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como operar sobre ele? Dá-nos a certeza uma indicação diagnóstica,
o que é uma das funções das entrevistas prelimiIlares? Essa relação
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com a certeza é obviamente o que faz com que, até o momento, a 11
análise seja impossível. Mas ao considerar atentamente o caso, pode-
se discemir uma evolução dessa posição, que vai da telepatia como o DESTINO DO SINTOMA
fórmula meditada de sua posição à proposição: "O analista fala de
mim".
Primeiro esboço de transferência, portanto primeira criação
transferencial, mas não ainda proprianlente analítica, pois em sua
relação à certeza, o analista se encarna. Ele é um corpo, um signifi-
cado. Observemos entretanto que ao mesmo tempo que se produz es-
se deslizamento, surge uma pergunta que pode desenhar as bordas
de outra transferência, em direção à análise, Sua pergunta: "Que di-
z.em os pacientes em uma análise?" manifesta com efeito uma pri-
meira forma de dúvida. Será preciso esperar que esta pergunta se de·· No caso de que se vai cuidar, é paradoxal falar de entrevistas preH··
senvolva e tome-se: "Por que uma análise?, porque onde se colo- minares porque estas entrevistas, preliminares à entrada em análise
carão seu sintoma e seu analista.
propriamente dita, já são entretanto tomadas no tratamento, Todos os
Nessas entrevistas preliminares, trata-se portanto de dialetizar psicanalistas virafil nessas entrevistas do início com um paciente um
a certeza, de efetuar uma passagem em que o analista, como produto momento de avaliação; alguns o exigem a partir da noção de analisi-
do trajeto, irá se tomar o objeto que resta como objeto da separação. bilidade numa 6tica predizível, e daí tirafil uma pergunta técnica:
Esse agente da separação, dele fala Freud nestes tennos:, uToda libi- quem é posto no divã? J. Lacan, ao insistir sobre a estrutura do su-
do e toda resistência à libido encontram-se concentràdas na única
jeito e a disjunção neurose/psicose em particular, contribui por ou-
atitude a respeito do médico, e, nessa ocasião, produz-se inevitavel- tro lado para restituir a esse momento toda a sua importância clínica,
mente uma separação entre os sintomas e a libido, aqueles aparecen- isto é, toda a sua incidência sobre a direção do tratamento. Mas, ao
do despojados desta. Em lugar da doença propriamente dita, temos a afirmar ainda, em 1971: não há entrada possível na psicanálise sem
transferência artificialmente provocada, ou, se preferem, a doença da entrevistas preliminares, ele vai mais longe e não remete somente às
transferência: no lugar dos objetos tão variados quanto irreais da li·, considerações técnicas ou a uma invocação elementar à prudência
bido, não temos Senão um só objeto, ainda que igualmente fantas- terapêutica: ele visa a estrutura mesma do dispositivo analítico no
rnático: a pessoa do médico." aparecimento de uma demanda que seja uma demanda de análise.
Se é preciso produzir essa separação pela via significante, o Esta demanda propriamente falando nunca é inaugural, ainda quando
caminho depende da lógica: o ato psicanalítico se efetua pela passa- pretenda sê-Io intitulando-se demanda de se tornar analista; a de-
gem de um conjunto (sintoma-libido) a uma classe onde um x orien- manda daquele que é preciso agora chamar paciente é antes de tudo
te. O x é um produto: o analista que, imaginarizado como externo, demanda de alívio e parte de uma queixa. A queixa o traz ao hori-
introduz o paciente à psicanálise. O x como sintoma novo deverá de- zonte das terapias, seja qual ,for, mas não o conduz à análise: pode-
saparecer, mas na condição de ter ocupado o lugar que lhe cabe. se mesmo ir mais longe e mostrar que entre a demanda de alívio -
Lugar que se funda numa ética, e não num simples contrato comer- por legítima que seja, e, nesse sentido, devendo ser levada em conta
cial de boa consciência. pelo analista - e a demanda de análise, há uma antinomia que se po-
Digamos, para concluir com Lacan, que se um analista advier deria enunciar assim: "Alivie-me, mas sobretudo não toque em nada,
para a Slta. '1'., ele desaparecerá: daquele que tudo sabe, ele se tor- não toque em meu ser de sujeito, isto é, em meu fantasma".
