Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
VERMELHO
R$ 19,90 • Nº 49 •maio/junho/julho
Celebrado pela habilidade
em vários aspectos da
cultura da música eletrônica
DEKMANTEL
Atrai novamente a São Paulo
um público expressivo e uma
curadoria artística aplicada
BRMC 10a
EDIÇÃO
Desde 2009 segue como meio
fundamental para a discussão
de temas importantes
DIVERSIDADE
NA PISTA
12 páginas com ações e reflexões
a respeito da representatividade
SHARAM
(ou falta dela) na cena brasileira
JEY
São mais de 20 anos de carreira, vários sucessos
pela Bunny Tiger e muito apoio aos DJs brasileiros
WARUNG
ADAM BEYER
DAY | ASHIBAH
| OCTAVE| ONE
ELLEN| ALLIEN
MEME | | UMF
RYANBRASIL
ELLIOT | | DEKMANTEL
LUCIANO | TIME
| BPM
WARP
laroc sunset club
rod. dom pedro I, km 118
valinhos, são paulo, brasil
www.laroc.club
follow us /larocclub /larocclub
a conexão da música
eletrônica em um
lugar paradisíaco
COLABORADORES
GABRIELA LOSCHI é pós-graduada em Jornalismo, e
começou a escrever sobre música eletrônica em 2004, cobrin-
do eventos como Skol Beats. Morou em Berlin em 2017, mas já
esteve em Nova Iorque por dois anos quando foi correspon-
DIREÇÃO EXECUTIVA
Jeniffer Avila
Nada de aCúCar,
só aaasas.
jeniffer@housemag.com.br
dente da Electro Mag e Folha de São Paulo. Nesta edição assi-
na a matéria de capa com Sharam Jey, o review do Dekmantel Jorge Vieira Junior
SP, além das entrevistas com Ryan Elliot e Luciano. jorgejunior@housemag.com.br
Raul Mendes
raul@housemag.com.br
COLABORADORES
CHICO CORNEJO é Sociólogo e pesquisador da cultura Alan Medeiros
eletrônica, tendo colaborado com vários veículos voltados a André Salata
esse gênero musical. Já cuidou do selo e site da D-Edge, foi Breno Losch
apresentador do Boiler Room no Brasil e curador do projeto iBruna Antero
Bruna Maia
Pulso da Red atualmente é responsável pela comunicação
Danila Moura
dos eventos da Gop Tun, ODD e Capslock. Nesta edição as-
Felipe Tiradentes
sina o texto “Diversidade na pista de dança” e reviews da Georgia Kirilov
coluna Lançamentos. Ilan Kriger
Irena de Almeida
Jade Gola
Jennifer Didjurgeit
ARTHUR COBAT é formado em Jornalismo e há 2 anos Jode Seraphim
se mudou para Belo Horizonte, onde atua na produção e co- Jonas Fachi
Junior Antoninni
municação da festa 101Ø. A decisão de trabalhar e escrever
Luana Dornelas
sobre festas aconteceu após voltar de um período sabático
Lucas Arnaud
dedicado a conhecer os principais clubs e festivais da Europa. Lucas Portilho
Nesta edição assina a matéria “Abaixo a intolerância!”, que fala Luigi Vanucci
sobre como estão sendo construídos locais mais seguros para Marcelo Godoy
a comunidade LGBTQI. Marcelo Madueño
Mateus B.
Maurício Soares
Nazen Carneiro
ISABELA TALAMINI é aficionada por música desde os Rodrigo Cury
15 anos, quando teve seu primeiro blog reconhecido como Romulo Pieroti
que fala sobre coletivos paulistanos efervescentes. autores, assim como todo o material cedido pelas assessorias e eventos.
4 WWW.HOUSEMAG.COM.BR
8
6 WWW.HOUSEMAG.COM.BR
WHAT’S UP
Sistema criado por brasileiros leva som orgânico para as festas mais interessantes de Londres
Tropical Burn: o experimento social do Burning Man em terras tupiniquins
POR Felipe Tiradentes
POR Lucas Arnaud FOTO Lung Liu
Dois jovens do Rio de Janeiro estão transformando que frequentavam. Segundo os rapazes, a produção com o diferencial de que o sistema sempre passava
a cena alternativa de Londres através de um novo em massa das grandes marcas prejudica a qualidade por um ajuste fino que o adequasse perfeitamente ao O Burning Man é um evento que ocorre anualmente
conceito. Em 2016, o engenheiro de som Milton do som porque prioriza componentes menores, espaço no qual funcionaria. Desde então, se tornou desde 1986, tendo migrado em 1991 para seu cenário
Carvalho e o designer Bruno Conti começaram a mais baratos e que facilitem processos logísticos de um “atestado de qualidade sonora”, o que passou a característico: o deserto de Black Rock, Nevada
projetar o Core Soundsystem, com o objetivo de transporte e produção em detrimento à qualidade. atrair centenas de pessoas. (EUA). Durante sete dias, possui uma proposta que
reproduzir os elementos musicais de forma fiel, vai muito além do que se pode chamar de “festival”
através de um feitio artesanal e com material orgânico Alex Arnout, respeitado DJ baseado em Londres, que Em março deste ano, o The Cause — recém- ou “festa” — na verdade, o evento funciona como um
para oferecer uma alternativa a equipamentos se apresentou na D-Edge no último ano, concorda e inaugurado club da região — firmou parceria para experimento social, no qual os participantes podem
produzidos em escala industrial, de plástico e “sem afirma que o Core é talvez o melhor sistema de som que uma versão maior fosse produzida de forma ter a oportunidade de viver em uma comunidade
alma”, como eles os definem. em que tocou nos últimos anos. “Tocar nele é sentir o customizada ao local. Stuart Glen, dono do espaço, com costumes, regras e convenções bem diferentes
amor reverberando em cada componente de forma explica que escolheu o Core por conta de seu das quais estamos acostumados. E toda essa filosofia
A ideia começou quando Milton — que se mudou orgânica”, completa o artista. pioneirismo e do público fiel que o segue: “Desde que é muito bem conduzida ao espírito de liberdade
para a capital inglesa para estudar produção musical ouvi o sistema pela primeira vez, fiquei impressionado. criativa e disruptiva, que culmina nas impressionantes
e passou a organizar festas nos armazéns do leste O duo produziu a primeira versão em 2017 e É por isso que foi claramente minha primeira escolha estruturas, carros alegóricos, esculturas ou mesmo nos
da cidade — percebeu que os profissionais de passou a usá-lo em suas próprias festas, muitas para o The Cause. Mal posso esperar para conferir o figurinos ousados e antidogmáticos. Com cerca de 60
som não davam a atenção necessária a eventos vezes realizadas ilegalmente em florestas, parques que eles construíram para nós. Tempos emocionantes “eventos irmãos” pelo mundo, como o AfrikaBurn,
pequenos. Cada espaço tem um som, uma resposta, e espaços abandonados. Durante uma delas, e um futuro brilhante está à frente”, afirma Stuart. chegou a nossa vez: ainda sem data definida, mas
e poucos pareciam se atentar a isso, o que resultava conheceram o dono de um barco adaptado para planejado para o primeiro semestre de 2019, o Tropical
numa sonorização ruim”, afirma Carvalho. eventos que estava aportado num canal próximo e E o futuro parece reservar muitas coisas a eles. Burn foi anunciado como o braço do BM em nosso
a partir daí passaram a utilizá-lo como espaço para Novos clubs, festas e projetos estão em fase de país. Até o momento, a ideia é realizar o evento em
A partir de então, Milton propôs ao amigo carioca after parties. Hoje, o Monday Boat é um projeto planejamento e realização. Talvez o mais interessante uma praia do Nordeste e atrair de 2 a 3 mil pessoas
Bruno Conti que juntassem suas expertises e colaborativo que se tornou um dos principais deles seja a versão portátil para casas e estúdios. para a primeira edição. Apesar de serem menores
criassem um sistema para suprir as necessidades de destinos para quem não quer parar no domingo e se Em breve, você poderá customizar componentes que o evento principal nos EUA (que reúne entre 50
festas de até 500 pessoas no leste londrino que, para estende muitas vezes até a noite de terça. e comprar a versão miniatura do sistema para ser e 70 mil por ano), as dinâmicas em outros países têm
eles, é o que há de mais autêntico na cena alternativa ouvido em locais privados, desenvolvido para ter a vantagem de oferecerem uma experiência mais
da cidade. A partir daí, decidiram que não queriam A repercussão foi tão grande que outros organizadores um som limpo e uma resposta fiel aos elementos da intimista ou mesmo nostálgica, que remete às origens
apenas reproduzir a lógica das grandes indústrias, locais se interessaram e passaram a alugá-lo várias música que está sendo tocada. Já testei o protótipo do encontro, nas quais os participantes iam pela
mas fazer uma coisa tão autêntica quanto as festas vezes por semana para festas de até 300 pessoas, e a qualidade é impressionante. experiência em si, e não por modismo.
A revista inglesa DJ Mag divulgou no final de março a seleção com os clubs mais votados de 2018. No topo temos, novamente, a Green Valley, que sobe duas
posições e iguala os resultados alcançados em 2013 e 2015. Em segundo a Ushuaia Ibiza, sexta colocada no ano passado. Fechando o pódio aparece a Zouk, de
Singapura, quarta no último ranking. O também catarinense Warung figura em 18º, subindo sete posições. Já o El Fortin, também do Sul, passou a ser o 26º. O Laroc,
do interior de São Paulo, após estrear em 45º em 2017, passa a ocupar o 29º lugar — demonstrando clara ascensão. Fechando a participação brasileira temos outras
duas marcas importantes: o Matahari, que vem recuperando o posto de número 37 conquistado em 2016, sendo agora o 54º; e o D-Edge, que sai da posição 50 para
a 81. Vemos, portanto, que o nosso país se mantém como uma potência neste quesito. Contudo, vale ressaltar a votação orgânica recebida por Warung e D-Edge
que, assim como em edições anteriores, não fizeram qualquer tipo de campanha. À exemplo de 2017, chama atenção a permanência da força eletrônica de Santa
Catarina, já que quatro dos seis premiados estão neste Estado, provando mais uma vez ser a nossa meca nacional de superclubs.
King Festival fecha parceria com XXXPerience e Beatport lança novo gênero em sua
define nova data plataforma de vendas
A produtora Juliana Cavalcanti bateu o martelo e definiu a data para a edição de Após realizar mudanças profundas, em 2016, muitos selos e artistas que ficaram
cinco anos do King Festival: maior evento de música eletrônica do Norte/ Nordeste. conhecidos por releases de “prog house” como “techno melódico” continuaram
Será em 22 de setembro, e o local escolhido foi novamente o Caxangá Golf Club, inundando os charts de deep house, techno, electronica e até de tech house. Então
em Recife, Pernambuco. No início do ano, a produção havia escolhido o dia 5 de para finalmente “devolver pureza” a estes gêneros e satisfazer a parte comercial das
maio para realizá-lo; porém, após um grande acordo fechado com a XXXPerience, gravadoras envolvidas, foi criada a seção melodic house & techno, a fim de abrigar
que acontece em Itú (SP), ocorreu a mudança. “Essa união vai ser muito importante, lançamentos dos selos Afterlife, Diynamic, Stil Vor Talent e outros, além de artistas
pois estamos viabilizando a vinda de melhores DJs para a esta comemoração como Tale of Us, Stephan Bodzin, Patrice Baumel, HOSH e Adriatique; enquanto
especial”, afirma Ju Cavalcanti. Sobre a data anterior, o público terá a oportunidade Hernan Cattaneo, John Digweed, Nick Warren e Guy J seguem no progressive
de conferir uma festa de aquecimento já em fase final de preparação. Outras clássico. Assim, uma melhor organização continua sendo promovida, o que é ótimo
informações estão disponíveis na página oficial do evento no Facebook. para DJs e produtores deste segmento — principalmente os menos experientes.
a
WDF 5 EDIÇÃO
Warung Day Festival reforça por que é um dos melhores festivais do país,
tendo recorde de público e atrações aguardadas por gerações de expectadores
Após fazer algumas aquisições nos caixas ambulantes, comecei a circular para
conferir os novos detalhes estruturais do festival, que, diga-se de passagem,
estavam ainda melhores que no último ano. Vale destacar que o espaço e
decoração foram pensados para facilitar e dar qualidade aos participantes.
Direcionei-me para o Garden onde Lost Desert iniciava o set. Olhando ao
redor, era interessante perceber que todas as pistas já apresentavam público
consistente. O carisma de Lost, somado a sua clássica sonoridade levemente
melódica e dançante, foi perfeito para o momento.
Em seguida, fui para o Warung Stage e consegui pegar os 15 minutos finais do Assim que a escuridão tomou conta da pista, foi o momento ideal para o A abertura é feita com “Crazy Diamond”, uma obra prima através da parceria Voltar a tocar b2b após um hiato de seis anos, e com a amplitude contemporânea
Leozinho. Por sorte tive a chance de ouvir das mãos dele, no encerramento “baixinho” dar as cartas. Todos sabem que diante de pistas tão pesadas, muitas de John Digweed, Nick Muir, Eagle & Butterflies. Sua melodia é uma clara que possuem, não é simples. Ainda assim, era incrível perceber as semelhanças
do set, a minha música favorita da série Involver de Sasha: “These Days”, de vezes os artistas precisam ajustar o set, excluindo faixas com break longos homenagem ao clássico da banda Pink Floyd. A meia hora inicial é comandada do som que estavam apresentando ali, diante de nossos ouvidos, com álbuns
Peter, com um brilhante mashup de “What Are You to Me”, da banda Unkle. Era ou muito imersivas. Guy J fez isso, mas sem perder sua carga de emoção e por John de forma magistral, mantendo o ritmo em baixa velocidade. Sasha consagrados dos anos 90 como Northern Exposure e The Mix Colletion.
o primeiro sinal do sentimento que iria se apresentar na pista mais tarde e uma profundidade. Entre as diversas faixas que eu poderia destacar, gostaria de entra e logo na primeira faixa traz para o jogo alguma profundidade.
oportunidade de estar no mesmo palco que as lendas Sasha & John Digweed. citar duas: “Pistolwhip”, de Joshua Ryan, em um remix que, na minha opinião, Depois de tantos anos, não pender para tendências passageiras é uma vitória,
foi o ápice do set, energizando a pista por completo; e “Fixation” — um dos Eles estavam intercalando sessões de duas músicas com muito cuidado e se adaptar ao que está disponível no universo musical é imprescindível. Por
Blancah assume evidenciando sua evolução como comandante de uma pista maiores clássicos do artista lançado pela Bedrock —, no final da apresentação, e impressionando a cada nova virada. Era o cartão de visitas do famoso isso, sonoridades mais limpas, com menos arranjos de baterias e baixos rápidos
de dança, nesse caso, das mais difíceis e intimadoras para se tocar. Em um live comovendo e surpreendendo a todos. brilhantismo técnico que possuem. Mesmo numa pista tão grande, realizar que flertam com o techno são apresentadas na hora final. “Make Me”, de Sentre
composto de músicas autorais, expressou seu ritmo característico sem deixar-se uma primeira hora descompromissada, com os ritmos baixos e ainda fazendo o (ID remix), e a incrível “Five”, de Kink, descrevem isso com perfeição.
entrar em momentos muito obscuros. O momento mais esperado foi em “Talus”, Já se aproximava das 21h quando finalmente Sasha e John Digweed surgem. público dançar, foi algo que jamais pensei ser possível fora do ambiente clubber.
composição que recebeu remix de ninguém menos que Hernan Cattaneo. Ficou evidente a emoção de Guy J em recebê-los para assumir o comando. Eu É preciso mencionar faixas como “Journey Into Light”, de Pale Blue; seguida de Na última meia hora, a entrega foi para momentos mais emocionais. Uma grande
estava a dez metros do palco, juntamente de algumas das melhores pessoas uma das músicas mais bonitas de todo set, em uma mixagem desconcertante homenagem de John a Guy J veio com “Lamur”, faixa lançada pelo israelense em
Após uma hora, segui novamente para o Garden na esperança de ver se quem que já conheci. Nada poderia dar errado. de Sasha: “Zebra”, de Olivier Weiter & Alex Pedra e remix de Einmusik. “Virala”, 2011, pela Bedrock. “Opal”, de Bicep e remix de Four Tet, faz todos se reunirem na
estaria no comando da pista seria Lee Burridge. Porém, quem assume foi de Trikk, fechou a hora inaugural dando o tom do desse primeiro ato. mesma energia enquanto Sasha, visivelmente emocionado, levanta o dedo para
YokoO, um dos mais destacados integrantes do All Day I Dream, trazendo um Chegava a grande hora. Após longo período de um sonho que parecia ter se cima em sua tradicional forma de interagir com o público. Era o final, entretanto,
set orgânico composto por elementos tribais e muitos vocais em referência ao perdido, forças eram somadas para se desenhar o cenário ideal capaz de recebê- A segunda hora ganha um pouco mais de dramaticidade e espaço para sons John ainda tinha mais uma arma guardada, e que faria todos entrarem em euforia.
Mantra. A pista montada a beira do lago, e com uma pequena cachoeira que -los com uma estrutura e público a altura de seus nomes. Foram necessários ritmados e viajantes, à exemplo de ‘’Kamakura’’, de Musumeci. Percebe-se “Close Your Eyes”, de Luke Brancaccio e Simon Berry, que voltou à memória
surge em meio ao paredão de pedras, é um dos espaços mais belos do festival. quinze anos de cena clubber e cinco edições de um dos melhores festivais com isso, ao chegar na terceira hora, o quão bem pensado e elaborado era dos mais atentos e relembrou um dos maiores clássicos da história do house
da América do Sul educando um público que se renovava constantemente o set que eles estavam moldando. Como eu havia imaginado, eles jamais progressivo: “Forget The Word”, de John Creamer e Stephane K.
Às 18:30h Guy J passa a comandar o Warung Stage, o maior palco do evento, que para, enfim, poder contar com a dupla em um evento do Warung. A expressão iriam pular etapas e sim respeitar a construção progressiva de ritmo. Era o
contava com diversos bares, camarotes e um grande backstage que formavam “dream come true” estava prestes a ser riscada da cena sulista, com todos os momento de apresentarem algumas faixas mais obscuras e de maior apelo aos Saindo da Pedreira a sensação era de que finalmente nossa cena estava
um coliseu ao redor da pista central. Revelado por John Digweed, tornou-se personagens que chegavam a Pedreira imaginando como eles iriam iniciar processadores de efeito. Nessa hora os grandes destaques ficam por conta emancipada e definitivamente pode ser colocada entre as mais importantes do
um dos produtores mais respeitados da última década. Era, talvez, o nome que e conduzir essa jornada musical de quatro horas e, principalmente, como de “Sand Your Shoes”, de Artbat & Dino Lenny, em um vocal que remete aos mundo. Temos um club lendário e um festival do mais alto nível que se equipara
todos gostariam de ver antes do show principal, e ele não decepcionou. corresponderiam à tamanha expectativa. clássicos de house progressive; além de “Patchouli”, de Denis Horvat. com os melhores. O desejo é apenas um: vida longa a tudo isso! ■
SEM DEFINIÇÃO,
DEFINIDO ESTÁ!
Sobre misturas criativas e a ousadia nos DJs sets
POR Georgia Kirilov FOTO Jean-Christophe Dupasquier (Red Bull Content Pool)
Sabe aquela hora inesperada em um set quando quem está se apresentando O esforço de definir música com um número crescente de classificações e
supera todas as expectativas e toca uma faixa que exige uma reorganização mental a impossibilidade de o fazer com sons extremamente peculiares é de fato o
e corporal antes de uma resposta? Então, esse momento de confusão induzida tipo de movimento que deveríamos promover dentro da indústria, quebrando
simboliza uma crescente na diversidade dos sets e na ousadia de vários nomes em barreiras sonoras, estilísticas e criativas. Algo nessa direção significa que música
evidência, como, por exemplo, Four Tet, Seth Troxler e Antal — que tem um repertório eletrônica se tornaria mais abrangente, introduzindo possibilidades infinitas entre
de música brasileira que faria até Gilles Peterson ficar impressionado. os gêneros musicais e todos os seus subgêneros existentes.
Com um acesso maior a acervos dos mais diversos e específicos, hoje o céu nem é Porém, essa ansiedade se torna mais simples para o estabelecimento de uma
mais o limite para os DJs e vemos figuras com longas carreiras se reinventando e/ ou conexão sonora entre gerações, pois não podemos compreender o presente sem
se mantendo atuais por conseguirem surpreender o público. Os expoentes Or:la e estudar o passado. Afinal, essa tendência mostra uma geração que não espera
Mall Grab, que acabaram de fazer um b2b pela primeira vez no DGTL Amsterdã, são mais do artista uma permanência na sua identidade sonora. Ainda que tenhamos
figuras relativamente novas na cena e que também estão construindo suas carreiras chegado aqui aprendendo muito com Kraftwerk, Jeff Mills, Kevin Saunderson,
em cima desse elemento surpresa. Grace Jones e muitos outros mestres, é esse intercâmbio de ideias (e épocas)
que cria conteúdos atemporais. Estamos produzindo e absorvendo isso de uma
Quando se trata de produção musical o panorama não é diferente, com sons cada vez maneira nova e os festivais já compreenderam esta mudança, oferecendo palcos
mais indefiníveis, combinados a referências diversas, para criar híbridos que não se que fazem uma curadoria fluída, irreverente e sem nome.
encaixam com precisão em nenhuma vertente. Como você classificaria John Talabot,
Glasser e Arca? É realmente um desafio e desde 2016 o Beatport vem se esforçando Núcleos nacionais como Mamba Negra, VOODOOHOP e 101Ø (BH), entre muitos
para estabelecer os gêneros e subgêneros com maior exatidão por meio de mais outros, também estão se esforçando para diversificar as propostas e inovar dentro
opções, autorizando os artistas a posicionarem suas músicas de maneira adequada. de um formato parecido, por meio da abertura do line-up a diferentes sons. Na
Entretanto, essa presença maciça de faixas que flertam com diversas categorias última 101Ø foi assim, com Renato Cohen e Barbara Boieng dividindo o comando
torna o portal e as tags ferramentas antiquadas, que não conseguem comportar o da pista, mesmo tendo propostas sonoras distintas. Algo que é de extrema
movimento frenético e disperso atual. importância para os DJs, pois os impulsiona a ousar na hora da pesquisa e os leva
a sair do molde que lhes foi “imposto” — seja pelo público, pela gravadora, etc…
Até porque é raro um set que se mantenha em um gênero somente na sua integridade
— e mais difícil ainda encontrar duas pessoas que concordem em dar apenas Ou seja, nada é criado em um vácuo e a cena da música eletrônica atual reflete
uma definição sobre o mesmo. Essa mudança é marcada por diversos avanços e características da nossa sociedade. Ao mesmo tempo que a globalização é uma
acontecimentos no mundo, tanto na tecnologia, que oferece um grande número de forma de imperialismo tecnológico, ela oferece da mesma maneira grandes
aparelhos para serem explorados (synths, softwares, mix de instrumentos acústicos, vantagens, que se forem exploradas apropriadamente podem resultar em
etc…), ou pela circunstância da democratização dos home studios. criações sensíveis, multifacetadas e, é claro, indefiníveis. ■
QUEM É ESSA GAROTA? dificuldades para conquistar espaço. Foi, então, que os vocais ao vivo começaram
A artista que dá vida à Ashibah é Sarah El Habashy. Ela nasceu em 1984, numa a fazer parte das apresentações de Sarah e o público de Copenhagen ficou curioso
cidade de 47 mil habitantes no sul da Dinamarca, chamada Naestved. O pai é com a novidade. Boom! Assim nasceu Ashibah. “As pessoas se interessaram porque
egípcio, a mãe é dinamarquesa, e as memórias de infância são recheadas de era algo diferente na noite, pois eu cantava e tocava ao mesmo tempo e a maioria se
música. Quando tinha dois anos de idade, seu pais se mudaram para a capital surpreendia quando via isso”, lembra. E neste período que veio o primeiro grande
do Egito, Cairo, cidade onde viveu com os irmãos até a adolescência. A bela voz reconhecimento: um contrato de dois anos com as gigantes Ministry of Sound e
do pai foi a herança genética que despertou Sarah para a música, ainda muito HedKandi, entre 2013 e 2014. “Foi tudo tão rápido: uma reunião em Londres e na
nova, influenciada pelo pop dinamarquês dos anos 80, a soul music americana e semana seguinte já estava na estrada. Viajei e toquei em diversos países com eles.
artistas tradicionais egípcios. Sarah cantou no coral da escola e aos sete escreveu Tive muitos momentos especiais, como a noite em que me apresentei no 70˚ andar
sua primeira música, uma canção de amor. Aprendeu a tocar udo, um instrumento de um dos arranha-céus mais altos do mundo, com vista pra cidade de Jacarta... e
egípcio parecido com o violão, e começou a brincar de produção musical, mesmo quando toquei em Ibiza, claro.”
sem nunca ter pisado numa escola de música. “Aprendi o que sei sozinha e com as
pessoas que conheci ao longo da minha jornada. Quando precisava saber algo, me Outro divisor de águas foi a relação que Ashibah construiu com o produtor belga
virava e dava um jeito”, conta, mostrando que a personalidade forte veio do berço. Kolombo, que praticamente lançou sua carreira como vocalista em collabs. Ela o
conheceu numa festa na Dinamarca, depois de dizer que adorava suas músicas e
AMAMOS HOUSE MUSIC... E BASQUETE que colaboraria com vocais quando ele quisesse. Dois dias depois, Kolombo enviou
Nos anos 90, início da adolescência, Sarah se apaixonou pela house music de uma faixa, ela compôs uns versos e mandou de volta. “Passada uma hora ele ligou
A tropicalidade Chicago, cheia de vozes poderosos e mensagens fortes. “Sonique foi quem me e disse: ‘pqp, eu amei! Vamos lançar!’” Era o remix de “Wade in The Water”, uma das
toma conta despertou para os vocais originais na música eletrônica. Foi ela que começou este
movimento. Lembro de um show, no Cairo, em que eu conhecia os organizadores da
mais tocadas em 2013, especialmente no verão de Ibiza — e com suporte de Laurent
Garnier.
da dinamarquesa festa e fiquei bem atrás dela enquanto a via tocar. Só olhava e pensava: ‘ela é foda!
