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REVISTA LUMEN ET VIRTUS

VOL. IX Nº 21
ABRIL/2018
ISSN 2177-2789

O PODER DA IMAGEM NA
CONSTRUÇÃO DE VERDADES
“ABSOLUTAS” EM DOZE HOMENS E
UMA SENTENÇA
Prof. Dr. Jack Brandãoi
Mariana da Cruz Mascarenhasii

RESUMO – A avalanche imagética a qual resistir a verdades já construídas,


somos expostos diariamente torna-nos desenvolvendo potencial crítico e analítico.
submissos ao poder da imagem; mas, muitas PALAVRAS-CHAVE – Imagem,
vezes, sem ter a plena consciência de tal Comunicação, Indústria Cultural, Reginald
submissão. A mídia aproveita-se desse Rose, Doze homens e uma sentença
fenômeno para lançar, a todo momento,
uma infinidade de informações, fotos e ABSTRACT – The imagery avalanche to
vídeos, os quais são impossíveis de serem which we are exposed daily renders us
absorvidos, criticamente, por seu público. A submissive to the power of the image,
resistência a tal submissão facilita a perda de without the full awareness of such
autonomia e potencialidade crítica dos submission. The media takes advantage of
sujeitos receptores de informação. A obra this phenomenon to launch an infinity of
de Reginald Rose, Doze homens e uma information, photos and videos, which are
sentença, provoca tais reflexões ao narrar a impossible to be absorbed critically by its
história de um julgamento em que onze public in its entirety. Resistance to such
jurados votam pela condenação de um réu, submission facilitates the loss of autonomy
acusado de matar o pai a facadas, contra um and critical potential of the subjects
jurado que vota por sua inocência, não por receiving information. The work of
acreditar nela, mas por colocar em dúvida as Reginald Rose, Twelve Angry Men,
provas apresentadas. À medida que faz suas provokes such reflections in narrating the
colocações, outros jurados também passam story of a trial in which eleven jurors vote
a se questionar sobre a inocência do réu. for the conviction of a defendant, accused
Uma reflexão de como os indivíduos devem of killing the father stabbed, against only a

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jury that votes for his innocence, not by constructed truths, developing critical and
believing in it, but by doubting the evidence analytical potential.
presented. As he makes his statements,
other jurors also come to question the KEYWORDS – Image, Communication,
innocence of the defendant. A reflection of Cultural Industry, Reginald Rose, Twelve
how individuals should resist already Angry Men

Introdução
Desenhos, textos, fotografias, cinema, televisão, vídeo, internet, tudo se configura como
imagem que cerca o ser humano por todos os lugares. Sua exposição contínua e incessantemente
pode levar a construções e percepções condicionadas, sem que os indivíduos percebam e se
deem conta disso.
Exemplos desse bombardeamento imagético intencional verifica-se na própria mídia
que, a todo o instante, envia uma avalanche de informações impossíveis de serem decodificadas,
criticamente, por seu público. Não à toa, tal instantaneidade é um dos trunfos midiáticos para
inibir a atuação de qualquer sujeito, inclusive o pensante e o questionador, que possa contestar
tudo aquilo que lhe é oferecido. Fato abordado pela Escola de Frankfurt que chegou a
desenvolver a Teoria Crítica fundamentada na análise dos mecanismos influenciadores
utilizados pela comunicação para atingir seus objetivos.
Assim, a submissão ao jogo imagético midiático concretiza-se sem ao menos ser
percebida, levando o público a aceitar determinadas verdades construídas como absolutas,
sem ao menos desenvolver sua capacidade cognitiva para questioná-las, diante do bombardeio
informacional.
A obra de Reginald Rose, Doze homens e uma sentença (Twelve Angry Men),
propõe-nos todas essas questões, por isso é empregada neste texto sob a perspectiva da análise
imagética e do poder midiático. A teleplay, transformada em peça teatral, cujo enredo se passa
numa sala de julgamento onde doze jurados devem decidir sobre a culpa ou a inocência de um
réu, no caso, um garoto acusado de matar o pai a facadas.
Duas testemunhas da acusação dizem estar convencidas de sua culpabilidade ao
apresentarem fortes declarações para que onze jurados votem pela condenação do rapaz. Mas,

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a dúvida de um acabará gerando diversos questionamentos, ao colocar em dúvida uma série de


questões.
Assim, a partir do comportamento dos jurados, percebemos como, muitas vezes, somos
condicionados a tomar, como absolutas, verdades construídas, sem ao menos nos darmos a
chance de desenvolver nosso potencial crítico, ao questioná-las.

A imagem como meio influenciador na imposição de ideias, crenças e valores


O ser humano é cercado, de maneira contínua, por uma infinidade de imagens presentes
nos mais diversos meios. Mesmo dormindo, elas se apresentam incessantemente, afinal o
cérebro não para: o pensamento humano é inesgotável e permeado por elas que surgem,
voluntaria ou involuntariamente. Muitas advêm de influências externas, sem nos darmos conta
de todo o turbilhão imagético ao qual somos expostos diariamente, sem contar com nosso
próprio acervo iconofotológico que, de forma contínua e inconsciente não cessa de processá-
las.
Hessem (1968), em sua Teoria do Conhecimento, explicita que o conhecimento
humano se dá por meio de interpretação e investigação filosóficas. Por diferenciar-se do método
psicológico, já que não considera os processos mentais e possíveis interações com outros
processos, é chamado de fenomenológico, ao tratar do conhecimento em sua estrutura geral,
não em suas especificidades. Ao aplicar tal método, o pesquisador ressalta que no processo de
construção do conhecimento verificam-se três elementos: sujeito, objeto e imagem.
A partir de uma interação entre os dois primeiros, o sujeito penetra na esfera do objeto
apreendendo suas características. A seguir aquele formará uma imagem deste, associando-o com
sua formação, percepção e atributos (HESSEM, 1968). Assim, um mesmo objeto pode gerar
diferentes imagens, ao ser contemplado por diferentes sujeitos, em razão da influência sofrida e
da intepretação de cada um.
No campo cognitivo, o objeto não adentra na figura do sujeito, mas o que se percebe é o
contrário: a modificação não ocorre, é evidente, no objeto, mas no sujeito, que integra
informações daquele elemento para sua realidade. O conhecimento se forma então a partir da
determinação que o sujeito faz do objeto. Mas esta não pode ser encarada como uma
receptividade passiva daquele em relação a este, já que o sujeito manifesta sua identidade, cultura

