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Resumo
O objetivo deste trabalho foi traduzir, adaptar e validar a escala AQ10 para o Português do Brasil. A versão produzida
foi submetida a cinco especialistas e aplicada em 393 universitários: 23 portadores de TEA e 370 aparente não
portadores (aqui indicados por “não _ TEA”). Avaliou-se a validade de conteúdo, confiabilidade, convergência e
capacidade discriminante da versão. A versão apresentou Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC) de 0,75 e KR-
20 de 0,61 (IC95% 0,55 a 0,66). O escore médio no grupo TEA diferiu do escore médio dos não _ TEA (7,7±1,8 versus
4,1±2,1, p<0,001). As correlações entre os itens e o escore da escala foram positivas e significantes (p<0,001). A
curva ROC produziu AUROC de 0,89 (IC95% 0,83 a 0,96, p<0,001), sugerindo o critério “escore>6” como indicativo
de TEA (sensibilidade =0,78 e especificidade =0,87). O modelo 3PL da MTRI (RMSEA=0,05 e CFI=0,97) destacou os
itens 3 e 4 como os itens mais discriminantes e informativos. A versão foi suficientemente confiável e válida para ser
recomendada como instrumento de rastreamento de TEA em adultos brasileiros.
Abstract
The objective of this work was to translate, adapt and validate the AQ10 scale to Brazilian Portuguese language. The
version was submitted to five specialists and applied to 393 university students: 23 ASD and 370 apparent non-ASD
(here indicated by “non _ ASD”). The validity of content, the reliability, the convergent and discriminant validity of the
Portuguese version was evaluated. The version presented a Content Validity Coefficient (CVC) of .75 and KR-20 of 0.61
(95% CI .55 to .66). The mean score in the ASD group was significantly higher than the non-ASD group (7.7 ± 1.8 versus
4.1 ± 2.1, p <.001). The correlations between the items and the total scale score were positive and significant (p <.001).
The ROC curve produced AUROC of .89 (95% CI .83 to .96, p <.001), suggesting the classification rule: “score> 6 as
indicative of ASD” (sensitivity = .78 and specificity = .87). The 3PL model of IRT (RMSEA = .05 and CFI = .97) highlighted
the items 3 and 4 as the most discriminating and informative items. The version was sufficiently reliable and valid to be
recommended as a screening tool for ASD in Brazilian adults.
Key-words: Autism, Scale, Validation, AQ10
Introdução
A condição que hoje conhecemos como autismo, até os anos 1910, era considerada um sintoma de esquizofrenia (Kuhn
& Cahn, 2004). O termo “autismo infantil” foi cunhado em 1943 pelo psiquiatra austríaco Leo Kanner e o que hoje
denominamos “Síndrome de Asperger” foi identificada em 1944 pelo psiquiatra, também austríaco, Hans Asperger.
Décadas de pesquisas acabaram por revelar que ambas as síndromes são partes de um espectro altamente variável de
distúrbios.
Contabilizando crianças e adultos, cerca de 1% da população mundial tem TEA (Autism Society, 2003), a condição
afeta mais homens que mulheres, em uma proporção de 5:1 (WHO, 1992), e cerca de 50% das pessoas com TEA
sofrem de deficiência intelectual (WHO, 2017), acarretando um custo anual per capita de 48 mil dólares (Ganz, 2007).
No Brasil, cada indivíduo autista pode comprometer entre 12 e 20% da renda familiar(Camargo-Jr, 2010). O TEA se
apresenta hoje como um problema de saúde pública mundial.
O diagnóstico de TEA é possível a partir dos dois anos de idade (WHO, 2017), no entanto, ele pode ser demorado e
um tanto difícil, pois não existem biomarcadores para a síndrome e ela compartilha sintomas com outras condições
(Esquizofrenia, Hiperlexia, etc.). Além disso, o diagnóstico é feito por profissionais, nem sempre adequadamente
treinados, que dependem, sobremaneira, de instrumentos de avaliação e de testes padronizados, quando estes estão
disponíveis.
