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A ACIDOSE RUMINAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS EM BOVINOS

Antônio Último de Carvalho1


Elias Jorge Facury Filho1
Paulo Marcos Ferreira1

1. INTRODUÇÃO

A acidose ruminal é uma alteração aguda ou crônica que segue a ingestão


excessiva de carboidratos facilmente fermentáveis, sendo problema freqüente em
ruminantes com dietas ricas em concentrados (Owens et al., 1997). Indica um
distúrbio que se manifesta em graus variados, podendo ser aguda ou crônica
(Stock e Britton, 1991).

A acidose aguda (também conhecida como indigestão por ácido lático,


indigestão tóxica) ocorre mais comumente em bovinos de corte mas outros
bovinos são susceptíveis.

A acidose ruminal subaguda (também conhecida como acidose ruminal


subclínica, acidose latente crônica) ocorre quando a produção de ácidos graxos
voláteis excede o mecanismo de tamponamento no rúmen.

Vários valores de pH têm sido utilizados para definir acidose subclínica:


5,5(Hibbard et al., 1995; Reinhardt et al., 1997), 5,6 (Cooper et al., 1999) 5,8
(Beauchemin et al., 2001; Ghorbani et al., 2002; Koeing et al., 2002), 6,0 (Bauer et
al., 1995). Em bovinos de corte deve ser considerada acidose subclínica quando o
pH ruminal abaixa de 5,8 por mais de 12 horas dia. Essa situação resulta do
consumo de grande quantidade de concentrado ou dietas com baixo teor de fibra
efetiva (Nocek, 1997; Krause and Oetzel, 2006).

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Professores da Disciplina Clinica de Ruminantes da Escola de Veterinária da UFMG.

1
O rúmen é um ambiente primariamente anaeróbico, com um pH variando entre
5,5 e 7,0, onde diversos microorganismos coexistem num balanço delicado,
digerindo os carboidratos, proteínas e lipídeos ingeridos pelo animal (Niederman
et al., 1990). Sua temperatura média é de 39°C , o potencial de redução varia
entre 250 e 450mV, indicando um ambiente altamente redutor e a ausência de
oxigênio. Normalmente é bem tamponado devido à presença dos ácidos graxos
voláteis (AGV), produzidos pela fermentação, à capacidade tamponante de vários
alimentos e ao intenso fluxo de saliva (Hoover e Miller, 1991).

Na tentativa de alcançar as grandes exigências nutricionais dos animais, são


utilizadas dietas altamente palatáveis, contendo ingredientes de alta
digestibilidade e altos níveis de energia (Kleen et al., 2003). Rode (2002) comenta
que o ambiente ruminal desses animais é muito diferente daquele no qual a
maioria dos microorganismos e os próprios animais evoluíram. As dietas com altos
níveis de concentrado quando fornecidas para animais não adaptados, propiciam
o aparecimento da acidose clínica (Kleen et al., 2003).

A acidose subclínica ocorre quando a produção de Ácidos Graxos Voláteis


(AGV) pela fermentação bacteriana, excede a capacidade de tamponamento da
saliva e de absorção pelo rúmen, reduzindo o pH ruminal abaixo do nível
fisiológico por períodos variados (Bauchemin, 2002).

2. ETIOLOGIA
2.1. Regulação do pH

O controle do pH tem um papel primordial na manutenção de uma fermentação


ruminal equilibrada. A manutenção do pH ruminal dependente de três fatores, da
produção de AGV no rúmen, da capacidade de tamponamento do meio, e da sua
eliminação pelo fluxo e absorção intestinal (Calsamiglia e Ferret, 2002).

2.1.1. Absorção

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Os AGVs são absorvidos passiva ou ativamente pela parede ruminal. Sua taxa
de absorção depende da sua concentração, do pKa e do tamanho da molécula
(Hoover e Miller, 1991). Quando estão ionizados os AGVs são absorvidos
ativamente, requerendo a utilização de energia e a secreção de bicarbonato no
fluido ruminal, por outro lado, quando não ionizados os AGVs são absorvidos por
difusão passiva. O pKa dos AGVs é aproximadamente 4.8, à medida que o pH do
rúmen se aproxima deste valor, aumenta a proporção de AGVs na forma não
ionizada, que é absorvida mais rapidamente (Enemark et al., 2002). A absorção
dos AGVs na forma ionizada contribui para a manutenção do pH perto da
neutralidade devido à secreção de bicarbonato para o rúmen. Cerca de 50% do
bicarbonato presente no rúmen vêm da saliva enquanto os outros 50% vêm da
absorção ativa dos AGVs (Owens et al., 1998). A proporção de AGVs absorvidos
na forma livre é de aproximadamente 0,6, 6 e 39% a um pH ruminal de 7, 6 e 5,
respectivamente (Mathews e van Holde, 1990).