É isso que quero fazer da minha vida!’” E não demorou a acontecer. ELA VAI ALI E JÁ VOLTA
Ashibah, em Ashibah retorna ao Brasil para uma turnê de inverno, em julho. “Sinto uma conexão
pleno romance No ensino médio, Ashibah dividiu seu tempo entre o colégio e as apresentações
como DJ em festinhas da turma, ao lado de seu melhor amigo; além dos treinos e
especial com meus fãs brasileiros. Para mim, é como encontrar pessoas da minha
família em cada apresentação que faço. Afinal, são meus ashibunnys! E mal posso
com o Brasil competições de basquete — esporte que pratica desde a infância. Mas quis o destino esperar para vê-los novamente, em alguns dos meus clubs brasileiros favoritos, neste
que ela fizesse a escolha mais importante de sua vida, que definiria seu futuro, ainda inverno”, conta, referindo-se ao nome carinhoso que batizou os seus seguidores
adolescente. “Fui escalada para a Seleção do Egito quando tinha 16 anos e ganhei tupiniquins. E a promessa é de grandes novidades: “A turnê do próximo verão será
uma bolsa para jogar e estudar nos Estados Unidos. E foi neste momento que decidi a cereja do bolo. Tenho muitas músicas novas e quero proporcionar uma jornada
POR Irena de Almeida largar o basquete para me dedicar ao meu verdadeiro amor, a música.” diferente e mais profunda. Meu álbum estará nas ruas e além das apresentações nos
FOTOS Rude clubs, teremos alguns shows bem especiais. Será incrível!”, finaliza.
ENTÃO... NASCEU ASHIBAH!
O começo da carreira artística não foi tão fácil. Era a primeira década dos anos Acompanhe as novidades e fique por dentro das próximas datas em facebook.com/
2000 e num mercado dominado pelos homens, uma DJ enfrentava ainda mais ashibahmusic e instagram.com/ashibah. ■
LADO SELVAGEM
O rosto anguloso, no alto de seus 1,86m de altura, o olhar intenso, a voz Já são sete turnês, numa relação que começou em 2013 e se fortalece a cada
inconfundível e a imensa energia que ela entrega nas apresentações são alguns vinda da artista. O país é realmente especial, pois foi aqui que pediu o amor da
dos adjetivos que tornam Ashibah um ser quase hipnótico quando assume o vida dela em casamento, e também onde compôs e produziu algumas faixas
palco. É realmente difícil tirar os olhos dela: uma beleza exótica de descendência que a consolidaram no mercado. Ao lado de Vintage Culture, lançou a certeira
africana que magnetiza a tudo e todos enquanto solta sua voz — com traços “Circles” — um dos maiores sucessos de 2014 e que continua incendiando as
de Sade. Ela canta sucessos de Fragma, Hot Natured e composições próprias pistas; “Will Be OK”, com Dashdot e Rocksted; “Make It Better”, outra colaboração
com uma afinação impecável — apesar de dançar o tempo todo —, mixando com Dashdot; “Without You”, com Sharam Jey; a cheia de groove “Get It On”,
suas produções com sucessos de artistas brasileiros e internacionais, fazendo ao lado de Jean Bacarreza; “Let You Go”, com Chemical Surf; a recém lançada
uma mistura de deep e tech house que conquista um público crescente. No “Anything”, coprodução com Schwanka; e várias outras.
encerramento da sétima turnê que fez pelo Brasil, a também DJ, compositora e
produtora dinamarquesa se derrete pelo país que a recebeu de braços abertos, “Quando recebo uma produção, gosto de ficar imersa no som para sentir o que vou
e já se considera “brasileira de coração”, apaixonada por açaí e canja de galinha. compor pra música. Aí trabalho nas melodias e letras a quatro mãos: muitas das
músicas crio junto de minha ‘parceira no crime’, Nikoline. Nos completamos muito
Mas quem diria que o Egito, um lugar quase místico na imaginação dos bem no estúdio. E são nas sessões à capela, quando escrevo e canto sobre o que
ocidentais, é muito parecido com o Brasil? Por isso, não foi nada difícil para estou sentindo, que geralmente as letras surgem. Acho que isso pode ser chamado
Ashibah, metade-dinamarquesa-metade-egípcia, cair de amores por seu novo de ‘autoterapia’ e o Brasil tem me inspirado como nunca!”, explica, sorrindo. Quando
público assim que botou os pés no Brasil. “Era minha primeira apresentação perguntada sobre qual artista brasileiro ela adoraria dividir as produções e pick-ups,
aqui [em Floripa], e não fazia ideia do que esperar. Antes disso, no dia, fui com Ashibah responde na lata: “Gui Boratto. Ele é um gênio!”
a equipe que me acompanhava em um churrasco: muitas pessoas diferentes,
familiares, amigos..., umas 15 pessoas. Estavam assando um peixe, as crianças Em sua última vinda, Ashibah chegou ao país em outubro de 2017 e foi embora no final
jogavam futebol no jardim e tudo isso com vista pro mar. Pelo jeito que interagiam, do mês de março. Foram seis meses de residência brasileira, mais precisamente em
sempre com um sorriso no rosto, vi o quanto os brasileiros são parecidos com Balneário Camboriú. E este período se transformou em trinta apresentações e muitas
os egípcios, o que me fez sentir-se em casa imediatamente. No dia seguinte fiz músicas novas. Com vários lançamentos rolando — incluindo parcerias com Sharam
minha estreia no Green Valley, numa noite absolutamente mágica! Depois do Jey, Dashdot, Gabriel Boni, Mumbaata e outros artistas —, finaliza seu primeiro álbum
show, o público me abordou com muito carinho e intensidade. Nunca havia tido ainda este ano. Tenho várias facetas e podem esperar por todas neste trabalho, com
uma experiência assim. E desta forma que começou o meu caso de amor com músicas super agitadas pro club, mas também um som bem tranquilo, para relaxar
o Brasil... a minha segunda casa!” smoking a joint”, nos conta em tom descontraído.
Dekmantel SP recebeu público expressivo e uma curadoria musical aplicada “De um modo opinativo bem pessoal, o que vi se equiparou a qualquer festival Cheguei por volta das três e meia da tarde de sábado. No palco principal Davis
europeu. E nisso, o público está de parabéns também. De vibrações leves a tocava um techno groovado, com BPM mais baixo e muito interessante. Dali parti
estruturas impecáveis. De organização dos line-ups, à construção de momentos e para explorar a área. Encontrei o palco Gop Tun, onde vi um pouco de TYV. Na
POR Gabriela Loschi e Alexandre Albini FOTOS Ariel Martini, Eduardo Magalhães e Gabriel Quintão detalhes que deixaram a festa muito mais gostosa. E os after-parties… Nunca havia pistinha do Na Manteiga Rádio, Rotação Brasil dava o tom. Parei um pouco também
me sentido tão à vontade em um evento no Brasil — desde sempre! para ver Bufiman, na pista Selectors. Do lado, passando pela ponte — quem foi
nas ‘Noites do Terror do Playcenter’, certamente se lembra que ali só se passava
“Feliz por ver um evento desse acontecendo aqui em São Paulo! Com essa máximos da infância. E para todos os que puderam presenciar o aproveitamento Acho que a palavra que mais se destaca quando penso no assunto é ‘inclusão’. As correndo — chegava-se ao UFO, que neste ano foi o segundo maior palco. Vi o final
variedade e qualidade musical, pluralidade de um público tão preparado para de cada espaço do antigo parque de diversões para a construção de pistas de festas aqui começaram a desenvolver processos de safe-spaces e inclusão social do set do Tessuto e o começo da Cashu, ambos bem pra cima. Fui ao main stage
receber e se entregar a tantas sensações.” Essa não é a fala de apenas uma dança aconchegantes e altamente vibratórias, com estruturas montadas em meio a de muitas ‘minorias’. Pela transgressão de normas e quebras de tabus, uma esfera encontrar uns amigos, e estava rolando Peggy Gou. A coreana é supertalentosa.
pessoa. É um sentimento que tomou conta da maioria do público. Nos dias 3 e 4 de árvores e plantas que refletiam colorido e felicidade nas iluminações. social contempla melhor as pessoas do jeito que elas são. E isso cria vibe. Quando Tocou alguns clássicos e fechou com “Transition”, do Underground Resistance.
março, esta metrópole não recebeu apenas um festival. Aquilo que vivemos foi uma você dança com a pessoa ao seu lado, sem se importar com a aparência dela, e
verdadeira egrégora energética. "Para além da curadoria cuidadosa e representativa, tudo isso foi embalado pelo sim somente por querer ter um tempo bom juntos, constata que a música e a arte Outro destaque desse momento foi o set ‘cabeçudo/ diferentão/ pra frentex’ da
respeito aos artistas nacionais, e por pistas divertidíssimas, tanto de dia quanto a propiciam o pano de fundo para esses acontecimentos. Acredito fortemente que Lena Willikens & Ikvovic. Os residentes do Salon des Amateurs, em Düsseldorf,
O lado racional nos faz buscar por pontos-chave do que fez o Dekmantel manter- noite, cada uma com sua proposta. No Anhembi não havia a estrutura de um festival festas são ferramentas de transformações sociais. mostraram um derretimento cerebral que entortou a pista. Fiquei com muita vontade
-se tão especial em sua segunda edição na capital paulista: a música, a estrutura, em si, mas o after foi espetacular, com uma atmosfera underground tão poderosa de conhecer esse club alemão. Voltei ao palco principal para a apresentação do
os detalhes, os artistas, os locais, as facilidades de acesso, a diversidade social, as que me fez chorar, que aquilo estava acontecendo no Brasil…”, conta Gabriela Loschi. Dito isso, gostaria de parabenizar o time de performers e artistas que deixaram o Midland, que já havia visto algumas vezes — mas esse set, que maravilha! Passeou
experimentações… um pouco de tudo! Depois de vivenciar cada segundo desses festival ainda mais colorido: Gabriella Garcia, Euvira, Valentina Luz, Alma Negrot, por diversos estilos, do jeito que eu curto. Um pulo no Na Manteiga pra encontrar
dois dias mágicos, destacar um fator é necessário: a atmosfera do festival. Esta edição abriu ainda mais espaço para talentos nacionais. Foi muito bonito ver Aretha Sadick, Alex Honda, Roberta Uiop. Parabéns também ao pessoal da 28.room outra amiga e ouvir um pouco do Thiago Guiselini, sempre um som classudo.
o suporte dos fãs, das pessoas curiosas e abertas a conhecer o diferente, mas pelo trabalho de iluminação e criação de ambientes. E claro, para a Gop Tun, além Kobosil pulei, pois já assisti várias vezes — o mesmo para o Mano Le Tough e
Não só para nós, mas a energia que contagiou o antigo Playcenter e o Sambódromo principalmente da fomentação da cultura e da arte locais. O público estava antenado de todo o staff e trabalhadores que fizeram parte desse momento artístico coletivo. Modeselektor.
do Anhembi por um final de semana inteiro, comandou os corpos e os sorrisos de e afim de ver nos grandes palcos aqueles que há tempos trabalham no Brasil, ao lado Os eventos não são só música e artistas famosos, e é importante sabermos valorizar
mais de seis mil pessoas, que vieram de todo o Brasil para viver ali algo que não se de nomes relevantes que estão causando nos clubs pelo mundo. É a coroação de todos os aspectos que nos trazem uma linda experiência multissensorial. Curti bastante o Randomer, que nunca havia visto, e peguei um pouco do set do
vive tão comumente em nosso país. anos de trabalho de muitos artistas brasileiros; e um possível carimbo no passaporte. Ney Faustini também. Só sonzeira em todos os palcos. Voltei para o UFO para uma
Entendo que muita gente gostaria de poder moldar os horários de uma forma em das apresentações mais aguardadas do meu roteiro: DJ Stingray, que teve uma
Em 2018, com a pressão de entregar novamente algo que entrasse para a Quando dissemos que esse tipo de evento não é tão comum no Brasil, estamos que pudessem assistir mais de seus artistas favoritos, porém é impossível agradar seleção de electro absurda, ‘malvada’, baterias que te espancavam — e um BPM
história tupiniquim, a organização (capitaneada pela Gop Tun) se deparou com falando na categoria de quem participa da cena paulistana há anos. A nossa equipe a todos. Já tive muitas oportunidades de ver a grande maioria do line-up, então o bem alto para a média. Muito foda ver mestres como Renato Cohen e Benjamin
um empecilho: o de não poder realizá-lo novamente no Jockey Club. Algo que se de cobertura foi formada por profissionais que costumam frequentar festivais e festas jeito que curti o festival foi um pouco diferente: estava interessado na experiência Ferreira se jogando na pista. A música atravessa gerações e isso é sensacional!
transformou em uma grande alegria para quem tem no Playcenter um dos símbolos underground ao redor do mundo e que estão até hoje em êxtase pelo Dekmantel SP. coletiva, ainda que a música em si tenha me puxado. Assim, pude transitar entre Assim foi o primeiro dia de festividades. Bora pro after?!
Jayda G
Chegando no Sambódromo do Anhembi, que local bonito: a arquitetura Gostaria de ter visto o show d’Os Mulheres Negras, mas me perdi para lá e para cá.
quase brutal, as linhas de concreto e a iluminação na medida. A trilha do Outro destaque foi a Jayda G. Que vibe! Só de ver/ sentir a energia dela tocando você já
palco principal foi aberta por Lust Attraction, de Medellín. Também conferi a quer dançar. Som funkeado e super groove, que lotou a pista Selectors. Na sequência
apresentação do Anthony Naples. Muito classe o som! Voltei pra ver o Juju & acompanhei um pedaço de Marcel Dettmann e de lá fui ver Anthony Parasole — que
Jordash — infelizmente o Juju (Gal) teve de se apresentar solo, mas mesmo pegada! Acompanho o som dele há anos, e curti bastante o set no UFO.
assim fez bonito. Passeei, vi mais um pouco de Lena Willikens, Cinnaman, e um
pedaço de RHR. Dois outros grandes destaques da programação noturna que De volta ao Sambódromo, o after estava em chamas! Chegando lá, a chilena Valesuchi
queria muito ver: Teto Preto e DJ Fett Burger. mandava um som maravilhoso. Na pistinha, esquentando as carrapetas, um b2b que
acredito ser de Interstellar Funk com John Gómez e Mall Grab. No palco principal algo
Sou fã de Teto Preto há anos, e fazia três que não os via: que evolução sonora! inédito se formava: Marcel Dettmann e Nina Kraviz convidavam Kobosil para participar
A unidade da banda, as transições e a musicalidade em si. Amei o som! Vi um do b2b. Desceram a lenha, com bastante industrial e minimal techno — BPMs altos
pedacinho de The Hacker presents Amato live, um electro/ techno com pegada e energia então, nem se fala! Foi muito lindo de ver tanta gente diferente dançando
diferente da de Detroit. E na ‘saideira’ fiquei pingando entre o set do mestre brazuca junto, numa pista composta por uma galera internacional, junto aos locais de vários
Magal e o b2b entre Palms Trax, Courtesy e Mano Le Tough. Saí de lá as sete da núcleos e festas. No outro palco, Four Tet e Floating Points transmutavam o público
manhã, acabado, porém feliz. numa viagem cósmica. Passeando por diversos gêneros, e numa sintonia de amigos
de longa data.
Dormidinha básica, banho tomado... Fui para o segundo dia e logo comi um
strogonoff vegano num dos trailers — bom demais! Nisso já estava rolando o set Depois Gui Scott e Young Marco tocaram bastante groove e sons baleáricos
do Marcio Vermelho. Muita classe sonora. Mesmo com a chuva que caiu, a pista mesclados com house. E Augusto Olivani, o Trepanado do Selvagem, tocou b2b
já estava cheia. Queria ter chegado mais cedo pra assistir ao mestre e caríssimo com o Casper Tielrooij, do Dekmantel Soundystem — rolou até Fernanda Abreu,
colega Tahira, e o ‘bro’ Gui Scott. Mas descansar era preciso para aguentar uma fazendo a galera remexer num swing maroto. A hora de acabar foi chegando, e
nova maratona. Parti então para o show do Azymuth com DJ Nuts. Há bastante na pista principal Anthony Parasole tomou conta e mostrou como os closings são
tempo queria ver esses caras: lendas vivas da música brasileira. Muita emoção em feitos do seu modo. Danny Daze se juntou a ele e um grande final foi feito, do jeito
forma de ondas sonoras e uma energia incrível! que um festival tão especial como esse merece.
Dali começou o meu ‘ping-pong’: um pouco de Mall Grab, para ouvir uns UK garage Quando o som parou, ficamos todos órfãos querendo mais! Mas foi lindo, e uma
e old school rave; aí fui para Dekmantel Soundsystem e de lá para o Selvagem, festa acabar às 7:30 da manhã de segunda no Brasil não é tão comum. Saí de lá
que também é uma brisa delícia. Vi também um pouco de Floating Points, no Na com um sorriso enorme no rosto, com memórias lindas de dançar debaixo do sol
Manteiga. E voltei ao UFO para o final da Courtesy, com seu techno super fresh; e e da lua, de pegar uma chuvinha tropical e me esbaldar que nem criança numa
um pedaço do live do Zopelar, que está há muito tempo um absurdo. Aí metade festa com tanta gente legal, interessante e de corações maravilhosos. Vida longa
do Four Tet... Que set lindo! Construções interessantíssimas, texturas e timbres ao Dekmantel São Paulo e a todo o público, organizadores, agitadores, artistas de
diferentes, subindo e descendo com um fluxo que poucos conseguem fazer. todos os âmbitos e trabalhadores da cultura!” ■
EM CONEXÃO
Durante passagem pelo Brasil para a estreia do
descansar por mais algumas horas. Chegando em São Paulo, alimentou-se bem,
com direito a suco de maracujá e pão de queijo, que ela adora.
Em sua vibrante apresentação no The Hole Festival, mostrou mais uma vez todo
comprometimento e paixão em conduzir a pista, mesclando algumas novidades
com antigas composições de sua autoria, como um dos remixes da faixa
The Hole Festival, Ellen Allien fala das mudanças na cena “Freak”, que abriu o set. Super simpática e disponível, nossa conversa abordou
assuntos dos mais diversos — desde a função dos clubs como aglomeradores de
clubber, DJs mulheres e novos projetos experiências, até sua visão crítica que envolve o sistema da música eletrônica.
A EXPERIÊNCIA DE
MÁRCIO VERMELHO
Você, além de Químico por formação, é um excelente
Fotógrafo. Existe algum projeto seu atualmente nesse
âmbito, ou a tendência maior seria audiovisual?
Com fotografia, nenhum projeto no radar. Já com
o Vídeo-Sistema, pretendo produzir mais no futuro
Frequentando a noite de São Paulo há vinte anos, é celebrado como um próximo, e também experimentações com sons e
grande conhecedor em vários aspectos da cultura da música eletrônica vídeos mais radicais, ideias além da dance music.
/blackmindbrasil
@blackmindbrasil
Tem quem escolha Poderíamos optar por uma entrevista tradicional, mas ao conversar com artistas,
amigos e família, os comentários foram unânimes: uma profissional dedicada e uma
a música eletrônica; super mãe. Logo sacamos que Jana Matheus é tão visceral e apaixonada pelo que
Jana Matheus foi faz, que seria melhor descrevê-la através do olhar de pessoas que a conhecem
bem, e muito! Na agência que comanda, a JAM Bookings, acumula as funções de
escolhida por ela booker, management, financeiro, logística e social media. Fundada há quatro anos,
atualmente conta com 18 artistas de destaque no cenário. Mas quem é essa mulher
que tem descoberto talentos e se tornado cada vez mais conhecida no mercado?
POR Luiza Serrano
Antes de mergulhar fundo nos bastidores da música eletrônica, Jana trabalhou no
Warung e El Fortin. Nas redes sociais, postava as suas descobertas musicais, de
artistas conhecidos e outros nem tanto. “Ela é influente no Facebook. Foi assim que
a conheci”, conta Marcos Violent, do Hot Bullet. Na época, ela realizava algumas
festas e um after no Estalerinho, em Balneário Camboriú. Em um desses eventos,
houve um embargo que a fez mudar os rumos.
Em 2014, com apenas três meses de projeto, Marcos a fez um convite desafiador:
“Jana, quer ser nossa booker?”. Sem experiência, apenas com contatos e força de
vontade, ela topou. Durante cerca de um ano, aprenderam juntos sobre o mercado,
o que não foi fácil. “Era tudo novo. Tomamos calote, tivemos problemas com
logística. Foi uma escola e ela nos ajudou muito. Abriu portas de grandes clubs e
nos deixou um legado enorme, mesmo após a nossa entrada para a Plus Network”,
conta o artista que, apesar de estar em outra agência, sempre manteve contato
como grande amigo, contratante e DJ.
Após o sufoco do início, ela aprendeu bem como se virar no mercado. Há quase
dois anos na agência, o Breaking Beattz tem Jana como manager e super mãe. “Ela
é muito pró ativa, não espera o contratante chegar. Está sempre disponível e faz
de tudo para mostrar que seus artistas são a melhor opção. O que temos é uma
parceria em que crescemos e batalhamos juntos”, revela Rafael Zocrato, um
dos integrantes do projeto ao lado de Lauro Viotti. “A Jana é uma máquina
de fechar gigs. Ela é do tipo que não deixa nada para amanhã e se entrega
a tudo que faz”, completa John Patrício, que faz parte do Clubbers junto
com Luiz Lopes, o Bozito.
Mas além de dar conta desses 18 filhos, tem outros três em casa
que dividem a sua atenção e um coração gigante. Júlia Machado,
a mais velha, acompanha de perto essa rotina. “Minha mãe teve
outros empregos, mas nenhum com essa paixão. Ela chora, vibra, vive
intensamente tudo em que se envolve. Acho que é capaz de matar um
leão por todos os seus artistas”, conta.
