Você está na página 1de 4

Unicamp – Instituto de Estudos da Linguagem – IEL

Pós Graduação Lato Sensu – “Linguagens, práticas discursivas e criança”

Disciplina: Letramento : Teorias e Práticas/ Profª Drª Angela Kleiman.

Keliman, Angela B. Os significados do letramento. Campinas, Mercado das

Letras,1995.

O texto discorre sobre a importância dos estudos sobre o letramento. A autora (Kleiman,

1995) coloca que as pesquisas sobre o letramento atualmente implicam tanto o interesse

teórico que é a busca de descrições e explicações de um fenômeno; quanto o interesse

social, na busca da transformação de uma realidade, que marginaliza grupos sociais que

não conhecem a escrita. E que o conceito de letramento começou a ser usado nos meios

acadêmicos para “... separar os estudos sobre “o impacto social da escrita” dos estudos

sobre “alfabetização”, que mostram práticas individuais sobre a escrita...” (p. 15).

Portanto, esses estudos envolvem “... as mudanças políticas, sociais, econômicas e

cognitivas relacionadas com o uso extensivo da escrita nas sociedades tecnológicas...”

(Heath, 1986: Rama, 1980).

Kleiman (1995) explica sobre a importância da oralidade como objeto de análise, nos

estudos do letramento, já que muitas crianças já possuem estratégias orais letradas, antes

de serem alfabetizadas, porque já participaram de eventos de letramento e sua oralidade

tem características da oralidade letrada. Ela se reporta a Scribner e Cole, (1981) para

definir o letramento “... como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita,

enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para

objetivos específicos...” (p. 19).

Depois Kleiman (1995) fala um pouco dos estudos sobre letramento relacionando com a

escola e dá uns bons toques para reflexão sobre o papel dessa instituição. Ela coloca,

por exemplo, que a escola preocupa-se apenas com um tipo de prática de letramento,
que é a alfabetização e se encarrega de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da

escrita, enquanto que as outras instituições com a família, a igreja, a rua, mostram

orientações de letramento muito diferentes, e bem mais interessantes, em minha opinião.

Kleiman (1995) situa que as práticas de uso da escrita na escola estão calcadas numa

concepção de letramento denominada por Street (1984) de modelo autônomo que “...

pressupõe que há apenas uma maneira de o letramento ser desenvolvido, associado

quase que causalmente com o progresso, a civilização e a mobilidade social...” (p.21).

Assim a escrita representaria uma ordem distinta da oral, visando a dicotomização entre

a oralidade e a escrita, não considerando que ambas partilham traços comuns, porque

privilegiam a produção de textos mais formais e distantes da oralidade. Esse modelo

também propõe a correlação entre a aquisição da escrita e o desenvolvimento cognitivo,

se utilizando de trabalhos empíricos e etnográficos que comparam as estratégias de

resolução de problemas utilizadas por grupos letrados e não-letrados, que permite

argumentos para reproduzir o preconceito entre esses grupos. E ainda, atribui “poderes”

e qualidades intrínsecas a escrita, e por extensão, aos povos ou grupos que a possuem, e

tenta mostrar que há uma relação entre a escrita e mobilidade social, o que não se

comprova, de acordo com os estudos de Graff (1979). O modelo autônomo também

atribui o fracasso e a responsabilidade por esse fracasso ao indivíduo, e não leva em

consideração o grupo á qual este pertence, de pobres e marginalizados nas sociedades

tecnológicas (Gee, 1990; Ratto,1986).

Outra concepção de letramento, oposta a essa e também definida por Street (op. cit) é o

modelo ideológico, que afirma que as práticas de letramento, são “... social e

culturalmente determinadas, portanto os significados que a escrita assume para um

grupo social dependem dos contextos e situações em que ela foi adquirida...” (p. 21).

Esse modelo deixa claro que todas as práticas de letramento são aspectos da cultura e
das estruturas de poder numa sociedade. Não visa uma negação do modelo citado

anteriormente, apenas muda o foco, no sentido de analisar que “... os correlatos

cognitivos da aquisição da escrita na escola devem ser entendidos em relação às

estruturas culturais e de poder que o contexto de aquisição da escrita na escola

representa...” (p. 39). Pois como a Kleiman (1995) diz, a correlação simplista entre

oralidade e escrita, entre as conseqüências cognitivas e aquisição da escrita escondem a

complexidade do fenômeno (p. 39). E ainda que “... as práticas de letramento mudam

segundo o contexto...” (p. 39).

A unidade de análise nesse estudo é o evento de letramento, ou seja, “... as situações em

que a escrita constitui parte essencial para fazer sentido da situação, tanto em relação a

interação entre os participantes como em relação aos processos e estratégias

interpretativas...” (p. 40). Segundo a autora, os grupos com alto nível de escolarização,

alternam os turnos num diálogo durante o evento de letramento e fazem uma

verbalização contínua concomitante a realização de outras atividades; enquanto que nos

grupos com adultos com menos escolarização não estendem nem o conteúdo, nem as

práticas dos eventos de letramento a outros contextos, do mesmo modo que essas

crianças não recebem encorajamento quando inventam histórias, pois só alguns

membros é que têm esse papel. E a escola por sua vez, também não faz isso, encaminha

os alunos por trilhas previamente determinadas em função de sua classe social e/ou

etnia, e não em função de sua inteligência ou potencialidade, visa ao domínio da escrita

para a produção de um texto expositivo, abstrato, internamente consistente, pressupõe

uma separação entre oralidade e escrita; o que configura as práticas excludentes de

educação escolar.

Devemos partir do pressuposto que o quem nos interessa atingir no ensino são os

objetivos de uma pedagogia culturalmente relevante (Erickson, 1987) e crítica (Freire,


1980), e que o modelo ideológico do letramento vem de encontro a isso, pois leva em

conta a pluralidade e a diferença.

Alessandra de Souza Pereira.

Campinas, 25 de agosto de 2009.

Bibliografia:

KLEIMAN, A. B. (org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva


sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995.

FREIRE, P. Educação como Prática da Liberdade, 10ª ed., Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1980.

Street, Brian. Abordagens alternativas ao Letramento e Desenvolvimento.


Apresentado durante a Teleconferência Unesco Brasil sobre Letramento e
Diversidade, outubro de 2003.

Você também pode gostar