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e percepções. Caso contrário, um mesmo objeto seria absorvido de forma semelhantes por
todos os seus observadores e novos conhecimentos e descobertas não se concretizariam, nem
haveria uma evolução cognitiva. Dessa forma, a individualidade do sujeito precisa ser
considerada, pois é determinante para a construção cognitiva.
Tal percepção corrobora o fato de que o conhecimento não possui um único caminho,
como apontam Vera França e Paula Simões (2016), ao afirmarem que é produzido por cada um
de nós: “nosso estar no mundo, nossa ação no mundo conduz a compreensão que temos dele.
É o chamado conhecimento prático ou empírico”. (p. 22)
Ao pensar novamente na questão da imagem, é importante considerar sua essencialidade
na Teoria do Conhecimento, pois é a partir de sua construção pelo sujeito que ele passa a
conhecer algo novo, por isso ela exerce total influência neste processo. Assim, em seu âmbito,
a imagem pode ser compreendida por duas perspectivas: a natural e a cultural. No primeiro
aspecto, significaria a “representação mental das qualidades de um objeto apreendidas por um
determinado sujeito durante o processo de conhecimento” (GOMES, 2017, p. 9). Já sob a
perspectiva cultural, resulta da contemplação do objeto pelo sujeito, o qual tem como parâmetro
as imagens mentais “formadas no instante da percepção dos objetos” (p. 9). Portanto, aqui se
consideram duas representações mentais ligadas às características dos objetos e àquelas já
preexistentes na mente do sujeito, as quais influenciam sua percepção e interpretação.
Tais representações também são encontradas na definição dos gregos em sua
conceitualização do termo imagem. Para eles, os termos εἰκὼν (eikón) e εἴδωλον (eidolon)
correspondem aos “dois domínios imagéticos da representação” (BRANDÃO, 2017, p.21):
enquanto o primeiro se constitui a representação material do mundo por meio de pinturas,
gravuras, fotos, imagens; o segundo termo refere-se à representação imaterial existente na
mente, como os sonhos, por exemplo. Já os romanos utilizariam um termo que representaria os
dois conceitos empregados pelos gregos: imago (ibidem).
Se considerarmos a definição dos gregos e a da teoria de Hessem, fica claro sua
similaridade no que se refere a dupla percepção de um determinado objeto: o que este demonstra
ser para a formação imagética pelo sujeito; e aquela presente não no objeto, mas como
percepção individual criada no sujeito. Nesta dupla representação imagética, mesmo que o
sujeito seja determinante para a interpretação do objeto – afinal é ele que determinará sua

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apreensão a partir de uma base subjetiva –, há a possibilidade de que a formação da imagem


ganhe contornos próprios, condicionando o sujeito a adotar determinada interpretação mesmo
sem perceber. Isso porque,

Quando hoje nos vemos cercados por uma infinidade de imagens, não nos
damos conta de seu poder sobre nós; pelo contrário, acreditamos ser seus
senhores e que impomos nossa vontade e nossos desejos sobre elas. Claro
que, ao pensarmos assim, agimos de modo infantil, pois não se pode negar o
óbvio: somos tão vulneráveis a elas como eram os povos ditos primitivos,
antes mesmo do apogeu das grandes civilizações humanas. (BRANDÃO,
2017, p. 34)

Ao estabelecer uma comparação entre o ser humano do século XXI e seus


predecessores, Brandão (2017) ressalta que a grande diferença entre esses dois momentos não é
apenas a propagação ilimitada de imagens no século atual, mas a insistência do homem em não
admitir sua total submissão ao poder imagético. Assim, a imagem exerce uma influência tirânica,
imposta a seus leitores/receptores, fazendo-os acreditarem em crenças, ideias e valores contidos
nelas desapercebidamente.
“É a não aceitação do jugo imagético e de seu poder sobre nós, que nos torna presas
fáceis de seus desmandos, levando a humanidade a aceitar e a compactuar com aberrações e
atrocidades contra seus semelhantes” (p. 34). Essa imposição, muitas vezes, não perceptível por
seus receptores, faz-se fortemente presente no chamado quarto poder, destinado a influenciar
grupos cada vez maiores: a mídia.

A mídia como propagadora de imagens influenciadoras


Desde o surgimento do homo sapiens, o processo comunicacional, constituído por emissor,
receptor e mensagem – enviada do primeiro ao segundo elemento –, sofreu profundas e
significativas mudanças. As inovações acentuaram-se, especialmente, a partir da invenção da
prensa de tipos móveis pelo alemão Johannes Gutenberg, por volta de 1450, permitindo a
difusão de informações impressas a diversos receptores.
A mídia impressa popularizou-se ao longo dos séculos XVIII e XIX, de modo especial
por meio de jornais e revistas que veiculavam aquilo que seus leitores queriam ler. Outros
avanços significativos verificaram-se, em termos de alcance, no início do século XX com o rádio

