Você está na página 1de 21

INTRODUÇÃO A

NEUROCIÊNCIA

Professora Estela Simões


Contextualizando

Ao nascer o ser humano já carrega consigo um capacidade inata: aprender.


Essa habilidade permite que comportamentos sejam aprendidos e a apropriação de
conhecimentos elaborados culturalmente. A interação com o ambiente é condição para
que essa capacidade desenvolva-se. Algumas aprendizagens não necessitam de um
professor, pois são aprendidas nas interações sociais, como aprender a falar, no entanto,
algumas aprendizagens mais complexas que compreendem saberes construídos
historicamente, envolve geralmente o trabalho desse profissional. Sem dúvida, “o
aprendizado escolar é uma etapa essencial ao desenvolvimento intelectual da criança. É
na escola que ela receberá conhecimentos que a tornaram apta a ingressar plenamente
na sociedade”( MAIA, 2011, p.14).
O professor enquanto sujeito cujo objeto de trabalho é o processo ensino-
aprendizagem e que desenvolve sua ação com indivíduos buscando elevar suas
potencialidades, precisa estar ciente que age diretamente no órgão responsável pelo ato
de aprender: o cérebro.
Nos últimos anos, a Neurociência contribuiu de forma relevante
para a compreensão do cérebro e seu funcionamento. No campo
educacional surge como uma “luz sobre a natureza da
aprendizagem”, permitindo o entendimento mais amplo sobre as
bases neurobiológicas da construção de conhecimento, como a
memória, as emoções e outras funções cerebrais que podem ser
estimuladas em sala de aula. A aprendizagem é, portanto, o elo
que pode interligar a Neurociência e educação ( ESTELA
SIMÕES; ARNALDO NOGARO, 2016, p. 33).
Torna-se importante a apropriação de conhecimentos neurocientíficos por
profissionais da área educacional, para que práticas escolares tornem-se mais efetivas
para os aprendizes. Assim, “podemos definir como papel do professor encontrar bases
sólidas para sua atuação nas escolas e pode fazer isso, beneficiando-se com descobertas
neurocientíficas” (SIMÕES; NOGARO, 2016, p. 35). É nesse cenário que
conhecimentos da Neuroeducação e Neuropsicopedagogia, novas áreas que vêm
surgindo e consolidando-se, mostram-se extremamente necessários no campo da
educação. De acordo com Maia(2011), a neuroeducação é uma área interdisciplinar, que
integra a educação, psicologia e neurociência. Desenvolveu-se muito nos últimos anos e
tem como principal foco otimizar o processo de ensino-aprendizagem, que inclui
compreender os distúrbios e doenças que podem afetá-lo. A Neuropsicopedagogia
inspira-se na Neuroeducação. É conhecimento, pesquisa e ação. Foca-se no processo de
ensino-aprendizagem, buscando avaliá-lo e otimizá-lo (intervenção).

1. SISTEMA NERVOSO, NEURÔNIO E NEUROTRANSMISSÃO, SINAPSE &


NEUROTRANSMISSORES

Para sobreviver, os seres vivos precisam perceber, interpretar e interagir


com o ambiente onde vivem. Na busca de alimentos ou de parceiros sexuais,
protegendo-se de perigos e estabelecendo e mantendo vínculos sociais que vão mais
facilmente suprir essas necessidades, os seres precisam emitir comportamentos
adaptativos eficazes.
No reino animal é o sistema nervoso que estabelece a comunicação entre o
organismo e seu meio e também entre as diversas partes internas desse mesmo
organismo. E é pelo cérebro, o órgão mais importante do sistema nervoso, que
percebemos conscientemente estímulos ambientais que nos chegam pelos sentidos
sensoriais, os processamos e elaboramos respostas adaptativas. E o mais interessante:
ele trabalha em silêncio – a maior parte de sua atividade ocorre fora de nossa
consciência ou controle; percebemos seu produto, mas não seu trabalho.

