Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Recensão do livro Dirigentinnen im 20. Jahrhundert: Porträts von Marin Alsop bis Simone Young
Dirigentinnen im 20. Jahrhundert: Porträts von Marin Alsop bis Simone Young,
publicado em 2003, foi um dos livros que marcaram a história da musicologia feminista
na Alemanha. Para escrevê-lo, a regente Elke Mascha Blankenburg se debruçou sobre o
trabalho e a vida de outras profissionais do seu ramo, coletou depoimentos e biografias e
traçou paralelos com a própria história. O livro foi idealizado e organizado no intuito de
funcionar como referência biográfica e abrir espaço de trabalho e pesquisa sobre a
musicologia feminista, especificamente, no que tange às mulheres na regência. Passados
quase vinte anos da sua publicação, temas trazidos à tona por ela, como a discriminação
e a desigualdade profissional ainda permanecem atuais e controversos.
A história das mulheres na música estava, até a década de 1970, sob um terreno
encoberto – era uma história não dita. As instrumentistas, as maestras, as compositoras,
assim como outras profissionais do setor, pouco apareciam nos livros de história.
Especialmente, no caso das compositoras, raramente suas obras são tocadas ou ensinadas.
É como se tivessem sido subtraídas da nossa memória, e, a imagem que ainda prevalece
é como se nunca houvessem existido ou existissem. Não raro, musicistas relatam que
jamais foram apresentados à composições de mulheres. A exemplo da minha experiência,
não tive acesso ao estudo de obras de compositoras durante a formação como pianista e
regente orquestral.
Os estudos musicológicos feministas ganharam impulso entre as décadas de 1970
e 1980, quando passaram a se ocupar em dar respostas a lacunas como: onde estariam as
mulheres durante todos os períodos da música? o que faziam? sua importância? por que
foram elas apagadas do cânone? Segundo a musicóloga Susan Cusik, está bem claro que
muitos dos trabalhos canônicos que representaram a mulher, o fizeram de forma misógina
institucionalizada1.
1
Cook, Nicholas., and Everist, Mark. Rethinking Music. 482. Repr. with Corr. ed. Oxford: Oxford
University Press, 2001.
2
Susan Mcclary, Feminine Endings : Music, Gender, and Sexuality (Minneapolis, Minn: University Of
Minnesota Press, 2010).
além dos compositores, como era usual. Segundo Pendle, mulheres não eram admitidas
sequer às classes de regências como aprendizes ouvintes3.
O século 20 foi marcado pelo início da derrubada dos muros nesse campo
profissional. Hoje, mesmo com muito ainda por fazer, as mulheres do final do século 20
e século 21 usufruem do trabalho percorrido por muitas pioneiras, conquistando o
merecido espaço e respeito à frente de grandes orquestras. Entre as desbravadoras da
Alemanha está Elke Mascha Blankenburg.
3
Karin Pendle, Women & Music : A History (Bloomington: Indiana University Press, 1991).171
4
Edwards, J. Women on the Podium. Chapter. In The Cambridge Companion to Conducting, edited by
José Antonio Bowen, 220–36. Cambridge Companions to Music. Cambridge: Cambridge University
Press, 2003. doi:10.1017/CCOL9780521821087.017.
5
O termo maestrina tem sido refutado pelo significado pejorativo que carrega discriminação e
desigualdade: em italiano, por exemplo, designa “professorinha”, sem grandes qualificações. O assunto é
recorrente em todos os simpósios de mulheres regentes. Especialmente, o simpósio de 2020 reuniu mais de
900 colegas de trabalho e foi realizado, concomitantemente, com a competição La Maestra, em Paris,
quando ficou acordada, entre a categoria, a utilização somente do termo maestra.
