Salata

Ao longo da minha trajetória conheci várias pessoas de sua preferência e você poderá experimentar Mas e agora? Você tem em mãos o Maschine, o Ao longo do que já passamos nessas quase duas na navalha, processados em uma clássica mesa Hoje temos diversos fabricantes de plug-ins que
que entraram ou desejaram entrar no universo da várias sonoridades interessantes e sair criando linhas Komplete e as expansões. Como começar? No décadas completas do século 21, pudemos ver de som Neve. Em um documentário da banda, ele estão em um nível muito alto de emulação desses
produção musical e um ponto que sempre foi motivo de que soarão muito bem. Sons industriais, urbanos, Maschine, tudo é separado por projetos, grupos, como o áudio digital se modificou. O que se buscou explicou que estava cansado desse som limpo e equipamentos, fornecendo ótimas opções de
dúvida era: como conseguir produzir com sonoridade sintéticos… tem pra todos os gostos. sons, instrumentos, efeitos e amostras de sons. durante muito tempo, como por exemplo um som cristalino que os desenvolvedores de software e equalizadores, compressores, reverbs, delays,
convincente ou, ao menos, que soasse “profissional”? limpo e cristalino, foi realmente alcançado, quando cientistas do áudio conseguiram alcançar e sentia saturadores, entre outros. Recursos que, utilizados
É interessante também ter uma controladora O legal aqui é poder procurar por categorias, viramos de século, para então se perceber que o falta daquela vibe mais “tosca” e suja que, por da “maneira correta”, entregam harmônicos
Obviamente que este mundo é cheio de caminhos Maschine para sair criando sem complicações. facilitando o encontro de sonoridades específicas. som estava meio sem graça. Ora, não é à toa que exemplo, o Nirvana tinha gravado. O álbum foi importantes aos elementos de uma música e ruídos
e de aprendizado constantes, mas uma coisa que Por que digo isso? Por um motivo simples e que, Os effects são separados por categorias, o que vemos diversas empresas retomando a produção indicado a cinco categorias do prêmio Grammy, quase que imperceptíveis; porém imperfeitos
muitos não se atentam é sobre quais equipamentos, às vezes, passa batido por vários iniciantes e até descomplica a busca por algum processamento: de sintetizadores e processadores analógicos, que não somente por ter sido feito dessa maneira, mas quando somados um ao outro, deixando o som
softwares e, principalmente, o modo de usá-los outros mais experientes no mundo da produção: ambiências, distorções, equalizadores, delays, estavam outrora esquecidos na memória dos mais. porque a mentalidade dos músicos mudou através mais quente e mais vibrante. E, ao serem usados
que seu ídolo na produção musical utiliza para música eletrônica é e sempre foi criada motivada filtros…, tudo está lá! E por último, porém não Vemos também novos produtores que buscam do desafio de tornar o som um pouco menos “incorretamente” também trazem uma textura única,
chegar naquele som. Em décadas passadas muitos por elementos característicos: kick, bass, stabs, menos importante, os samples contém todas as por sonoridades talvez datadas, mas que, sem um artificial, e teriam que executar a gravação com porque no final das contas não existe certo ou
estilos se basearam em teclados sintetizadores, plucks. Quem nunca ouviu uma faixa com sons de amostras de som que você pode utilizar para criar motivo muito plausível, encantam nossos ouvidos, performance perfeita. errado na hora de criar seu som.