1.1 Neurônio e neurotransmissão

O Sistema Nervoso (SN) é um sistema de comunicação e as suas unidades


básicas são os neurônios, células especializadas nesta finalidade, as quais se espalham
por todo o corpo formando redes informacionais.
Os neurônios se comunicam por meio de impulsos bioelétricos e sinais
químicos. Eles recebem informações de neurônios vizinhos, integram e avaliam esses
sinais e os repassam para outros neurônios, formando assim circuitos e redes de curta e
longa distância.
Eles têm formatos e tamanhos variados, conforme sua funcionalidade e
localização. Em geral são compostos de 4 regiões, um corpo celular ou soma, dois tipos
de prolongamentos – os dendritos e o axônio – e os botões terminais, como pode ser
visto na Figura 1.
Figura 1 – Neurônio

Este é o modelo clássico, porém, existem outros tipos de neurônios. Os


dendritos, são pequenos prolongamentos ramificados junto do corpo celular,
aumentando o campo receptivo do neurônio; são voltados a receber informações de
outras células nervosas e repassar para o corpo celular. O maior desses prolongamentos
tem pequenas saliências – as espinhas dentríticas – que são os receptores dos sinais que
vêm de outros neurônios.
O corpo celular é onde a informação de milhares de outros neurônios é
recebida e integrada. É também onde fica a programação genética do neurônio3,10. O
axônio é um prolongamento que conduz os impulsos nervosos, repassando-os para
outras células, por ramificações ao seu final, os botões terminais.
Os axônios têm diferentes tamanhos; os menores medem apenas milímetros
enquanto que os maiores podem medir mais de um metro, como aqueles que vão da
medula espinhal até o dedão do pé. A maioria dos axônios é revestida pela bainha de
mielina que acelera sua condutividade.
Figura 2 - Exemplo de sinalização eletroquímica de um neurônio de
dopamina

1.2 Sinapse
É o local onde as células nervosas se comunicam umas com as outras. A
maior parte das sinapses é química (envolvendo os neurotransmissores), no entanto
algumas são apenas elétricas; nesses casos, as membranas das células estão em
contato1,3,8,9.
As sinapses são os locais de regulação do fluxo do impulso nervoso, de
natureza elétrica, e dependem de trocas iônicas nas membranas plasmáticas dos
neurônios1,6,10. Nesse local, o sinal elétrico que chega pelo axônio (pré-sináptico) é
transformado em sinal químico (nas sinapses químicas), na forma de
neurotransmissores, os quais são liberados na fenda sináptica para os receptores dos
dendritos pós-sinápticos. Como resultado o sinal poderá ser transmitido adiante
(excitado) ou impedido de seguir (inibido).

2 – NEUROTRANSMISSORES E CÉLULAS NERVOSAS

2.1 Neurotransmissores
Como indicado acima, as sinapses químicas implicam na presença de
neurotransmissores – substâncias que são armazenadas no neurônio pré-sináptico e
liberadas na fenda sináptica pela excitação desse neurônio, podendo excitar ou inibir o
impulso eletroquímico. Algumas drogas podem aumentar ou diminuir a ação dos
neurotransmissores, sendo chamadas de agonistas e antagonistas, respectivamente.

Quadro 1 – Principais Funções Observações


neurotransmissores complementares

Neurotransmissor
Acetilcolina - ACh Controle motor na junção Nicotina é agonista da ACh,
entre nervos e músculos. podendo estimular sonhos
Também envolvida em vívidos, aumentar a atenção,
processos mentais como melhorar a resolução de
aprender, memorizar, dormir problemas e facilitar a
e sonhar. memória. Isso ocorre em
fumantes, tornando mais
difícil o abandono do vício,
que tanto mal faz à saúde
Monoaminas Regular os estados de excitação e afeto
(sentimento) e motivar o comportamento.
Adrenalina Produz uma explosão de Presente principalmente no
energia no corpo, envolvida resto do corpo, que não no
na reação de luta/fuga. cérebro.
Noradrenalina Inibir potenciais de ação, Encontrada principalmente
sendo importante para no cérebro. Produzida no
manter a atenção. lócus cerúleo, lesões nessa
Envolvida na excitação e estrutura reduzem a
vigilância (vigília), também capacidade de ignorar
no comportamento de comer estímulos distrativos.
e de buscar alimentos.
Dopamina Recompensa e motivação Ligada ao vício - muitas
para comportamentos drogas são agonistas da
importantes, como a dopamina (ex. cocaína
sobrevivência (adaptativos). bloqueia a reabsorção da
Controle motor sobre os dopamina, produzindo
movimentos voluntários. excitação e euforia
prolongados). A falta de
dopamina é relacionada a
doença de Parkinson.
Serotonina Estados mentais e controle Baixos níveis de serotonina
dos impulsos produzem humor triste e
Envolvida também no ansioso, desejo incontrolável
sonhar. de comer e comportamentos
agressivos
LSD é estruturalmente
semelhante a serotonina e se
unindo aos receptores
ligados ao sonhar, produz
alucinações
Aminoácidos Transmissores e inibitórios e excitatórios
gerais no cérebro
GABA ↓ Inibição dos potenciais de Inibidor primário do SN –
Ácido gama-aminobutírico ação para manter equilíbrio hiperpolariza as membranas
sináptico. pós-sinápticas. Sem sua
Ansiedade e intoxicação. ação inibidora haveria
descontrole da excitação
sináptica, gerando, por
exemplo, crises epiléticas.
Drogas que afetam sistema
GABA são usadas para
transtornos de ansiedade,
insônia e estresse. O álcool
estimula o sistema GABA,
produzindo efeito relaxante
e coordenação motora
alterada