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e, em meados do século, com a televisão. A grande inovação proporcionada por tais meios,
porém, seria a simultaneidade da comunicação graças à transmissão ao vivo.
No entanto, nenhum deles pode ser comparado com a quase instantaneidade que
sobreveio com a popularização da internet, transformando receptores em emissores
informacionais e aproximando partes longínquas do mundo, antes desconhecidas e
desconectadas. A revolução digital, ao permitir a participação dos internautas através do
compartilhamento de dados do seu entorno, em tempo real, aumentou, exponencialmente, o
número de informações divulgadas ao vivo.
Toda essa revolução comunicacional, iniciada de modo especial a partir de 1900, motivou
o surgimento de estudos sobre a comunicação, originando as chamadas teorias comunicacionais.
Tais estudos tiveram profundas alterações conforme novas percepções sobre o fenômeno
comunicativo surgiam. Os pioneiros, por exemplo, enxergavam o sujeito receptor da
informação como alguém passivo e desprovido de respostas àquilo que os meios
comunicacionais lhe apresentavam.
A imagem do receptor, porém, começa a se alterar, quando pesquisadores avaliaram as
potencialidades de reação do sujeito àquilo que lhe é enviado, de forma a rejeitar o que não é de
seu interesse; obrigando, assim, a uma reformulação estratégica de envio de informações, de
modo especial, por parte da mídia.
Visando à aceitação do conteúdo midiático por seu público, os meios comunicacionais
utilizam de recursos persuasivos para concretizar seus propósitos. Tal processo é estudado e
definido na chamada Teoria da Persuasão ou Teoria Psicológica-Experimental. De acordo
com Wolf (1999), “persuadir os destinatários é um objetivo possível, se a forma e a organização
da mensagem forem adequadas aos fatores pessoais que o destinatário ativa quando interpreta
a própria mensagem”. (p. 12)
Mas, como dito anteriormente, a mídia também precisa atingir o público que não aceita
seu conteúdo, a menos de forma imediata; e, para isso, utiliza-se do efeito latente. Se o contexto
da mensagem não está inserido na realidade do receptor, aquela será moldada de acordo com o
mundo deste, dialogando com o sujeito em sua própria linguagem, fazendo-o crer, dessa
maneira, que a mídia aborda seus interesses. Além disso, “quanto mais expostas as pessoas são

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a um determinado assunto, mais o seu interesse aumenta” (WOLF, 1999, p. 13), ou seja, o
indivíduo é condicionado ao mundo midiático, sem ao menos perceber.
Trata-se aqui do poder imagético que, muitas vezes, controla o sujeito, tornando-o ainda
mais submisso à imagem, mesmo que ele não assuma tal submissão, como reforçado por
Brandão (2017).
Outro estudo que aborda, enfaticamente, o poder de influência midiática sob um cunho
crítico é o trazido pela Escola de Frankfurt. Trata-se de uma “sociologia crítica ou de uma
filosofia social que, por sua amplitude, repercutiu e alimentou vários campos científicos – entre
eles a comunicação” (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 111). Tal abordagem envolve três
especificidades: a do Instituto de Pesquisa fundado em Frankfurt, em 1920; a do grupo de
intelectuais envolvendo Theodor Adorno, Max Horkheimer, dentre outros; a da perspectiva
filosófica chamada de Teoria Crítica.
Para os primeiros pensadores frankfurtianos, as comunicações eram vistas como meios
separatistas entre os homens por imporem fronteiras entre indivíduos, impedindo o contato
entre eles. Jürgen Habermas rompe esse pensamento ao reconstruir a Teoria Crítica da
sociedade, integrando a segunda geração de pensadores da Escola de Frankfurt. Para o autor “a
comunicação pode servir de base para a reconstrução racional dos fundamentos da vida social,
superar a visão negativa dos velhos frankfurtianos e construir um novo paradigma de
desenvolvimento de teoria da sociedade” (HABERMAS, 1987 apud RÜDIGER, 2011, p. 96).
Desta forma, a Escola de Frankfurt não é considerada uma escola em si, pois seus
pensadores apresentaram estudos distintos e próprios. Todavia é relevante considerar alguns
aspectos em comum, como a Teoria Crítica, cujo núcleo segue um mesmo eixo como
manifestação da crise teórica e política do século XX, embasando-se em três críticas:
a) “Crítica à ciência e ao pensamento positivista, à perspectiva empirista da ciência, que
desenvolve um olhar reprodutor da vida social” (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 118);
b) Crítica à submissão do indivíduo devido à dominação tecnológica, camuflada pelo logro
do Iluminismo, que prezava uma falsa concessão de autonomia aos indivíduos, os quais na
realidade encontravam-se dominados pelo sistema de produção tecnológico vigente (ibidem);

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c) Crítica à degradação da cultura que perde sua identidade em detrimento de uma


imposição hegemônica mercadológica, que “nega o papel de conscientização e humanização
dos indivíduos”. A cultura é transformada em “instrumento de domesticação” (p. 119).

Em última instância, a Teoria Crítica assume como seu papel promover uma
crítica racional dos rumos tomados pela racionalidade iluminista, uma
denúncia da dimensão coercitiva que se esconde por trás do discurso
libertador da razão. A Aufklärung (Iluminismo ou Esclarecimento)
compreende um saber cuja essência é a técnica, o progresso, a calculabilidade,
a utilidade. (ibidem, p. 119)

Todas essas instâncias contidas na Teoria Crítica são reflexos de uma análise sobre como
os meios midiáticos utilizam de instrumentos de coerção e de dominação para impor sua
verdade a seus receptores, minimizando sua individualidade e impedindo um olhar crítico.
Com base nessa perspectiva, não basta dizer que a mídia não considera a individualidade
do receptor, já que este é reduzido a grupos homogêneos e passivos de informações. Pelo
contrário, ciente da potencialidade reativa de cada indivíduo, com base em sua formação e
identidade cultural, a mídia cria estratégias para transformar em cultura seus conteúdos e assim
produzir novos valores e crenças, para que o indivíduo adote, como cultura, aquela de aspecto
midiático e tenha sua personalidade camuflada. Símbolos, culturas e identidades produzidos,
mercadologicamente, pelos meios comunicacionais e impostos aos receptores, que passam a
adotá-los como próprios, num processo de perda de autonomia e crítica ao que lhe é
apresentado.