Os AGV são essenciais para o desenvolvimento do epitélio do rúmen, devido


ao seu intenso metabolismo neste tecido (Davis e Drackley, 1998). A área média
da superfície das papilas ruminais cresce de 10 mm² para até 60 mm², quando em
contato com rações contendo muito concentrado, mas este processo leva cerca de
6 semanas (Nordlund, 2003). Em mucosas não adaptadas a absorção de AGVs é
lenta e provoca uma ligeira acidose ruminal. Quando o pH permanece baixo por
um período relativamente longo, permite a proliferação de clostridios e coliformes
que podem causar ruminite e o desenvolvimento de paraqueratose, que atua
como barreira física retardando a absorção dos AGV (Calsamiglia e Ferret, 2002).

2.1.2. Tamponamento

Um bovino adulto secreta cerca de 100 a 200 litros de saliva por dia. A saliva
dos ruminantes possui pH de aproximadamente 8,2 e contém em mEq/l, sódio
(160-180), cloro (10-20), potássio (4-10), fosfato (10-70) e bicarbonato (90-140)
que lhe conferem a capacidade tamponante, além de mucinas que garantem a

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viscosidade do fluido rumenal mantendo a tensão superficial normal, impedindo a
formação de bolhas. Cerca de 70% do líquido ruminal é proveniente da secreção
salivar. A taxa de alimentação é importante na determinação da capacidade
tamponante, pois a secreção de saliva é estimulada pela mastigação e ruminação.
O tempo gasto para mastigação e ruminação dos concentrados é menor do que
dos alimentos fibrosos, contribuindo portanto para uma menor secreção de saliva
(Van Soest, 1994). O estímulo à ruminação, exercido pelo roçar de fibras longas
contidas no alimento na parede do rúmen, é de extrema importância para
regulação do pH ruminal pois, durante este processo, ocorre uma secreção de
saliva 2 a 3 vezes maior do que durante a ingestão ou repouso do animal (Dirksen,
1981).

A capacidade total de tamponamento do rúmen não depende unicamente da


saliva, mas também das propriedades do alimento. A utilização de uréia, proteínas
e o nitrogênio não- protéico (NNP) contido nas forragens, contribuem para o
tamponamento do rúmen juntamente com a saliva (Van Soest, 1994). Alimentos
como silagens contendo grande quantidade de ácido lático e butírico, podem
afetar significativamente a acidez do conteúdo ruminal (Enemark et al., 2002).

O fornecimento de substâncias tamponantes ou alcalinizantes na dieta, como


bicarbonato de sódio ou óxido de magnésio, pode auxiliar na manutenção do pH
mas cabe lembrar que, o potencial tamponante destes aditivos é muito inferior ao
da saliva (Calsamiglia e Ferret, 2002).

2.1.3. Taxa de Passagem

A redução da concentração de prótons no rúmen também depende do seu


fluxo para o trato digestivo inferior. A taxa de passagem da fração líquida pelo
rúmen é estimulada pela alta ingestão de alimentos ou de fibras (estimulando a
produção de saliva e o fluxo da fração líquida), influenciando diretamente o

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aumento do pH ruminal, eliminando prótons e prevenindo a acidose (Calsamiglia e
Ferret, 2002).

A continuação da fermentação da digesta nos intestinos, devido massivo fluxo


de carboidratos proveniente do rúmen e o aumento da osmolaridade, promovem
extravasamento de líquidos para a luz intestinal. Com o aumento da taxa de
passagem, as fezes dos animais com acidose subclínica, muitas vezes
apresentam-se pastosas, amareladas, com odor adocicado e com a presença de
partículas grandes de fibra e grãos inteiros (Kleen et al., 2003).