Glutamato ↑ Intensifica os potenciais de Representa mais da metade


ação, sendo importante na dos neurônios excitatórios,
aprendizagem e memória. importante para iniciar e
manter o funcionamento
cerebral.
2.2 Tipos de neurônios e células da glia

Podemos considerar três tipos básicos de neurônios: os sensoriais trazem as


informações ou estímulos sensoriais, percebidas pelos receptores periféricos, para o
Sistema Nervoso Central (SNC), chamados de aferentes, visto que transmitem as
informações do corpo para o cérebro. O contrário dos neurônios motores (eferentes) que
levam informações para fora do SNC que, como sugere o nome, geram o movimento.
Os neurônios de associação fazem conexões entre os neurônios, integrando a atividade
neural dentro de uma área restrita.
Além dos neurônios, outras células que compõem o sistema nervoso central,
são chamadas de células da glia ou gliais. Nove vezes mais numerosas que os
neurônios, servem de apoio aos neurônios e atuam na comunicação, modulando as
sinapses. Existem três tipos de células gliais: micróglias – quando ocorrem lesões elas
aumentam sua quantidade para remover os detritos celulares da região que foi lesionada;
oligodendrócitos – produzem e envolvem os axônios em uma camada isolante elétrica –
bainha de mielina – que aumenta sua velocidade de transmissão do potencial de ação; e
astrócitos – que preenchem os espaços entre os neurônios com várias funções:
a. mantêm a barreira hematoencefálica, ligada à permeabilidade seletiva das
células;
b. regulam quimicamente o líquido extracelular;
c. apoiam a estrutura neuronal;
d. levam nutrientes aos neurônios;
e. modulam atividade elétrica na sinapse.
3 – DIVISÕES DO SISTEMA NERVOSO
Conforme a localização e funcionalidade, o SN pode ser dividido em
Sistema Nervoso Central (SNC), composto pelo encéfalo (cérebro, cerebelo e tronco
encefálico) e medula espinhal, e Sistema Nervoso Periférico que inclui as demais
células nervosas. Os dois sistemas funcionam de forma integrada e interdependente. O
SNP envia ao SNC informações do meio interno do organismo (nesse caso é chamado
de Sistema Nervoso Autônomo) e dos receptores que fazem contato do organismo com
o seu meio ambiente (denominado Sistema Nervoso Somático). O SNC recebe, organiza
e avalia tais informações e sinaliza ajustes e comportamentos que devem ser feitos pelo
SNP.
A maioria das funções do SNC são de responsabilidade do cérebro, que por
meio de regiões específicas produz praticamente tudo o que somos e fazemos. Suas
estruturas e funções serão descritas adiante neste texto.
Outra parte do SNC é a medula espinal, que é um cilindro nervoso no
interior do canal vertebral, onde se conectam 31 pares de nervos, responsáveis pela
recepção de informações sensoriais periféricas e por enviar impulsos nervosos aos
órgãos efetuadores. As informações sensitivas chegam pelas raízes posteriores,
enquanto que os impulsos motores saem pelas raízes anteriores. Assim, os nervos
espinhais são funcionalmente mistos. Pela via da medula espinal o cérebro controla todo
o corpo, como os músculos e os movimentos gerados por eles, as glândulas e os órgãos
internos. Assim, se a medula for lesionada, o cérebro perderá o contato com o corpo,
não recebendo sinais dele e nem podendo controlá-lo. A amplitude dessa perda de
contato (sensação) e controle (movimento) dependerá da altura da lesão, anestesias e
paralisias, que ocorrem abaixo do ponto de lesão; porém, os reflexos medulares
permanecem intactos.
O Sistema Nervoso Periférico é formado por nervos cranianos e espinhais
que conectam o SNC. Também possui gânglios nervosos, que são estruturas periféricas,
contendo aglomerado de células nervosas, com função sensorial ou motora. Nervos
sensitivos possuem um gânglio com neurônios ligados a receptores periféricos. Existem
gânglios formados por neurônios que inervam órgãos viscerais e fazem parte do SNA,
como será visto em item próximo. O sistema nervoso periférico possui duas divisões.
– por meio de receptores específicos na
pele, músculos e articulações, esse sistema recebe e envia informações sensoriais do
corpo para o cérebro (sentido aferente), via medula espinal. Isso é feito por feixes de
axônios que formam os nervos. No sentido contrário (eferente), recebe sinais do SNC
no sentido de iniciar, modular ou inibir movimentos nos músculos, articulações e pele3.