A Indústria Cultural
Criado pelos filósofos e sociólogos alemães Theodor Adorno (1903 – 1969) e Max
Horkheimer (1895-1973), o termo Indústria Cultural foi elaborado para abordar a arte dentro
do âmbito capitalista industrial. Para os dois pensadores, uma nova forma de arte moldada pela
máquina capitalista de reprodução cultural impôs-se sobre as culturas erudita e popular,
caracterizando-se por algo mecanicista que anula o pensamento intelectual dos espectadores
(ADORNO; HORKHEIMER, 2012).

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França e Simões (2016), por exemplo, exploram diversas facetas do termo que pode ser
dividido, a título ilustrativo em: a) cultura-arte; b) massa e massificação; c) arte superior e
inferior; d) questão mercadológica; e) técnica e indústria; f) ideologia e alienação; g) indústria
cultural e cultura de massa.
Todas essas relações estabelecidas comportam, de certa maneira, a questão da
reprodutibilidade técnica da informação de modo extensivo e dominador sobre seu público,
acarretando-lhe não só a perda de sua autonomia, como também de sua crítica. Tal situação
despeja, incessantemente, uma infinidade de imagens que são devoradas, de maneira frenética,
por seu público. Convém salientar que não se trata de pensar a imagem apenas como sinônimo
de gravura, pintura ou qualquer outra expressão desprovida de linguagem verbal, pois tudo é
imagem1.
No contexto midiático, por exemplo, o poder do lógos (palavra) – em conjunto com o da
imagem – reforça a homogeneização de seus receptores, tornando-os massa, por meio de
expressões que os levem à ilusão de pertencerem a um mesmo espaço, a uma mesma
comunidade. Algo que acontece, por exemplo, pelo discurso feito em programas televisivos e
radiofônicos em que apresentadores se colocam junto ao público ao falarem “nós,
telespectadores” ou do “nós, radiouvintes” (CHAUÍ, 1989, p. 31).
Sem perceber, o público é induzido pelas palavras midiáticas e sente-se acolhido, mesmo
que superficialmente, diante da constante e inerente busca humana pelo sentido de
pertencimento a um determinado grupo. Trata-se então do poder influenciador da imagem
revestida de palavra: somos forçados a acreditar em uma imagem quando acompanhada do lógos.
Outro exemplo de tal influência é como os informantes midiáticos veiculam suas notícias,
por exemplo, criando a percepção, em seu público, de que somente os conteúdos divulgados
por eles é que devem ser considerados verdadeiros. A chamada verdade construída e imposta,
hegemonicamente, como absoluta, pois não existe uma única e exclusiva. Para Chauí (1989), a

1
A relação entre είκών (imagem) e o λόγος (palavra) permeia a Weltanschauung humana. Um exemplo é a
linguagem poética em que o poeta, ciente do poder que tem, por meio das palavras que escreve, leva os leitores
a viajar em terras longínquas, constituindo diversas imagens (BRANDÃO, 2009). Ao pensar no contexto
midiático, também é perceptível o quanto a palavra também é imagem, considerando o universo de informações
escritas e faladas, cuja divulgação ampla repercute fortemente na formação de ideias pelos receptores.

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informação da mídia vai muito além da persuasão para concretizar seus objetivos de conquistar
audiência, ela recorre à sedução.
Esta “é tanto maior porque responde a uma exigência real do espaço democrático, isto é,
a circulação pública de informações e a formação de uma opinião pública informada que possa
julgar e decidir” (CHAUÍ, 1989, p. 35), ou seja, a mídia cria a ilusão, em seu público, de que é o
poder de escolha é dele. Mesmo acreditando em sua autonomia frente aos produtos midiáticos,
percebe-se outra constatação: tal seletividade é restritiva e formada apenas com aquilo que tais
meios desejam a que você tenha acesso.
Essa falsa percepção de poder de escolha, criada no público, é reforçada com a exposição
constante de elementos pela Indústria Cultural que cria outro aspecto: o da indiferença. Em
razão da extensa exposição imagética, a que seus receptores estão submetidos, estes são levados
a não se comover mais, como se verifica na banalização de cenas de violência e de desgraça:

Pior que a inércia reflexiva observada frente a imagens de desgraças, ou como


chamamos aqui dissuasórias, é o fato de que se num momento são
paralisantes, em outro são catalisadoras. Isso quer dizer que, ao nos
depararmos com imagens fortes, estas podem, seguramente nos anestesiar,
tornar-nos inertes diante delas; mas, após o choque inicial, não nos
importamos de ver mais e mais, pelo contrário, queremos isso, a ponto de
elas não nos atingirem mais. (BRANDÃO, 2017, p. 63)

Assim, a Indústria Cultural transforma o sujeito midiático, tornando-o apático diante da


exposição latente de todo seu conteúdo. A quantidade informacional é tamanha que a perda de
autonomia dos indivíduos impede-os de desenvolver seu olhar crítico para filtrar o que é falso
ou não. Inseridos nesse contexto, somos levados a refletir sobre a questão da verdade, e o que
ela representa.
Na Teoria do Conhecimento, Hessem (1968) ressalta que a verdade está presente na
similaridade das percepções do sujeito a respeito de determinado objeto. Portanto, não existe
apenas uma verdade, mas diversas, considerando que um objeto pode gerar diferentes
percepções em observadores distintos. A verdade jamais pode ser encarada como um reflexo
único do real, principalmente quando consideramos as diversas percepções intencionais
midiáticas, que constroem verdades para dominar seu público.