nará resto puro - a. Um de nossos desafios será então o de mostrar que o dispositi-
vo analítico, presente nas entrevistas preliminares, opera uma
FRANCISCO HUGO FREDA
mutação da demanda, a qual não é possível senão a pmtir da coloca-
Tradução do espanhol: Delia Esquibel ção desse operador que é a transferência. Como Jacques-Alain Mil-
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o destino do sintoma 71
mana de entrevistas, em prosseguir a elaboração do sintoma dessa também é espasmofflica". Ela lembrou-se então dos acessos de cóle-
vez no quadro da situação analítica, isto é, sob transferência: a per- ra da mãe, aos berros, como momentos insuportáveis: "Os vizinhos
gunta da paciente se organizou como demanda de produção de sa- a chamavam 'mulher da matraca' porque ela tinha o costume de nos
ber: "O que provoca minhas crises de espasmofilia?", pergunta à perseguir, tamanco na mão. Às vezes, eu chegava à janela, abria-a, e
qual ela foi levada a responder ela pr6pria: "Nada. Elas são impre- ameaçava jogar-me no vazio, se ela não parasse". O segundo foi
visíveis" . obtido pela descoberta que ela fazia de espasmofílicos em torno de··
Esta resposta não podia surgir e ser aceita senão na medida em Ia, entre suas amigas. Uma dela,>, particularmente, esvaziava seus
que, contrariamente ao livro que dizia tudo sobre a espasmofilia, o armários quando das crises. Então quando me admirei de que ela ti··
analista não ostentava um saber preexistente ao pr6prio sintoma. Re- vesse identificado seu pr6prio sintoma, quando nada de comparável
cusando responder, ele permitia o aparecimento de um nOvo saber, se passava em suas crises, ela achou de responder que se essa amiga
contanto que, agora, a paciente seja dele separada. As entrevistas fo- voltava sua ira contra os móveis era para escapar à compulsão que
ram então centradas sobre o que era, no discurso da Srta. X., no seio lhe vinha nesses momentos, de se atirar pela janela. Um encontro
da articulação significante, a espasmofilia: o sintoma era efetiva- com um amante perdido muitos anos antes ofereceu a terceira ocor-
mente então o único indicador desse saber em jogo. rência do que se constituiu como uma série: ele acabara de perder a
mulher. Esta, pensando abrir a porta do banheiro, tinha aberto a
porta que dava direto sobre uma escada muito íngreme, e precipita-
ra-se no vazio, numa queda mortal: a paciente teve de súbito a idéia
Cair de que ele bem podia ter dado um empurrão.
Ao cabo desse mês e meio de entrevistas, ela pattÍu em férias.
O surgimento do significante da transferência, de que emito aqui a
A primeira associação se fez do espasmo aos choros, caracterizando hip6tese que se trata de "cair", teve como efeito que, quando da
a relação amorosa maior de sua vida - que durara cinco anos e ter- primeira sessão após sua volta, ela me anunciou que afinal aprendera
minara um ano antes de manifestar-se sua primeira crise. Desse ami- a esquiar, coisa que há muitos anos tentava em vão: "isto s6 foi pos-
go, ela dissera para si mesma, no seu primeiro encontro: "Será este, sível porque aceitei cair", diz ela. Entrar nessa suposição de saber
e nenhum outro". A relação deles tinha contribuído para sua trans- tinha o mérito de aceitar cair sob o golpe dessa divisão que ela con-
formação, ela tão fmie, com quem os outros vinham se abrir e tinha sagrava. Acrescentou então que não era espasmofílica. De fato, as
por função "colar os pedaços", numa mulher que chorava à-toa, crises de íetania tinham desaparecido, pelo seu lado espetacular.
cujo mal-estar, longe de abrandar pelo milagre do amor, se tinha
amplificado ao ponto dela sentir-se mal, deprimida e dependente,
desde que tinha conseguido fazer desse s~r único o seu companhei-
ro. Ela contou como conseguira, depois de longo período de "cama- o gozo da mãe
radagem", tomar-se sua amante: amante de quem ele tinha vergo-
nha, no início dessa relação dos dois, de ser visto, entrando em casa
dela de noite, e recusando toda manifestação pública de intimidade Abre-se agora uma segunda fase dessas entrevistas preliminares, du-
entre eles. rante a qual a Srta. X. cuidou de procurar outro nome para o sintoma
Se a espasmofilia remetia à ruptura com esse homem como do qual sofria: foi "a angústia de ser roída pelo ex-amigo" ou a "de
possível ponto de origem, ela própria já estava chorando no inicio estar presa numa espera de sua volta que a levava à aniquilação".
da relação amorosa. No amor, uma mudança de posição tinha se in- Este segundo período começou com a elaboração da posição onde a
trometido, que a ruptura somente havia patenteado. havia colocado sua relação Com o amigo; posição de falta em ser.