grooveboxes e samplers de marcas como Roland, TR-909, 808, TB-303? Ou Moogs? E aquele timbre seu próprio som. e encontramos esses sons nesses equipamentos
E-Mu, Korg, Yamaha, Ensoniq, entre outras. Ficar clássico de órgão do Korg M-1 utilizado em “Show hoje considerados vintage. Daí temos esse grande Calma, não estou dizendo para você jogar seu PC Então deixo de sugestão que vocês explorem
atento aos novos lançamentos é nosso dever para Me Love”, da Robin S, e tantas outras músicas? Uma dica essencial e que faz toda a diferença número de produções que soam como anos 90 e ao ou Mac pela janela agora mesmo, para garimpar esses recursos que hoje estão cada vez mais
chegar ao “som do amanhã”. Digo isso pois o que na forma de criar e sentir sua música é ter um mesmo tempo com elementos bem atuais, fazendo por uma velha MPC e umas baterias eletrônicas fáceis de termos acesso. Experimentem colocar um
se lança hoje, certamente será utilizado em breve Ter um som ao alcance dos dedos que seja controlador MIDI. Pode ser de qualquer marca uma espécie de revival do que já se ouviu. da década de 80. Felizmente a indústria de equalizador que emula um equipamento analógico
e chegará aos principais charts em pouco tempo. condizente com o seu estado de espírito é e que caiba no orçamento. A vantagem quando softwares, atenta a isso, percebeu que muitos nos elementos de sua faixa, gire seus botões de
fundamental para que você se inspire, resultando em você adquire um da Native (como o recém-lançado Quando paro para pensar no assunto, sempre me procuravam essas sonoridades e vem entregando maneira abusiva, sem ficar com regras tolas como
A dica que dou é um olhar mais atento ao pacote linhas realmente pessoais e com identidade. Nisso, Maschine MK3) é que junto vem o pacote Komplete recordo do não tão antigo álbum Wasting Light (2011), cada vez melhores plug-ins de áudio que simulam “não podemos subir mais de 3dB num equalizador”
Komplete 11, o software Maschine e expansões, todos os Expansions da Native são quase imbatíveis. Você 11 básico e a licença do software Maschine — o que da banda norte-americana Foo Fighters, em que o equipamentos antigos. No entanto, onde está a (se não pudéssemos, o knob não giraria tanto,
da Native Instruments. Se você deseja chegar a um quer uma atmosfera trap, boombap? Tem! House facilita na compra de atualizações e expansões, líder, Dave Grohl, decidiu por adotar um processo magia no equipamento x ou y? A magia está nos concorda?). Use um compressor apenas para
som de identidade e sem muitas dificuldades, esse clássico? Também! Quem sabe algo mais techno, que valem a pena. Assim, um mundo de novas inteiro analógico na produção e pós-produção do ruídos que eles tinham e nos defeitos que possuíam, mexer em seu controle de ganho (isso mesmo, sem
é o caminho. A vantagem é que são compatíveis reggaeton ou funky? Tem de tudo, organizado por possibilidade se abrem e você passa a focar muito disco, sem o uso de um único computador. Tudo porque nem sempre o melhor equipamento dava o comprimir), sature sua bateria, seus vocais... Enfim,
com a DAW [estação de trabalho de áudio digital] estilos e com prévias no site da fabricante. mais nas ideias do que no processo em si. captado em gravadores de rolo de fita, edição feita som que os engenheiros de áudio procuravam. faça sua música respirar e ganhar vida!