Vários instrumentos tem sido desenvolvidos desde os anos 1980 na tentativa de se padronizar o diagnóstico de
autismo, em sua maioria estes instrumentos são voltados para crianças. A Autism Spectrum Quotient Scale (Byron-
O custo de um diagnóstico tardio, a ausência de instrumentos rápidos para o rastreamento de TEA, em língua
portuguesa, e as propriedades psicométricas documentadas para a AQ foram nossas motivações para a realização do
presente estudo.
1. Objetivos
Traduzir a AQ10 para a lingua portuguesa do Brasil, adaptar culturalmente e estudar a validade e confiabilidade da
versão traduzida da AQ10 enquanto instrumento de rastreamento de autismo no Brasil.
2. Método
2.1. A Escala
A versão dicotômica da AQ10 tem 10 itens (Tabela.1) sendo um guia de encaminhamento rápido para adultos com
suspeita de autismo que não tem deficiência de aprendizagem (Baron-Cohen, Wheelwright, Skinner, Martin, & Clubley,
Downloadable Tests, 2012). Na escala, é atribuído 1 ponto para a concordância (parcial ou total) com a afirmação
contida em cada um dos itens 1, 7, 8 e 10 ou discordância (parcial ou total) com a afirmação contida em cada um dos
itens 2, 3, 4, 5, 6 e 9. Para respondentes que atingem 6 ou mais pontos de 10, convém considerar encaminha-lo para
uma avaliação diagnóstica especializada.
2.3. A amostra
Para estudar as propriedades psicométricas da escala AQ10b consideramos universitários de ambos os sexos. Os
critérios de inclusão foram: estar matriculado em curso de graduação ou pós-graduação, ter idade superior a 18 anos,
ter assinado o termo de consentimento livre esclarecido e concordar em participar de uma avaliação preliminar quanto
ao traço de TEA. Os universitários com marcado traço de TEA foram diagnosticados pelo autor com treinamento
psicológico (VLBS) que utilizou os critérios gerais definidos no DSM-V e uma avaliação de perfil no facebook.
A coleta de dados foi realizada entre Janeiro e Julho de 2015 e foi feita por meio de plataformas de pesquisa online
(Formulários Google) e por abordagem direta. Dos 393 universitários que efetivamente responderam todos os itens da
É oportuno destacar que a amostra obedeceu a proporção 39 x 1, isto é, 39 respondentes para cada item da escala, uma
proporção muito acima da relação mínima recomendada (Nunnally & Bernstein, 1994; Kermarrec, Kabuth, Burszetejn,
& Guillemin, 2006).
Vale destacar que a TRI revela que o conceito de confiabilidade da Teoria Clássica é uma simplificação e que esta
confiabilidade pode ser avaliada, quando possível, com base na função de informação de Fisher e dos parâmetros do
modelo TRI adotado. Esse é um dos motivos por termos incorporado a TRI na discussão da confiabilidade da AQ10b.
No item 2 (I usually concentrate more on the whole picture, rather than the small details) permutamos “whole
Picture” com “small details”;
No item 3 (I find it easy to do more than one thing at once) substituímos a palavra “easy” por “hard”;
No item 4 (If there is an interruption, I can’t switch back to what I was doing very quickly) traduzimos “quickly” como
“facilmente”;
No item 5 (I find it easy to ‘read between the lines’ when someone is talking to me) trocamos “easy” por “hard”;
No item 6 (I know how to tell if someone listening to me is getting bored) permutamos “I know” por “I don’t know”
e no item 9 (I find it easy to work out what someone is thinking or feeling just by looking at their face) trocamos
“easy” por “hard”.