2.2. PATOGENIA

O desenvolvimento de acidose subclínica e clinica em bovinos de corte


confinados, envolve uma interação complexa entre o consumo, a composição da
dieta, os microorganismos ruminais e o animal (Schwartzkopf-Genswein et al,
2003). Figura 1.

O estabelecimento de uma microbiota ruminal estável durante o período de


transição de uma dieta de forragem para concentrado não é imediato. A
introdução de dieta com altos níveis de amido altamente fermentável, aumenta a
disponibilidade de glicose livre para o rúmen e estimula o crescimento da maioria
das bactérias ruminais com conseqüente aumento da produção de AGVs e
diminuição do pH (Owens et al., 1998).

A competição por substrato normalmente regula a taxa de crescimento das


bactérias produtoras de acido lático (ex: S. bovis, Lactobacillus spp.), e o número
destes microorganismos raramente ultrapassa 107 células/mL de fluido ruminal. O
acúmulo de ácido lático é evitado pelo aumento do número de bactérias
utilizadoras de ácido lático (Selenomonas spp, Anaerovibrio spp, Megasphaera
elsdenii Propionibacterium spp) e protozoários (Entodinium spp.) no rúmen. Assim,
o balanço entre a produção e utilização de acido lático é mantido e a sua

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concentração no fluido ruminal de animais com acidose subclínica raramente
excede 10mM (Harmon et al., 1985; Burrin e Britton, 1986; Goad et al., 1998;
Ghorbani et al., 2002).

Figura 1. Conseqüência metabólica de consumo de alimento em final de confinamento


sob o pH ruminal e população microbiana do rúmen. Notar que na maioria dos animais (seta
larga) a diminuição do pH ruminal abaixo de 6,0 não apresenta aumento significativo na
concentração de ácido lático ruminal ou no número de Streptococcus bovis no rúmen.

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Fonte: Schwartzkopf-Genswein et al., 2003.

Em pequenos subgrupos de bovinos a população microbiana apresenta-se


instável e resulta em acidose clínica. Nesses animais a competição por substrato
não é suficiente para restringir o crescimento de S. bovis o qual pode atingir uma
população de 109 células/ml de fluido ruminal (Allison et al, 1975). Nessas
condições, a abundância de intermediários glicolíticos (piruvato, frutose 1-6
difosfato) promove um desvio no metabolismo do S. bovis com a produção de
lactato exacerbando a diminuição do pH ruminal (Russel e Hino, 1985).

Quando o pH atinge valores abaixo de 6,0, as bactérias celulolíticas e


protozoários são inibidos e quando atinge valores de 5,2 a microflora diversa do
rúmen é intensivamente substituída por bactérias tolerantes à acidez como S.
bovis e Lactobacillus spp. Consequentemente continua a queda do pH ruminal até
que se estabelece uma monocultura de lactobacilos ácido tolerantes (Allison et al,
1975).

A morte das bactérias gram-negativas leva a liberação de endotoxinas além


disso, a acidez do conteúdo e o grande aumento na sua osmolaridade, lesam a
mucosa ruminal provocando ruminite química e o seqüestro de grande quantidade
de líquido para o rúmen (Nocek, 1996). O grande desequilíbrio eletrolítico
provocado, juntamente com a absorção sanguínea do D-lactato provocam acidose
metabólica e desidratação severas. Estes fatores estão diretamente associados à
ocorrência de doenças como laminites, ruminites necróticas, abscessos hepáticos,
polioencefalomalacia e podem levar o animal a morte (Enemark et al., 2002).

3- ACIDOSE LÁTICA

A acidose lática ocorre quando grandes quantidades de carboidratos


facilmente fermentáveis (geralmente grãos) são consumidos além do que os
animais estão acostumados. Em bovinos de corte ocorre pelo aumento rápido de

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concentrados na dieta sem o período de adaptação suficiente. Pode ocorrer
também por diminuição súbita de forragem em animais que estão recebendo
concentrado. É causada inicialmente por uma rápida produção e absorção de
AGVs com desvio da microbiota normal do rúmen e posterior produção de grande
quantidade de ácido lático levando o pH do rúmen abaixo de 5,0.