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FALA DJ

EM ÓTIMA FASE
Aninha fala sobre a estreia como residente no Terraza e de novos projetos

POR Alexandre Albini

São quase 20 anos tendo a música como uma das suas maiores paixões. Fato que Sua preferência continua sendo o warm-up ou passou a ser tocar mais para o
a fez largar a faculdade de marketing para se dedicar à sua verdadeira vocação: meio da noite?
ser reconhecida e aclamada como uma das maiores referências em seleção Sempre curti esse momento de ver a noite acontecendo, desde o início. Luzes
musical e warm-up. Já tocou na ODD, FACT Barcelona, Watergate... e passou se apagando para dar o clima, bar abrindo, seguranças se posicionando e a
por Ibiza, Hanover, Áustria, Itália, Emirados Árabes, entre outros. Contudo, essa primeira música tocando. Quando era promoter acompanhava tudo isso, pois
carreira de destaque é composta também por produções musicais e eventos. também fui muito pista e chegava cedo pra sentir a progressão do DJ. Hoje a
Batemos um papo rápido com Aninha abordando temas como discotecagem, minha preferência, independente do horário, é de tocar, de participar de um line
representatividade e sobre essa nova fase. up legal. No entanto, se você fizer uma festa em que a atração convidada (que
seja condizente com o que eu toco) precise se sentir confortável para estar no
Sua caminhada começou em 1999, sendo promoter, passando a tocar em horário principal, pode me chamar que será um prazer fazer o warm-up (risos).
2002. Como teve certeza que era a escolha mais certa a ser feita? Ser DJ
mudou nesse tempo? A questão do feminismo e da representatividade talvez nunca estiveram tão
Tive momentos lindos durante todos esses anos. Das muitas escolhas que tive até em voga. Como se vê sendo um exemplo para quem está iniciando a carreira
aqui, a certeza é que segui o instinto e o meu coração. Para fazer o que gosta, em ou pensa em tocar inspirada por suas conquistas?
qualquer profissão ou momento na vida, deve-se ter coragem. Mesmo que a profissão Fico feliz em poder inspirar as pessoas de uma maneira geral. Se formos analisar,
tenha mudado com o tempo, seja na maneira de tocar ou na forma de se expor, hoje são poucas mulheres artistas que se destacam na cena mundial. É preciso muita
não somos “apenas aqueles que divertem as pessoas e mesclam as músicas com determinação pra se jogar quando sentir que aquela oportunidade será legal para
técnicas precisas”. Para nos mantermos ativos e relevantes é necessário atualizar-se seu crescimento como artista e ser humano também. Nossa profissão não é só
com o que está acontecendo na cena. Além disso, é preciso ter muita energia para glamour, e a maioria sabe disso. Então caso sinta que é isso que te move, vai lá e
executar tudo, principalmente pra quem não tem 20 anos (risos). mostre ao mundo porque está aqui!

Você trabalha em várias frentes, seja na AIA Records, no Seas, ou em outros


projetos. Poderia falar um pouco sobre cada um?
A AIA criei com a Antonela Giampietro para abrir espaço aos novos produtores
brasileiros; e hoje o Maax (Cavan 77) me auxilia nos lançamentos. O Seas
Label é interessante porque tem muitos formatos, mas todos conversam de
maneira harmoniosa. A intenção é levar diversão a todos de um jeito mais leve,
retroalimentando a região que possui uma programação de música eletrônica
intensa e madura. Recentemente apareceu outro projeto que abracei de corpo e
alva e estou bem focada: o Solo.Doc. Mas não posso dar detalhes por enquanto.

A permanência na agência 24bit (que ajudou a fundar, em 2011) se deu até


dezembro, quando foi oficializada sua ida para a Entourage. Como tem sido ter
mais tempo para explorar a liberdade criativa no estúdio?
Tem rolado um fluxo legal ao lado do Fabo nas produções, e já temos algumas
músicas prontas. Mas isso não significa que todas serão lançadas agora. São várias
ideias e vamos deixar acontecer naturalmente. O fato de estarmos juntos nesse
ócio criativo é fundamental para o desenvolvimento de novos projetos, selos, outras
parcerias e por aí vai. Foram três lançamentos nos últimos meses e fechamos outro
EP interessante mês passado, que estão sendo enviados aos selos.

Recentemente você deu um novo passo na carreira assumindo como residente


no club Terraza. O que espera daqui pra frente?
Espero evoluir cada vez mais, colaborar com o Terraza e em outros projetos que
aparecerem durante o caminho. Um objetivo é continuar com as produções, criar
um alter ego ou um novo selo (quem sabe?). Quero poder contribuir com a cena
brasileira e inspirar, incentivar e dar espaço aos futuros artistas/ promoters para
prosseguirem nessa jornada e não deixarem que a música pare. ■

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