Com muita luta, determinação e claro, amor pelo que faz, Jana Matheus
pode se considerar bem posicionada entre as grandes agências. “Ela
sempre foi esforçada. Do tipo mãezona, que nos encoraja a ir mais
longe. Enxerga que somos capazes e nos mostra que podemos sempre
mais, tornando artistas pequenos em headliners brasileiros”, explica
Alex Senna. “Ela tem um olhar especial para encontrar DJs talentosos e
investir”, completa Rafael Zocrato. Se antes corria atrás de novos talentos,
hoje é procurada para auxiliar na carreira de muitos deles, um verdadeiro
reconhecimento para quem foi escolhida pela música eletrônica. ■
Durante muito tempo uma cena esteve consolidada nas periferias, fez escola e
deu espaço para muitos DJs negros se desenvolverem. Um deles, Andrew Santos,
também deixou sua opinião sobre o assunto: “Quando se fazia festas na periferia
(que somavam mais de 3mil, 4mil pessoas) não precisávamos nem de atrações. Mas,
assim que preciso, agências cobravam cachês absurdos, inviabilizando a parada.
Além de ignorar os artistas, ignoraram toda uma cena existente nos extremos da
cidade. Hoje muita gente paga o preço — e bem alto — por isso.”
Andrew também comentou, com exclusividade, alguns detalhes dessa cena que
foi de suma importância para a dance music na principal metrópole do país: “A
periferia sempre esteve à frente, os melhores DJs do mercado saíram dela. Além
de ter a sensibilidade musical, o talento nunca deixou de ser a carta na manga. Vivian Marques
Este foi o grande diferencial." Além disso, há também a inclusão sociocultural.
Segundo o próprio Andrew, os moradores dessa região não eram expostos à
cultura: “Não tínhamos acesso aos bailes de gala, com as orquestras, nos anos
50. Diversão do pobre era ter comida em casa, família unida e música tocando.”
Esse cenário um tanto quanto desfavorável não distanciou os negros das cabines nas
principais pistas do país. Nomes como Marky, Murphy, Marcio S, RHR, Akin Deckard,
Dany Bany e Vivian Marques já escreveram capítulos importantes na jornada musical
brasileira, mas tiveram que batalhar e muito para conquistar esse espaço. Uma das
principais dificuldades relatadas é o mal comportamento dos contratantes. Murphy
comenta o assunto: “A maioria dos DJs negros no Brasil hoje são somente vistos
em festas específicas de techno e house, boa parte delas em São Paulo, onde o
Tati Lisbon underground prega a diversidade entre mulheres, negros, gays e afins.” Dany Bany
também se posiciona de forma breve e incisiva sobre o tópico, deixando sua opinião
PERDEMOS
a respeito das razões que impedem a presença de mais negros nos line-ups: “Falta
de oportunidade, às vezes, por conta da origem e aparência.”
Já Tati Lisbon possui uma visão diferente sobre a questão e acredita que isso não
é algo de momento e sim histórico: “A presença dos DJs negros não diminuiu,
porque, na real, esse espaço na música eletrônica, assim como todos os outros
NOSSAS RAÍZES?
de trabalho — com exceção, é claro, dos cargos como os de limpeza, segurança
e etc (que tem toda sua honra, naturalmente) —, são majoritariamente ocupados
por pessoas brancas.” Entender quais caminhos são necessários para mudar
RHR, na Tantsa
esse panorama exige um esforço coletivo e urgente da cena. Marcio S, residente
do D-Edge e nome ativo desde a década de 90 comenta esse processo:
“Acredito que temos que fazer com que a música eletrônica underground chegue
POR Alan Medeiros FOTOS Nonono nononoon
Uma reflexão sobre a presença negra no atual mercado da dance music na periferia das cidades, pois lá estão 98% dos negros. Hoje não temos uma
quantidade significativa de festas e clubs nesses locais, coisa que nos anos 90
A dance music tem suas raízes cravadas no gueto. House, techno e boa parte
era muito presente e perdeu intensidade ao passar dos anos.”
dos movimentos musicais que hoje pulsam na pista surgiram na periferia e foram
POR
turbinados Alan Medeiros FOTOS
por gays e negros que transformaram Felipe Gabriel e Alexandre Barrenha
para sempre a forma como nos
Sem muitos representantes negros no cenário, jovens da periferia não possuem
relacionamos com a música.
uma representatividade motivadora no mercado e logo seus sonhos e objetivos
A dance music tem suas raízes cravadas no gueto. House, techno e boa parte representantes brancos e oriundos de outra cultura — algo perfeitamente normal e até
perdem força. “Os equipamentos de DJs são muito caros. Um setup profissional
Um
dos breve resgatemusicais
movimentos ao passado nos remete
que hoje pulsam anaalguns dos pioneiros
pista surgiram dos sons
na periferia que
e foram mesmo importante para o desenvolvimento dos estilos. O que não era esperado, ao
chega na casa dos R$ 20 mil e aí já temos um filtro desanimador para seguir
dançamos
turbinados hoje: Frankie
por gays Knucles,
e negros que Larry Heard, Derrick
transformaram May, Kevin
para sempre Saunderson...
a forma como nos menos em uma reflexão partindo do conceito lógico das coisas, foi o enfraquecimento
em frente. A música eletrônica no Brasil segue o parâmetro de outras áreas de
todos negros! com
relacionamos Se dermos
a música.um passo para trás para entendermos as origens de do número de DJs negros nos line-ups dos principais eventos do mundo.
trabalho, ela é elitista”, complementa Marcio. À exemplo do que a Tati comentou,
outros sons de pista, não dá outra: Afrika Bambaataa no hip hop, King Tubby no
não é somente nos palcos que faltam negros atuante: os bastidores também
dub e por aí
Um breve vai. Está
resgate ao na história,
passado noremete
nos sangueaealguns
no ritmo.
dosNão à toa ados
pioneiros black music
sons que É claro que o techno de Detroit ganhou um novo polo em Berlim e que a house
precisam receber estes profissionais com mais frequência e em posição de
— num contexto
dançamos hoje: mais geral
Frankie e não focando
Knucles, apenas
Larry Heard, em um
Derrick ou outro
May, Kevin estilo — é tida
Saunderson... music de Chicago influenciou a escola britânica com base cravada em Londres.
comando, para assim podermos ter mais oportunidades para os artistas.
por
todosmuitos como
negros! Seuma espinha
dermos um dorsal
passo do nosso
para trás cenário.
para entendermos as origens de Essas duas forças europeias da dance music são formadas em parte por muitos
outros sons de pista, não dá outra: Afrika Bambaataa no hip hop, King Tubby no DJs e produtores brancos, mas nem de longe isso justifica o que tem acontecido
Por parte das principais marcas do mercado, pouco tem se feito para que a presença
Quando
dub e porhouse
aí vai.e Está
techno
na saíram
história,donogueto,
sangueeraebem possível
no ritmo. Nãoque eles
à toa ganhassem
a black music nos últimos anos. Se pegarmos os principais eventos de house e techno no mundo,
de mulheres e homens negros aumente, o que é preocupante. Clubs, núcleos,
pistas
— nummais elitizadas
contexto mais ao redor
geral e não dofocando
globo eapenas
consequentemente
em um ou outro passassem
estilo — éa tida
ter alguns dos criadores do estilo estão lá, mas há poucos artistas negros da nova
gravadoras e empresários precisam começar a pensar de forma diferente, para que
representantes
por muitos como brancos e oriundos
uma espinha de outra
dorsal culturacenário.
do nosso — algo perfeitamente normal e até geração inclusos nesse cenário “high touch”.
finalmente a cena adquira a maturidade ideal e olhe com a devida atenção para as
mesmo importante para o desenvolvimento dos estilos. O que não era esperado, ao
raízes da nossa música. Mais do que um compromisso, precisamos reconhecer o
menos
Quandoem uma reflexão
house e techno partindo
saíramdo doconceito lógico
gueto, era bemdaspossível
coisas, foi
queo enfraquecimento
eles ganhassem Ao olharmos para o Brasil, a situação é ainda pior. Com a exceção de eventos
talento que reside nesses profissionais, pois bons exemplos devem ser replicados
do número
pistas maisde DJs negros
elitizadas ao nos linedo
redor upsglobo
dos principais eventos do mundo.
e consequentemente passassem a ter independentes que possuem uma preocupação genuína em oferecer espaço
e o debate sobre esse tipo de tópico precisa permanecer constantemente aberto. Tempos da Soweto
RESISTÊNCIA NEGRA
Histórias de vida e reflexões a respeito da representatividade na cena
POR Danila Moura FOTOS Ariel Martini e Felipe Gabriel (Red Bull Content Pool)
Durante a noite, enquanto assistia ao telejornal na TV de tubo, a mãe da DJ Dany tocar, pois é o mesmo que eu dançaria. Já percebi muitos DJs homens torcendo o
Bany aproveitava para rodar as fitas cassetes nas quais gravava pérolas como nariz para mim e também escutei: ‘o ela acha que vai fazer?’ Na hora fiquei um pouco
“Pump Up The Jam”, do Technotronic. Rapidamente, a filha tomou gosto pelos chateada, por dentro, porque minha resposta eu dei na música. Hoje, com quase
beats, e tempos depois, pelas viradas. “Minha única preocupação é fazer a pista 40 anos de idade, posso afirmar: existe preconceito na cena sim, e cabe a nós nos
dançar”, conta a DJ que integra a coletividade NAMÍBIA e é uma das produtoras juntarmos para gritar contra. Mas acima de tudo, acreditar e também prestar atenção
do projeto Soul Freak, no club D-Edge. Talento de sobra e determinação foram a nas famosas panelinhas. Temos vários coletivos que levam isso muito a sério.”
chave para que conseguisse espaço num meio dominado por homens e brancos.
ELAINE ELA
Assim como ela, outras estão firmando território na cena eletrônica, aqui e fora do
país. Uma lista de DJs produtoras impõe respeito pela qualidade musical. “As que A ida a clubs lendários de São Paulo, como Sound Factory e Tocco, despertaram
mais tenho escutado são Badsista, Jayda G, Natasha Diggs, Analog Soul e Tati os sentidos da produtora cultural Elaine Ela. A noite vista como local de trabalho
Lisbon”, recomenda a DJ GUILLERRRMO, que também faz parte da NÁMÍBIÀ. O começou quando foi hostess no after-hours Paradise, a convite do DJ Oscar Bueno, e
fato é que felizmente muitas estão indo além da pista, e a House Mag conversou depois no Lov.e. Em 2009, criou a festa Fervo, que nasceu de “uma grande vontade
com quatro dessas mulheres que cumprem funções estratégicas no universo de contribuir, de manter uma essência, nosso estilo de vida vivo, apresentando os
eletrônico para abordar questões tocantes a representatividade. sons para novas gerações e para mostrar aos mais experientes que existe muita coisa
nova sendo produzida”, relata. Desde então, ela encara lindamente a organização de
DANY BANY, em depoimento uma festa movida pelas vertentes pesadas de techno.
“Nos últimos anos, pude observar o crescimento e a valorização de uma Houve um aumento de mulheres negras em funções como DJ, produtoras
diversidade de estilos, festas e gente da minha cor. Em 1998, quando comecei musicais e culturais, organizadoras de eventos e afins?
a sair, estava tão maravilhada com a música eletrônica que nem pensava À passos de formiga, mas vem aumentando sim — o que é positivo. Tem muita gente Dany Bany
em tocar, ou percebia muitos preconceitos que sofria. Nessa época, havia que relaciona a mulher negra somente ao Carnaval e samba no pé. Adoro samba,
um pouco mais de DJs negros por conta da alta do drum and bass, mas, DJ mas a roda gira, né pessoal!
mulher, paulistana e negra eram uma ou duas. E olhe lá!
Já sofreu algum tipo de agressão e preconceito enquanto estava trabalhando? MARCELA RAMOS AKA MAFALDA ANA PAULA PAULINO
O tempo foi passando, os clubs foram fechando, outros abrindo... A cena Quando eu era hostess, uma mulher queria entrar sem pagar e perguntou: “O que
eletrônica tomou uma proporção imensa, e eu ali na pista. Uma nova era uma preta está fazendo aqui?” Deu confusão, queriam chamar a polícia, mas ela saiu A vida deu grandes voltas na trajetória de Mafalda. Frequentadora de festas como a Largar tudo para seguir o instinto pela música. Esta foi a decisão da produtora cultural
chegava com tecnologia, modernidade e informações. E não tinha essa do correndo. O primeiro sentimento que bate é constrangimento, porém depois, quem Mamba Negra, Capslock e Sonido Trópico, ela se sentia, às vezes, “como um corpo Ana Paula Paulino, uma das organizadoras do Heavy Baile e curadora do projeto
‘senhor DJ’ não vai falar o nome da música. Ou você terá que voltar na próxima realmente precisa se envergonhar? O ato foi deprimente, e só me arrependo de não estranho naqueles rolês”, apesar da identificação com as propostas e ideias. No ano musical Pulso, organizado pela Red Bull. Após dispensar um emprego na área da
semana para escutar aquela tal música que ficou a semana inteira na cabeça. ter seguido com o chamado da polícia. Hoje faria diferente. Já nas edições das Fervos passado, graças a sua companheira, Pi Erra, teve contato com os organizadores da comunicação, iniciou a carreira musical como assistente na organização da festa.
e Raves, que têm a predominância de homens e brancos, isso nunca aconteceu. festa BATEKOO. Desde então, é uma das produtoras do evento. “Nunca tinha tido contato direto com funk carioca e a mistura de ritmos que o Leo
Assim cresceu minha vontade de tocar e fazer parte do outro lado da pista. Tive Fazemos parte de um mesmo movimento, o que nos conecta é independente de fazia era bem diferente da cena eletrônica de BH. Tudo era muito novo pra mim!”,
amigos que não me deixaram desistir e sempre acreditei no estilo que escolhi para gênero, raça ou opção sexual. Meu trabalho sempre foi respeitado. Como lida com o fato de estar num meio dominado por homens brancos? revela Ana, que e tem no currículo o trabalho de produtora da MC Carol.
Gosto muito da palavra resiliência: resistir para existir. Vivemos num mundo
dominado por homens brancos e a cena é reflexo disso, porém vejo a cena Como avalia a representatividade da mulher negra em cargos musicais como os
juventude paulistana a reavaliar sua relação com a vida noturna. A Mamba Negra,
talvez um dos maiores exemplos, foi fundada por duas artistas mulheres e continua
expandindo seus ideais ao abrir espaço para DJs e performers pertencentes a
minorias. A festa, que conta com uma lista de entrada gratuita para transexuais, se
estende a oficinas, palestras e selo musical, exercendo um papel fundamental de
luta pelo equilíbrio de gênero na música eletrônica.
Na edição 2018 do Dekmantel São Paulo, que já se mostrou com um line-up mais
diversos do que no ano passado, pudemos ver o que a Mamba já vem fazendo:
desconstruir a ideia tradicional de DJ set, quase sempre masculino, para incluir
mais DJs mulheres e performances de artistas LGBTQ. Seja no show bombástico
da banda Teto Preto com o performer Loic Koutana, ou a Cashu representando as
minas nos toca-discos, isso foi também expressado nas performances de Euvira,
Valentina Luz, Aretha Sadick, Alex Honda, Alma Negrot e Roberta Robs.
Depois destes anos de efervescência, o cenário ficou meio adormecido. De um ano pra cá, a representatividade aumentou muito e a Coletividade NÁMÍBIÀ No mês de abril o coletivo se uniu com a Sangra Muta em uma festa chamada
Porém, nos últimos anos, mudanças vêm acontecendo e estes artistas visuais é uma das grandes responsáveis por isso. A performer Euvira Euvira, criadora “trans.cendência/cyborg”, dividida em “linha áudio” e “linha ação”, equilibrando
estão voltando com força total, sendo reconhecidos como peças chave dos do coletivo, começou a questionar sobre qual era o papel das minorias dentro Valentina e ressaltando a importância de todos os artistas envolvidos. A edição anterior
eventos mais badalados da cidade. Loic Koutana, Ivana Wonder, Euvira Euvira, dos eventos, focando em aumentar a visibilidade da produção artística negra no trouxe ao Brasil a cantora e performer trans venezuelana, radicada em Berlim,
Elloanigena Onasiss, Valentina Luz, Alma Negrot, Aretha Sadick, Kitty Kawakubo, circuito underground eletrônico. “As pessoas sempre deram importância ao artista Aerea Negrot. Já a ODD mais recente, por sua vez, foi marcada pela presença da
Alex Honda são algumas das figuras essenciais das festas de São Paulo. visual, mas nunca questionavam o lugar dele na festa. Agora isso está mudando.” DJ, produtora e ativista das causas trans e negra Honey Dijon, de Nova Iorque.
Se perguntarmos hoje para qualquer frequentador da noite paulistana dicas para
As festas underground têm refletido o espectro político atual, e com a repressão, Fato que gerou a lista VIP para trans e drag queens na Mamba Negra, em o final de semana, várias das respostas serão “festas que têm um propósito em Porém, apesar da crescente presença e prosperidade de artistas na cena
vem a resistência. Criando uma consciência sob o corpo, estes artistas gritam que Kitty Kawakubo é a responsável junto de Euvira. Ainda que eu tenha meu comum por trás” — à exemplo de Mamba Negra, ODD, Sangra Muta, e outras. noturna, a luta pela igualdade e diversidade racial e sexual no cenário cultural
revolução, e isso é importante não somente para as pistas, mas também para a espaço, não fazia sentido ter uma comunidade visível com cinco pessoas Seja focada no segmento de techno, house ou música experimental, todos é mais urgente do que nunca. Afinal, o número de casos de violência contra a
própria existência. Com uma urgência de se expressar, passam suas mensagens numa cena tão grande. Comecei a pensar em como as trazer de volta para esses eventos vão muito além das pistas de dança. Ou melhor, utilizam-se delas comunidade LGBTQ está aumentando, fazendo com que, infelizmente, o Brasil se
para o mundo em forma de montação e dança. Podemos dizer que tal momento esse ambiente, já que nos anos 90 éramos figurinhas carimbadas da cena. Não para desenvolver iniciativas sociais de empoderamento e representatividade distancie cada vez mais de abandonar o posto de primeiro lugar entre os países
tem sido muito importante e que a história está sendo escrita. dá mais pra esconder que nós existimos!”, conclui Kitty. Euvira complementa: de negros, mulheres e LGBTQs. Nas ruas, ocupações ou clubs, essas iniciativas que mais registram casos de crimes deste tipo.
“Pensamos nessa iniciativa porque são pessoas que trabalham na noite, então estão conquistando um público cada vez maior e trazendo à tona a voz das
Um destes protagonistas é Loic, artista francês-africano que mudou para a capital acho legal que não precisem pagar para entrar nas festas. Abrir estas portas a minorias cansadas de serem silenciadas e ignoradas ao longo do tempo, É importante nunca esquecer, portanto, que gays, negros e queers sempre
paulista há alguns anos e se tornou performer do Teto Preto. “Temos criado um elas e possibilitar acesso a entretenimento e sociabilidade.” tentando promover visibilidade, combater o assédio e desconstruir, mesmo que exerceram papéis fundamentais na história da música eletrônica e hoje continuam
movimento no qual crescemos juntos. No início focávamos mais no espetáculo aos poucos, o racismo sistêmico no Brasil. impulsionando as cenas undergrounds, mostrando-se mais relevantes. À medida
e no figurino, mas agora pensamos em qual mensagem queremos passar. Tendo em vista que o papel do performer é mostrar visualmente a mensagem que o que projetos como os que citamos se fortaleçam, ganhem respeito e esgotem
Estamos muito mais cientes do nosso papel, tanto eu, negro e gay, quanto a evento se propõe, foi criada e aprimorada com êxito uma atmosfera contempladora Apesar da discussão de tais questões muitas vezes parecer superficial — tratando o ingressos antecipados, percebemos a necessidade e demanda por mais festas
Laura Diaz [vocalista] como mulher. Nossos corpos hoje são políticos, e não mais e lúdica, com tais artistas trazendo um olhar questionador sobre o corpo que está ali feminismo ou o movimento trans e queer como tendências, e não como movimentos inclusivas. Elas são mais que necessárias para termos os chamados “safe spaces”,
uma atração da festa”, conta. Segundo ele, este movimento é muito exclusivo da se expressando, e de forma ou outra, acabam por reeducar o público. E uma coisa sociais —, o contínuo levantamento e abordagem desses assuntos em espaços onde todas as minorias podem ser acolhidas para se expressarem livremente e
América Latina e quase não ocorre ainda nos festivais. podemos ter certeza: estas vozes estão ecoando muito além das pistas de dança! noturnos e festas está colocando pressão em diversos outros eventos e levando a continuem a desconstruir preconceitos.
pervertidas, as mensagens primordiais foram subvertidas e os valores foram nos clubs, festivais ou nas festas independentes. Se esta popularização era algo tão
convertidos, já que muito daquilo que estabeleceu sua existência como um desejável e positivo, por que não se deu de forma universal e radicalmente inclusiva
recanto onde se busca liberdade e tolerância, hoje se tornou algo mais próximo a ponto de criar uma verdadeira utopia na qual todos aqueles que nos legaram essa
de um resort à procura de amenidades e indolência. Isto não se refere apenas ao cultura musical e comportamental tivessem um lugar nela? Ou, trocando em miúdos:
recrudescimento de certos tipos de comportamentos infensos à militância, mas por que essa abertura não transformou a sociedade a ponto de termos mais negros,
principalmente de um certo tipo de ignorância que repele a diferença ao não gays, trans, lésbicas e cada parcela identitária que ajudou a criar esta comunidade
admiti-la ou até reconhecê-la. Este é o ponto crucial no qual uma pista se torna como integrantes de sua pluralidade, mas acabou por absorver as cisões externas
algo especial, além de um mero estabelecimento comercial, exatamente no limiar que operam na marginalização de cada um desses grupos?
em que entretenimento se torna cultura e, aqui, vemos claramente os limites
daquilo que um ambiente estritamente interessado em retornos financeiros pode É previsível que tal afirmação seja vista como uma injustiça e possível que seja
prover, pois certas considerações de sustentabilidade e durabilidade não têm entendida como um exagero, mas como não se intrigar com a simples constatação
como ser contempladas nessa dinâmica fugaz. de observar essa mesma pista em muito desprovida de representantes das
comunidades que ajudaram a fazê-la ou, quando muito, sua presença em
Basta vermos as imensas dificuldades que se põem a empregadores quando o posições subalternas distantes da simples fruição daquilo que esse ambiente
tema se torna inclusão, ou pior, diversidade no ambiente profissional. Este é o tem de melhor a oferecer? Como lidar com o fato de que a pista se tornou um
ponto em que o nível comunitário se distancia do societário e no qual as relações reflexo daquilo que procurava contestar desde suas origens?
mais pessoais se tornam mais fundamentais. Assim se explica aquele ato tão
contraditório como o de colocar estritos controles de acesso a um local que deveria Este é um dos dilemas que se apresentam a todos os clubs, mas que os coletivos
ser ecumênico, quando quem está na porta de um club pretere alguns para o independentes souberam enfrentar de modo mais direto e frutífero justamente
privilégio de outros. Essa tensão entre dimensões distintas de sociabilidade também por não estarem tolhidos pelas considerações comerciais mais imediatas às quais
define muitas das particularidades que a história do entretenimento noturno nos essas estruturas institucionais de entretenimento mais tradicionais (e rígidas)
trouxe nesse glorioso século de existência e, a partir delas, entendemos melhor sempre estiveram submetidas. É evidente que, quando se tem em mente o êxito
que a pista ser apreciada como um lugar universal é um mito em certo sentido. financeiro num tipo de empreendimento cujo risco é extremamente elevado, por
conta do próprio tipo de bem cultural que circula no mercado, decisões que podem
Entretanto, a evolução da pista como um empreendimento trouxe com ela todas ameaçar as posições e reputações que foram granjeadas com grandes custos são
lógica de um âmbito social no qual essas sutilezas comunais não teriam lugar, já vistas com um temor previsível. Grande parcela dos consumidores desses bens
que um público cada vez mais amplo demanda códigos com maior disseminação. que garantem a sobrevivência de tais empreendimentos são parte de uma elite que
Esta expansão custou uma bela parcela de autenticidade ao universo que fora tanto se sustenta dessa desigualdade quanto se envergonha dela, apresentando a
até então cultivado na — e pela — pista de dança, mas a contrapartida se deu contraditoriedade manifesta de um país entrecortado de paradoxos.
numa necessária democratização de suas normas e público. Daqui em diante não
apenas os escolhidos ou entendidos, os pioneiros e seus seguidores, detinham Em contrapartida, o fator que moveu e deu originalidade ao novo movimento
o privilégio de definir seus pares e os rumos de sua comunidade: ela havia propelido por festas como Mamba Negra, ODD, Capslock — e sua transformação
se transformado, em algo maior e muito mais plural. Isto não se deu sem uma conjunta da fauna e flora noturnas da metrópole paulistana — foi uma radical
transmutação radical da essência do que se entendia ou desejava, já que aquele reproposição do que uma pista deveria ser enquanto lugar criativo, para além do
mesmo mundo contra o qual ela se moldou e protegeu os seus começava a ser meramente contemplativo. Este contraste e a tensão que o alimenta são o que fazem
DIVERSIDADE
insinuar e penetrar em seus meandros mais profundos. deste momento atual algo único em termos de seu potencial transformativo. Se, de
um lado temos o tipo de seletividade exclusiva que um dia fez de lugares de prazer
O que se seguiu foi a popularização desse universo e a transformação de vários de e apreciação musical verdadeiros refúgios, de outros temos uma permissividade
seus mais elementares aspectos, para o melhor e para o pior. Pois, se a “perestroika inclusiva que ainda se faz necessária frente ao avanço de um conservadorismo
da pista” através de sua comercialização e popularização massivas trouxe uma tacanho que em muito se calca na segregação econômica. Mas não é apenas
NA PISTA DE DANÇA
nova geração e, com ela, um novo fôlego à cena que a mantinha viva, mas também nessa polarização que o potencial de mudança pode ser se encontrado, já que
se imiscuíram questões complexas que são parte intrínseca aos problemas que núcleos como a Gop Tun e Soul.Set parecem estar conseguindo, não sem conflitos
fazem de uma sociedade aquilo que ela é. E, como sabemos, no caso de um país e percalços, um equilíbrio entre representatividade dentro e fora das cabines, sem
diverso como o Brasil, mostra-se extremamente desigual em termos de distribuição ter de recorrer a uma postura mais aguerrida.
de oportunidades, privilégios ou simples condições de existência e dignidade.