A mudança de dietas a base de forragens para ricas em grãos, sem a devida


adaptação destrói a flora microbiana normal e precipita o aparecimento da acidose
(Owens et al., 1998). A capacidade individual de bovinos de corte em adaptar-se a
desafios metabólicos de dietas com alta concentração de grãos facilmente
fermentáveis é variável. É bem conhecido que os bovinos de corte requerem de 10
a 14 dias para a transição de dietas de alta forragem para dietas com alto teor
grão. Experimentos têm mostrado ser possível induzir tanto acidose clínica como
subclínica pela eliminação dessa fase de adaptação e mudanças abruptas da
dieta (Dougherty et al., 1975; Brown et al., 2000). O motivo porque alguns animais
apresentam acidose enquanto outros são metabolicamente capazes de adaptar-se
a mudança não está claro. Essas diferenças podem ocorrer em parte à
instabilidade da população microbiana, como também as preferências pelo
alimento, à seletividade do alimento no cocho, bem como do consumo individual
do animal. Nos confinamentos comerciais os bovinos de corte são alojados em
grandes grupos onde o status social e o aprendizado pode afetar o padrão de
consumo (Galyean e Eng, 1998), o qual difere marcadamente entre indivíduos
(Hickman et al., 2002, Schwartzkopf-Geswein et al., 2002). Desta forma, o objetivo
do manejo alimentar tem sido moderar o comportamento alimentar e reduzir as
variações diárias do consumo (Bauer et al., 1995; Galyean, 2002).

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3.1- PATOGENIA DA ACIDOSE LÁTICA

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Tabela 1- Alterações fisiopatológicas da acidose lática ruminal

Baixo CHO não-fibroso Alto CHO não fibroso Excesso de CHO não
Alta forragem (2/3 grão/ 1/3 feno) fibroso
Ácido Acético 75% 55% 0-10%
Ácido Propriônico 16% 25% 25-35%
Ácido Butírico 7% 15% 0-10%
Outros (lactato, fórmico e 2% 5% 50-90%
succinico)
Piruvato no sangue <2,0 mg % <2,0 mg % 2,0 – 8,0 mg%
Proteína ruminal Normal Normal Formação de histamina e
tiramina
pH do rúmen 6,5 5,5 <4,0
Tampão Bicarbonato Adequado Adequado Depleção
pH do sangue 7,45 7,30 <7,10
pH da urina 8,00 7,50 <6,00
Pressão osmótica do Normal Levemente aumentada Aumento extremo
rúmen
Motilidade ruminal 3 mov/2min 3mov/2min Estase ruminal
Epitélio ruminal Normal Alguma hiperemia Ruminite clínica
Hematócrito 35% 40% >50%
Flora ruminal Protozários Entodinium spp Ainda Morte
adequado
Bactérias gram- Pequena alteração Aumento S. bovis,
negativas Lactobacillus, Cl. perfringens
e Coliformes
Abomaso Normal Normal Abomasite
Fígado Normal Alguma infiltração gordurosa Infiltração gordurosa,
Abscesso hepático, Peritonite
Sistema locomotor Normal Laminite subclínica Laminite
Adaptado de: Howard, 1981.

3.2- SINAIS CLÍNICOS

Os animais com acidose lática apresentam depressão, anorexia, cambaleio,


desidratação (aumento do hematócrito e proteínas totais sem sinais clínicos de
desidratação), atonia ruminal, rúmen repleto de líquido (diferenciar de indigestão
vagal), diarréia, freqüência cardíaca aumentada (acima de 100 bpm), temperatura
pode estar normal ou alterada, febre em caso de peritonite, abscesso hepático ou

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outras infecções secundárias, taquipnéia, timpanismo crônico. Pode evoluir pra
trombose de veia cava caudal com embolo e abscesso pulmonar (Radostits et al.,
2000).

3.3- PREVENÇÃO E CONTROLE

Divisão dos lotes de animais observando densidade, competição e área de


cocho.