4 – NEUROANATOMIA FUNCIONAL
Como vimos acima, o sistema nervoso central é composto pela medula e
encéfalo, e este composto pelo cérebro, cerebelo e tronco encefálico ou tronco cerebral
(Figura 3). Agora vamos observar melhor essas estruturas e suas funções2,7,11.
Figura 3 – Tronco encefálico

4.1 Tronco encefálico ou cerebral


Liga a medula espinhal ao restante do encéfalo. É composto de três regiões:
o bulbo, que é a continuação da medula espinhal e contém núcleos nervosos
responsáveis pela manutenção da respiração, deglutição, sudorese, batimentos
cardíacos, atividade vasomotora e secreção gástrica. A ponte é a região intermediária
que, com suas vias aferentes e eferentes, conecta diferentes áreas da medula e encéfalo;
e o mesencéfalo, que faz a conexão com o cérebro, mediando informações sensoriais e
corticais e auxiliando no controle motor11.
Por meio de fibras grossas, o tronco encefálico liga-se ao cerebelo, que fica
atrás dele (local posterior). Os últimos doze pares de nervos cranianos conectam-se com
o tronco encefálico, levando informações sensitivas da cabeça e pescoço ao SNC e
trazendo impulsos nervosos aos órgãos efetuadores dessa região6. Em síntese, tem
como função:
1. Receber aferências de diferentes regiões do corpo e controlar efetores por
meio de neurônios presentes nos núcleos dos pares de nervos cranianos;
2. Atuar como região de passagem de informações sensoriais e motoras para
o encéfalo;
3. Participar da regulação de nosso estado atencional e do ciclo de sono-
vigília.
Em complemento, o tronco encefálico contém programas básicos para a
sobrevivência, incluindo funções como respirar, engolir, vomitar, urinar e ter orgasmo.
A disposição da substância cinzenta e branca é semelhante à da medula
espinhal, porém, a substância cinzenta é fragmentada em núcleos, sendo alguns
sensitivos e outros motores.
Alguns núcleos servem como interruptores, que podem ligar ou desligar a
passagem de informações, de vias que passam pelo tronco encefálico. Um destes
núcleos, a substância negra, contém neurônios escuros (daí o nome) que utilizam a
dopamina como neurotransmissor e são muito importantes no controle motor, sendo que
sua disfunção produz sintomas de Parkinson.
O tronco encefálico integra reflexos da cabeça e serve de ponte para vias
motoras e sensitivas. É uma estrutura complexa, e suas lesões desativam funções
específicas; algumas podem ser fatais, visto que nele estão os centros de controle da
frequência cardíaca e da respiração.

4.2 Formação reticular


No tronco cerebral encontra-se a formação reticular, que ocupa toda parte
central do tronco encefálico, possuindo grande quantidade de fibras nervosas dispostas
em rede. Não é homogênea, possuindo vários núcleos com características e conexões
próprias. Possui conexão com todo sistema nervoso, recebendo informações de todas as
vias sensoriais, repassando-as ao tálamo e ao córtex. Atua na ativação deste e na
manutenção do estado de vigília, bem como na regulação dos estágios do sono.
Participa também no controle da motricidade com importância na manutenção do tônus
postural. Afeta ainda processos sensoriais, podendo impedir inputs de dor, produzindo
analgesia.
Uma característica importante do tronco cerebral é sua autonomia, a qual
pode ser observada quando o tronco cerebral de um animal é dividido do cérebro acima
dele, por meio de um corte. Por exemplo, um gato que recebe esse procedimento
continua a caminhar e pode atacar se orientado por barulhos. Quando percebe que há
um alimento próximo, vai comê-lo. Bebês nascidos sem o córtex vão expressar
comportamentos extremamente básicos e reflexos, originados no tronco cerebral.