Todavia, seria ilusório pensar que vivemos uma renascença, aquele idílio que um
E finalmente chegamos à questão central que se torna cada vez mais candente, seja dia pôde ser aproveitado por tantos e tão distintos num só lugar e que marcou
Como colorimos nossa cena? Com CMYK ou RGB? as décadas pioneiras da música eletrônica dançante no Brasil e o cenário é
um tanto desalentador se levarmos em conta as promessas que se encerram
nessa cultura desde sua origem. Em plena segunda década do século XXI ainda
POR Chico Cornejo FOTOS Felipe Gabriel e Eduardo Magalhães
vemos seleções excludentes em termos de padrões convencionais de beleza na
porta de clubs; ainda não vemos tantos afro-brasileiros na pista quanto vemos
limpando-a ou servindo a quem nela curte a noite; uma visão erotizante-exotizante
Existe uma enorme quantidade de demandas e funções que recaem sobre um
ainda define muito de nossas relações com a população trans, quando não uma
espaço coletivo, especialmente aqueles que congregam uma vasta parcela de
transfobia explícita; e sequer podemos dizer que atingimos um equilíbrio entre
indivíduos em torno de um objeto de desejo ou fruição comum. Assim, esses
homens e mulheres nas posições de destaque desta “indústria”.
espaços acabam tendo de atender a uma quantidade imensa de expectativas. E,
quanto mais diverso o contingente que abriga, maior a variedade de conteúdos
Em suma, temos pouco do que nos gabar, considerando que esta cena foi
e, consequentemente, de finalidades que engloba. Algo aplicado a museus,
construída por párias e sobre uma sólida base de respeito às diferenças, contudo
aeroportos, parques, praias, pistas de dança...
até que bastante do que nos orgulhar, pois as possibilidades abertas pela nova
geração, com seus novos modos de reivindicar direitos, reintroduzir questões e
Cabe colocar desde o início que uma pista não encontra a realidade num vácuo,
repensar um futuro mais inclusivo estão aí para propor desafios e soluções. O
pairando sobre a sociedade como um satélite ou mesmo existindo uma dimensão
cenário não deixa de ser alentador, porém as apostas foram elevadas, pois o que
paralela. Esta depende de inúmeros aspectos que a ancoram no mundo em que
deve ser feito, não se aplica mais apenas a nossas interesses e sonhos imediatos
todos nós existimos, feito de preocupações comerciais, condicionamentos legais
e circunscritos, mas devem atingir a sociedade como um todo.
e demais assuntos triviais. Mesmo como um refúgio de todas essas agruras que
a vida numa cidade nos apresenta impiedosamente, ela está sujeita a ser poluída
A pista não acaba quando o som desliga, ela continua enquanto houver fôlego e
por muito daquilo a que a própria procura se colocar como alternativa.
vontade para dançar, lutar, mudar e amar. Só nos resta saber, respondendo à pergunta
inicial, se em meio a tudo isso vamos colorir nossa cena por adição ou por subtração.
Porém, quando isto ocorre, fica claro que as finalidades originais foram
“Basta enviar o seu nome social mais sua identificação de gênero.” É uma
das frases destacadas em uma postagem na página do Facebook da ODD
(SP), comunicando os seguidores sobre a entrada gratuita para transexuais.
“A ideia de criar uma lista para pessoas T é tornar as festas mais acessíveis
e seguras para esse público”, destaca Márcio Vermelho, DJ há mais de 20
anos e também um dos organizadores do evento. A festa também firmou
recentemente uma parceria com o Centro de Cidadania LGBT Luiz Carlos
Ruas. Sobre esse projeto, Vermelho explica: “A ponte que fizemos com eles
tem o objetivo de oferecer mais oportunidades através do mercado da música
eletrônica. Cadastrados no Programa Transcidadania poderão participar de
cursos com profissionais da área artística e operacional e ocupar vagas de
trabalho nas edições da ODD e outras festas.”
A já falecida Condessa Mônica, fundadora do lendário Nostro Mondo, club clássico “Historicamente a música eletrônica surgiu nessas comunidades LGBTQI e negras,
da cena paulistana na década de 70, se orgulharia de ver isso acontecendo. para depois ser absorvida pelos europeus brancos heteronormativos e assim se
Pratica esta que tem sido utilizada por diversas iniciativas do segmento e, sem espalhou no mundo. É mais do que nossa obrigação que o ambiente da festa seja
dúvida, é uma ferramenta que potencializa o protagonismo destas pessoas na acolhedor para essas pessoas, não somente, mas também para as mulheres”,
cena. “Eu como mulher trans e periférica dificilmente teria oportunidade de estar ressalta Carol Schutzer, conhecida como DJ Cashu, uma das fundadoras do
nesses espaços, principalmente por falta de grana. Acho a lista off e essas ações coletivo e festa paulistana Mamba Negra. Cashu também acredita que “o mais
super importantes. É uma inclusão necessária diante da falta de oportunidades importante é ter diversidade e representatividade, porque esse é um problema
para a nossa classe!”, afirma Titi Tiffany, hostess responsável pela “Lista T” das estrutural. Nada adiantaria fazer medidas de listas free e conscientização se
festas dos coletivos de música eletrônica de BH e integrante da ONG Transvest. a festa não tiver pluralidade nela própria. [...] o próximo passo que a cena em
ABAIXO A
geral tem que se preocupar é em capacitação para minorias, workshops etc, já
“Todo e qualquer tipo de ato violento e abusivo, verbal ou físico, seja motivado que sabemos que o problema maior e anterior a tudo não está em nossa alçada
por machismo, homofobia, transfobia, racismo, xenofobia, gordofobia ou que é o acesso aos equipamentos, principalmente aqui no Brasil com impostos
contato íntimo não consensual, não será tolerado.” Este é o alerta do coletivo gigantescos”. Sobre as ações de inserção de minorias adotadas por vários
MASTERplano, de Belo Horizonte, ao divulgar um grupo no WhatsApp criado coletivos do país, a DJ completa: “Não sei até que ponto é uma transformação
exclusivamente para estreitar a comunicação entre o público e a produção. O social tão abrangente, porque estamos falando de um nicho, mas arrisco dizer
INTOLERÂNCIA!
link que direciona para este canal é divulgado para os participantes da festa que o que fazemos se aproxima de uma micropolítica.”
e tem o objetivo de receber possíveis denúncias que envolvam qualquer tipo
de assédio ou discriminação durante o evento. É uma espécie de “grupo de No país onde deputados são eleitos e passam tanto tempo de mandato sem
olheiros” que compactuam com os mesmos ideais da turma e zelam por um aprovar nenhuma Lei favorável aos anseios da sociedade, e mesmo assim sendo
ambiente mais harmônico na cena da cidade. aclamadas por algumas pessoas, torna-se cada vez mais importante a construção
de pequenas iniciativas visando uma melhoria macro. E, sem dúvida, a música
O que os produtores de eventos têm feito para construir ambientes cada A respeito da ferramenta, Pedro Henrique Saldanha, um dos integrantes do
núcleo mineiro, explica que essa ideia foi colocada em prática depois de ter
eletrônica tornou-se uma forte ferramenta sócio-política no fortalecimento da
igualitariedade destas minorias e para a construção de espaços onde cada um
dia mais seguros para a comunidade LGBTQI+ dentro destes espaços? sido recebido diversos relatos de pessoas que haviam sofrido alguma forma pode ser livre para dançar e celebrar como realmente é... sem censuras!
de assédio ou discriminação nos eventos. “Resolvemos então fazer uma roda
de conversa aberta com o público e outros produtores da cidade para debater
formas de tornar esses espaços mais seguros. Tivemos a participação, inclusive,
POR Atrhur Cobat FOTOS Fábio Resende e Ivi Maiga de representantes de festas que não eram de música eletrônica. Nesse debate,
uma das soluções apontadas foi a mudança da equipe de segurança para uma
equipe composta majoritariamente por mulheres, além do grupo de mensagens.
Sempre que reforçamos isso em nossas comunicações, de alguma forma afasta
Em um país como o Brasil, onde fazer parte da noite sempre foi sinônimo de São Paulo e Minas Gerais aparecem entre os dois Estados onde se registraram este tipo de comportamento.”
resistência, diversas festas da cena eletrônica atual vêm criando estratégias que no ano passado o maior número de ocorrências, seguidos por Bahia e Ceará
acolhem e promovem um espaço cada vez mais legítimo para a comunidade — em termos absolutos. É importante lembrar que em um período não tão É bom frisar que toda essa preocupação trazida novamente para a cena
LGBTQI+ se expressar de diversas formas, levando sempre em consideração as distante de hoje (1982), durante a Ditadura Militar, um delegado rondava as é extremamente importante para resgatar uma parcela essencial desta
especificidades, vivências e barreiras sociais de cada indivíduo destes grupos. ruas da capital paulista a procura de festas ilegais em uma caça intimidadora comunidade para a música de pista. A dance music sempre teve uma relação
à comunidade LGBTQI e artistas da época, em missões que foram designadas muito próxima dos LGBTQI+, acompanhando esses grupos em cada conquista
Nos últimos cinco anos têm crescido o número de coletivos que carregam em como “Operação Cidade”. O objetivo desta ação era prender assaltantes e e nas batalhas sociais diárias. Gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais,
seu propósito muito mais do que a música, mas também o compromisso em criar traficantes no centro da cidade, porém, nos finais de semana eram detidas queers, intersex e tudo que percorre a sexualidade não-normativa, sempre
festas seguras para minorias e pessoas com pouca visibilidade na sociedade. São aproximadamente 500 pessoas acusadas de “práticas de homossexualismo”, assumiram uma narrativa importante para a construção dos mais diversos
coletivos que fortalecem a sociabilidade desta comunidade, diante de um cenário “expressões artísticas impróprias” e outros “delitos”. Ainda bem que não estilos eletrônicos, desde o início da década de 70, com a famosa boate
não muito favorável. Pois, segundo dados da ONG Grupo Gay da Bahia (GGB), em estamos mais naquela época e hoje é possível produtores usarem a música The Loft, de David Mancuso; pelo Chicago house com o Frankie Knuckles;
2017 o Brasil alcançou uma marca preocupante: a cada 19 horas uma pessoa é eletrônica como um agente social transformador. no Detroit techno, com importantes colaborações de Morris Mitchell; no acid
assassinada vítima da “LGBTQIfobia”, o que coloca o nosso país como o campeão house do Paul Oakenfold e Nicky Holloway; na própria pista da Berghain, que
mundial desse tipo de crime. Isso equivale a aproximadamente 450 mortes por “Nós temos o poder de criar espaços libertadores em nossas festas e precisamos é completamente ocupada pelas mais diversas tribos; ou de todas as festas do
ano, sendo que 56% dos casos acontecem em vias públicas. acreditar e lutar por esse ideal. Desde a comunicação durante a divulgação dos segmento underground que fortalecem este cenário.
QUEBRANDO
O PODER DELAS! BARREIRAS!
Os desafios de ser DJ, numa profissão ocupada em maior parte por homens
Feminismo e empoderamento trans são fonte do que há de mais criativo hoje
POR Bruna Maia
POR Jade Augusto Gola FOTO Felipe Gabriel (Red Bull Content Pool) As mulheres estão e conquistando cada vez mais espaço no mercado de trabalho, Viviane Mendes e Valentina Luz são negras, e além dos desafios diários do
e no mundo da música eletrônica não tem sido diferente. Apesar de sermos minoria, machismo, precisam também lidar com o preconceito racial. Viviane destaca que
vem sendo mais comum encontrá-las brilhando e atuando de forma significativa. algumas curadorias não costumam prestar atenção em artistas femininas por puro
Esta edição da House Mag foca na diversidade, pois em 2018 é impossível não falar ainda mais adicionado por elementos de ghetto tech, house music e dançarinos Mas nem tudo são flores e ainda há muitos desafios para essas artistas. Para tentar comodismo. “Você é julgada o tempo inteiro pela aparência e jeito de tocar. Mesmo
de política, sociedade e cultura sem abordarmos questões sobre representatividade. de vogue sci-fi e andróginos. traçar um panorama a respeito, conversei com as DJs Jessica Tribst, Marian Flow, se já tiver um trabalho reconhecido, sempre rola um tratamento de que não é boa o
Se por um lado é triste perceber como muita gente na cena eletrônica nem vergonha Viviane Mendes, Valentina Luz e Ana Giselle, que falaram sobre as dificuldades em suficiente pra estar lá”, conta. “Enfrento desafios desde muito cedo, então aprendi a
tem de demonstrar apoio por políticos que vão contra os valores de P.L.U.R, por outro Em Berlim, o Berghain/ Panorama Bar tem noites em que 80% do line-up é uma atividade exercida em maior parte pelo sexo oposto. lidar com meus medos e ter amor próprio. O preconceito é diário”, comenta Valentina.
lado é excitante perceber como no feminismo e no empoderamento transgênero feminino — iniciativa que alguns núcleos do Brasil também adotam. Dos EUA, uma
surgem algumas das demonstrações musicais mais legais do momento. referência vem da agência de artistas Discwoman, que reúne diversos talentos Inegavelmente, o ato de discotecar sempre teve uma característica mais masculina Ana Giselle, mulher trans, acaba tendo que provar muito mais a sua capacidade
femininos. Também de lá, The Black Madonna é a mina gorda, que dança e toca — não só no Brasil. Talvez porque os meninos desde pequenos já tenham maior profissional, sem contar a discrepância no valor dos cachês, “o que dificulta,
Está em turnê pela Europa o show da Fever Ray, com a vocalista Karin Dreijer (que já de disco a house como ninguém, que um dia já foi considerada por haters como afinidade com equipamentos tecnológicos e jogos eletrônicos. Como em toda inclusive, a permanência na cena exercendo a profissão de DJ, que para a
foi a voz do célebre grupo sueco de techno pop The Knife). A banda canta o sexo e a “uma DJ para não ser vista, pois não se ‘parece’ apropriadamente como tal”, e ocupação que possui mais homens, existe um certo preconceito quando encontram otimização do trabalho exige equipamentos caros que não condizem com a
realização do desejo feminino como um ato político em uma apresentação dançante, hoje é dos nomes mais celebrados, com programa na BBC inglesa e fãs como uma mulher ocupando tal posição. Algo que pode vir de todos os lados: da família situação financeira da maioria de nós”, ressalta.
cheio de groove. Já aqui no Brasil, diversos holofotes estão direcionados para o Iggy Pop. Sua amiga Honey Dijon é negra, trans, houseira de primeira, roda o que não considera essa profissão “adequada” para meninas; por uma parte dos
novo disco da rapper Karol Conka, Ambulante, prestes a ser lançado e ajustado pelo mundo igualmente e estampa capas de revistas como a Vogue, com sua vigorosa contratantes e colegas de ofício que as julgam “incapazes” de conseguir comandar Assim como alguns coletivos já vem fazendo, o M.A.N.A.S e o Tetatrônica, de
produtor gay Boss in Drama, que terá um pé bem fundo na sexualidade fluida da história e força criativa. uma pista ou usar os equipamentos corretamente; e por aí vai. Brasília, nasceram com objetivo de unir forças para conquistar mais visibilidade e
house music — algo notável para o ainda masculino universo hip hop. oportunidades de trabalho para as mulheres na cena. Exemplo disso é o club Zig,
Gavin Russom — agora Gavin Rayna, após assumir-se como mulher trans — é Jessica conta que sofreu certo tipo de ceticismo no início da carreira: “Tem o lance que passou a oferecer workshops gratuitos de discotecagem para pessoas trans.
Aqui no Brasil, diversos holofotes estão direcionados para o novo disco da rapper mestre dos synths do selo DFA e do LCD Soundsystem: tocou na capital paulista de ser julgada. A mulher é mais vulnerável a este tipo de situação, e fica com maior
Karol Conka, Ambulante, prestes a ser lançado e ajustado pelo produtor gay Boss na ocasião do show da banda e ficou emocionada com a força e o apoio da receio de dar a cara a tapa. Isso acaba fazendo parte do processo, infelizmente.” Nesse ponto Jéssica pondera: “Ainda há uma ‘barreira’ a ser quebrada. No começo
in Drama, que terá um pé bem fundo na sexualidade fluída da house music — algo comunidade trans paulistana. Seguindo os passos da icônica DJ Sprinkles, Octa Marian reforça: “Passei por diversas barreiras para evoluir e aprimorar o meu é difícil, mas acaba fluindo de forma mais natural na sequência.” Por mais que os
notável para o ainda masculino universo hip hop. Octa é um dos nomes mais quente do deep e da house music hoje, que além de conhecimento ao longo dos anos. Muitos duvidam da capacidade feminina de desafios sejam enormes, as mulheres que sonham com isso têm encontrado um
magnífica produtora e também uma DJ insana — quem a viu tocando na ODD produzir música e executar bem a parte técnica.” cenário promissor, com várias DJs de destaque fazendo história na música eletrônica.
Em São Paulo, Linn da Quebrada é a trava língua que você respeita: negra, recentemente está falando desse set até agora… Entretanto, é nítido que seguimos longe de uma equalização de gênero nos grandes
babadeira, feroz na rima, excursionando na Europa e premiada no festival de A existência de uma cobrança maior em cima da mulher em todas as profissões eventos, em que elas não representam nem 10% dos artistas contratados.
cinema Berlinale com o seu biodocumentário “Bixa Travesty”. Ela fechou, no Ainda que o objetivo principal desse texto não seja insistir apenas no proselitismo é irrefutável. Situação resumida pela pergunta infeliz de sempre: “Será que ela
início de abril, a celebração de três anos da ODD, ao cantar sobre os beats da político, buscamos exemplificar aqui apenas como muitos que são alvos de consegue?” Eu particularmente gosto quando esse tipo de desafio é lançado, A fim de mudar esse cenário, temos contado com a luta de diversas profissionais
DJ Bad$ista a faixa “Vencer é ‘vem ser’”: ela canta como ser travesti é bom, intolerâncias das mais diversas são os que estão fazendo o que há de mais criativo, porque, como afirma Jéssica, “não existe gênero que fale mais alto do que talentosas e de outras que estão esperando apenas uma oportunidade, trabalhando
esfregando a pepeca na cara da sociedade. E quem não gosta tem mais é que bonito e excitante na cena. Procure saber, abra sua mente, ouça música boa e livre, um trabalho bem feito”. E mesmo em meio a tantos empecilhos, estamos em conjunto pela valorização do trabalho e visando construir uma cena mais
se retirar, pois empoderamento é punk e é pra incomodar. Showzaço potente, e não se esqueça, como dizia o funk carioca já clássico: hoje, a pepeca é o poder! conquistando o merecido espaço. saudável, justa e igualitária.
A urgente necessidade
do debate sobre saúde
mental na música
eletrônica
SÍNDROME DE BURNOUT
Abril de 2018 trouxe uma triste notícia aos fãs de dance music: o jovem produtor de entrar em crise é a pior parte deste trabalho”. Nota-se, então, que vários dos
sueco Tim Bergling, mais conhecido por Avicii, fora encontrado morto. “Com elementos da vida de um DJ contribuem para o esgotamento mental e emocional.
todas essas entrevistas, tours e tudo mais, ele vai cair morto”, relata Ash Pournouri E esse acometimento tem um nome científico: é a “Síndrome de Burnout”, definida
(então seu manager) em tom de ironia, numa cena do documentário sobre o artista por Herbert J. Freudenberger como “(…) um estado de esgotamento físico e mental
lançado em outubro de 2017. Apesar de chocante contrastar tal declaração com o cuja causa está intimamente ligada à vida profissional”.
recente acontecimento, essa comparação nos evidencia algo digno de interesse: já
se sabia dos problemas com sua saúde mental. Em 2016, anunciou que pararia de A fundação Mental Health, da Inglaterra, afirma que um a cada quatro pessoas
tocar em tours pelo mundo: “Falei para meus empresários que esse estilo de vida em turnê vai sofrer com algum problema de saúde mental na vida. Para a revista
me mataria”, diz no mesmo documentário. Only The Beat, Laidback Luke, DJ holandês, admite: “já tive a síndrome de Burnout
duas vezes”. O artigo “O impacto psicológico de estar no centro das atenções:
Ollie Cornéer, um dos dois DJs da famosa dupla Dada Life, também anunciou há a luta emocional das celebridades” [em tradução livre] nos lista alguns fatores
uns meses que não sairá mais em tour pelo projeto. Promete, porém, focar no lado que contribuem para o cansaço emocional destes artistas, a citar: ausência de
da produção musical em estúdio, não abandonando o trabalho pela dupla. O duo já privacidade, despersonalização, falta de desafios e exposição midiática exagerada.
tocou, por exemplo, no palco principal do Tomorrowland Bélgica (em 2014 e 2016).