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Muitas críticas são feitas tanto ao conceito de Indústria Cultural quanto à Teoria Crítica
diante da forma enfática com que aborda o papel hegemônico das mídias. Todavia, sua
relevância é indiscutível quanto às contribuições para analisar, criticamente, o papel da mídia na
sociedade e sua influência.
Portanto, não há como pensar a mídia desatrelada da infinidade de imagens que ela
envia, incessantemente, a todo seu público. É essa exposição latente que contribui para impedir
que os receptores possam sequer analisar parte do que lhe é imputado, ao minimizar ou mesmo
anular sua capacidade crítica, levando-os a adotar como verdades únicas as informações
midiáticas. Sem admitir, os indivíduos tornam-se submissos a tais imagens, perdendo, de
maneira gradativa, sua autonomia e identidade, além de serem levados a crer apenas naquilo que
lhe é imposto.
Trata-se, portanto, de um efeito extremamente perigoso para a sociedade, cujos
indivíduos enxergarão apenas parte daquilo que lhe é apresentado, nunca sua totalidade; e, pior
que isso, tal parte é, na maior parte das vezes, construída especificamente para esse fim, não
passando de mera manipulação.

Doze homens e uma sentença: o poder imagético e estratégias midiáticas


Texto de Reginald Rose, roteirista norte-americano, Doze homens e uma sentença foi
criado, originalmente, como uma peça feita para a TV e apresentada ao vivo, em 1954, pela
CBS, rede de televisão aberta dos Estados Unidos. Em 1957, a trama ganhou adaptação para o
cinema, com direção de Sidney Lumet, a produção concorreu ao Oscar nas categorias Melhor
Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Adaptado. O longa-metragem também conquistou os
prêmios Bafta, de melhor ator, para Henry Fonda, e Urso de Ouro de melhor filme no Festival
de Berlim. No total, o filme ganhou 13 prêmios e seis outras indicações.
O sucesso dos cinemas ganhou adaptação teatral em diferentes países. No Brasil, a
montagem está em cartaz desde 2010, e já passou por vários teatros, com o início e o término
de diversas temporadas. A obra ganhou tradução de Ivo Barroso para o português e encenação
do diretor Eduardo Tolentino de Araújo. O espetáculo já atraiu mais de 500 mil espectadores
no Brasil recebeu o prêmio de melhor peça pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA),

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em 2010, e teve duas indicações ao Prêmio Shell. Atualmente, é encenada por atores do Grupo
Tapa, fundado em 1974.
Na peça, doze atores dividem o palco interpretando um grupo de jurados responsáveis
por dar o veredito de um julgamento: condenar à morte (ou não) um rapaz de 18 anos, acusado
de ter assassinado o pai com uma faca. Depois de dias de julgamento, o grupo dará a sentença
final que resultará na pena de morte do réu, mas apenas se todos os jurados considerarem-no
culpado. Todavia, enquanto onze condenariam, de pronto, o garoto, um declara-o inocente, o
que fomenta a discussão e o cerne de seu enredo.
A princípio, as provas parecem favorecer a culpabilidade do suposto assassino: uma
testemunha residente em frente à casa do réu, disse ter visto uma sombra do que seria o garoto
esfaqueando o pai, através da janela do trem que passava em sua frente no momento do crime.
Já um senhor, vizinho do réu do andar de baixo, disse ter ouvido gritos no andar de cima.
Nenhuma dessas declarações, porém, dentre outras apresentadas, foram suficientes para
convencer um jurado que não acreditava na culpa do garoto. Assim, à medida que expõe seus
argumentos, começa a criar dúvidas também nos outros.
Questionamentos são levantados, será que o trem, ao passar bem no momento do crime,
teria permitido com que o vizinho tivesse ouvido um grito? Terá sido realmente possível aquela
mulher ter enxergado um vulto? Seria, de fato, a sombra do garoto, esfaqueando o pai, o que
vira, através da janela do último vagão do trem?
Discussões acaloradas entre as personagens marcam determinados momentos da peça,
já que alguns jurados mostram forte relutância em, ao menos, avaliar a possibilidade da inocência
do réu, pois já o julgaram, por antecipação, culpado. Mas, tal julgamento decorre não como
resultado de uma análise profunda do caso, mas pela vontade de essas personagens se livrarem
logo daquela sessão, seja por terem outros compromissos, por estarem entediados, seja por se
sentirem donos da verdade.
No entanto, o sujeito defensor da inocência do garoto persiste com seus argumentos;
afinal, como ele mesmo ressalta, se trata da vida de um ser humano. Dessa forma, ao longo da
peça, diversos outros jurados mudam de opinião e dão consistência à probabilidade de inocência
do réu.

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Análise do julgamento
Ao iniciar o julgamento, onze jurados estão plenamente convictos da culpabilidade do
réu. A certeza é fomentada pelas únicas duas testemunhas do crime: um senhor, vizinho do
garoto no andar inferior, que disse ter ouvido um grito; e uma mulher, do outro lado da rua,
que afirmou ter visto o rapaz levantando o braço para acertar o pai no peito, isso através de
duas janelas: a de seu apartamento e as do vagão de um trem em movimento.
Ao se iniciarem as deliberações, apenas um jurado vota pela inocência do réu, não por
considerá-lo inocente de fato, mas por levantar dúvidas sobre a veracidade dos depoimentos
das testemunhas, bem como de seu constructo imagético. Tal atitude foi considerada
inadmissível pelos outros presentes, que passam, por sua vez, a ser questionados por aquele
jurado. Este quer saber por que eles também não podem considerar as afirmações do garoto
como verdadeiras e considerar a das testemunhas falsas, de modo especial o fato de ele ter dito
que havia ido ao cinema; e, ao voltar, ter encontrado o pai morto ao voltar. Todos admitem que
isso é impossível, pois tudo indica que o garoto é, de fato, o assassino; afinal, as imagens
apresentadas do fato são bem claras.
Associando a Teoria do Conhecimento de Hessem (1968) com a dúvida levantada pelo
jurado questionador, pode-se dizer que a personagem busca olhar para seu objeto não sob um
único viés, no caso o das possíveis testemunhas oculares do fato, mas ir além. Os demais, pelo
contrário, simplesmente acataram uma construção parcial do réu, a das testemunhas, sendo
influenciados por tal construção imagética, a do poder de fala delas. É sabido que uma
testemunha não pode mentir num julgamento, mas ainda assim pode ter-se equivocado e
enxergado aquilo para o qual foi induzida; logo, ela realmente pode ter enxergado o que disse,
sem que isso corresponda à plena verdade dos acontecimentos, mas a sua verdade.
Analisando a influência da imagem do ponto de vista cultural, é perceptível que cada
jurado forma uma imagem do réu associada a sua formação, crença e valores. Mesmo entre
todos os que consideram a culpabilidade do garoto, há diferentes influências culturais. Um
exemplo é um dos jurados resistente a ouvir o que os demais têm a dizer, mantendo-se o tempo
todo agressivo e na defensiva, desestabilizando os outros emocionalmente.
Ele afirma, diversas vezes, acreditar na culpa do garoto, sem ao menos demonstrar
quaisquer argumentos convincentes para isso, quando o outro começa a oferecer novas