4.3 Cerebelo
Localiza-se atrás do tronco encefálico, ligando-se a este por fibras nervosas.
Similar ao cérebro, possui um córtex formado por substância cinzenta, e um interior
com fibras nervosas, onde se localizam seus núcleos centrais.
O cerebelo tem uma quantidade impressionante de células, cerca de 1/3 de
todos os neurônios do SNC, o que contrasta com o resto dessa estrutura, visto ser o local
que possui mais neurônios do que qualquer outra parte do cérebro. Contém circuitos
complexos e rápidos, que controlam a motricidade e equilíbrio corporal. Pela medula
espinhal, recebe aferências sensoriais e cinestésicas de todo corpo; do córtex recebe
informações motoras e ainda integra inputs dos órgãos vestibulares. Isso lhe permite
papel importante no controle dos movimentos, da postura e do equilíbrio corporal.
Possui dois hemisférios, sendo que cada um deles controla a musculatura do seu mesmo
lado (ipselateral), oposto do que ocorre com os hemisférios cerebrais. Ele também
participa dos movimentos delicados (motricidade fina).
Existem ainda evidências de que esteja envolvido em várias outras
atividades, como processos cognitivos, memória, controle de impulso e também aparece
relacionado à fisiopatia do autismo, TDAH e esquizofrenia.
Ainda que seu papel mais óbvio esteja relacionado ao aprendizado motor
não consciente, e talvez até na atividade psicológica automática, é curioso notar que
quando o cerebelo é completamente removido, em especial em jovens, estes conseguem
retomar seu funcionamento quase normal, o que sugere que essa misteriosa estrutura
pode ter se desenvolvido como apoio ao restante do cérebro.