Uma das precursoras do feminismo musicológico alemão, ela organizou festivais
para a divulgação de obras de compositoras, foi uma das fundadoras do Archiv Frau und
Musik6, que consta, atualmente, como o maior acervo de composições escritas por
mulheres da Europa. A inspiração para a elaboração desse arquivo veio na sequência de
um artigo que Blankenburg escreveu, em novembro de 1977, intitulado Vergessenen
Komponistinnen (em português, Compositoras Esquecidas) para a revista Emma7. Além
do arquivo, fundou a associação Internationales Arbeitskreis Frau und Musik8, um dos
movimentos mais relevantes para o feminismo musicológico na Alemanha, do qual
Blankenburg foi a primeira presidente.
6
https://www.archiv-frau-musik.de/
7
Emma é uma revista feminista alemã fundada em 1977, https://www.emma.de/lesesaal/45142
8
https://www.archiv-frau-musik.de/en/verein-iak-frau-und-musik
9
Tradução livre: Maestras no século 20: Retratos de Marin Alsop até Simone Young.
A introdução levanta pontos como as barreiras que as mulheres precisaram
ultrapassar para terem acesso à formação e a preferência das mídias, que, quase sempre,
privilegiam o que há de sensacional e exótico no mito de “a primeira mulher a reger”, em
detrimento da informação criteriosa a respeito das qualidades, ou da falta delas em uma
performance musical. Para ilustrar a situação recorrente de quase todas as regentes de
destaque, o texto inicia com a famosa resposta que Nadia Boulanger, em entrevista, deu
a respeito de como se sentia, na qualidade de mulher, a reger no pódio: “quando eu estou
à frente de uma orquestra, eu nunca penso se sou mulher ou um homem; simplesmente,
faço o meu trabalho10”
10
Dirigentinnen Im 20. Jahrhundert 2003, 9.
11
Dirigentinnen Im 20. Jahrhundert 2003, 11.
12
Dirigentinnen Im 20. Jahrhundert 2003, 11.
13
Dirigentinnen Im 20. Jahrhundert 2003, 11. Tradução livre da citação: “até mesmo as colegas mais
jovens são ainda pioneiras e para alguma orquestra certamente a primeira.”
diretora de orquestras. Vale sublinhar que os números apresentados são referentes a 2003,
ano de publicação de seu livro.
Outro caso é o da maestra húngara Olga Géczy que, embora tenha sido aceita
como aluna na classe de Andreas Korodi, pela Ferenc-Liszt-Musikakademie em
Budapeste, foi, por ele mesmo, desencorajada a prosseguir, por não acreditar que uma
mulher fosse capaz de atingir o posto de regência orquestral16. A alemã Cosima Osthoff,
quando estava cogitando estudar regência, foi fortemente aconselhada a prestar prova em
outra área, pela notória impossibilidade de o posto de regente de orquestra ser ocupado
por uma mulher17. Já a suíça Marie-Jeanne Dufour, depois de aprovada para ocupar a
14
Dirigentinnen Im 20. Jahrhundert 2003, 15-18.
15
Henryk Czyz (1923-2003) foi um aclamado maestro e professor de regência polonês.
16
Dirigentinnen Im 20. Jahrhundert 2003, 103.
17
Dirigentinnen Im 20. Jahrhundert 2003, 181.
disputada vaga de regência, na Hochschule für Musik em Berlim, foi descartada, pois se
acreditava que uma mulher não seria capaz de comandar um grupo de 300 músicos.18
Blankenburg diz, ao tecer críticas pertinentes ao mercado europeu, que ele ainda
está muito aquém do mercado dos Estados Unidos no que concerne discussões acerca de
gênero na música e das oportunidades dadas às mulheres. Nos seus critérios de seleção
de regentes para constarem neste livro, estariam em princípio somente maestras
europeias. Não obstante, em virtude do número de mulheres em destaque que encontrou
nos Estados Unidos e, pela presença de Simone Young, na Austrália, ela decidiu, por fim,
estender o quadro além do continente europeu. Outro comentário crítico, em suas
observações, foi a insuficiência de networking entre as mulheres regentes. Poucas sabiam
do trabalho umas das outras, e quase nenhuma foi capaz de citar mais do que cinco colegas
de profissão.