Adaptar os animais confinados aumentando a percentagem de carboidratos


facilmente fermentáveis de forma gradual para multiplicar as bactérias utilizadoras
de ácido lático;

Não iniciar a dieta de confinamento com os animais famintos

A utilização de aditivos tem como efeito primário a melhoria da conversão


alimentar e do ganho de peso, mas podem reduzir a incidência de acidose,
timpanismo, abscessos hepáticos e outros. Entre os aditivos destaca-se a
utilização dos antibióticos ionóforos que, seletivamente, deprimem ou inibem o
crescimento de microorganismos rumenais. A seletividade dos ionóforos depende
da permeabilidade do invólucro celular, agindo principalmente sobre bactérias
gram positivas cujo invólucro é composto apenas por parede celular, enquanto
que as gram negativas são menos susceptíveis por possuírem parede celular e
membrana externa. Os ionóforos podem reduzir a incidência de acidose, pois
inibem o crescimento de bactérias produtoras de ácido lático e, as bactérias que
produzem ácido succínico ou fermentam acido lático são geralmente resistentes a
eles. Além disso melhoram a eficiência do metabolismo de energia, alterando a
proporção entre os AGV’s no rúmen com maior produção de propionato e redução
de acetato e butirato e diminuição da produção de metano (Nicodemo, 2001).

Os tampões são utilizados para reduzir a incidência de acidose em dietas ricas


em grãos. Os tampões mais utilizados são o bicarbonato de sódio, carbonato de

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cálcio, óxido de magnésio e a bentonita (Stock e Mader, 1998) e têm sido de
utilidade na adaptação a dietas com altos teores de grãos.

4- ACIDOSE SUBCLÍNICA

A acidose subclínica é uma doença associada ao rebanho e não ao indivíduo,


seus sintomas são praticamente imperceptíveis mas suas conseqüências
representam grandes prejuízos em toda cadeia de produção (Enemark et al.,
2004). Ela ocorre quando a formação de AGVs, supera a capacidade de absorção
do rúmen, reduzindo o pH entre 5,0 e 5,5, abaixo do nível fisiológico, por períodos
prolongados (Figura 2). Durante este período ocorrem mudanças na proporção
dos AGVs, aumentando a quantidade de ácido propiônico e butírico em relação ao
ácido acético. Esta redução do pH não é suficiente para causar sintomas clínicos
mas prejudica o funcionamento do rúmen, influenciando redução no consumo de
alimentos, na eficiência produtiva e propicia o aparecimento de diversas doenças
(Hall, 2004).

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Figura 2. Padrão de fermentação e características do ambiente ruminal relacionadas ao pH do
rúmen. Adaptado de Enemark et al., (2002).

4.1 - PRINCIPAIS CONSEQÜÊNCIAS DA ACIDOSE SUBCLÍNICA

Embora não provoque o aparecimento de sinais clínicos específicos, foi


demonstrado que a acidose subclínica tem conseqüências que são clinicamente
detectáveis, mas são diversas e complexas. As agressões causadas pelos ácidos
orgânicos à parede ruminal podem levar ao desenvolvimento de paraqueratose,
permitindo a entrada de patógenos na corrente sangüínea, causando inflamações
e abscessos pelo corpo do animal, estando também ligadas as laminites. Outras
alterações que podem ser relacionadas com a acidose subclínica são: necrose
cérebro cortical, imunossupressão e timpanismo (Enemark et al., 2002).

A importância etiológica da acidose ruminal subclínica na patogenia de várias


doenças da produção, estão esquematizadas nos Anexos 1 e 2, adaptados de
Enemark et al., (2002).

4.1.1- O complexo: paraqueratose-ruminite-abscesso hepático

A acidose subclínica esta associada com inflamações em diferentes tecidos e


órgãos dos animais. Já foram relatados abscessos em diversos locais como no
tecido subcutâneo, coração, rins, pulmões e, principalmente no fígado. Também
estão associadas à ocorrência de epistaxe, hemoptíse e morte súbita como
conseqüência de pneumonias causadas pela ruptura de abscessos hepáticos, na
luz da veia cava caudal levando a septicemia (Klenn et al., 2003).

Durante episódios de acidose subclínica, a alta concentração de ácidos no


rúmen, agride e lesa o epitélio da sua parede, levando ao desenvolvimento de
paraqueratose e ocasionalmente a ocorrência de ruminite. A função da mucosa
como barreira seletiva entre o ambiente ruminal e a corrente sanguínea é
prejudicada, permitindo sua invasão por bactérias oportunistas que, a partir daí,

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podem alcançar o sangue no espaço porta colonizando o fígado e outros tecidos
(Klenn et al., 2003).