Identificamos, na amostra, 204 homens (51,9%), 189 mulheres (48,1%), 12 (4,9%) homens portadores e 11 (5,6%)
mulheres portadoras. De acordo com os dados na Tabela.1, no conjunto, as idades variaram de 18 a 56 anos, com média
de 23,3±5,0; nos homens ela variou de 18 a 48 com média de 23,3±4,7 e nas mulheres variou de 18 a 56 com média
de 23,3±5,3. Ainda de acordo com a tabela, a média de idade dos portadores foi 27,5±7,1 e dos não portadores foi
23,0±4,8.
3.1.3. Dimensionalidade
Ao examinarmos o Scree Plot da AFP (Figura 1) é possível observar a indicação de 5 dimensões tanto para a PCA quanto
para a FA.
De acordo com os dados da Tabela.3, são extraídos 5 fatores que explicam 69% da variação dos itens e o fator que
menos explica cobre 8% da variação. A estatística KMO vale 0,5 e o teste de esfericidade de Bartlett permitiu rejeitar
a hipótese de que os itens da escala não se encontram correlacionados (p<0,001). Os valores de RMSEA, CFI e a M2
indicam que o modelo fatorial é satisfatório.
Os exame das cargas fatoriais absolutas máximas recomenda o agrupamento dos itens em cinco duplas: I05 e I10 (com
cargas 0,97 e 0,97); I03 e I04 (cargas 0,98 e 0,98); I07 e I09 (cargas 0,92 e 0,39); I01 e I02 (cargas 0,30 e 0,77) e I06 e
I08 (cargas 0,69 e 0,47). As cargas fatoriais absolutas permitem indicar a estrutura fatorial da escala por meio de um
gráfico (Figura.3) que revela os três itens mais distantes (isto é, menos correlacionados), do constructo (I.01, I.09 e
I.08).
Com exceção do item I10, todos os itens da escala exibiram correlações positivas, significativas (p<0,05) e de moderada
a fraca intensidade. A correlação entre o I05 e o escore da escala não foi significativa, o item I10 exibiu a maior dentre
as correlações obtidas (r=0,54, p<0,001).
Item F1 a1 F2 a2 F3 a3 F4 a4 F5 a5 r MDISC
I01 -0,26 0,3 0,08 -0,6 0,21 0,3 0,30 0,0 0,17 0,7 0,46** 4,1
I02 0,01 -0,1 0,12 -3,8 0,02 0,8 0.77 4,4 -0,05 2,7 0,48** 8,8
I03 0,07 -59,3 0,98 -262,5 0,12 -121,2 0,12 -60,0 0,07 -8,8 0,37** 279,8
I04 0,07 -59,3 0,98 -262,5 0,12 -121,2 0,12 -60,0 0,07 -8,8 0,46** 279,8
I05 0,97 -205,7 0,08 -1,8 0,17 -0,1 -0,03 -0,2 0,15 0,3 0,04 239,8
I06 0,14 -0,7 0,00 -0,2 0,07 1,1 -0,18 1,4 0,69 0,0 0,33** 1,5
I07 0,14 -2,2 0,14 -2,0 0,92 -0,1 0,03 -0,6 0,09 0,0 0,42** 3,1
I08 0,07 -0,4 0,11 -0,9 0,10 1,1 0,25 0,0 0,47 0,0 0,48** 3,3
I09 0,30 -2,0 0,08 -0,9 0,39 0,0 0,10 0,0 0,14 0,0 0,48** 2,3
I10 0,97 -206,7 0,08 0,0 0,17 0,0 -0,03 0,0 0,15 0,0 0,54** 240,0
Eigen 2,09 1,99 1,16 0,82 0,81
%Eigen 21 20 12 8 8
%Cum 21 41 52 61 69
KMO 0,50
BTS(p) 43,81 (p < 0,001)
M2(p) 10,1(p = 0,072)
RMSEA 0,05
CFI 0,97
**Correlação significante (p<0,01)
De acordo com os dados da A Tabela.5, no conjunto, os escores variaram de 0 a 10 pontos, com média de 4,3±2,2
e a diferença entre as médias de homens e mulheres não foi significante (4,3±2,3 vs 4,2±2,2, p = 0,799). Dentre os
portadores, a variação foi de 4 a 10, com média de 7,7±1,8 e diferença entre homens e mulheres também não foi
significante (7,2±2,0 vs 8,3±1,5, p = 0,177). Dentre os não portadores, a variação foi de 0 a 9, com média de 4,1±2,1 e a
diferença entre homens e mulheres também não foi significante (4,1±2,2 vs 4,0±2,0, p = 0,653)
Para formamos um juízo razoável quanto a confiabilidade e validade da escala optamos por examina-la de acordo com
a sua a consistência interna e as validades de conteúdo, concorrente, do tipo grupos conhecidos, convergente, fatorial
e transcultural.