Dirigentinnen im 20. Jahrhundert: Porträts von Marin Alsop bis Simone Young é
uma obra que divulga o trabalho dessas profissionais, enumera os problemas que elas
ainda têm que superar para ocupar um lugar como maestra e motivar uma nova geração
18
Dirigentinnen Im 20. Jahrhundert 2003, 87.
19
Dirigentinnen Im 20. Jahrhundert 2003, 21.
20
Dirigentinnen Im 20. Jahrhundert 2003, 201.
21
Dirigentinnen Im 20. Jahrhundert 2003, 21.
de mulheres à perseverarem na carreira de regência. O curioso título coloca Marin Alsop
e Simone Young nas extremidades, como se, somente elas importassem – a ironia e a
sátira estão nas entrelinhas – Blankenburg conheceu além das duas que sempre são
citadas, outras 500. Com o livro, uma lacuna começa a ser preenchida: a da ignorada
posição da mulher na profissão de regente e compositora. Sua inexistência não é porque
não existam. E, sim, decorrência imediata da reiteirada ocultação durante séculos a fio. A
investigação aprofundada das mulheres a que a musicologia se propõe, há de fazer
emergir um maior número de maestras do que, atualmente, temos conhecimento.
Blankenburg demonstra, em seu texto introdutório, algumas mulheres regentes do
passado que, até 2003, o ano da publicação deste livro, gozavam de pouco ou nenhum
destaque.
22
A brasileira Ligia Amadio, destaca-se como um dos nomes mais importantes na regência orquestral da
América Latina. Atualmente está a frente da Orquestra do Teatro Solis em Montevidéu.
inúmeros depoimentos contribuem não apenas para entender a minha própria biografia
como, sem dúvida, servem-me de estímulo a prosseguir nesta carreira. É recompensador
constatar que, dentre as maestras descritas, algumas tive a oportunidade de conhecer,
como Marin Alsop, Simone Young e a querida Antonia Joy Wilson, com quem tive o
prazer e a alegria de trabalhar, durante a organização das três edições do Simpósio
Internacional de Mulheres Regentes: políticas culturais de inclusão feminina na
música23.
Em seu livro, Elke Blankerburg relata que, em 2002, Kurt Masur lhe havia
comentado a respeito da crescente presença de mulheres, a cada masterclass que
oferecia24. Com que orgulho posso dizer que uma delas era eu.
Lamento não ter tido a chance de conhecer Blankenburg. Mas, no período em que
Mascha – como ela gostava de ser chamada – estava entre nós, muito ouvi falar sobre o
seu persistente trabalho por mais respeito à mulher e igualdade de direitos na área da
regência orquestral, coral e operística. Sem saber, ela transformou minha vida. Hoje, sou
também um dos membros da associação Internationales Arbeitskreis Frau und Musik,
por ela fundado. A decisão de, além de maestra, me aprofundar como especialista na área
do feminismo musicológico, teve, além dos próprios desafios que enfrento, a leitura deste
livro no ano do seu lançamento em 2003.
23
https://www.women-conductors.com/
24
Dirigentinnen Im 20. Jahrhundert 2003, 31
Bibliografia
Citron, Marcia J, and Urbana-Champaign Press. Gender and the Musical Canon.
Urbana; Chicago: University Of Illinois Press, 2000.
Cook, Nicholas., and Everist, Mark. Rethinking Music. 482. Repr. with Corr. ed.
Oxford: Oxford University Press, 2001.
Mcclary, Susan. Feminine Endings: Music, Gender, and Sexuality. Minneapolis, Minn:
University Of Minnesota Press, 2010.
Pendle, Karin. Women & Music: A History. Bloomington: Indiana University Press,
1991.
Steinbeck, Anke. Jenseits Vom Mythos Maestro: Dirigentinnen Für Das 21.
Jahrhundert. Köln: Dohr, 2010.