Ruiz e Anchieta (1992) observaram o efeito de dietas contendo grãos, melaço


e pouca fibra sobre o desenvolvimento do epitélio ruminal, permitindo concluir que
o desenvolvimento de paraqueratose está relacionado a um desequilíbrio entre os
processos de queratinização, descamação e reposição celular deste epitélio,
causado principalmente pela redução da descamação devida à ausência de fibra
efetiva na dieta e pelo maior desenvolvimento do extrato córneo estimulado pelos
AGVs.

Os abscessos hepáticos são secundários à infecção primária da mucosa


ruminal. As lesões causadas na mucosa pela acidez do conteúdo ruminal são
fatores predisponentes destes abscessos. Ruminite e lesões epiteliais estão
comumente associadas a dietas com altos níveis de energia e a falhas no manejo
alimentar dos animais (Nagaraja e Chengappa, 1998).

Embora possam ser causados por diversas espécies de bactérias como o


Actinomyces pyogenes, Clostridium spp., Staphylococcus spp., o principal agente
causador isolado na maioria dos abscessos é o Fusobacterium necrophorum.
Essas bactérias anaeróbicas e gram negativas possuem como principal substrato
energético o ácido lático. Também produzem proteases e toxinas que facilitam a
invasão e colonização dos tecidos e estão diretamente relacionadas à virulência
das cepas (Nagaraja e Chengappa, 1998).

4.1.2- Laminite

A laminite é uma inflamação asséptica das lâminas do cório também conhecida


como pododermatite asséptica difusa. Pode apresentar-se nas formas aguda,
subaguda e crônica de acordo com o tempo de duração dos processos, sendo
respectivamente até 10 dias, de 10 dias a 6 semanas e maior que seis semanas.

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Para explicar as causas de várias anormalidades na formação do tecido córneo do
casco tem sido adotado o termo laminite subclínica, considerada a quarta forma
de apresentação da doença, que é a mais prevalente em rebanhos de manejo
intensivo (Hoblet e Weiss, 2001).

As laminites são causadas por um distúrbio na microcirculação seguido de uma


degeneração na junção derme/epiderme. Possuem etiologia multifatorial com
patogenia complexa, ainda não esclarecida e são as causas mais importantes de
claudicações nos bovinos (Ferreira, 2003).

Os distúrbios ruminais ligados a problemas nutricionais, toxinas dos alimentos


ou resultantes do metabolismo de grandes quantidades de carboidratos de
fermentação rápida, altos níveis de proteína, baixos níveis de fibra, minerais,
deficiência de cobre, zinco, biotina, enxofre, o confinamento, longas caminhadas,
pisos duros ou pedregosos estão relacionados à etiopatogenia da doença
(Ferreira, 2003).

A parede ruminal lesada por causa do decréscimo do pH libera substâncias


vasoativas como a histamina e absorve endotoxinas, liberadas pela morte de
microorganismos gram-negativos presentes no rúmen, quando o pH cai. A
hemoconcentração e a acidificação do sangue, que ocorrem durante a acidose,
induzem a um aumento da pressão sangüínea no interior dos cascos (Bach,
2002).

Embora a exata natureza destes eventos não seja conhecida há evidências de


que a histamina e as endotoxinas provocam vasoconstrição e isquemia na
microvasculatura do cório, levando a estase sangüínea e formação de
anastomoses ou “shunts” artério-venosos (Hoblet e Weiss, 2001).

Animais afetados por acidose subclínica podem apresentar laminite subclínica


e às vezes crônica dependendo da duração da doença. Os cascos apresentam-se
amarelados ou descoloridos, com hemorragias de sola, úlceras ou abscessos,

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dupla sola e deformidades. A presença de doença deve ser considerada em
rebanhos com alta incidência de laminite e lesões nos cascos (Kleen et al., 2003).

4.1.3- Necrose Cérebro Cortical (NCC)

Há vários relatos de que, após episódios de acidose aguda, muitos animais


apresentam sintomas de lesão cerebral e, após a injeção de tiamina, estes
animais se recuperam rapidamente. Durante a acidose a produção de tiamina por
certas bactérias ruminais é prejudicada resultando na deficiência desta vitamina
(Stock e Britton, 1996).