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hipóteses para o caso. Essa relutância em sequer considerar a plausibilidade de inocência do réu
revela sua total submissão a determinadas construções imagéticas, bem como sua não aceitação
desse estado, como ressaltado por Brandão (2017). O garoto é culpado por que tem de ser, não
por conta de provas e argumentos que realmente comprovem sua culpa.
Tem-se, portanto, a perigosa construção de uma verdade considerada absoluta, cuja
consequência é a execução do rapaz que pode ser, no final das contas, inocente. A forma
agressiva como o jurado resistente porta-se diante dos demais, assemelha-se à exposição
excessiva e repetitiva de imagens veiculadas pela Indústria Cultural que deseja combater o sujeito
pensante e reprimir suas potencialidades críticas, ao aceitar tudo o que lhe for imposto. Situação
semelhante acontece no começo do julgamento, quando a maioria acredita na culpa do réu sem
ao menos questionar o caso.
Quando o único jurado que duvida da culpa do réu passa, a partir de então, a questionar
as provas e a convidar os demais a adentrarem na realidade do garoto, ele utiliza técnicas da
chamada Teoria da Persuasão para suscitar dúvidas nos demais. Tal teoria desenvolveu-se a
partir da percepção das estratégias midiáticas destinadas a atingir o sujeito midiático que não se
interessava por seus conteúdos. A mídia passa então a adentrar na realidade destes indivíduos
para dialogar com eles, empregando sua linguagem, para melhor influenciá-los. Tática adotada
pelo jurado questionador: ele simplesmente não se impõe sobre os outros, presunçosamente,
para que acreditem em suas argumentações, mas traz os jurados para a realidade do rapaz.
Um exemplo está na narração do réu sobre sua ida ao cinema. Ele afirmara ter saído
para assistir a um filme e havia encontrado o pai morto na volta. Ao ser questionado pelo
policial, que estava no local do crime, a respeito do nome do filme, o réu não se lembrou. Para
a maioria dos jurados, aquilo fora uma demonstração clara da mentira do rapaz.
Para o jurado questionador, no entanto, seria muito difícil se lembrar de algo, diante do
corpo do próprio pai. Com a discordância dos demais, aquele pergunta a um dos presentes o
nome do último filme a que ele havia assistido. Após pensar um pouco e demonstrar certa
dificuldade, ele descreve o nome, mas erra, sendo corrigido por outro jurado. A partir de então,
o jurado questionador demonstra o quanto pode ser fácil esquecer o nome de um filme, ainda
mais quando se está sob forte tensão emocional, como acontecera com o réu.

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O jurado traz os demais para a realidade do sujeito-objeto, o réu, e consegue influenciar


a opinião dos demais. Aos poucos, ele desconstrói a imagem já consolidada de sua culpabilidade.
Imagem, por sinal, formada não pelas características do sujeito-objeto, mas pela formação e
percepção de cada um, a partir das imagens construídas pelas testemunhas. Essa desconstrução
imagética gradativa é, portanto, resultado de elementos persuasivos.
Situação semelhante acontece quando analisam o fato de o réu ter ido ao cinema e voltado
para a casa às três da manhã. Condicionados pela verdade construída de sua culpabilidade, não
conseguem olhar sob outro prisma, nem, ao menos, de questionarem o fato de que o próprio
retorno do garoto poderia indicar, de certa maneira, a hipótese de sua inocência: quem mataria
alguém e depois voltaria daquela maneira para o local do crime? Todavia, a maioria estava
condicionada a afirmar que o retorno foi, unicamente, para buscar a faca encontrada no local
do crime, para sumir com ela.
Outro exemplo de como a imagem pode traçar contornos próprios e condicionar o sujeito
a interpretações distorcidas está na construção efetuada a partir desse instrumento utilizado no
crime. Sem qualquer questionamento, onze jurados concordaram se tratar de um objeto
particular, que não poderia ser comprado em qualquer lugar, tratava-se de uma arma branca
especial. O jurado questionador rompe essa construção, quando tira do bolso uma faca igual,
dizendo tê-la comprado ali perto de onde se encontravam. Tal atitude gera indignação nos
demais; um dos jurados chega a dizer que o outro infringiu a lei ao comprar tal arma. Busca,
assim como o outro, desviar o foco, já que ainda estava condicionado à culpabilidade do réu,
empregando também da persuasão para induzir os outros a concordarem com ele.
Ainda em relação à faca, os onze jurados estavam convictos de que o pai fora atingido no
peito. Um deles, porém, por ter presenciado uma briga de rua com uma arma branca na região
onde morava, alegou ser impossível que o pai do réu tenha sido morto daquela maneira pelo
filho, uma vez que aquele era vinte e sete centímetros mais alto que este, logo o garoto precisava
ser mais alto do que a vítima para poder acertá-la. Ainda, de acordo com o jurado, tal arma
sempre é empregada de baixo para cima, não o contrário.
Novamente, observamos uma desconstrução imagética graças à percepção do sujeito
jurado que se identifica com o objeto de que trata. Ele conhece a faca por ter vivido tal realidade
onde ela esteve presente.