4.4 Cérebro
Dividido em duas estruturas, o diencéfalo, com suas subestruturas, e o
telencéfalo ou prosencéfalo, composto por estruturas mais externas, o córtex cerebral
(casca) e internas ou subcorticais2,7,11.
Iniciemos pelo diencéfalo – que tem como principais estruturas o tálamo e
hipotálamo. O tálamo, mede cerca de 1 centímetro; ele recebe, processa e retransmite
praticamente todas as informações sensoriais e motoras que circulam para o córtex e
núcleos profundos11. Como um portão de entrada, ele controla o fluxo dessas
informações; por exemplo, durante o sono ele se fecha, impedindo a passagem de
informações para permitir que o cérebro descanse. O sentido do olfato é o único que não
passa por esse portão, visto ser mais antigo e fundamental dos sentidos, tendo direção
direta para o córtex.
O hipotálamo é bem menor que o tálamo, algo como o tamanho de um grão
de ervilha. Ele “é a estrutura reguladora mais importante do cérebro e é indispensável
para sobrevivência do organismo”.
Ele é responsável por regular as funções vitais – temperatura corporal,
ritmos circadianos, pressão sanguínea e nível de glicose – e, para esses fins, impele o
organismo por meio de impulsos fundamentais como sede, fome, agressão e
sensualidade..
Sua principal função é a manutenção da homeostase, recebendo informações
sobre as condições dos órgãos internos do corpo e também do meio externo. Baseado
nelas, atua por conexões com o sistema nervoso visceral periférico (parassimpático e
simpático), com o sistema límbico e com o sistema endócrino. Constitui-se no principal
centro regulador das atividades viscerais, podendo gerar respostas simpáticas ou
parassimpáticas. Muito importante para a regulação das emoções, é região nodal do
sistema límbico, relacionando-se com as amígdalas, com o septo e o hipocampo. Nele
ocorre a interação entre o sistema nervoso e o sistema endócrino, principais reguladores
do organismo.
O hipotálamo produz ainda os hormônios ocitoxina, vasopressina
(antidiurético) e polipeptídios, liberando-os na pituitária, para controlá-la. A pituitária é
considera a “glândula chefe”, visto que libera hormônios que controlam as demais
glândulas endócrinas do organismo e ainda determina os processos de desenvolvimento,
ovulação e lactação. Dessa forma o hipotálamo influencia todo o sistema endócrino. No
entanto, essa influência é regulada pelas informações que recebe sobre os níveis
sanguíneos dos hormônios produzidos pelas glândulas.
O hipotálamo regula a temperatura corporal, a ingestão de alimentos e a
ingestão e eliminação de água. Pelo seu núcleo supraquiasmático – o relógio do
organismo – e as informações que obtém da retina, também controla os ritmos
circadianos do corpo, integrando-os aos ciclos de claro e escuro da natureza. Ele é ainda
um centro importante na interação neuroimunológica, ou seja, entre o sistema nervoso e
o sistema imune.
O hipotálamo governa o desenvolvimento sexual e reprodutivo e o
comportamento. Ele é um dos únicos lugares no cérebro humano onde existem claras
diferenças entre homens e mulheres, devido às influências hormonais precoces durante
o desenvolvimento do sistema nervoso. Ratas fêmeas expostas a altos níveis de
testosterona ainda dentro do útero desenvolvem uma organização hipotalâmica mais
típica de ratos machos – a chamada masculinização fetal. Diferenças nas estruturas
hipotalâmica podem influenciar a orientação sexual. Utilizando métodos post mortem,
LeVay (1991) descobriu que o hipotálamo anterior tinha apenas a metade do tamanho
nos homens homossexuais se comparados aos heterossexuais. De fato, o tamanho dessa
área nos homens homossexuais era comparável ao seu tamanho nas mulheres
heterossexuais.
O telencéfalo ou prosencéfalo é composto por uma porção mais externa, o
córtex cerebral, ligado às funções mentais, e por estruturas mais internas, ditas
subcorticais (abaixo do córtex), tais como o hipocampo – relacionado à memória – e a
amígdala, crucial à emoção; essa estrutura é tão importante para o organismo que
aparece organizada no que se chamou de sistema límbico. Temos ainda os núcleos de
base, ligados aos movimentos.
Os núcleos ou gânglios de base localizam-se na base do cérebro; são
essenciais no planejamento voluntário dos movimentos corporais, visto estarem ligados
às regiões motoras do córtex frontal. Os núcleos de base recebem comandos dessas
regiões e as enviam aos centros de movimento do tronco encefálico. Simultaneamente,
por meio do tálamo, têm retroalimentação daquelas regiões de comando. Incluem o
corpo estriado, núcleo subtalâmico e a substância negra. O núcleo acumbente (ou
acumbens) e pálido ventral são extensões do corpo estriado, o qual é importante no
planejamento e controle corporal. A doença de Parkinson tem sido relacionada à falta do
neurotransmissor dopamina, relacionada ao corpo estriado e ao núcleo accumbens.
O sistema límbico (Figura 4) é localizado na borda do hemisfério cerebral
(limbo = margem), é composto por várias regiões corticais (giros cingulado e para-
hipocampal, córtex entorrinal e algumas áreas pré-frontais), subcorticais telencefálicas
(hipocampo, complexo amigdaloide, septo), diencefálicas (hipotálamo e algumas áreas
talâmicas) e do tronco encefálico (área tegmental ventral).
Figura 4 – Sistema límbico