Mesmo assim, com a possibilidade de se apresentar nos melhores eventos do Empresários, fotógrafos, agentes, relações públicas e qualquer outro profissional que
mundo e para uma legião de fãs, Ollie preferiu desistir desse lado da carreira. Esse viaje em turnês também podem desenvolvê-la. E o que chama a atenção: esse é um
fenômeno se repete e merece uma análise pormenorizada. tema ainda pouco debatido no meio da música eletrônica. A conscientização sobre
os malefícios do estilo de vida e da falta de descanso podem ajudar a conciliar o
Exemplos iguais seriam os de Bassjackers e Blasterjaxx. Ambos já tocaram nos trabalho com medidas que diminuam o estresse, como maiores intervalos e mais
maiores festivais, e mesmo assim um membro de cada um dos duos desistiu da vida tempo para sono. Avicii, de certa forma, não escondia sua situação: “Precisava decidir
de turnês. Mas o que faz DJs de tanto sucesso tomarem decisões que, para nós, o que queria para minha vida. Tudo girava em torno da busca pelo sucesso. Eu não
parecem absurdas? “Tinha vontade de desistir. Podia ver que não era eu que queria era mais feliz.” Também não era segredo que o produtor sofria de problemas crônicos
parar de fazer música, e sim essa energia negativa tentando assumir o controle.” causados pelo abuso de álcool (como pancreatite), numa possível busca por válvulas
A fala foi retirada de uma entrevista de Nicky Romero à revista Billboard, em 2015, de escape para a ansiedade.
após ter crises de ansiedade que o impediam de progredir na carreira. Quando
perguntado se conhecia outro caso parecido, respondeu: “Um dos membros do É inadmissível, portanto, que uma questão de tamanha importância tenha
Blasterjaxx estava sofrendo de depressão, então liguei para ele e conversamos relativamente tão pouca repercussão no meio da música eletrônica. Este trágico
por horas. Disse que, se precisasse do meu apoio, ficaria feliz em falar sobre isso.” falecimento deve ser encarado como um grave sinal de alerta. Precisamos de ações
que lidem com a conscientização sobre saúde mental dentro das equipes dos
O que seria tão grave e danoso a ponto de os levarem a ter esse tipo de pensamento? envolvidos com música eletrônica, de forma que haja maior zelo pela integridade
Nicky mesmo nos conta: “A vida em tour é quase um ataque ao próprio corpo. Não psicológica desses profissionais. Enquanto isso não ocorrer, casos como de Avicii,
é saudável em geral — o jetlag, a falta de sono, o horário de alimentação... O medo que não é o primeiro (e nem será o último), estarão longe de deixar de existir. ■
ALCANCE EM BAIXA
A parte orgânica do Facebook agoniza. Como se adaptar a esta mudança?
A forma de divulgar eventos passou por mudanças Musk, ao excluir as páginas da Tesla e SpaceX que IDENTIFIQUE OS SEUS MAIORES FÃS
profundas nos últimos 10 anos, em um cenário que juntas somavam mais de cinco milhões de curtidas. Pesquise em mídias sociais a fim de identificar os
parecia estabilizado: com o marketing de massa Um ato que pode vir a ser seguido por outras usuários que têm potencial para ações que chamem
virando marketing de nicho; a busca orgânica marcas no futuro próximo. mais clientes e novos fãs;
ganhando força; e as mídias sociais emergindo como
ferramentas gratuitas e de considerável impacto. Uma peça importante que também tem diminuído a COMUNIDADE EM TORNO DA MARCA
credibilidade das mídias sociais é o uso e abuso de Isso ajuda na divulgação do evento, no teste de
Através destas novas maneiras de chegar ao público campanhas com celebridades e influenciadores. As ideias, sugestão de atrações, avaliações e inúmeras
alvo, muitas empresas deixaram de ter um site agências e empresas apreciam este tipo de ação, pois possibilidades;
próprio ou criar e manter listas de e-mails — pois se a marca é exposta para uma quantidade significativa
tinha a falsa impressão de que todos os clientes em de usuários, gerando um salto no engajamento. O MICRO INFLUENCIADORES Muitos eventos
potencial estavam a poucos cliques de distância. problema é que as pessoas já perceberam que estão focando nesse perfil, que são expoentes nas
A mídia social que ganhou mais destaque neste esse tipo de ação não passa tanta credibilidade, e respectivas áreas de atuação e contam com até 10 mil
período foi o Facebook, disponibilizando já em 2007 o público que a celebridade/ YouTuber/ blogueiro seguidores; pois mega ou macro influenciadores são
a ferramenta Pages, que permitia qualquer empresa traz nem sempre é o que a marca procura. Poucas caros e não tem tanta confiança do público;
criar um “site grátis” na plataforma. empresas — e acredito que nenhum festival ou festa
TIPO EXPORTAÇÃO
— têm R$130 mil para gastar em uma publicação MIGRE PARA O INSTAGRAM O público de
As publicações de páginas, que inicialmente tinham com a Sabrina Sato, por exemplo. música eletrônica está indo com força nesta direção. As
a mesma força orgânica que outras formas de marcas têm se preocupado em adequar publicações e
perfis, foram ficando cada vez mais restritas para os Tendo este cenário em vista, o seu evento, produtora linguagem para essa mídia;
seguidores mais ativos nelas. A mudança maior foi ou empresa vai precisar se adequar a esta nova
anunciada pelo CEO Mark Zuckerberg no começo de realidade. Tenho trabalhado com diversos festivais, NAVEGUE NA HASHTAG As mídias sociais vão
Vegas: um verdadeiro produto Vegas a um carimbo semelhante, e comecei a usar a hashtag nas redes sociais. A
minha intenção não era criar algo exclusivo, mas, com o passar do tempo, o público
2018, afirmando que a rede social passaria a dar ainda labels de festas, casas noturnas... e algumas das continuar mudando e os eventos têm criado hashtags
nacional em destaque
mais importância para os posts de amigos e familiares, soluções que as produtoras têm usado são: para as suas marcas, que podem migrar de uma mídia
começou a ligar a expressão ao meu projeto.
para tentar combater notícias falsas de todos os tipos. social para outra com facilidade.
SITE PRÓPRIO Por menos de R$ 500,00 é
Com o lançamento do primeiro álbum, Good Things, foi possível mostrar um
Se somar tal preocupação a uma dificuldade do possível ter um espaço seu (Wix, Wordpress e outras Ou seja, muitas empresas já perceberam que estas
POR Luiza Serrano FOTO Leandro Quartiermeister outro Vegas. Como se deu a recepção dos fãs? Você prefere DJ set ou live?
Facebook em lidar com isso, e o escândalo recente soluções), com blog e ferramentas para captar ferramentas não são grátis e democráticas como se
No início foi um pouco estranho assimilar um lado mais melódico, para mim e para
de 50 milhões de contas com dados roubados para e-mails, fazer vendas e entender o público alvo; pensava, num cenário que causa certa incerteza,
o público, ao lançar também faixas experimentais de chill out. Aproveitei para
serem utilizados na eleição de 2016 nos EUA, tem Crie a sua lista: colete e-mails de todos os seus mas que também possibilita novas oportunidades.
Já imaginou chegar em Joinville, Santa Catarina, e encontrar um tal de Paulo Vilela mostrar a diversidade e amplitude musical que um produtor pode ter, afinal álbuns
crescido o movimento “delete Facebook”. Exemplo clientes, segmente por evento, tipo de ingresso e Aproveite-as enquanto o seu concorrente ainda está
de roupa social em um escritório administrativo? “Trabalhei anos na área de logística permitem isso. Passei anos fazendo DJ set, mas sempre quis ter um live. Demorei
no ramo moveleiro. No primeiro semestre de 2017, a minha carteira de trabalho ainda
recente desta tendência foi protagonizado por Elon tudo mais que conseguir; esperando um milagre vindo do Facebook. ■
tanto tempo para produzir minhas próprias músicas que hoje quero apenas tocá-las
era assinada em meio horário. Acredita?”, conta Vegas. Podemos dizer que os anos (risos). É raro, mas ainda faço DJ set.
recentes desta carreira foram de muitas conquistas, com suas músicas nos sets dos
principais DJs de progressive e psytrance do mundo. Em 2017, fez a primeira turnê Em todo esse tempo de carreira, qual foi o seu maior sonho realizado?
para a Argentina, México, Israel e países da Europa. Teve releituras assinadas por Vini Tocar em Israel. Creio que esse seja o objetivo de qualquer DJ produtor deste
Vici e Bizzare Contact; criou versões oficiais para Major7 e Hi-Profile; além do remix estilo. Me apresentei num importante festival em Tel Aviv, ao lado de lendas vivas
para uma faixa sua tocado por Armin Van Buuren e lançado pela Spinning Records. do psytrance. Foi uma experiência única chegar nos bastidores, ver todos os caras
“Quando tinha 14 anos, o movimento clubber chegou com força no Brasil. Aos 16, que sou fã e poder dividir o palco com eles, na terra deles.
já estava mergulhando no universo dos DJs. Me dividia entre trabalho, faculdade e
home studio. Enquanto meus amigos passavam noites jogando vídeo game, eu as Quais os próximos países que vão importar este produto nacional? Algum remix
virava fazendo música”, diz o artista sobre como tudo começou. planejado?
2018 já começou mágico. Temos confirmados Áustria, Dinamarca, México, Canadá
Mas por que o psytrance em uma região onde se escuta muito house music? e Alemanha. Sim! Estou trabalhando para um remix oficial da dupla israelense Vini
O contato inicial foi com a dance music, depois techno e house, até o dia que ouvi Vici, na faixa “100”, em parceria com DJ produtor australiano Timmy Trumpet. Ainda
psytrance, em um CD que ganhei de um amigo. Foi paixão à primeira vista. Mesmo está no processo de finalização, porém, já a tenho testado nas apresentações.
sendo a terra do house music, Santa Catarina foi importante no cenário trance;
porém, uma onda que passou. Isso me forçou a buscar outras oportunidades fora Já rolou até casamento em uma das suas gigs. Como é ter músicas como trilha
do Estado — algo que me deixou um bom tempo sem tocar. Hoje fico feliz e honrado sonora das pessoas?
em ver este gênero novamente ganhando espaço nos clubs do Sul e de todo o país. As vezes a gente não se dá conta da responsabilidade que temos. É mágico
saber que aquilo que buscamos inserir na nossa arte alcança mais do que o
De onde surgiu o #produtonacional? entretenimento. Alguns já eternizaram as minhas músicas na pele, em forma de
Sempre dei muita ênfase a nossa cultura, fazendo um som voltado para o público tatuagem. Fico muito feliz, pois sei que fiz parte de um momento importante na
brasileiro. Certa vez vi em um aeroporto uma caixa tipo exportação escrita “Produto vida das pessoas. Elas acabam levando um pouco de mim e isso faz todo o meu
Nacional”, o que me chamou a atenção. Pedi ao designer uma logo que unisse trabalho valer a pena! ■
44 WWW.HOUSEMAG.COM.BR JULHO/AGOSTO/SETEMBRO
MAIO/JUNHO/JULHO | 2018
2017
45
46 WWW.HOUSEMAG.COM.BR MAIO/JUNHO/JULHO | 2018
47
COLUNA
Qual é a sua razão de ser? Uma pergunta aparentemente simples, em torno do qual nosso mercado, numa lista extensa — mas não exaustiva — de onde a competição é
se ergue o Ikigai: conceito japonês que combina as palavras “ikiru” (viver) e “kai” (a significativamente menor do que pelo espaço dentro da cabine, em que a demanda
realização do que se almeja). por profissionais competentes e criativos, de todas as idades, é crescente.
Originado em Okinawa, ilha japonesa com uma das populações mais longevas do Para tomar emprestado um exemplo do esporte, é interessante observar a trajetória
mundo, está inserido profundamente no estilo de vida dos habitantes locais. Mais do alemão Joachim Löw: um jogador absolutamente sem brilho e que hoje, como
do que algo espiritual, é o sentido prático do conceito, ao focar na convergência técnico da seleção do seu país, ostenta uma das carreiras mais duradouras e
entre quatro campos, que parece manter o senso de propósito, realização e vitoriosas dentre os que já ocuparam a posição. A paixão dele pelo futebol é nítida
comunidade deste povo. desde sempre, mas só encontrou seu ikigai quando conseguiu conciliar o que ama
com aquilo que faz com brilhantismo, o que a Alemanha precisava e aquilo pelo
Muitas vezes, especialmente quando somos mais novos, acreditamos que que poderia ser pago.
amor nos basta para “chegar lá”. É claro que a maior parte dos profissionais de
primeiro escalão já foram jovens cheios de paixão, dispostos a fazer concessões A música, como dito na minissérie “The Defiant Ones”, é um jogo de jovens — porém
e tomar riscos que outras pessoas nem cogitariam para realizarem seus sonhos. isso não quer dizer que a cadeia de valor que a envolve seja um território restrito
Paixão, contudo, é condição quase sempre necessária, mas nunca suficiente para aos com menos idade —, como provam seus protagonistas, Dr. Dre e Jimmy Iovine,
resolver a equação do sucesso. Fatores como educação, contatos e até mesmo dois gigantes do meio musical. No cenário da música eletrônica, o exemplo de
sorte cumprem um papel importante na trajetória de qualquer carreira. Pete Tong também ilustra claramente como é possível se reinventar para manter-se
relevante, buscando a convergência entre os quatro campos do ikigai: DJ, dono
Cito tais pontos como uma provocação para aqueles que pensam em trabalhar de selo, radialista à frente de um dos programas mais relevantes do segmento e,
com música eletrônica. Num mercado que muitos ainda percebem como restrito mais recentemente, cofundador da divisão de música eletrônica da WME (uma das
a DJs, produtores, managers, contratantes e bookers, existe uma série de maiores agências artísticas do mundo).
oportunidades ainda pouco ou mal aproveitadas. E estas, quase sempre passam
longe do radar de quem tem intenção de entrar no jogo. A boa notícia é que vivemos num tempo em que as carreiras são líquidas, no
qual o aprendizado contínuo ao longo da vida e a dedicação a temas e projetos,
Cenografia, iluminação, decoração, arquitetura, design, roteiro e direção de ao invés de organizações, deixam de ser a exceção para se tornarem a regra.
show, gestão de marca, captação de recursos, relações públicas, produção de Por isso te pergunto: Qual é o seu Ikigai? Faça a você mesmo esta indagação
conteúdo, jornalismo, performances, programação, serviços (bar, operação, etc), com frequência, sem esperar uma resposta definitiva. Ela tem mais a ver com o
licenciamento... Todas são áreas também direta ou indiretamente ligadas a este caminho do que com o seu destino. ■
Quando você é um DJ que nasceu em Detroit e se mudou para Berlim, separo alguns dias durante a maioria das semanas apenas para sentar no estúdio,
tornando-se residente do Berghain/ Panorama Bar, os olhares sobre ti podem experimentar e me divertir.
emanar da mais profunda admiração, a um julgamento pungente, daqueles que
anseiam sempre o próximo passo do artista. Mas Ryan Elliott não permite que Ainda considera o Panorama Bar/ Berghain o melhor do mundo? Quais outros
a rapidez de transformação da música eletrônica, em comunhão com a pressão clubs, festas e eventos você se sente confortável tocando ao redor do mundo?
da velocidade da vida contemporânea o consumam. Suas habilidades são O Berghain ainda é absolutamente o melhor. É completamente único e sou muito
fortalecidas, permitindo que as criações musicais e projetos tomem forma no grato pela minha residência lá. Me sinto confortável se apresentando na maioria
seu tempo, embebedando-se da consistência que um ritmo demasiadamente das situações. Adoro tocar em grandes e pequenos shows, festivais, clubs...
frenético poderia anular. Considero-me um DJ versátil e diferentes ambientes permitem mostrar isso — o
que mantém as coisas sempre interessantes.
Ryan é minucioso em seus passos, certeiro — visto os altos escalões onde ele se
firmou dentro dos redutos do techno e house mundial —, um profissional cujas Ouvi dizer que você é bem regrado para atividades físicas, que corre durante a
raízes são tão bem estabelecidas, que é considerado um dos seletores mais finos semana e tenta dormir bem. Já sentiu a necessidade de mudar alguns aspectos da
e versáteis da cena. Tanto que seu set no Panorama Bar em 2014 foi eleito o sua vida para se manter saudável? Quero dizer, muitos DJs lutam com este estilo
top mix do ano pelo Resident Advisor. E que sorte a nossa, brasileiros, em ter a de vida de trabalhar à noite e viajar muito. Como está sua rotina atualmente?
oportunidade de recebê-lo aqui para mais uma turnê que promete trazer tantas Esta rotina muda conforme minhas necessidades como pessoa e artista se alteram.
novidades quanto seu case comportar. Ele chega para se apresentar nos festivais Sempre procurei estar fisicamente saudável — fazendo exercícios, dormindo o
D-Edge e Warung Day, dia 14, e para estrear em Campinas, dia 20, no club Caos, suficiente, comendo bem. Mas o que nós não falamos tanto (porque é mais difícil
ao lado de Efdemin. O Brasil já se tornou tão essencial para Ryan, que está na de colocar o dedo) é da dificuldade de se manter mentalmente saudável e feliz.
hora de bater um papo sério com ele. Sempre reservo tempo para mim mesmo como uma pessoa normal, pra passar
com minha esposa e amigos, ler livros não relacionados a música, ver filmes —
Olá Ryan. É um prazer tê-lo de volta no Brasil em breve. Começamos falando que mantêm você feliz, curioso e jovem. Fazer essas coisas traz recompensas,
um pouco sobre seu set ano passado no DGTL São Paulo — considerado por naturalmente. Tudo em nossas vidas está conectado e tem efeitos no outro. Isso
muitos como um dos melhores (se não o melhor) —, que misturou novos sons e é o que muitos DJs extremamente ocupados não percebem.
passeou por nuances de house, techno e disco. Como você sentiu o público e
toda a experiência do festival? O que podemos esperar este ano? Conte-nos sobre seus planos, o que vem em seguida na sua carreira?
Foi, sem dúvida, uma das minhas festas favoritas de 2017. Tudo se encaixou: a Finalmente iniciei meu próprio selo! Isso é algo que queria fazer há muito
multidão, o clima, a atmosfera... Foi um desses sets em que tudo era tão fácil e tempo, pra ter uma visão clara e também estar em um ponto da minha carreira
natural. Não tinha nem que escolher a próxima faixa, pois meio que “surgiam” pra em que pudesse lidar exatamente da maneira que gostaria. Será meu escape
mim. Foi um dia especial — do tipo que me dá energia e inspiração por meses para músicas que amo e toco. Acredito que o lançamento de estreia precisa vir
depois. Estou muito animado para voltar ao Brasil novamente. Tenho novas de mim, então estou trabalhando para terminar o primeiro EP em breve. ■
músicas e ideias para compartilhar com todos.
Passando pelo seu histórico, você acha que ser de Detroit o ajudou de
alguma forma a ser reconhecido no começo? Ou, na verdade, era uma
responsabilidade ainda maior, para se destacar entre tantos produtores e
DE VOLTA
artistas que surgiam da motor city?
Acho que ambos. Sim, no início da minha carreira isso certamente ajudou. Mas
apenas o fato de ser um “Detroiter” não te leva longe — você tem que se provar
como um bom DJ a cada apresentação se quiser ser bem-sucedido.
AO BRASIL
Quando se mudou para Berlim, em 2009, você já tinha um relacionamento
com Ostgut Ton e Berghain, onde costumava tocar às vezes. Já planejava ser
um residente do club? Depois de quase dez anos, Berlim ainda te inspira?
Me mudei em 2009, porque sabia que, se quisesse levar a carreira ao próximo
nível, precisava estar na Europa. Tendo passado toda a minha vida nos EUA,
também almejava uma mudança: viver em outro país e ver mais do mundo.
Após o enorme sucesso de suas gigs por aqui Naquela época, tocava no Berghain algumas vezes por ano e presumi que teria
mais gigs se morasse em Berlim; mas ir “apenas” para me tornar um residente
em 2017, Ryan Elliot retorna para apresentações nos festivais do club não era o plano. Fiz por mim e pela música. Amo morar aqui. Não há
D-Edge, Warung Day e Club Caos nenhuma cidade igual no mundo, que abraça culturas contrárias, diferente de
qualquer outro lugar que já fui.
“O Brasil, ao meu
POR Gabriela Loschi FOTOS Stephan Redel
Você começou como DJ e passou a produzir depois, especialmente quando passou
a morar em Berlim. Como está o seu relacionamento com a produção X DJing?
ver, é um dos lugares
Quanto mais longe vou em minha carreira, mais vou gostando da produção. mais inspiradores do
mundo para tocar.”
Acho que porque nunca tive que depender de lançamentos para ser bookado
para shows, e isso tornou o processo de produção mais puro para mim. Sempre
ALTA QUALIDADE
A combinação de Gal Aner (Juju) e Jordan Czsamanski (Jordash) data do final Vocês já disseram que em locais grandes têm que tocar de uma forma um
dos anos 90 na Holanda, quando se conheceram em jazz sessions de bandas pouco menos complexa — ou, os ecos e reverberações poderiam matar a vibe.
que estavam envolvidos na época. Gal nasceu em Israel, e Jordan nos EUA — Como isso funciona na prática? Quais são os fatores técnicos que interferem
mas, se mudou para Israel ainda criança. Em Amsterdam o duo foi tomando quando estão tocando ao vivo?
forma, quando passaram a se conectar com as raves locais. Em uma contínua Gal: Ao chegarmos a checagem do som, é o melhor momento para decidirmos
mescla de estilos, e de sua posição em não se fixar à uma fórmula de criação, a situação, e isso normalmente vai ditar como começaremos o show. Tocamos
variam seu som a cada lançamento. Em cinco álbuns de estúdio e muitos um pouco durante a checagem, sentimos como é, deixando os equipamentos
outros releases, a única constante é a atitude jazzy subconsciente que dita a preparados, e começamos depois a partir daquele ponto. Então temos a liberdade
fluidez de suas jams. Eles também são parte do grupo Magic Mountain High, de irmos a qualquer direção que sentirmos ser correta para aquele público. As
juntamente com Move D. Conversamos de forma breve com a dupla antes de vezes tocando de uma forma menos complexa e pesada, pelo menos no começo,
se apresentarem no Dekmantel São Paulo. pode servir de orientação em locais muito grandes. Também o mood criado pelo
DJ que toca antes de nós, é um fator a ser levado em consideração.
Em entrevista para a Red Bull Radio, vocês disseram que a abordagem quando
estão tocando ao vivo não é tão improvisada como no álbum Sis-Boom-Bah! Suas primeiras músicas juntos são de 2004, mas o release de estreia pela
Quais os truques usam para “colar” as músicas, já que possuem um grande Dekmantel veio somente em 2009. Como foi esse período?
leque de estilos misturados em suas composições? A intenção era que este trabalho saísse por uma outra gravadora, do Reino Unido,
Desde o lançamento do nosso último álbum em outubro, começamos a inserir mas eles perderam o esquema de distribuição no Japão e não puderam mais
um pouco de nossas músicas de estúdio em meio às jams; sendo as do LP fazer. Sorte que acabávamos de conhecer o pessoal do Dekmantel. Eles nos
ou algumas antigas favoritas. Então tocamos partes e improvisamos em cima bookaram para discotecar em uma festa que estavam fazendo numa praia. Assim
daqueles acordes/ temas por um tempo. Isso realmente depende à cada que tocamos o álbum, decidiram lançar o selo. Puta sorte!
apresentação, de acordo com nosso humor e como introduzi-las na mix. É algo
que, nos melhores casos, acontece naturalmente. Acredito que o fato de termos Vocês acabaram de criar a Slack Trax. O que podemos esperar para os
sempre certos instrumentos no palco nos ajudam a “colarmos” as músicas — próximos lançamentos?
sonoramente falando. Gal: Criamos este selo pois assim poderíamos mais fácil e frequentemente lançar
músicas orientadas às pistas de dança, sem termos de esperar muito. O primeiro
Poderiam nos dar uma visão panorâmica do set-up? Como operam efeitos e etc? EP saiu em março. No mais, temos uma colaboração com a Peggy Gou, lançada
Jordan: São três drum machines, um sampler, cinco sintetizadores, efeitos, em abril, pela gravadora Needs. Esse é um projeto especial, sem fins lucrativos,
guitarra… Isso se a apresentação não for numa cabine de DJ. O Gal atua mais feito em parceria com a ONU Mulheres, em suporte à campanha e semana de
como um baterista/ percussionista e eu sou o cara dos synths. Cada um opera arte HeForShe. Também existem remixes para vários artistas, os quais viemos
seus próprios efeitos durante o show, o que é sempre algo totalmente não trabalhando nos últimos tempos e sairão em breve. Outro lançamento que
preparado, a não ser quando incorporamos uma faixa antiga na jam — o que é está para sair ainda este ano será pelo selo do festival Freerotation, com dois
raro. Somente para ocasiões específicas. segmentos de nossa performance ao vivo na edição 2017.■
52 WWW.HOUSEMAG.COM.BR
OPINIÃO
Não há dúvidas: o momento mais comentado durante o Ultra Miami 2018 foi o de embarcar numa onda pop e trabalhar na porta de entrada de um novo
retorno do Swedish House Mafia. Axwell, Steve Angello e Sebastian Ingrosso, público sedento por música eletrônica. Até aí tudo bem, pois todos têm direito
após um hiato de cinco anos, subiram ao palco do festival e viraram o assunto de escolherem seus caminhos, o que acaba sendo importante para trazer mais
da semana dentro do movimento pop eletrônico. O trio sueco possui uma consumidores ao segmento.
extensa carreira de lançamentos e já inspirou uma série de novos artistas. Muitos
comemoraram no Twitter este acontecimento; mas duas postagens de nomes A grande questão, entretanto, é a rapidez com que este fenômeno se apresentou
conhecidos chamaram atenção da mídia, o que me fez escrever sobre o assunto. a partir de 2010, e a incapacidade do mercado em processar um novo estilo — nem
mesmo havia um subgênero definido no Beatport. Por isso, alguns resolveram
ARTY publicou: “O progressive house acaba de voltar.” Outro nome, Crankdat lançar estes sons como progressive house, transformando uma seção que era
descreveu: “A música eletrônica verá mudanças por causa disso. Foda, estou estritamente relacionada a músicas cerebrais e imersivas em algo que fugia das
muito empolgado…, seja pelo retorno do progressive house ao mainstream, ou características originais do gênero. Os artistas mais puritanos se viram então
a apreciação da volta de uma dance music mais instrumentada… Esse set vai ser obrigados a procurar outros espaços, como deep house ou tech house, para
muito importante. É o SHM, baby!” que seus seguidores os encontrassem nos lançamentos de músicas e álbuns.