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O lógos, também ele imagem, é um recurso imprescindível, empregado – não seria


diferente – pela mídia para atingir seu propósito de convencimento, como ocorre no
depoimento do vizinho do garoto (um senhor debilitado). Assim, quando ele disse ter ouvido
“Eu vou te matar”, no andar de cima, uma imagem é construída, de modo especial para os
jurados. Tal imagem, porém, seria motivo suficiente para dar aso à condenação do suposto
assassino? Excetuando um, os demais jurados foram seduzidos pelas palavras da testemunha,
pois já haviam, de antemão, construído sua culpabilidade em suas mentes; necessitavam,
simplesmente de elementos para ratificá-las. É a chamada arte da sedução pregada pela Indústria
Cultural, como reforçado por Chauí (1986).
Assim, a individualidade do garoto é minimizada para dar lugar aos supostos elementos
comprobatórios de sua culpa. Uma distorção de elementos e de palavras, semelhante à produção
midiática da Indústria Cultural, busca extinguir a criticidade dos indivíduos, como se não
tivessem o direito de se expressar. É o que acontece com o réu, cuja realidade é, praticamente,
ignorada pelos onze jurados que, a princípio, o consideram culpado. Esses, por sua vez, se
esquecem de que as palavras, muitas vezes, são tiradas de seu contexto para favorecer
determinada construção imagética.
Isso fica claro, em meio à peça, quando num determinado momento durante uma
discussão entre dois jurados um avança sobre o outro e grita: “Eu vou te matar”. Imediatamente,
quem ameaçou é questionado sobre sua intencionalidade homicida, ao qual respondeu tratar-
se apenas de uma forma de expressão, ou seja, ele muda o contexto para minimizar seu
afoitamento. No entanto, ele não admite que algo semelhante possa ter ocorrido com o réu,
querendo imputar-lhe tais palavras como verdadeiras.
Os jurados já estavam tão induzidos a acreditar na culpa do réu, que não se ativeram ao
fato de que o senhor disse ter ouvido o grito justamente quando um trem passava. Fato
impugnado pelo questionador que argumenta que se de fato, apesar da idade e do barulho
ocasionado pelo trem, o idoso pôde, realmente, ter ouvido o que disse que ouviu. Ao agir assim,
o jurado resiste à construção imagética inicial; busca, portanto, olhar para o todo, sempre tendo
a dúvida, como conselheira.
Ainda em relação a essa testemunha, um outro jurado, diz que o idoso, ao fazer certas
colocações a respeito do réu, poderia não ter dito a verdade, não porque quisesse enganar ou

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mentir, mas por acreditar, de fato, no que dizia. Ele transforma as palavras em realidade, mesmo
que essas não a representassem para os outros, já que o que diz é sua realidade. Além disso, o
fato de testemunhar um crime torna-o importante; e, segundo o jurado – ele mesmo na terceira
idade –, atende o que ele necessita: atenção.
Considerando, mais uma vez, a Teoria de Hessem e as colocações de Gomes (2017) a
respeito da percepção imagética sob a perspectiva cultural, é possível aventar que o jurado idoso,
ao opinar sobre a carência de atenção da testemunha, não apenas se coloca no lugar dela, mas
identifica-se com sua situação, por isso é capaz de enxergar com maior clareza a percepção do
outro. O sujeito adentra na esfera do objeto, a qual se assemelha a sua própria; havendo,
portanto, um grau de identificação maior entre ambos.
Nenhum dos onze presentes na sala ateve-se a outro detalhe aventado pelo jurado
questionador: a testemunha do andar de baixo relatou ter ouvido um grito, seguido de um forte
barulho, semelhante a um corpo tombando no chão. Depois, ainda segundo o idoso, ele correu
para a porta e disse ter visto uma pessoa descendo as escadas, afirmando tratar-se do réu.
A testemunha era um idoso, com dificuldade para andar e, quando do acontecido, estava
na cama. No entanto, segundo afirmou, levou apenas quinze segundos para chegar à porta!
Inquieto com tal afirmação, o jurado questionador convida os demais a refletirem no ocorrido
e a pensarem na planta do apartamento. Ele reconstituiu os passos do idoso que, conforme
havia sido dito, tinha dificuldades de locomoção; enquanto isso, outro jurado cronometrava os
passos. Tempo total estimado da cama para a porta: 41 segundos. Diante de tal constatação,
muitos consideraram a plausibilidade da inocência do réu, ao contrário do jurado mais resistente
da sala, que insistia em dizer que todos estavam se apegando a meros detalhes. No entanto, não
se apegar a eles, resultaria na condenação do réu à morte, caso fosse culpado.
Percebe-se aqui, por exemplo, que a arte não se apresenta como manifestação única da
realidade, mas como provocadora de contestação e até mesmo de negação do que se apresenta.
Ao unificar seu público como massa, a Indústria Cultural impede essa contestação e planifica
todos como um grupo homogêneo, incapaz de escolher por conta própria. Impõe, dessa
maneira, a crença de que se pode escolher aquilo que se deseja; mas, o que se vê é que acata o
que já está pré-determinado pela mídia, a qual despeja uma infinidade de imagens no público,

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viciando-os ainda mais em imagens, a ponto de não poderem mais analisá-las e lê-las
criticamente, inebriados que estão.
Como Brandão (2017), ressalta:

Nessa compulsão e ação devoradora (como no alemão fressen) da luz


imagética, não percebemos que perdemos o controle e queremos cada vez
mais. É, a partir daí, que perdemos, quase que completamente, a emoção
inerte e compassiva que houve naquele momento primeiro de choque. (p.63)

O choque comentado por Brandão (2017) seria o impacto do público diante de imagens
de tragédias, o qual é relativizado, rapidamente, diante de sua superexposição por tempo
indeterminado, tornando seus leitores indiferentes para o que lhe é mostrado.
Dessa maneira, com base nas considerações aventadas, pode-se dizer que, na sala de
julgamento, os jurados já estavam viciados pela visão única de culpabilidade do réu, fomentada
pelas testemunhas, impedindo a possibilidade de um olhar crítico para os detalhes tão
importantes que chegam a ser desconsiderados em função do olhar viciado.
A ação da Indústria Cultural faz algo semelhante com seu público, quando o impede de
ver os detalhes, mas apenas imagens que convém a ela, as quais devem ser, prontamente,
consumidas da forma como são enviadas.
Ao final, quando todas as provas são contestadas, invertem-se os papéis e há apenas três
jurados que ainda insistem em acreditar na culpa do réu; defendendo, categoricamente, um único
fato que, na visão do jurado mais contestador, poderia acarretar a eliminação de todas as demais
provas: a mulher que disse ter visto a imagem do menino atacando o pai com a faca. Quando
tal contestação volta a colocar a maioria dos presentes em dúvida, um dos jurados se atenta para
um detalhe que resulta no veredito final: ao perceber que um dos presentes coçava o nariz à
altura dos olhos, identifica o mesmo gesto na mulher que testemunhou o crime. Questionado
sobre seu gesto, o jurado disse que as marcas dos óculos que usava causavam-lhe incômodo.
Assim, chegam à conclusão de que a mulher usava óculos. O problema é que, quando
ela disse ter visto a cena do crime, já havia se deitado para dormir. No entanto, como rolava na
cama, olhou para a janela e viu a cena do crime sob as luzes apagadas. É provável que ela não
tenha enxergado a cena do crime perfeitamente, pois estaria sem óculos, já que estava na cama.

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Dois jurados mudam o voto então para inocente. O contestador pede para recorrer a outras
provas, mas é questionado, pois ele mesmo havia solicitado eliminá-las, considerando-as inúteis.
Sem mais argumentações altera seu voto pela inocência do réu.
Pode-se associar o comportamento desse jurado às colocações de Brandão (2017) em
respeito à negação de nossa submissão imagética. Mesmo quando tudo é, claramente,
demonstrado em favor da inocência do garoto, ele ainda reluta em mudar o voto, pois resiste a
admitir que foi condicionado por uma construção imagética de culpabilidade.
Analisando o papel do jurado questionador que acaba influenciando os demais por meio
de seu viés crítico, pode-se dizer que, ao escutá-lo, os demais venceram sua submissão imagética
em relação à culpa do réu. Comparando com a associação feita com a Indústria Cultural e as
análises feitas pelos frankfurtianos na Teoria Crítica, é preciso atentar-se ao fato de que, por
mais que, muitas vezes, a massa seja altamente influenciada pelos conteúdos midiáticos, ela
possui capacidade para resistir ao que lhes é oferecido e também ao efeito latente. Foi justamente
o que se verificou na obra de Reginald Rose. O comportamento do jurado questionador faz-
nos analisar a mídia de forma cautelosa, pois a persuasão e sedução existem, mas nem todos os
elementos da massa reagem de modo igualitário a ela.

Considerações finais

Ao traçar um paralelo comportamental das personagens da obra de Rose com o


levantamento teórico sobre a influência imagética e o poder midiático, é compreensível como,
muitas vezes, somos condicionados, de modo automatizado, a tomar como verdade
determinadas crenças, valores e percepções, desconsiderando nossa própria individualidade e
autonomia.
O excesso imagético anula, portanto, a capacidade de exercitar o olhar crítico, a ponto
de não se ultrapassarem as fronteiras e enxergar os objetos sob diversos pontos de vista. Esse
olhar condicionado, proporcionado pela estratégia midiática e pelo poder contido na própria
imagem, aliado ao fato do não reconhecimento de tal submissão pelo sujeito, é que impede a
visão de novas realidades sob diversos ângulos.

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A obra de Reginald Rose demonstra essa realidade diante do comportamento dos


jurados que apresentam grandes dificuldades em desconstruírem uma verdade tida como
absoluta, para analisarem os fatos também sob o prisma do garoto, acusado de ter matado o pai.
A gradativa desconstrução imagética proporciona uma abertura cognitiva e, ainda, uma
constatação da relevância de analisar tudo sob a perspectiva da dúvida, que precisa ser sempre
exercitada como forma de resistência a determinadas hegemonias culturais e imagéticas já
impostas. Somente assim que novos cenários são construídos e as individualidades dos sujeitos
consideradas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Doze homens e uma sentença. Direção: Eduardo Tolentino de Araújo. São Paulo: Grupo
Tapa, 2017 (110 min).
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mistificação das massas”, in: ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade. São
Paulo: Paz e Terra, 2012.
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do LAV, UFSM, 2009.
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RÜDIGER, Francisco. As teorias da comunicação. Porto Alegre: Penso, 2011.
WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1999.

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ISSN 2177-2789

i Mestre e Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Titular
do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade de Santo Amaro
(UNISA/SP) e coordenador do Grupo de Pesquisa
CONDESIM-FOTÓS/DGP-CAPES.
ii Mariana da Cruz Mascarenhas, mestranda em Ciências Humanas pela Universidade Santo

Amaro (UNISA/SP), pós-graduada em Comunicação Empresarial e Metodologia do


Ensino na Educação Superior, é jornalista e assessora de comunicação e redatora de cultura
e economia em diversos canais de comunicação. Membro do Grupo de Pesquisa
CONDESIM-FOTÓS/DGP-CAPES.

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