Suas funções incluem processamento e regulação emocional e motivacional,


memória, aprendizagem e interesse sexual6,11,12. Suas alterações estão relacionadas a
transtornos psiquiátricos12. Apesar de amplamente utilizada, a expressão sistema
límbico é questionável e tem sido crescentemente abandonada, visto não haver
consenso sobre quais estruturas pertencem a esse sistema e se elas estão exclusivamente
relacionadas ao sistema das emoções, que é a expressão que tem sido usada para
substituir a anterior1,10,12,13. Algumas das regiões desse sistema, como o tálamo e o
hipotálamo foram descritas acima. Passamos então a descrever outros componentes
baixos (hipocampo, amigdala, giro cíngulo e insula). As áreas pré-frontais, também
relacionadas às emoções, serão descritas adiante.
O hipocampo é uma antiga região bilateral, que tem papel crucial no
armazenamento de novas memórias declarativas, recentes e de longo prazo, elaborando
novas conexões (sinapses) a cada experiência3,6,12. Está relacionado à orientação
espacial, sendo que sua lesão bilateral produz desorientação e falhas na memória
declarativa (amnésia anterógrada global)1,12. Tem amplas conexões com as áreas
corticais, recebendo e enviando informações para essas áreas. Também se conecta a
regiões relacionadas ao controle das emoções como o septo, a amígdala, partes do
tálamo e do hipotálamo, o corpo estriado e a formação reticular. Sua porção posterior
parece relacionada com processos cognitivos de aprendizagem e memória, em particular
aqueles ligados à navegação, exploração e locomoção. Em complemento, sua região
anterior envolve-se na emoção e comportamentos motivados1. Essa região parece estar
relacionada a transtornos com o estresse pós-traumático, depressão e Alzheimer. Como
visto, o hipocampo é importante para o processo das emoções, mas é a amígdala ou
complexo amigdaloide a estrutura mais crucial desse processo.
A amígdala (complexo amigdaloide) é formada por um conjunto de núcleos,
localizados internamente ao lobo temporal e anteriormente ao hipocampo, recebendo
aferências sensoriais indiretas, oriundas do córtex cerebral, do diencéfalo e do tronco
encefálico, as quais trazem informações sensoriais (como olfato, dor) e viscerais, entre
outras. As aferências recebidas via tálamo são responsáveis pela gênese de respostas
rápidas e primitivas (como os condicionamentos), enquanto aquelas vindas do córtex
pré-frontal estão relacionadas às respostas mais lentas e sujeitas a intervenção
consciente.
Envolvida no processamento das emoções – como o medo, no aprendizado,
no sistema de recompensa (prazer) e nas reações de luta e fuga ante situações de
aparente ameaça, quando produz respostas viscerais e endócrinas (aprendizado de
situações), resultado da ativação do hipotálamo e centros do tronco encefálico, o que
prepara o organismo para situações futuras semelhantes, graças à memória emocional
das experiências . Se lesionada, produz descontrole emocional, dificuldades na memória
de curto prazo e incapacidade de reconhecer as emoções das outras pessoas (avaliação
das expressões faciais). Suas disfunções e alterações têm sido relacionadas a vários
transtornos, como transtorno bipolar, estresse pós-traumático, demência, autismo e
esquizofrenia.
Conectado com a amígdala e o hipocampo e também envolvido com o
processamento emocional, o giro do cíngulo ou cingulado circunda o corpo caloso e
está ligado com outras estruturas também, tal como o tálamo, regiões pré-frontais e os
córtices pré-motor e motor. Participa dos processos de atenção, seleção de ações
motoras motivadas, memória, emoção, dor, função visceral e processamento
visoespacial1,6. Também é importante na monitoração de conflito e é uma parte
importante do sistema de atenção (mudar o foco da atenção), mudar de ideia e perceber
opções, flexibilidade (mental) de adaptação às mudanças do meio, enfrentamento de
problemas/conflitos, previsão de eventos negativos (insegurança) e atividades
cooperativas (empatia social)15. Suas lesões podem provocar apatia, mutismo e
mudanças de personalidade. Alzheimer, esquizofrenia, depressão e transtorno obsessivo
compulsivo também parecem estar relacionados com o giro cíngulo.
Tal como as estruturas anteriores, a ínsula mantém íntimo contato com
regiões do sistema límbico, estando também envolvida na coordenação dos processos
emocionais. Ela se localiza no sulco lateral, sendo coberta por parte dos lobos temporal
frontal e parietal. De fato, é um dos lobos corticais, e tem importante papel no
processamento de informações visoperceptivas, tornando-as conscientes, como são as
sensações intestinais, respiratórias e cardiovasculares. É também crucial na percepção
da gustação (paladar), temperatura, cócegas, estimulação sexual e toque sensual, dor e
seus aspectos emocionais (1, 12). É uma espécie de intérprete do cérebro ao traduzir
sons, cheiros ou sabores em emoções e sentimentos como nojo, desejo, orgulho,
arrependimento, culpa ou empatia. Experiências sensoriais são transformadas em
emoções e sentimentos. Ela registra estímulos aversivos e tem sido implicada na
previsão de resultados aversivos ou negativos.