Isto perdurou até 2016, quando finalmente foram criados espaços para a cena
Apenas os dois artistas fizeram essa correlação, porém, o assunto tem ganhado mainstream, como big room, future house e dance, além da renovação completa
projeção e parece novamente abrir uma porta que parecia selada. Na comunidade de deep house, house e progressive house.
conceitual, a vertente é seguida por milhares de fãs mundo afora desde a
criação, ainda no início dos anos 90. Assim como o techno de Detroit e o house Aos poucos, produtores conceituais voltaram para esta seção dentro do Beatport
de Chicago, o estilo desenvolvido no Reino Unido é um dos mais complexos e e hoje encontramos Guy J, Eekle Kleijn, Khen, Guy Mantzur, 16 Bit Lolitas e
difíceis de se produzir, por envolver uma série de capacidades musicais distintas, muitos outros de uma nova geração figurando entre os mais vendidos. Outro
em que melodias ou elementos obscuros, linhas de baixo e harmônicos, devem ponto importante é que, coincidentemente ou não, na metade de março foi
funcionar como uma banda. criado um novo gênero para vendas. O melodic house e techno veio como uma
forma de agradar um outro lado importante da cena, representado por Dixon,
Sasha e John Digweed, considerados “pais” deste movimento, iniciaram em Mano Le Tough e Maceo Plex, que mesmo tendo músicas que se encaixam nas
Manchester o que viria a influenciar gerações de clubbers e DJs. Em 1994, características do house progressivo — com menos profundidade, é verdade —
produziram a primeira compilação da lendária gravadora Renaissance, através não se sentiam à vontade em lança-las como tal. Essa foi a versão dada pelo
do CD The Mix Collection. Outros artistas ingleses como Nick Warren, Danny próprio portal, e que pareceu razoável à primeira vista.
Howells, Dave Seaman e Darren Emerson surgiram em seguida ajudando a levar
esta sonoridade para o resto do mundo. Ao mesmo tempo, Hernan Cattaneo, na Porém, esse retorno do trio e uma possível tentativa do universo mainstream em
Argentina, e Timo Maas, na Alemanha, se juntaram aos britânicos para dominar as tomar para si novamente um estilo que nunca lhes pertenceu, pode estar relacionado
pistas, ganhando seguidores fiéis até hoje. com a antecipação do portal em criar outro espaço. Movimentos ensaiados ou não,
só o tempo dirá. O SHM lançará no big room? A lógica diz que sim, pois é lá que
Com as devidas explicações de maneira resumida, você poderia se perguntar: devem estar. Olhando de um aspecto mais distante, parece haver uma tentativa de
Por que então esses caras do movimento mainstream falam em “retorno do “efeito manada” — à dos citados no início. Ou seja, quando se publica para milhares
progressive house”? O que significa? Ao mesmo tempo que tais afirmações são de seguidores uma ideia e esta rapidamente se espalha pelas redes sociais como
vazias, quando levamos em conta toda a história, é algo que também diz sobre verdade, isso acaba criando o resultado desejado pela força da repetição.
o que pode estar acontecendo no cenário. Artistas e público parecem saturados
de músicas superficiais, em que o show pirotécnico e o microfone na mão são De toda forma, qualquer um que tenha conhecimento razoável sobre história da
indispensáveis para a pista conseguir funcionar. dance music sabe que “buscar algo novo para vender aos fãs de primeira viagem”
é uma prática bem antiga. Vale lembrar, portanto, que o progressive house é um
Após a explosão norte-americana do que convencionou-se chamar de “EDM”, só. Assim sendo, torço para que tudo se mantenha como tem ocorrido após as
com Hardwell, Calvin Harris e outros que já possuíam longa carreira na cena, à mudanças promovidas pelo Beatport e que isso não passe de uma confusão sem
exemplo de David Guetta e o próprio SHM, estes artistas viram a oportunidade fundamento com a realidade atual — o que tem aparentado ser, de fato. ■
54 WWW.HOUSEMAG.COM.BR MAIO
MAIO/JUNHO/JULHO
| JUNHO | JULHO| 2018
55
REVIEW
RETROSPECTIVA PERFIL
HOT BULLET
TIME WARP 2018
Com 24 anos de história, segue sendo o festival de headliners
Contando uma história de sucesso
Formado pelos produtores musicais Marco Violent e Marc Ransson, o Hot Bullet
POR Marcelo Madueño (que já foi trio) vem conquistando espaço considerável nestes quase cinco anos
de atividade. Em 2017, após três de Jam Bookings, o duo deu um importante
passo na carreira ao assinar com a agência Plus Network. Com três lançamentos
em 2018, os quais comentam a seguir, apresentamos nesta matéria um pouco
mais sobre este projeto que tem crescido na cena eletrônica brasileira.
Quando se inicia a carreira como DJ, tocar nos grandes festivais e clubs é sem
dúvida um dos maiores objetivos. “Seja numa pista com 100 pessoas ou num
evento para 10 mil, valorizamos igualmente cada lugar que nos apresentamos”,
contam. Tendo as gigs como um dos focos, pode-se destacar apresentações no
Tomorrowland Brasil, Eletric Zoo, Tribe, Universo Paralello; além de passagens
por clubs como Green Valley, Laroc, El Fortin, Sirena, Anzu e Belvedere.
Tanto Marco quanto Marc tinham projetos com propostas semelhantes e, assim,
seguiram valorizando os vocais em português. “Muitos torciam o nariz por algo
O começo da primavera é um momento bastante emblemático para o europeu. em que a primeira começa 19:30h e as últimas (2 e 3) terminam às 14h do dia no nosso idioma. Porém, vimos essa mudança ocorrendo a passos lentos, mas
A paisagem, agora não tão gélida, já sinaliza que em breve o calendário de seguinte — com os palcos 4, 5 e 6 indo até às 10h. que chegou num patamar de grande aceitação”. Sobre isso, Marco complementa:
festivais estará recheado por todo o continente; e, quando o assunto é techno, “‘Sede pra te ver’, do KVSH, e o remix de ‘Deixe me ir’, do Liva, foram as que mais
quem abre alas é o Time Warp. Iniciado em 1994, o festival — que tem sede em Às 22h os seis espaços estão abertos e então é possível entender um dos ouvimos em festas no ano passado, através de uma quebra de tabu que aproximou
Mannheim — é o mais antigo do gênero e já circulou por oito cidades alemãs e elementos que colocam o festival como uma referência mundial: todos os artistas o público desse tipo de faixa. Acredito que esse fenômeno não vai ser passageiro,
outros seis países (à exemplo de Holanda, República Checa e EUA). Com tanta são headliners. A minha sequência foi Dubfire, Sven Vath, Adam Beyer, Rodhad, e enxergo outras vertentes da eletrônica apostando em vocais nacionais”.
bagagem nas costas, iniciantes e experientes são nivelados na pista de dança Ben Klock, Laurent Garnier, Ricardo Villalobos b2b Raresh, Len Faki e Nina Kraviz,
pela grandiosidade da experiência musical. Como tudo tem começo, meio, fim com destaque para Ben Klock. O artista costuma tocar uma linha mais sóbria, Exemplo dessa atuação constante no estúdio são os três releases nos últimos 40
e after, irei compartilhar com vocês um pouco de como foi a minha experiência. linear e hipnótica, mas após o set cheio de energia de Rodhad, ele deu uma aula dias. “Don’t Know” foi produzida em parceria com Maffei, do interior de São Paulo,
de versatilidade, técnica e seleção musical. e que já conta com boa aceitação, segundo Marc. “Rolou um resultado legal na
COMEÇO pista. A gente já sabia da química e mistura de ideias. Devido à distância, foi
Minha chegada em Mannheim foi prematura: cerca de três dias antes do evento. Porém, a surpresa pra mim tem nome: Dubfire. Já o vi em tantas apresentações aquele processo de troca de arquivos do que acha que encaixa e vai adaptando.
Tendo cerca de 300 mil habitantes, é dedicada à indústria química e possui uma ruins que não o colocaria em nenhum line-up. Talvez a energia do TW, o abandono O resultado ficou ótimo, melhor do que esperávamos”.
das melhores universidades da Alemanha, cuja escola de negócios da música é a daquele bassline ultrapassado da M_nus, a lua cheia... Enfim! O set foi bom, fez
única do país. Considerada patrimônio histórico pela UNESCO, seu dossiê contou jus ao horário e mexeu com a pista. Já “I Don’t Know Why” é um bootleg de um hino da house music, da cantora
com a presença do Time Warp para ser aprovado. Moony. “A faixa foi produzida no estúdio do Wolsh, em São Paulo, com as
Em um prato cheio dos melhores artistas do gênero, todos no mesmo lugar, intenções convergindo tão rapidamente que a terminamos em um dia”. Já “Wake
MEIO entram em jogo outros diferenciais: cenografia e técnica (som, luz e vídeo). A Up” teve a participação do duo DoubleZ. “Eles disseram que tinham uma música
Um dia antes a cidade ainda parecia bastante calma, porém com duas pré festas vibe é uma “experiência de club gigante”, e lá toda pista se torna uma caverna iniciada com vocal da Thayana e mostraram uma prévia disso. Gostamos da ideia
sendo realizadas nos clubs que pertencem aos produtores do festival. Com blindada da luz do dia, banhada por um show de luzes muito mais completo do e resolvemos produzir juntos”.
propostas complementares, o club Zimmer apresentou Patrick Topping e Steffen que já vi em qualquer outro festival. A cenografia dá um toque avançado no teto
Deux, enquanto o Loft recebeu Chris Liebing e Rod Malmok. Nenhum lotou e era dos dois principais palcos: um deles desenhado com fios de LED que formam Acompanhar o progresso do Hot Bullet é acreditar num sonho e saber que, com
nítido que as pessoas estavam se resguardando. O melhor momento da noite se uma teia, e outro com “bolhas” suspensas e iluminadas por flashes que parecem trabalho e dedicação, não existe barreira capaz de impedir um objetivo. Questão
deu no Loft através do duo local Confidns, que fez um long set de techno/ acid/ uma tempestade. Ah, e o som? Alto e em bom tom, obrigado! esta refletida por Marcos: “Recentemente vi um documentário que falava sobre
break beat em um espaço projetado dentro do fumódromo. Tendo em vista essa carreiras, e um dos entrevistados disse o seguinte: ‘Você precisa trabalhar 100% pra
ótima entrega, foram escalados para tocar novamente, desta vez na principal AFTER alcançar o seu sonho, e 200% pra se manter nele’.” De fato: Entender a realidade do
após Liebing, segurando o público até o encerramento. Ir embora sempre é algo trabalhoso, mas não em Mannheim. Após dez minutos nosso mercado e o que o público deseja, respeitando a identidade proposta, são
do encerramento estávamos dentro do taxi em direção ao after no club Zimmer. componentes de uma fórmula difícil de balancear e ideal para continuar relevante.
FIM Ao entrarmos já avistamos Butch saindo do banheiro, e ao descer as escadas me
A chegada ao local foi a mais tranquila que já tive até hoje. As ruas pareciam deparei com o Sven Vath tomando shots de tequila com três amigos. Olhamos A dupla, que conta com agenda cheia, segue tocando incansavelmente por todo o país,
vaziam, como se não houvesse evento. Por quê? Os órgãos públicos têm uma para os decks e lá estavam Seth Troxler, Nastia e Marco Carola em um b3b. Seis o que já proporcionou diversas histórias interessantes: das festas mais sensacionais
parceria com o Time Warp e disponibilizam trem e VLT grátis para todos que horas se passaram para finalmente dizermos adeus a nossa energia e a uma até caminhar quilômetros na estrada e conseguir se apresentar. Para conhecer alguma
viessem a partir de Frankfurt. São 20 mil pessoas distribuídas em seis pistas, maratona a ser repetida em todos os anos. ■ delas a fundo acesse a entrevista na íntegra no site da House Mag. ■
56 WWW.HOUSEMAG.COM.BR MAIO/JUNHO/JULHO
MAIO/JUNHO/JULHO
| 2018
| 2018
57
57
CAPA
SHARAM
JEY
RESPEITO
PELO São mais
de 20 anos de
“Ipsum e lorem aqui neste espaço de fazer alguns remixes e relançar a label digital, com
edições de vinil limitadas.
texto falso precisa de uma frase aqui Você lançou recentemente um álbum inteiro no
por enquanto o texto é falso.” Spotify. Acha que o fato de hoje o número de
plays nos streamings valer até mais do que a
venda da música em si, é desafiador? Como foi a
sua adaptação?
O mercado muda a cada 2, 3 ou 4 anos, mas no final o
que evolui são as tecnologias. No ADE ano passado,
por exemplo, só falaram de Spotify e streamings.
Se você possui um selo, tem que estar lá, mesmo
sem ganhar. Isso obriga os DJs a viajarem muito e
fazer shows. Então se por um lado não é lucrativo,
Já deu pra perceber que a multifuncionalidade é característica de Sharam Você costuma apoiar novos artistas pelo mundo.
Jey. Em meio a uma label respeitada, produções, lançamentos, grandes
apresentações e tantos outros projetos rolando, o artista ainda encontra
Depois da Bunny Tiger Brazil Collection, veio a
compilação mexicana, por exemplo. Qual é a ideia
“Recebemos tantas
tempo para a família e faz questão de cuidar e estar com os filhos todos os principal desses projetos? coisas boas que
é desperdício um
dias. Nossa conversa por Skype rolou às 22h no horário da Alemanha, logo A ideia é encontrar talentos locais e apresentar as
após os pequenos dormirem. particularidades de cada país com faixas exclusivas.
Olá, obrigada por essa entrevista. É um prazer falar contigo. Então acabou de
Ainda vai sair compilações dos EUA, da Austrália…, e
talvez mais algumas. A do Brasil tem grandes nomes artista com potencial
colocar os filhos pra dormir. Como é sua rotina atualmente?
Olá, o prazer é todo meu. Sim, tenho uma filha e um filho pequenos. Acordo por
e foi um sucesso. Isso é algo muito pessoal meu,
pois sempre quis dar chance a novos talentos de se
se apresentando só
volta das seis da manhã, ajudo a prepará-los para a escolinha, onde eles passam
o dia, e aí entro no estúdio. À noite fico feliz de poder passar mais um tempo com
apresentarem de alguma forma ao mundo. com mashups.”
eles, e só volto a trabalhar depois de irem pra cama. Em 2018 já teve tour no Brasil, tocou na Bunny
Tiger showcase no El Fortin e vai ser uma das
Você lançou um álbum em 2005 que teve grande sucesso. Depois em 2009 atrações na festa da House Mag em julho. Quais
repetiu a dose e de lá pra cá foram várias compilações e hits lançados. Por são os planos para o país ainda este ano?
que quase uma década para preparar um disco autoral? O plano é trazer toda a experiência Bunny Tiger,
Comecei a prepará-lo em outubro do ano passado. Demoro para fazer um através dos showcases com a Bunny crew e os
álbum artístico pois meu processo de criação é totalmente diferente de quando brasucas. O primeiro rolou ano passado no El Fortin
produzo uma música de club ou single. Gosto de contar uma história, fazer algo e tinham umas seis mil pessoas. Sem dúvida será
mais pessoal e não colocar apenas faixas que toco na pista. Penso de uma outro grande ano no território brasileiro. Faremos
forma mais old school também. Um trabalho desse envolve muita preparação, muitos shows, e estamos focados em encontrar
por isso quero que as pessoas o escutem pela próxima década e que seja artistas e dar a eles a chance de lançarem suas
atemporal. O 4 Da Loverz foi um grande sucesso, fui capa da DJ Mag inglesa músicas internacionalmente.
e fiquei três anos em tour. Sempre penso que tenho que finalizar um ciclo pra
começar o próximo, então este será outro passo, um novo bebê. Um dos últimos artistas brasileiros que você
apoiou foi o Breaking Beatzz. Existem outros na
A Bunny Tiger foi criada há cinco anos, então imagino que estava com suas sua mira? Quais são as qualidades que mais busca
forças concentradas em outra coisa, certo? em um produtor para lançá-lo?
Sim, há cinco anos esse tem sido meu grande foco. Estamos lançando um A “Don’t Stop”, do Breaking Beatz com o Chemical
álbum, que não é o meu autoral, mas sim uma compilação com remixes das Surf, se tornou uma grande faixa e recebeu ótimos
melhores faixas do selo. Quando comecei, nunca esperei que fosse crescer feedbacks. Eles são muito talentosos. Já a música
tanto assim, e ao olhar pra trás me sinto muito satisfeito, surpreso e agradecido mais recente do Dakar teve apoio do Green Velvet.
pelos suportes que tivemos. Recebemos milhares de demos toda semana,
62 WWW.HOUSEMAG.COM.BR JULHO/AGOSTO/SETEMBRO
MAIO/JUNHO/JULHO | 2018
2017
63
PERFIL
GROUNDBASS
De DJ set para um dos destaques da nova geração de produtores brasileiros
LOLLAPALOOZA 2018
O festival que não para de crescer — especialmente no palco eletrônico
POR Jode Seraphim e Bruna Antero (A melhor balada) FOTO Gui Urban
Em seu sétimo ano no Brasil, o Lollapalooza 2018 criou muita expectativa nos maiores atrações, responsáveis por fechar o festival, cumpriram seu papel e
fãs ao anunciar a maior edição de todos os tempos. Com três dias, um a mais empolgaram o público.
do que nos últimos anos, o festival precisou se reorganizar para oferecer uma
experiência ainda melhor para o público. E na entrada já foi possível sentir que a Outra novidade foi a disposição dos palcos Onix e Axe, que dividiam praticamente
organização tinha se preparado. As filas praticamente não existiam, e o fato de o mesmo espaço, intercalando os horários das apresentações. Na sexta, quem
ter contado com três acessos distintos ajudou muito para que isso fosse evitado. assistiu LCD Soundsystem pôde curtir bem de perto a banda, que fazia uma
performance incrível, e ver Mac Demarco logo ao lado.
Quem escolhia a entrada principal dava de cara com o novo Palco Perry, que
ocupava um espaço muito maior que em edições anteriores. Para amantes da No sábado um dos shows mais comentados foi Imagine Dragons, que apesar de
música eletrônica, como nós, essa mudança foi extremamente bem-vinda, já todo entusiasmo da banda, deixou o público que estava mais para trás insatisfeito
que no último ano diversos shows tiveram lotação máxima e muitas pessoas não por problemas de volume no som — que não chegava para todos que estavam no
conseguiram entrar para ver alguns de seus DJs favoritos. local. Quem preferiu continuar por ali conferiu Kygo em seguida, que também fez
um dos sets mais animados do festival. No domingo a dobradinha foi de Lana del
No fim do primeiro dia, quando a dupla Galantis fechava o set, e Alok se preparava Rey e Wiz Khalifa: a primeira com suas músicas melódicas que ecoavam em coro
para tocar, foi possível perceber que realmente espaço não era problema. Uma pela plateia, e o segundo com seu jeito irreverente no palco Axe.
multidão esperava os sets mais aguardados sem muvuca, o que aconteceu também
com DJ Snake e Hardwell — para muitos, o headliner de todo o festival. Outro Apesar dos problemas do Palco Onix, e de reclamação da maioria do público
destaque eletrônico foi a forte presença da bass music, representada nos shows com relação aos valores cobrados, o Lolla mostra que vem crescendo de maneira
de NGHTMRE, What So Not, Alison Wonderland, Yellow Claw e muitos outros. sustentável. Para um evento que teve ingressos esgotados em dois dos três
dias, surpreendeu pela quantidade e agilidade nos caixas e bares, assim como
Já o palco Budweiser se manteve cheio durante quase todo o dia. Algumas na expansão do Chef’Stage. Porém, o destaque dessa edição, fica por conta
apresentações surpreenderam, como Chance the Rapper e Anderson Paak, da melhoria do espaço Perry, que mostra uma maior atenção aos fãs de música
que mesmo durante o dia animaram os que estavam por ali. Mais uma vez as eletrônica, público que aumenta cada vez mais dentro do festival. ■
DE MINAS
PARA O MUNDO
Uma das principais agências de agência em meados de 2014 e, desde o início, confiou no serviço oferecido. Ainda
para o primeiro semestre de 2018, foram fechadas gigs na Áustria, Dinamarca, México,
DJs do Brasil, a Season Bookings Canadá e Alemanha. “Gosto de reforçar que atrás da carreira de um artista não existe
tem no casting diversos nomes de apenas uma, mas várias pessoas envolvidas, que trabalham duro nos bastidores e
fazem toda a diferença. Já estou no meu quinto ano na Season Bookings e devo
destaque nacional e internacional muito a todo o staff pelo meu crescimento no nível nacional e internacional.”
É claro que uma agência sozinha não faz milagre. Ela conta com a dedicação e
empenho do artista para auxiliá-lo nesse mercado cada vez mais profissional e
POR Luiza Serrano FOTO Leandro Quartiermeister repleto de novos nomes. Neelix, um dos principais destaques do trance mundial,
foi um dos primeiros a entrar na SB e sabe muito bem sobre a necessidade da
Prestes a completar 10 anos, a Season Bookings já pode comemorar o parceria que se deve ter com o artista. “A partir do momento em que se tem um
amadurecimento da agência e dos artistas que fazem parte do casting. Atualmente, a manager, você deve confiar na expertise dele e não tentar controlar o trabalho feito.
família SB é formada por 63 nomes da música eletrônica, de estilos e personalidades As decisões são tomadas com sabedoria e pensamento a longo prazo, e não só por
diferentes, que se apresentam por todo o Brasil e em turnês fora do país. razões financeiras. O Vitor sempre teve um plano para mim e eu nunca questionei
as decisões que foram tomadas, pois ele é muito bom nisso. Várias agências vêm e
Quem está à frente dela é o empresário, e também DJ, Vitor Falabella. “Quando vão porque as prioridades escolhidas são erradas”, conta.
iniciei a caminhada, em 2009, com o meu ex-sócio Max Mendes, foi uma
oportunidade aliada a necessidade de artistas emergentes em terem alguém
de confiança para administrar esta demanda de apresentações”, explica. Hoje, a
missão de orientar e descobrir novos talentos se tornou uma das características
Muitos motivos para comemorar
Consolidada no mercado, mas consciente sobre a necessidade de inovar e
marcantes da Season. Prova disso, são os nomes revelados ao mundo por meio
se desenvolver sempre mais, é presença confirmada nos principais clubs e
desse trabalho, com alguns ainda agenciados e os que por ela passaram: Alok,
festivais brasileiros, à exemplo de El Fortin, The Garden e Green Valley; além
Vegas, Ruback/ Dubdogz, Mandragora, Rrotik, Shapeless, Devochka, Dirtyloud,
de showcases na Clash, Deputamadre Club, Danghai, entre outros.