Três elementos da cadeia associativa fizeram aparecer em que Até então, o pai tinha aparecido no seu dizer como marco absoluto:
o sintoma tinha sido uma resposta a essa mudança de posição. O ela era o orgulho dele, .seguira os estudos segundo o desejo dele e
primeiro se apresentou como uma recordação de infância relativa à com a sua ajuda vigilante, e como ele, tinha paixão pela música. Ela
mãe, evocada a partir de uma hereditariedade provável: "Minha mãe combinara os dois numa vocação precoce e de certeza absoluta, tor-
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Ela teve então um pesadelo: "Na adega, minha mãe matava a de desaparecer, no fracasso do fantasma em manter o gozo nos li-
golpes de matraca as cobrinhas que eu lhe apontava": fez-se uma mites do desejo.
trajetória, do celeiro à adega, da mãe apavorada, que ela deve salvar
arriscando a própria vida, à mãe apavorante, da qual ela não se livra Tempo 2. Construção, fora do dispositivo analítico, de um
senão fazendo-se agente de um desejo cujo objeto é a morte do pró- primeiro sintoma, a espasmofilia, organizado a partir do discurso da
prio sujeito. A pergunta da paciente: como não ficar presa a serviço ciência, isto é, na sutura do sujeito do inconsciente. Esse ptimeiro
do gozo da mãe? Se desdobra a partir dessa posição: aí pode se es- sintoma tem estrutura de resposta à irrupção de wn real traumático e
clarecer o que marcara e marcava ainda a relação com seu arrugo: ao aparecimento do sujeito do inconsciente no modo de sua evanes··
a importância da outra mulher. Ela sempre quis a mais absoluta cência.
franqueza de sua parte, e exigia para sua infidelidade mulheres que Esses tempos 1 e 2 são as condições, não a causa, de demanda
v.alessem a pena, isto é, mulheres que ela pudesse venerar; após a de psicoterapia ..
separação, algumas aventuras homossexuais tinham intensificado sua
angústia. Sua fascinação diante do par ideal que seria constituído Tempo 3. O sintoma se contrói sob transferência. No disposi-
por seu amigo e uma mulher a mergulhava num estado de decadên- tivo do discurso analítico, que, em vez de sutm:ar o sujeito, mantém
cia, de perda dela mesma que, enquanto organizava seu desejo, a aberta a hiância do inconsciente, o sintoma pode manifestar sua di-
devolvia a um além do falo onde reinava a pulsão como pulsão de visão ao próprio sujeito. É então que aparece, através das associa-
morte.
ções sobre a espasmofilia e a tetania, o significante da transferência.
Este sonho foi a primeira interpretação do tratamento, e mar- O sintoma passa da forma de resposta que ele tinha fora do disposi··
cou o fim das entrevistas preliminares. Atingindo esse ponto, a Srta. tivo analítico no tempo 2 à fOnD.ade pergunta. Ele presentifica a do
x. anunciou que chegara o momento de se colocar no djvã. Assim sujeito, e pode então conduzir à análise na medida em que seu so-
ela fez, na sessão seguinte. Se foi o término das entrevistas, não foi frimento assume significação, por referência ao saber de um Outro,
o início da análise, que já começara. Nas "desventuras do desejo que a confere para ele. Um primeiro trajeto se efetua, da demanda de
nos limites do gozo", tinha-se entregado um "saber de um lugar que ajuda e de alívio à demanda de saber. A colocação da transferência
difere de toda tomada do sujeito". torna analisável o sintoma. Ele converte-se par!! a Srta. X. num
enigma, numa mensagem cujo sentido, se bem que escondido dela,
começa a existir, decifrável pelo Outro. Tal como esse escravo do
qual fala Lacan, que carregava na testa a ordem de sua condenação
Angústia e depressão sem sabê-Ia, a paciente pouco a pouco adivinha que algo está escri··
to, que funciona como apelo ao saber. É o surgimento do incons-
ciente freudiano.
É portanto possível construir.a sucessão temporal que dá conta desse
surgimento do sujeito, no mesmo tempo da produção desse "saber, Tempo 4. Ela mesma o ignorava, mas a Srta. X. entrou no dis-
suposto presente, dos significantes no inconsciente". 6 positivo analítico - sem por isso estar em análise -; ela passou de
uma transferência dema.ndante a uma transferência produtora de sa-
Tempo 1. Na primeira crise de tetania, aparecem a queda e a ber, com este 'Não sou espasmofílica". Out.ros elementos, antes ex-
angústia da queda. Formulamos a hipótese de ser o tempo do trauma, cluídos, são reconduzidos e ordenados na cadeia associativa; assim a
irrupção de um real, que faz literalmente perder o pé a Srta. X., já fobia das serpentes, desapercebida como sintoma até então, ou ainda
abalada em sua relação amorosa. Essa experiência, de gozo, tem es- a ausência de qualquer doença ou cansaço que caracterizavam, no
trutura comparável à da passagem ao ato: o sujeito está aí ameaçado dizer da própria Srta. X., a relação que ela mantinha com seu corpo
desde a primeira infância até sua ligação amorosa. Ela não podia
nem "cair doente", nem "cair de cansada", nem mesmo ter medo. A
angústia e a depressão são .os novos nomes de seu sintoma, sob
6 Id .• "Proposition sur la psychanalyse de l'École", op. cit., p. 20.
transferência. Desse ponto de vista, a colocação desta tem no come-
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