5.1 Córtex cerebral


O córtex cerebral contém dois tipos de substância, a branca e a cinzenta.
Esta, mais externa, é composta pelos corpos dos neurônios, enquanto que a substância
branca, interna, é composta pelos axônios dos neurônios, levando as informações da
parte superior para parte inferior do cérebro. As células do córtex, ou neocórtex, como é
chamado, são diferentes daquelas das estruturas anteriormente estudadas, visto que são
organizadas em seis camadas de substância cinzenta, assentadas sobre uma camada de
substância branca. A camada média (4), é aferente, representando o local de entrada das
informações sensoriais. As camadas mais inferiores (5) e (6), são eferentes,
possibilitando a saída para outras partes do cérebro. Já as camadas (1), (2) e (3) têm
menor especificidade modal, ou seja, são compostas por maior número de neurônios
associativos, permitindo a combinação ou integração das informações (6, 7 e 16). As
células dessas camadas foram estudadas pelo neurologista alemão Korbinian Brodmann,
que dividiu o neocórtex em 52 áreas (Figura 6), que ficaram conhecidas como áreas de
Brodmann.
O córtex é composto por dois hemisférios, cada um deles com 4 lobos,
frontal, parietal, occipital e temporal. Os hemisférios cerebrais estão conectados pelo
corpo caloso, uma estrutura compacta de milhões de axônios.
Figura 6 – As 52 áreas de Brodmann

Quadro 2 – Lobos cerebrais e uma síntese de suas


funções
Parietal Processamento de informações táteis e integração
sensorial multimodal.
Temporal Processamento de informações auditivas, gustativas e
olfatórias, além de integração multimodal e de
linguagem (percepção linguística).
Occipital Processamento de informações visuais e integração
sensorial multimodal.
Frontal Planejamento e processamento motor voluntário,
integração de funções superiores, como expressão da
linguagem, consciência, raciocínio e tomada de
decisão.

Espero que tenha apreciado nossas primeiras incursões e reflexões sobre o


funcionamento cerebral e sua conexão com a aprendizagem. Abraço. Prof. Estela

REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURAS

1. COSENGA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação. Porto Alegre:


Artmed, 2011.

2. FERREIRA, M. G. R. Neuropsicologia e aprendizagem. Curitiba: InterSaberes,


2014.

3. GAZZANIGA, M. S.; HEATHERTON, T. F. Ciência psicológica: mente, cérebro


e comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2005.

4. CALLEGARO, M. M. O novo inconsciente. Porto Alegre: Artmed. 2011.

5. COQUEREL, P. R. S. Neuropsicologia. Curitiba: InterSaberes, 2013.

6. SANTOS, F. H. dos; BUENO, O. F. A.; ANDRADE, V. M. (Orgs.).


Neuropsicologia hoje. Porto Alegre: Artmed, 2010.

7. KOLB B., WHISHAW, I. Q. Neurociência do comportamento. Barueri:


Manole, 2002.

8. GAZZANIGA, M. S.; IVRY, R. B.; & MANGUN, G. R. Neurociência cognitiva: a


biologia da mente. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

9. KANDEL, E. E. et al. Princípios de neurociências. 5. ed. Porto Alegre: AMGH,


2014.

10. HIGGINS, E. S; GEORG, M. S. Neurociência para psiquiatria clínica: a


fisiopatia do comportamento e da doença mental. Porto Alegre: Artmed, 2010.

11. SANTOS, F. H. dos; ANDRADE, V. M; BUENO, O. F. A. Neuropsicologia


hoje. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. Edição do Kindle.

12. KAPCZINSKI, F. et al. Bases biológicas dos transtornos psiquiátricos: uma


abordagem translacional. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.

13. ESPERIDIAO-ANTONIO, V. et al. Neurobiologia das emoções. Rev. psiquiatr.


clín., São Paulo , v. 35, n. 2, p. 55-65, 2008 .

14. RUSSO, R. M. T. Neuropsicopedagogia clínica: introdução, conceitos, teoria


e prática. Curitiba: Juriá, 2015.
15. PILLAY, S. S. Your brain and business. New Jersey: Pearson, 2011.

16. LURIA, A. R. Fundamentos da neuropsicologia. São Paulo: EDUSP, 1981.


027
17. SBNPp. O que é neuropsicopedagogia. Recuperado de
<http://www.sbnpp.com.br/o-que-e-neuropsicopedagogia/>. Acesso em: 22 set.
2017

18. MAIA, H. (Org.). Neuroeducação e ações pedagógicas. Rio de Janeiro: Wak,


2011.

19. ARANHA G.; SHOLL-FRANCO, A. Caminhos da neuroeducação. 2a. ed. Rio


de Janeiro: Ciências e Cognição, 2012.

20. PURVES, D. et al. Neurociências. São Paulo: Artmed, 2005.

21. FIORI. N. As neurociências cognitivas. Petrópolis: Vozes, 2008.

E O MEU LIVRO!!!

BOA LEITURA!!

Você também pode gostar