FTAMPA, Harmonika/ Darth&Vader, Capital Monkey, Bhaskar/ Logica, entre outros.
Com sede em Belo Horizonte, realiza eventos na cidade desde quando foi
Se os mineiros comem quieto, podemos dizer que essa turma tem feito barulho.
fundada. O primeiro deles foi a Summer Edition, iniciada em 2010. A demanda
Com a experiência de mercado e buscas frequentes para management, a agência
crescente propiciou a criação da Label Party, que já conta com edições nas
expandiu o seu leque de atuação. “Ao longo dos anos, investi muito na minha rede
cidades de Campo Grande, Curitiba, Joinville, São Paulo, Porto Belo, Vitória,
de contatos e adquiri experiência tocando em vários festivais no mundo, participando
e acontecerá, pela primeira vez, em Recife, no mês de maio.
também de conferências como o WMC e ADE, desde 2010. Hoje, me orgulho em
ter atraído o interesse não só dos talentos brasileiros, mas também de importantes
O SB Trance Club, criado para divulgar o casting da agência e unir música
nomes da cena mundial para gerir as suas carreiras por completo”, finaliza Victor.
com futebol, também virou selo de festa. A “partida inaugural” será realizada
em junho, em São Paulo, e seu formato poderá circular por todo país. ■
Essa entrada no mercado fora do país também contribuiu para o aumento dos tours
internacionais, beneficiando todo o casting. O DJ produtor Vegas entrou para a
WE ARE CLUBBERS
Com conquistas importantes ao longo da carreira, o projeto Clubbers
colhe os frutos de uma fusão bem-sucedida de diversas influências
POR Breno Loschi
Autores de uma das faixas mais esperadas do final de 2017, Como despertou a vontade de cada um de estar na música eletrônica? Ou, então, encontro um vocal e aí decidirmos se daremos prosseguimento ou passaram e, no final de 2016, fizemos um remix para “Wild Kidz”, com o nosso
Bozito: Antes de ser DJ eu frequentava várias festas de música eletrônica, não. Sobre a carreira, a gente planeja e discute tudo junto, mas fico mais à amigo ANICIO, que caiu no gosto da galera e dele também.
“Memories”, collab com Vintage Culture, Bozito e John Patrício
pesquisava muito sobre os artistas que iam se apresentar e os lançamentos frente na parte burocrática, contato com a agência e marketing.
são os nomes por trás do projeto Clubbers. DJs produtores e
deles. Depois fui tendo curiosidade sobre como era tocar. Baixei o virtual DJ no Minas Gerais está cheia de bons produtores! Quais nomes têm chamado a
amigos, o duo chegou ao top #10 viral Brasil do Spotify e top #2 computador do trabalho e ficava lá por horas tentando mixar as músicas sem ter Quem são suas maiores referências dentro da música eletrônica? atenção do duo?
no Beatport em menos de uma semana com este lançamento nenhum conhecimento sobre a técnica. Até que em 2009 enchi tanto a paciência Bozito: Gosto muito do som do Chris Lake, CID, Damien e outros que nem são Aqui na terra do pão de queijo (risos) temos ótimos nomes, à exemplo de
pela Spinnin’ Records, que contou com suporte de artistas do DJ residente do club que eu trabalhava, que ele me ensinou a tocar. tão famosos ainda. Não vou citar nomes para não roubarem minhas fontes de Dubdogz, KVSH, Woo2tech, Joy Corporation, Breaking Beattz, Devochka,
internacionais como Martin Garrix, Dimitri Vegas & Like Mike, pesquisas (risos). Sou bem eclético no meio da música eletrônica, escuto do Shapeless, Rrotik, Digitaria e FTAMPA. Não podemos esquecer de alguns
EDX e Sam Feldt John: Em 2008 descobri algumas rádios online e uma delas estavam recrutando deep house até progressive trance. nomes como Sam Marques, ANICIO e Talking Dirty, que também estão vindo
novos DJs. Me inscrevi e fui selecionado logo no primeiro set que fiz por com tudo. É muita gente boa!
streaming. A galera que estava online curtiu bastante e falou super bem! Acho John: Como vim do “EDM”, a maioria das minhas influências são de lá. Posso citar
Ao longo da carreira já remixaram oficialmente a banda
que foi nesse momento que fiquei maravilhado pela profissão e decidi que faria muitos artistas nos quais me espelho, mas acho que o número um seria o Zedd. Quais são os clubs e festivais que vocês têm mais vontade de serem
mineira Jota Quest, trabalharam em estúdio ao lado de Joy isso dali pra frente. escalados?
Corporation, fizeram a sua própria versão, em parceria com A faixa “Memories” teve grande repercussão, tanto nas pistas quanto na Cada club/ festival tem suas peculiaridades, e isso é o que torna cada festa
ANICIO, da faixa “Wild Kidz”, de RICCI e Vintage Culture — que Atualmente vivem apenas da música, ou exercem alguma outra atividade? carreira do Clubbers. Como foi o processo de criação dela até chegar na única. Caso fosse possível, tocaríamos em todos; mas como querer não é poder,
passou a fazer parte dos sets do próprio artista. “Get It”, “Love Bozito: Hoje, graças a Deus, consigo viver somente de música, mas nem Spinnin’ Records? se tivéssemos que optar entre três clubs escolheríamos Green Valley, Laroc e El
to Edit” e “Marrakesh” são algumas das músicas lançadas sempre foi assim. Quando comecei a tocar trabalhava na função de produtor Foi como o de qualquer outra música. A gente tinha um vocal e começamos a criar Fortin. Os três festivais seriam Lollapalooza, UMF e XXXPerience.
recentemente e que caíram no gosto do público. de eventos e como representante de uma marca de energético. Fazia muitas algo em cima disso. Nesse dia o Igor e o Caio, que são nossos amigos, estavam
festas no Deputamadre Club, em Belo Horizonte. no estúdio. O Caio gravou a guitarra, depois o John criou o lead principal do drop Quais foram os momentos mais marcante que vocês vivenciaram quando
e por aí foi. Fizemos várias versões até chegar em uma ideia legal. Mandamos decidiram seguir no ramo da música eletrônica?
Parceria que teve início quando os dois tocavam e produziam John: Trabalhei durante cinco anos em um escritório comercial, até o dia em que para o Lukas Ruiz, e ele deu os ajustes finais, entrando em contato com a Spinnin’, Apesar do projeto ter pouco tempo de estrada, já tivemos vários momentos
em projetos próprios e se encontravam em eventos de música percebi que dividir minhas energias em duas funções, ao mesmo tempo, não estava o que acabou proporcionando o suporte de vários nomes importantes da cena. marcantes. A primeira grande festa que tocamos com mais de 10 mil pessoas;
eletrônica e festas de amigos em comum. Luiz trouxe na me ajudando a alcançar meus objetivos. Pedi demissão e fui em direção a música. nossa entrada na Plus Network; e a mais aguardada de todas: a estreia na pista
bagagem referências do deep house, e John entrou com a Mas como tiveram contato com o Vintage Culture e como ele deu suporte principal do Green Valley, que será em julho.
influência do EDM e future house. A união destas diferentes Conte-nos um pouco mais sobre o entrosamento da dupla. O quanto de cada para vocês?
vertentes ajudou muito no crescimento da dupla, resultando um é essencial tanto na hora da produção, nas gigs e na carreira em si? A primeira vez que tivemos o suporte do Vintage foi em 2014, com o nosso Depois de um 2017 incrível, o que podemos esperar do Clubbers para 2018?
Bozito: Ficamos de terça a sexta produzindo e nos finais de semana viajando primeiro trabalho, que é um bootleg da faixa “Latch”, do duo Disclosure. 2018 vai ser de desafios para a gente. Estamos focados em criar novos sons e
em várias conquistas, como a presença na 13º edição do
para tocar. Passamos mais tempo juntos, no estúdio que fica na minha casa, do Mandamos o link por e-mail, sem saber se aquele endereço realmente era buscando crescer cada dia mais na cena eletrônica. Temos algumas músicas
Universo Paralello e no Só Track Boa.
que com a nossa família. É praticamente um casamento (risos). Na maioria das o oficial. Um dia, mexendo no Instagram, vimos que estava tocando a nossa prontas e estamos fazendo outras novas. Já posso adiantar que a nossa collab
vezes, o John começa algo do zero na cabeça dele e depois vamos lapidando. música em todos os sets. Ficamos eufóricos com aquilo. Alguns anos se com o Dubdogz é uma grande aposta para esse ano. ■
Como despertou a vontade de cada um de estar na música eletrônica?
IDENTIDADE PRÓPRIA
Duo Breaking Beattz fala sobre carreira, produções e projetos atuais
POR Breno Loschi Lauro Viotti e Rafael Zocrato são os nomes por trás do Breaking Beattz. A dupla
mineira agenciada pela Plus Network, que une talento e experiência adquirida
em caminhos distintos, apresenta faixas de forte identidade própria. Com
músicas lançadas por selos relevantes mundialmente como Bunny Tiger, Mix
Feed, House of Hustle, UP Club e Elevation, o projeto tem se destacado na
cena de música eletrônica nacional, através de colaborações importantes com
Chemical Surf, Sharam Jey e outros artistas. Entre horas no estúdio de segunda
a sexta, e gigs nos finais de semana, conversamos brevemente com o duo.
“Don’t Stop” e “Get Low”, lançadas pela Bunny Tiger, foram duas collabs de
sucesso com a dupla Chemical Surf. De que forma elas surgiram e chegaram
até Sharam Jey?
Foi durante nossas sessões no estúdio em março e abril de 2017. Nessa
época a gente já conhecia o Luca e o Hugo, e tínhamos vontade de
desenvolver algo juntos também. Enviamos a eles algumas ideias e foram
justamente essas as que mais gostaram. Após trabalharem em cima disso,
mostraram ao Sharam Jey, que além de ter curtido, se dispôs a colaborar
em ambas. Ele deu os últimos ajustes e no fim do ano passado passamos a
tocá-las, o que nos proporcionou um salto importante na carreira.
Vocês já lançaram por diversos selos. Quais ainda têm vontade de assinar?
As faixas que produzimos são a mistura de muitos sons que ouvimos em
diversas gravadoras, à exemplo de CUFF, Dirtybird, Confession, This Ain’t
Bristol, Box of Cats, Night Bass..., sendo verdadeiras inspirações e referências
pra gente, fazendo com que a vontade de lançar por estas surja naturalmente.
Algumas já temos mais liberdade e abertura para enviar nossas produções e
então essa meta tem ficado mais próxima.
DJ | PRODUCER
SINGER | SONGWRITER
A MÚSICA
CURA A ALMA
Godog conta como a música passou dá é isso: você se obriga a ser resiliente. Sou muito grato por tudo, mas entendo que
meu lugar não é aí. Boa parte do mundo vem acompanhando essas novas ideias
a ter papel principal na sua vida que estão em sintonia com a liberdade de ser e estar. Sempre enfatizo a importância
do caráter social de festas, pois são nelas que se recarrega as energias depois de
uma semana enfadonha. E quando você dança do lado dos mais diferentes tipos de
POR Jennifer Didjurgeit FOTO Maik Schrank pessoas, isso cria um laço humano. Precisamos de mais disso no mundo.
Existe algo que não tenha sido contemplado nessa sua caminhada?
Marcelo Godoy, ou Godog, é um artista independente paulistano que vive atualmente São meio que duas vertentes de exposição dentro da música eletrônica, principalmente
na Alemanha e já se apresentou de forma orgânica em clubs como D-Edge e Vibe, a underground: produzir festas e/ou lançar músicas. Parei de fazer festas em 2014,
além das festas Mamba Negra e Troop. Na Europa, teve gigs nos clus londrinos porque me desgastava muito e quase nunca conseguia entregar um set bacana. Sei
Cafe 1001, Egg e Pacha; e em Berlim, nos clássicos Club Der Visionaere, Chalet, que quem me contrata é porque gosta do meu som e sabe da minha pesquisa, mas
Hoppetosse e outros. Em muitas dessas festas, esteve ao lado de expoentes mundias sou consciente que hoje tenho menos gigs por não ter um evento próprio.
como Fred P., Ian Pooley, Bill Patrick, Audio Werner, DeWalta, Bella Sarris e Voigtmann.
Protagonismo este que, aliado também as colaborações para mídias especializadas, Então, o reconhecimento que teve até hoje se deu por conta de sua pesquisa?
justifica sua presença no segundo capítulo desta nova coluna da House Mag, que irá Com certeza. Amo techno, house, minimal, dub, electro e todo o universo ao redor.
apresentar a cada edição profissionais que ajudam a movimentar o cenário musical Meu principal ponto é não ficar estigmatizado como um DJ de um único estilo. Meus COLLABS WITH:
em que estão envolvidos. heróis são ecléticos e vejo música sob a mesma ótica liberal que encaro a vida.
CHEMICAL SURF, BRUNOBE, SHAPELESS, DUBDOGZ
O que te fez escolher a música e sair de São Paulo? Você acha que isso talvez confunda os contratantes?
REMIXED BY:
Um senso enorme de inadequação e não pertencimento. Nestes anos fora do Brasil, O que aprendi nesses anos é: contexto. Pesquiso sobre a festa que vou tocar e
perdi o florescimento ao qual a cena se encontra hoje. Mas não foi só essa a razão os artistas do line-up em que estou. Recentemente encontrei amigos de núcleos
por eu ter procurado outra cidade. Meus amigos haviam parado de falar comigo por diferentes em uma festa, e um deles falou que eu devia parar de tocar techno, na VINTAGE CULTURE, KVSH, MANDRAGORA, GUSTAVO MOTA
eu ser homossexual. Entrei em depressão e foi assim que comecei a sair sozinho em frente de outro (do techno), que respondeu: “Mas ele é do minimal”; o que prova que
São Paulo. Não é exagero dizer que a música salvou a minha vida. Londres foi minha os dois estão errados, pois toco o que achar que devo e na hora que julgar correta.
primeira vivência internacional e pude estudar produção de música eletrônica. Não levanto bandeira dentro da música, pois quero ser surpreendido, arriscar e sair OUT SOON:
da zona de conforto. Acho que a galera deveria se misturar mais… Em Berlim as
CAT DEALERS, GABRIEL BONI, FELGUK, BRUNO MARTINI E OUTROS
Então qual sua relação com o Brasil? Existe algum trauma? pessoas rotacionam com maior frequência entre clubs e festas.
Existe uma ferida cicatrizada. Hoje fala-se muito em representatividade de lutas e
movimentos. Boa parte das pessoas, pelo menos nos grandes centros, tem a mente Alguma consideração final?
mais aberta e receptiva. As novas gerações estão dando um baile de consciência — Quero deixar como pensamento que se a música cura, quero ser curandeiro também.
é bonito de ver. Hoje a relação que tenho com minha terra natal é mais madura: me E é nisso que estou interessado: poder propiciar momentos de transe coletivo. Muito
considero um primo distante, visitando de vez em quando. Uma coisa que Brasil nos obrigado pelo espaço e oportunidade. ■
76 WWW.HOUSEMAG.COM.BR JULHO/AGOSTO/SETEMBRO
MAIO/JUNHO/JULHO | 2018
2017
77
OPINIÃO
CRISE DE IDENTIDADE
Precisamos falar sobre o “pós-EDM”!
Tem sido difícil definir quais estilos musicais atualmente compõem o movimento dos nomes mais expressivos do “progressive house”, mas hoje admite que o deixou
que passamos a conhecer por “EDM”. A isto, me refiro a um conjunto de vertentes de lado para focar no pop-music). Outros, como Porter Robinson (no projeto Virtual
da dance music — a exemplo do electro, big room e progressive, dentro do gênero Self), adotaram produções musicalmente maduras, procurando autenticidade
house — que se tornaram amplamente populares no mundo, tendo gerado todo um estilística. Portanto, não há mais hegemonia de poucos estilos, surgindo uma nova
mercado de crescimento explosivo desde o final da década passada. Em paralelo realidade na qual várias vertentes coexistem no mainstream da música eletrônica.
os eventos se expandiram, cativaram um maior número de fãs, agregaram valor; no
entanto tornaram mais inflado e irrealista o cachê dos maiores artistas envolvidos. Em 2017-2018, começam a se tornar comuns críticas à falta de foco estilístico e aos
Após o “boom” (entre 2011-2014), chegou-se em uma fase na qual notava-se nomes que renegaram as próprias raízes. Alesso chegou a bater boca com um fã
esgotamento da repetição dessas fórmulas musicais. que ridicularizou suas produções atuais. Já Tiesto afirmou numa entrevista que não
está satisfeito com a cena e que se deveria “voltar ao básico”, referindo-se aos DJs
Começou-se a discutir, já no final de 2014, o EDM como uma bolha econômica — que “fugiram” para o pop. Porter Robison opinou também: “artistas deixaram de ser
que se tornaria inviável do ponto de vista financeiro. Notícias como a falência da ousados e apaixonados desde a convergência do EDM com o pop”. E Calvin Harris
SFX (empresa responsável pelo Tomorrowland na época) e a venda da Spinnin’ anunciou que iria voltar a produzir house music nos tradicionais 128 BPMs. O que
Records para a Warner, em agosto de 2017, validavamesta visão. Apesar disso, a isso tudo nos diz?
esperada “explosão da bolha” acabou por nunca ocorrer, e os grandes festivais
continuam firmes e fortes. Mas houve um custo: para minimizar danos econômicos Pode-se dizer que, talvez, já se forma embriológicamente uma mentalidade “pós-
e gerar menor dependência dos restritos estilos que o compunham, produtores, pós-EDM”, na qual fãs clamam pela volta da identidade tradicional da dance music
gravadoras e empresários precisaram mudar de estratégia, investindo em uma e maior fidedignidade dos artistas a suas origens. E fala a favor disso o retorno
maior diversidade sonora. do Swedish House Mafia, que parece estar novamente comprometido com o
“progressive house” mainstream — ao mesmo tempo em que o palco principal do
E foi nesse contexto que surgiu o “pós-EDM”, termo criado numa postagem do Tomorrowland 2018 volta a priorizar bigroom/ electro/ prog, se comparado com a
artista A-Trak, em 2014, em que ele alerta sobre a saturação e a necessidade de um edição de 2017; e a Spinnin’ a lançar estilos aos velhos moldes, com artistas como
renascimento criativo na cena. Ele foi preciso na análise: não bastaria a produção e Ummet Ozcan produzindo bigroom.
reprodução de poucos estilos, o contexto pedia diversidade e maturidade musical.
O fato é que o movimento permanece numa crise de identidade. Enquanto muitos
Em 2016-2017, festivais como o Tomorrowland quebraram a hegemonia até então procuram novas referências, outros, como Porter Robinson e A-trak, já mataram a
dominante, confirmando artistas de techno e trance clássico em horários nobres charada: o futuro do dance music mainstream pertence a aqueles que produzem
do palco principal. Warner reformula a Spinnin’ — que antes tinha claro enfoque o que amam, livres das amarras criativas e dos estigmas que uma defasada, falha
no electro/ bigroom/ “progressive” e passa a sons diversos como bass music e e imprecisa nomenclatura possa gerar. Por fim, cabe a nós responder: “Estamos
hip-hop. Muitos trocaram sonoridades saturadas por novas vertentes (Alesso foi um entrando em um capítulo pós-EDM?” ■
78 WWW.HOUSEMAG.COM.BR
ENTREVISTA
EM PLENO VAPOR Em passagem recente pelo Brasil, Luciano nos concedeu uma entrevista
exclusiva em que compartilhou sua visão sobre a cena na América Latina
Após três horas de set houseado e caloroso em pleno verão brasileiro, amadureceu, a música se tornou mais popular, tem mais lugares e DJs. Adoro vir de sua própria terra. Precisei ir embora do Chile para me acharem bom. Saía, Você sempre apoiou muito novos artistas. Que tipo busca hoje para o seu selo?
apimentado pelo ritmo latino que tanto enriquece seu estilo, o ambiente foi para América do Sul. É um dos lugares que mais gosto de visitar e me sinto em tinham muitos artistas ótimos, mas vinha alguém de fora e davam mais valor. Isso Nós precisamos de pessoas e de música que tenham um brilho especial. Procuramos
tomado inesperadamente por uma das batidas mais famosas da história da casa, porque amo as pessoas, a vibe, várias coisas acontecendo, after-parties, é uma bobagem, pois talento nada tem a ver com a bandeira que você carrega. quem tem a música como o próprio universo. Pessoas que não estão tentando ser
dance music. Nenhum dos corpos suados naquela bela noite de janeiro, em novos artistas. Na Europa existem diversas regras: não pode fazer isso e aquilo... Sei que ainda é difícil e tem muita luta, mas meus amigos de lá reclamam que como a gente é, como eu sou, mas que estão sendo quem eles são.
Florianópolis, esperava uma virada dessas. Ao final de 180 minutos de frenesi, a aqui sinto que existe muito mais liberdade. ninguém os reconhece. Não posso dizer com propriedade, porém é o que ouço.
pista voltou para 1999 explodindo em saltos e gritos: “Superstar DJs, here we go”. Seu destaque, tanto pelas produções como pela discotecagem, sempre foi algo
Por que sente que aqui tem mais liberdade que na Europa? Quando começamos a música eletrônica no país não havia nada: nós criamos a latente. Qual dos dois formatos te traz mais satisfação?
Ser um DJ com mais de 20 anos de carreira, responsável por ajudar a construir Por exemplo: é possível acessar mais lugares pra fazer festas. Tenho amigos cena e essa era a motivação. Não éramos movidos por reconhecimento, e sim por Separo muito bem essas duas coisas e tento fazer melhor as duas partes. Para
uma das cenas mais sólidas do nosso continente, a chilena, embaixador de Ibiza no Chile fazendo afters nas florestas, e nada atrapalha. Ibiza era assim 20 criar algo novo. Hoje tem muita coisa acontecendo e a galera não percebe que mim DJing é uma grande conversa com as pessoas. É um momento coletivo, uma
e dono de um selo extremamente respeitado no universo da música eletrônica, anos atrás. Você podia ir nas praias e fazer algo especial pras pessoas; mas nem sempre foi assim. Tem redes de pessoas criando festas em diferentes lugares. conexão com os outros. Já quando produzo música, faço pra mim. Coisas que gosto,
Cadenza Music, ajuda a ter o feeling de pista necessário para saber o momento agora é impossível, pois existem muitas regras. Claro, quando há liberdade, há Naquela época, quando fui tocar música eletrônica pela primeira vez em uma cidade não necessariamente dance music. Pode ser música ambiente, leve ou de diferentes
preciso de encaixar — no caso encerrar — com a clássica das clássicas do criatividade. A liberdade cria a criatividade, novos artistas, etc... no norte do país, cheguei no club e o dono me deu o fone de ouvido, um microfone gêneros. Faço o que realmente quero fazer e sou bem egoísta nesse sentido.