3.2.1. Respondentes
Com relação aos respondentes, os dados indicaram que, independentemente do sexo, os portadores de TEA são, em
média, mais velhos que os não portadores. Este resultado faz sentido e é corroborado pelos achados de Talarico e
Laplane (Talarico & Laplane, 2016) que estudaram a trajetória acadêmica de portadores de TEA e concluíram que, em
sua vida acadêmica, esses indivíduos estão sujeitos a frequentes mudanças de escola e evasão escolar, especialmente
no Ensino Fundamental.
3.2.2. Escala
A tradução e adaptação transcultural não trouxe grandes dificuldades, posto que o texto está bem claro e faz uso
de expressões não ambíguas, além disso, as redes sociais e um mundo cada vez mais globalizado está, cada vez mais,
aproximando as várias culturas planetárias. A única modificação digna de nota é a mudança no sentido de algumas
frases de modo a garantir o computo direto do escore.
3.2.3. Dimensionalidade
O número de dimensões sugeridas para a AQ10b está de acordo com o número proposta para a AQ10, que utiliza dois
indicadores de cada uma das cinco dimensões identificadas na AQ50, no entanto, das 5 dimensões sugeridas para a
AQ10b somente duas coincidem com as da AQ10, nesse sentido, a AFP confere a AQ10b uma estrutura dimensional
semelhante aquela contida na AQ10. Este é um resultado que, sugere validade estrutural da escala, uma vez que este
tipo de validade verifica se a medida capta a dimensionalidade hipotética do constructo (Polit, 2015).
3.2.4. Confiabilidade
A confiabilidade, também conhecida como consistência, refere-se a reprodutibilidade de uma medida. O KR20 supera
ou iguala 0,6 nos três agrupamentos examinados e este valor está de acordo com limiares de satisfação propostos
na literatura (Murphy & Davidshofer, 1988). Aprofundando a questão da confiabilidade, o modelo TRI sugere, com
exceção do item I.01, que todos os itens discriminam pelo menos uma das facetas captadas pela escala.
Um padrão ouro clássico para escalas psicométricas são os critérios diagnósticos do DSM-V, visto que o grupo TEA
foi formado com base na forma mais geral dos referidos critérios diagnósticos, podemos utilizar este critério em uma
curva ROC para avaliar a validade concorrente. A magnitude e significância da AUROC atesta a capacidade diagnóstica
dos escores da AQ10b para identificar portadores de TEA de e o resultado confere validade concorrente para a escala.
Embora os achados iniciais sejam animadores e tenham sido baseados em uma amostra poderosa, precauções devem
ser consideradas e críticas devem ser feitas ao presente trabalho. O estudo não avaliou a Estabilidade, Equivalência,
Validade Preditiva e nem a Validade Divergente da escala. Também não considerou a inteligência ou morbidades
Variações regionais, sociais e culturais e a aplicação conjunta de outras escalas podem, ainda, ser consideradas em
futuras replicações do estudo. Nossos modestos achados, no entanto, nos permitem defender que, mesmo em
caráter preliminar, a versão da escala é suficientemente confiável e válida para ser recomendada como instrumento de
rastreamento de TEA em adultos brasileiros.
Referências
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