A tiamina é essencial para o metabolismo dos carboidratos especialmente a


glicose, no sistema nervoso central. Quando há deficiência de tiamina, observa-se
uma redução na utilização da glicose, aumento da atividade metabólica e
produção de lactato, que precede as lesões da necrose cérebro cortical (NCC). É
possível que a lesão inicial seja causada pelo acúmulo de ácido lático (Jubb e
Kennedy, 1991).

Sob condições normais, não ocorre a produção de tiaminase no rúmen, mas


sob condições de acidose, microorganismos produtores tiaminase conseguem se
desenvolver. Outros trabalhos relacionam a ocorrência da doença com a produção
de gás sulfídrico (H²S) no rúmen, favorecida pela redução do pH e pela ingestão
freqüente de enxofre, seja na água ou alimento. Durante a eructação o gás
sulfídrico é inalado, penetrando nos alvéolos e alcançando o SNC. A inalação
crônica deste gás leva ao desenvolvimento de NCC (Enemark et al. , 2002).

4.1.4- Imunossupressão

Com dietas concentradas e redução do fluxo de saliva uma maior quantidade


de bicarbonato é requerida do sangue, podendo levar a ocorrência de acidose
metabólica (Owens et al., 1998). É difícil dizer, qual grau de acidose ruminal
relaciona-se com a acidose metabólica mas um certo grau de acidose metabólica

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sempre pode ser esperado em casos de acidose ruminal influenciado,
principalmente, pelo tempo em que o pH fica abaixo do nível fisiológico e pela
velocidade de redução deste (Nocek, 1997).

O aumento da concentração de AGVs no espaço porta pode causar acidose


intracelular nos hepatócitos prejudicando as funções do fígado e levando a
acidose metabólica em casos de acidose subclínica. A acidose metabólica
prolongada pode provocar aumento na secreção de cortisol, hipoglicemia, redução
da atividade fagocitária e da velocidade de migração dos neutrófilos (Enemark et
al., 2002).

Nos sistemas atuais de criação e manejo o desafio imposto pelas doenças leva
ao enfraquecimento do sistema imunológico (Richey, 2003). Gaylean, Perino &
Duff (1999), por exemplo, relacionam a alta ingestão de concentrados à redução
de imunidade, pela observação do aumento na ocorrência de doenças
respiratórias em bovinos de corte recém-confinados.

4.1.5- Timpanismo

A ocorrência de timpanismo é citada por vários autores em casos de acidose


aguda (Dirkesn, 1981; Stock e Britton, 1996; Bach, 2002). Nestes casos a redução
da motilidade do rúmen pela ausência de fibra efetiva associada à redução do
fluxo de saliva, produção de mucoplissacarídeos, substâncias liberadas durante a
morte de bactérias (Enemark et al., 2002) juntamente com a associação de
proteínas solúveis presentes no alimento, levam à formação de uma espuma
densa que impede a eructação levando ao acúmulo de gás no rúmen (Niederman
et al., 1990).

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Anexo 1. Importância etiológica da acidose subclínica e da acidose metabólica, na patogenia de várias
doenças da produção.

Reduzida absorção
Formação de H2S, de AGV
eructação e inalação
Paraqueratose
ruminal Produção de
Mucopolissacarídeos +
NCC motilidade ruminal
Mudanças na flora reduzida
microbiana Ruminite

Cortisol
Baixo pH
ruminal Timpanismo
Migração neutrófilos

Fagocitose
Acidose
Subclínica

Função hepática pela


acidose intracelular Secreção
Acidose de insulina
Metabólica

Imunossupressão Captação
Catabolismo Tecidual de
protéico glicose

Ocorrência de
doenças infecciosas
Queda na Produção

Adaptado de Enemark et al., (2002)


Anexo 2. Importância etiológica da acidose subclínica e da acidose metabólica, na patogenia de várias
doenças da produção.

Formação de
Paraqueratose abscessos
ruminal
“off feed”
Colonização da
Síndrome da
Ruminite mucosa por
veia cava caudal
F. necrophorum
Fluido ruminal
Hipertônico
Baixo pH
ruminal Epistaxe/
Morte Súbita

Acidose
Subclínica
Morte de
bactérias Gram Liberação de
Acidose negativas endotoxinas
Metabólica

Reação
Laminites vascular
no Cório Endotoxemia
do casco

Queda na Produção

Adaptado de Enemark et al., (2002)


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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