Chemical Brothers, e ainda assim surpreender, sem cair em clichê, fazendo todos e disse: “Você vai tocar aqui hoje e convidar as pessoas para uma cerveja. Vou te
descarregarem com prazer o resíduo de energia restante. E nesse sentido, Ibiza ainda está te inspirando? A cidade faz parte de um grande dar uns ingressos para vender”. Pensei: “tá louco?!” Acho que ele não entende o que Nesses anos todos, o que te deixa mais irritado na cena?
papel na sua carreira... faço. Me expulsaram e fiquei sentado na parte de fora, num deserto. Precisei olhar Na verdade, é o fato de essa nova geração não ter tanto respeito, pois antigamente
Três horas antes da pista do Terraza se embebedar com o jeito Luciano de Tudo o que já fiz e faço é importante, ao meu ver. Minha missão na vida é fazer onde passava ônibus para poder voltar... Então existe uma grande distância entre o existia algo muito aguçado e sério. Por exemplo, meus mentores são os veteranos
discotecar, estávamos com ele no camarim (que chegou em cima da hora, devido música, entreter e levar boas vibes para as pessoas. Seja num club pequeno que rolava e o que está acontecendo agora. Acredito que é uma questão de tempo. de Detroit e Chicago. Antes poderia levar anos para termos oportunidade de tocar
a um engarrafamento) batendo um papo de 10 minutos, que se transformou na ou grande festival, a importância é a mesma. Não dá pra lutar com o tempo, as com eles, sendo um grande momento na carreira de qualquer artista. Hoje a cena é
entrevista que você lê a seguir: coisas mudam, é a evolução... Realmente estou mais velho (risos) e essa é a única Quando começou a criar a cena chilena, o sentimento foi parecido de quando criou tão rápida. Às vezes vejo alguém que acabou de surgir e em menos de dois anos já
mudança. De resto são novas pessoas vindo pra ilha, e é isso. a Cadenza, há 15 anos? está viajando de jatinho. Acho que se perderam os valores um pouco, e outras coisas
Você foi capa da House Mag há oito anos e comentou na ocasião que a cena Sim. Na verdade, nós nunca pensamos em criar um label. Minha irmã é designer estão se tornando mais importantes do que realmente fazer música.
brasileira era interessante, porém pequena e sem muitas coisas acontecendo. Você foi uma peça importante para o desenvolvimento da cena chilena, no início gráfica, estava terminando os estudos no Chile e precisava fazer a monografia.
Quais as suas impressões daqui hoje em dia? dos anos 90, e me lembro de uma afirmação sua antiga de que não havia tanto Disse pra ela: faço a música e o vinil, aí você trabalha na capa e apresenta o Por último... temos tempo para mais uma pergunta? O que vem pela frente?
Fui embora em 2000 e me desconectei da cena aqui. Mas mantenho contato apoio aos artistas locais quanto para os internacionais que iam tocar lá. E hoje, isso projeto. Logo que saiu a primeira faixa muitas pessoas queriam saber e ouvir Estou produzindo um novo álbum, que será lançado em breve... * Infelizmente ele
com artistas novos que me atualizam. A primeira vez que vim ao Brasil acho mudou? É algo que melhorou da forma que esperava ou queria? mais. Houve um alvoroço! Não conhecíamos sobre finanças, pagamentos, precisou sair para tocar, pois já estávamos além do limite do horário. Ficamos curiosos
que já faz 17 anos, então claro que nesse tempo a cena cresceu absurdamente, Acho que é a mesma coisa que acontece com o Brasil: ninguém é o profeta contratos..., mas assim que começou. sobre o novo álbum, e aguardamos ansiosos! ■
BRMC #10
Comemorando a décima edição, a
conferência se reinventou em todos os
aspectos. Através de uma série de ações,
Com o objetivo de transformar o Rio de Janeiro na Já estabelecida, em 2014 recebe, pela primeira dentre elas, a renovação da identidade
capital da música eletrônica, foi organizado durante o vez, a AFEM: uma associação internacional sem visual, se reafirma como a maior da
Carnaval de 2011 um festival que atraiu mais de 25 mil fins lucrativos criada para representar os interesses América Latina. Segundo Bruna Calegari,
pessoas. Movimentando cerca de R$ 20 milhões em comuns das companhias e indivíduos que investem, da agência Hot Content (empresa por
dois dias, a Conferência, naquele ano, também bateu advogam e aplicam a boa prática no mercado. trás do marketing do evento), “BRMC é
PRESENTE
Além da questão logística, de que forma o BRMC se identifica com São Paulo?
São Paulo é o maior centro de negócios do continente e local do maior PIB na
economia da música no Brasil, contando com uma cultura de dance music rica, com
história e significado. O clima urbano, de megalópole, é atraente para os clubs e
E FUTURO
também para o estabelecimento dos festivais. Buscamos com esse movimento
nos aproximar ainda mais de outros países Latino-Americanos que são potenciais
impulsionadores de ecossistemas e negócios locais.
TASIA
Como foi a transição comercial, estratégica e criativa entre RMC e BRMC? A música eletrônica é extramamente abrangente. Quais atividades foram
N
0 7 SET 2018 A
Sob a perspectiva comercial, penso que a formalidade dos negócios nas áreas desenvolvidas para os que apreciam diversas vertentes dentro desse gênero?
À F
criativas evoluiu muito nos últimos anos, mas ainda há um nível de informalidade Acredito que a diversidade encontrada dentro do ambiente da música
FES TA
grande em alguns setores, empresas e profissionais. Existir um encontro de eletrônica é o que a deixa mais atraente e estabelecida como o grande “guarda-
negócios no país, que reúna as principais marcas e os conteúdos do mercado, chuva” da indústria da música atualmente. É claro que há enormes diferenças,
acaba por ser uma oportunidade para representantes, profissionais e executivos se principalmente sob o ponto de vista comportamental e perfil de consumidor
apresentarem, buscarem novos negócios, atualizarem-se e desenvolverem formas de cada uma destas cenas. E isso é interessante para se discutir e trocar
inovadoras para comunicar-se neste ambiente. Na parte criativa, a nova marca foi experiências, pois há um rico viés cultural, ideológico e filosófico existente
concebida pela Diretora de Arte Leila Fittipaldi, a mesma que criou o design do RMC ao fazermos uma imersão em cada uma delas. Mas existe também os pontos
e vem nos acompanhando, desde 2009. Já o key visual e campanha é liderada em comum, a criação de modelos de negócio, operação, estratégia e outras
pela agência Hot Content, da Bruna Calegari e João Anzolin. Estou muito satisfeito! análises empresariais, que são comuns ao mercado como um todo. ■
HIPPOCOON DAMAZIO do Afoxé, ritmo que se tornou um alicerce nessa construção e que conta a história dos
filhos de Gandhy, um dos grupos de maior renome na Bahia. A faixa-título traz uma
bem singular. Semper Volt é a criação de um veterano da música eletrônica que
já fez parte de inúmeros movimentos e agora se encontra livre para experimentar
WHAT YOU GOT? TUNES percussão trabalhada entre o groove do atabaque, agbê e cabasas, que se intercalam manipulações rítmicas, contorcionismos melódicos senso de construção refinado. O
com os beats eletrônicos da 808 e 909 — clássicos da linha TR da Roland. As ótimas resultado é uma coleção de faixas que dialogam com o pop, mas sem abandonar os
Através de uma sequência de lançamentos de alta qualidade e um feedback de pista Lucas Damazio é produtor há sete anos e tem buscado aplicar os conhecimentos interpretações de Monobloq e Fractal Mood completam o EP. Maikon Willian fluxos de energia que orientam a música dançante da melhor estirpe. Chico Cornejo
bastante expressivo, o Hippocoon começa o ano com quatro ótimas faixas originais adquiridos em um projeto que passeia entre o tech house e o techno em suas
de tech house que apresentam muita atitude e personalidade. O EP intitulado What apresentações. O mais novo EP da carreira, Tunes, conta com as músicas “Fall” e
You Got?, lançado pela House Machine, traz quentíssimas linhas de baixo, envoltas “Stakes”, em que ambas possuem um bassline constante, acompanhado de efeitos
ao groove percussivo e dinâmico característico da dupla. Vale conferir! e sintetizadores analógicos — claramente produzidas para a pista de dança.
VAS NACIONAIS E EPS INTERNACIONAIS
ZOPELAR
STEPPING STONE TO
PAULO FOLTZ THE FUTURE OF SPACE
PINEAL CONNECTION EXPLORATION
PRISMA TECHNO IN THEIR FEELINGS
Apresentando um caráter autêntico e sólido, Paulo Foltz lança seu primeiro álbum Após um ano dos mais agitados em todas as suas frentes de atuação criativa,
pela Prisma Techno. Depois de muito explorar e aperfeiçoar os fundamentos Pedro Zopelar não mostra sinal algum de que vá diminuir o passo incessante de
de sua base musical, todo o esforço e dedicação é consolidado em Pineal novidades que marcou esse período. E este álbum segue seu movimento geral
Connection. Com uma abordagem introspectiva e profunda através de synths de crescimento e aprimoramento, já que é o primeiro ser lançado pela In Their
marcantes, pads atmosféricos, envolvidos por uma bateria espacial, o ouvinte é Feelings, selo que comanda em conjunto com Davis e Marcio Vermelho, é um
levado a uma autêntica viagem sonora, transitando entre as diferentes dimensões dos mais completos documentos de seu desenvolvimento artístico. Cada faixa
da natureza. A linguagem enfatiza a verdadeira conexão que existe entre música e carrega aquele cuidado artesanal na criação de elementos e a inventividade
alma que ocorre por meio da glândula pineal, muito conhecida por ser o “o assento que até aqui caracterizaram seu trabalho, mas com a precisão e imaginação
da consciência”, onde ocorre a comunicação de nosso ser interno e o corpo físico. que a experiência permite extravasar numa narrativa coesa, resultando em algo
Algo que resulta numa conversa silenciosa em que apenas sentimos como as tão simples no refinamento que emprega quanto primoroso no sentimento que
melodias ressoam em nosso interior. Leonardo Wallau envolve. Chico Cornejo
ÍNDICE
Qual dica dão para os produtores enviarem faixas para gravadoras?
Enviar playlist com no máximo quatro músicas, sem plays e aquele monte de
comentários. Também é importante escrever uma breve apresentação falando
quem você é, em que selos já lançou, e principalmente, não enviar para vários
destinatários ao mesmo tempo. O A&R tem que perceber que a sua demo é
A nova era da democratização dos sintetizadores 94 exclusiva, e que a faixa soa de acordo com a identidade do selo. Encher a caixa
O som do futuro 96 de e-mail com trabalhos que não dialoguem com esta proposta podem esgotar as
O ruído do bem 97 suas chances de receber um play quando tiver algo realmente bom.
HARDWARES
A NOVA ERA DA DEMOCRATIZAÇÃO DOS SINTETIZADORES POR Romulo Pierotti
Linha boutique, Roland Aira, Korg MS-20, Arturia Microbrute Arturia Drumbrute Teenage Engineering
a partir de U$ 299 a partir de U$ 199 a partir de U$ 449 U$ 290 U$ 449 Teenage Engineering U$ 49
Ultimamente o mercado vem oferecendo melhores Por muito tempo, o comércio de synths esteve Um número maior de jovens tem se interessado mapeá-las manualmente e recordar-se onde cada Com preços a partir de U$ 50, marcas como as com acesso a apenas alguns parâmetros (com a
sintetizadores por preços cada vez menores, nos estagnado. Isso se deve a alguns fatores: baixa por produção musical e as empresas perceberam parâmetro foi endereçado, com pouco ou nenhum tradicionais Roland, Korg e Akai; as mais novas, necessidade de programar usando sub-menus
mais diferentes tipos e formatos: analógicos e digitais, demanda graças aos estilos que dominaram as paradas a necessidade de ofertar opções para todos os retorno visual. Sem falar que é raro ter uma tal qual Teenage Engineering, Arturia, Novation e/ou plugins específicos, o que tira um pouco
com ou sem teclas, em forma de módulos, ou como de sucesso; pouco investimento em desenvolvimento bolsos. Produtos de baixo custo se fazem ainda controladora com botões e controles deslizantes e Behringer; e até as de luxo, como Moog e DSi; a graça); teclados em miniatura ou ausência de
kits para montar em casa. Seja um clone ou um de novos produtos; foco apenas em lançamentos mais imprescindíveis em economias emergentes suficientes para todos os parâmetros presentes nos têm desenvolvido hardwares de entrada, brigando teclas (sintetizadores de mesa); cases em materiais
produto original, essa nova tendência tem novamente de luxo; e avanço da computação com consequente e com moeda desvalorizada, como a nossa. VSTs mais modernos. por uma fatia desse mercado e apresentando mais baratos como plástico ou até ausência de
popularizado e democratizado a acessibilidade a melhoria e popularização de instrumentos virtuais. Outro fator decisivo para o aumento desse nicho constantes lançamentos. Algumas têm relançado case externo (no caso da linha PO da Teenage
hardwares, como ocorreu em épocas passadas. é o bizarro mercado especulativo de synths Isso é só um detalhe, pois a maior vantagem de seus próprios produtos com novos recursos, à Engineering); lançamento de clones que diminuem
Apesar da facilidade de ter diversos instrumentos vintage. Basta algum produtor famoso falar que instrumentos físicos são justamente as limitações. exemplo da Korg com o Ms-20 e o Odyssey. Já o custo de pesquisa e desenvolvimento; entre
Alguns podem até argumentar que o mais virtuais à disposição, seja de forma legal ou não, usa determinado equipamento para que o preço Enquanto no meio virtual basta carregar outras apresentam edições digitais de clássicos outros.
importante é como o timbre foi alcançado — neste o interesse pelo mundo dos hardwares vem triplique na mesma semana. facilmente um novo plugin quantas vezes for com sonoridades que se assemelham aos originais
caso os equipamentos utilizados —, mas a verdade crescendo. Muito disso se deve a introdução necessário, “no mundo real” você deve lidar de e são fiéis a esse histórico, como é o caso da maioria Correndo por fora ainda temos a produção de
é que a maioria esmagadora do público pouco de bons equipamentos mais acessíveis e Outro ponto é a sensação tátil de manipular o som, forma criativa com suas restrições, seja o tipo de dos equipamentos da linha Boutique da Roland. módulos com preço de entrada e também kits
importa se a música que gosta foi feita com um principalmente a produção em massa que já é uma além de se deparar com belas surpresas. Claro ondas geradas, a quantidade de notas (mono, DIY (em que o comprador tem que realizar toda a
sintetizador raro da década de 60, um clone de U$ realidade. A demanda aumentou drasticamente e que isso também pode ser obtido através do uso poly e parafônico), o timbre..., algo extremamente Para diminuir os custos, as empresas utilizam montagem e soldagem do equipamento). Confira
300, plugins, samples ou uma “calculadora”. não parece dar sinais de diminuir tão cedo. de plugins, mas na maioria dos casos será preciso benéfico para a criatividade. algumas estratégias: painéis frontais reduzidos e alguns modelos. ■
Ao longo da minha trajetória conheci várias pessoas de sua preferência e você poderá experimentar Mas e agora? Você tem em mãos o Maschine, o Ao longo do que já passamos nessas quase duas na navalha, processados em uma clássica mesa Hoje temos diversos fabricantes de plug-ins que
que entraram ou desejaram entrar no universo da várias sonoridades interessantes e sair criando linhas Komplete e as expansões. Como começar? No décadas completas do século 21, pudemos ver de som Neve. Em um documentário da banda, ele estão em um nível muito alto de emulação desses
produção musical e um ponto que sempre foi motivo de que soarão muito bem. Sons industriais, urbanos, Maschine, tudo é separado por projetos, grupos, como o áudio digital se modificou. O que se buscou explicou que estava cansado desse som limpo e equipamentos, fornecendo ótimas opções de
dúvida era: como conseguir produzir com sonoridade sintéticos… tem pra todos os gostos. sons, instrumentos, efeitos e amostras de sons. durante muito tempo, como por exemplo um som cristalino que os desenvolvedores de software e equalizadores, compressores, reverbs, delays,
convincente ou, ao menos, que soasse “profissional”? limpo e cristalino, foi realmente alcançado, quando cientistas do áudio conseguiram alcançar e sentia saturadores, entre outros. Recursos que, utilizados
É interessante também ter uma controladora O legal aqui é poder procurar por categorias, viramos de século, para então se perceber que o falta daquela vibe mais “tosca” e suja que, por da “maneira correta”, entregam harmônicos
Obviamente que este mundo é cheio de caminhos Maschine para sair criando sem complicações. facilitando o encontro de sonoridades específicas. som estava meio sem graça. Ora, não é à toa que exemplo, o Nirvana tinha gravado. O álbum foi importantes aos elementos de uma música e ruídos
e de aprendizado constantes, mas uma coisa que Por que digo isso? Por um motivo simples e que, Os effects são separados por categorias, o que vemos diversas empresas retomando a produção indicado a cinco categorias do prêmio Grammy, quase que imperceptíveis; porém imperfeitos
muitos não se atentam é sobre quais equipamentos, às vezes, passa batido por vários iniciantes e até descomplica a busca por algum processamento: de sintetizadores e processadores analógicos, que não somente por ter sido feito dessa maneira, mas quando somados um ao outro, deixando o som
softwares e, principalmente, o modo de usá-los outros mais experientes no mundo da produção: ambiências, distorções, equalizadores, delays, estavam outrora esquecidos na memória dos mais. porque a mentalidade dos músicos mudou através mais quente e mais vibrante. E, ao serem usados
que seu ídolo na produção musical utiliza para música eletrônica é e sempre foi criada motivada filtros…, tudo está lá! E por último, porém não Vemos também novos produtores que buscam do desafio de tornar o som um pouco menos “incorretamente” também trazem uma textura única,
chegar naquele som. Em décadas passadas muitos por elementos característicos: kick, bass, stabs, menos importante, os samples contém todas as por sonoridades talvez datadas, mas que, sem um artificial, e teriam que executar a gravação com porque no final das contas não existe certo ou
estilos se basearam em teclados sintetizadores, plucks. Quem nunca ouviu uma faixa com sons de amostras de som que você pode utilizar para criar motivo muito plausível, encantam nossos ouvidos, performance perfeita. errado na hora de criar seu som.
grooveboxes e samplers de marcas como Roland, TR-909, 808, TB-303? Ou Moogs? E aquele timbre seu próprio som. e encontramos esses sons nesses equipamentos
E-Mu, Korg, Yamaha, Ensoniq, entre outras. Ficar clássico de órgão do Korg M-1 utilizado em “Show hoje considerados vintage. Daí temos esse grande Calma, não estou dizendo para você jogar seu PC Então deixo de sugestão que vocês explorem
atento aos novos lançamentos é nosso dever para Me Love”, da Robin S, e tantas outras músicas? Uma dica essencial e que faz toda a diferença número de produções que soam como anos 90 e ao ou Mac pela janela agora mesmo, para garimpar esses recursos que hoje estão cada vez mais
chegar ao “som do amanhã”. Digo isso pois o que na forma de criar e sentir sua música é ter um mesmo tempo com elementos bem atuais, fazendo por uma velha MPC e umas baterias eletrônicas fáceis de termos acesso. Experimentem colocar um
se lança hoje, certamente será utilizado em breve Ter um som ao alcance dos dedos que seja controlador MIDI. Pode ser de qualquer marca uma espécie de revival do que já se ouviu. da década de 80. Felizmente a indústria de equalizador que emula um equipamento analógico
e chegará aos principais charts em pouco tempo. condizente com o seu estado de espírito é e que caiba no orçamento. A vantagem quando softwares, atenta a isso, percebeu que muitos nos elementos de sua faixa, gire seus botões de
fundamental para que você se inspire, resultando em você adquire um da Native (como o recém-lançado Quando paro para pensar no assunto, sempre me procuravam essas sonoridades e vem entregando maneira abusiva, sem ficar com regras tolas como
A dica que dou é um olhar mais atento ao pacote linhas realmente pessoais e com identidade. Nisso, Maschine MK3) é que junto vem o pacote Komplete recordo do não tão antigo álbum Wasting Light (2011), cada vez melhores plug-ins de áudio que simulam “não podemos subir mais de 3dB num equalizador”
Komplete 11, o software Maschine e expansões, todos os Expansions da Native são quase imbatíveis. Você 11 básico e a licença do software Maschine — o que da banda norte-americana Foo Fighters, em que o equipamentos antigos. No entanto, onde está a (se não pudéssemos, o knob não giraria tanto,
da Native Instruments. Se você deseja chegar a um quer uma atmosfera trap, boombap? Tem! House facilita na compra de atualizações e expansões, líder, Dave Grohl, decidiu por adotar um processo magia no equipamento x ou y? A magia está nos concorda?). Use um compressor apenas para
som de identidade e sem muitas dificuldades, esse clássico? Também! Quem sabe algo mais techno, que valem a pena. Assim, um mundo de novas inteiro analógico na produção e pós-produção do ruídos que eles tinham e nos defeitos que possuíam, mexer em seu controle de ganho (isso mesmo, sem
é o caminho. A vantagem é que são compatíveis reggaeton ou funky? Tem de tudo, organizado por possibilidade se abrem e você passa a focar muito disco, sem o uso de um único computador. Tudo porque nem sempre o melhor equipamento dava o comprimir), sature sua bateria, seus vocais... Enfim,
com a DAW [estação de trabalho de áudio digital] estilos e com prévias no site da fabricante. mais nas ideias do que no processo em si. captado em gravadores de rolo de fita, edição feita som que os engenheiros de áudio procuravam. faça sua música respirar e ganhar vida!
EM ÓTIMA FASE
Aninha fala sobre a estreia como residente no Terraza e de novos projetos
São quase 20 anos tendo a música como uma das suas maiores paixões. Fato que Sua preferência continua sendo o warm-up ou passou a ser tocar mais para o
a fez largar a faculdade de marketing para se dedicar à sua verdadeira vocação: meio da noite?
ser reconhecida e aclamada como uma das maiores referências em seleção Sempre curti esse momento de ver a noite acontecendo, desde o início. Luzes
musical e warm-up. Já tocou na ODD, FACT Barcelona, Watergate... e passou se apagando para dar o clima, bar abrindo, seguranças se posicionando e a
por Ibiza, Hanover, Áustria, Itália, Emirados Árabes, entre outros. Contudo, essa primeira música tocando. Quando era promoter acompanhava tudo isso, pois
carreira de destaque é composta também por produções musicais e eventos. também fui muito pista e chegava cedo pra sentir a progressão do DJ. Hoje a
Batemos um papo rápido com Aninha abordando temas como discotecagem, minha preferência, independente do horário, é de tocar, de participar de um line
representatividade e sobre essa nova fase. up legal. No entanto, se você fizer uma festa em que a atração convidada (que
seja condizente com o que eu toco) precise se sentir confortável para estar no
Sua caminhada começou em 1999, sendo promoter, passando a tocar em horário principal, pode me chamar que será um prazer fazer o warm-up (risos).
2002. Como teve certeza que era a escolha mais certa a ser feita? Ser DJ
mudou nesse tempo? A questão do feminismo e da representatividade talvez nunca estiveram tão
Tive momentos lindos durante todos esses anos. Das muitas escolhas que tive até em voga. Como se vê sendo um exemplo para quem está iniciando a carreira
aqui, a certeza é que segui o instinto e o meu coração. Para fazer o que gosta, em ou pensa em tocar inspirada por suas conquistas?
qualquer profissão ou momento na vida, deve-se ter coragem. Mesmo que a profissão Fico feliz em poder inspirar as pessoas de uma maneira geral. Se formos analisar,
tenha mudado com o tempo, seja na maneira de tocar ou na forma de se expor, hoje são poucas mulheres artistas que se destacam na cena mundial. É preciso muita
não somos “apenas aqueles que divertem as pessoas e mesclam as músicas com determinação pra se jogar quando sentir que aquela oportunidade será legal para
técnicas precisas”. Para nos mantermos ativos e relevantes é necessário atualizar-se seu crescimento como artista e ser humano também. Nossa profissão não é só
com o que está acontecendo na cena. Além disso, é preciso ter muita energia para glamour, e a maioria sabe disso. Então caso sinta que é isso que te move, vai lá e
executar tudo, principalmente pra quem não tem 20 anos (risos). mostre ao mundo porque está aqui!
98 WWW.HOUSEMAG.COM.BR