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(Night)
Harold Pinter
Pausa.
HOMEM Na ponte. Paramos e olhamos pra baixo, pro rio. Estava de noite. Tinha luzes na
margem. Nós estávamos sozinhos. Olhamos o rio. Eu coloquei a mão na sua cintura.
Não lembra? Coloquei a mão por debaixo do seu casaco.
Pausa.
HOMEM Claro que era inverno. Foi quando a gente se conheceu. Era nossa primeira caminhada.
Deve se lembrar disso.
Pausa.
Caminhamos por uma estrada até um campo, atravessamos umas cercas. Fomos até um
canto e paramos perto de uma cerca.
Pausa.
HOMEM Besteira.
Pausa.
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Lembro tão bem das luzes na água.
MULHER Você pegou meu rosto com as mãos, quando paramos perto da cerca. Você foi tão
delicado, tão carinhoso. Você era carinhoso. Seus olhos procuravam meu rosto. Eu me
perguntava quem era você. Queria saber no que estava pensando. O que ia fazer.
HOMEM Concorda que nos conhecemos numa festa. Com isso você concorda?
HOMEM O que?
Pausa.
É muito tarde. E nós sentados aqui. Devíamos estar na cama. Tenho que levantar cedo.
Tenho um monte de coisa pra fazer. Por que você insiste em discutir.
Pausa.
MULHER Não estou discutindo. Não estou insistindo em nada. Também quero ir pra cama.
Também tenho coisas a fazer. Tenho que levantar cedo.
Pausa.
HOMEM A festa quem deu foi um cara chamado Doughty. Você conhecia ele. Eu tinha
encontrado ele. Eu conhecia a mulher dele. Foi lá que conheci você. Você estava parada
na janela. Eu dei um sorriso, e você, pra surpresa minha, me sorriu de volta. Você gostou
de mim. Fiquei espantado. Você me achou bonito. Depois você me disse. Que tinha
gostado dos meus olhos.
Pausa.
Você tocou na minha mão. Perguntou quem eu era, e o que eu fazia. Eu sabia que você
estava tocando minha mão, que seus dedos estavam tocando os meus, que seus dedos se
mexiam entre os meus.
HOMEM Não. Nós paramos numa ponte. Eu parei atrás de você. Coloquei minha mão por debaixo
do seu casaco, na sua cintura. Você sentiu minha mão em você.
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Pausa.
MULHER Nós tínhamos estado numa festa. Dada pelos Doughtys. Você conhecia a mulher dele.
Ela te olhava com interesse, como se quisesse dizer que te queria pra ela. Ela parecia
apaixonada por você. Eu não. Eu não te conhecia. Eles tinham uma casa incrível. Perto
de um rio. Eu fui pegar meu casaco, deixei você me esperando. Você tinha se oferecido
pra me levar em casa. Achei você muito gentil, muito gentil mesmo, simpático, muito
atencioso. Eu vesti meu casco e olhei pela janela, sabia que você estava lá fora me
esperando. Olhei pro jardim, pro rio a distancia e vi as luzes dos postes na água. Então
encontrei você e caminhamos pela estrada, passamos por umas cercas e entramos num
campo, acho que devia ser algum parque. Depois encontramos seu carro. E você me
levou.
Pausa.
MULHER Onde?
MULHER Verdade?
HOMEM É.
HOMEM Coloquei as mãos por debaixo do seu suéter, desabotoei seu sutiã, senti os teus peitos.
MULHER Deve ter sido uma outra noite. Uma outra mulher.
MULHER Nas tuas mãos? Meus peitos? Os dois nas tuas mãos?
Pausa.
HOMEM É.
MULHER Mas eu estava encostada na cerca. Sentia... a cerca nas minhas costas. Você estava me
olhando de frente. Eu olhando nos teus olhos. Meu casaco fechado. Tanto frio.
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HOMEM E depois saímos da ponte, andamos pela margem até um monte de lixo.
MULHER E você me tomou e disse que tinha se apaixonado por mim, e que ia cuidar de mim pra
sempre, disse que minha voz e meus olhos, minhas coxas, meus peitos, eram
incomparáveis, que ia me adorar pra sempre.
HOMEM É eu disse.
MULHER Então nos casamos e tivemos filhos, e agora nos sentamos e você fala que se lembra de
mulheres em pontes e margens e montes de lixo.
HOMEM E você se lembra da sua bunda encostada numa cerca e homens segurando sua mão,
homens olhando nos seus olhos.
Cai o pano.