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FRIEDMAN, George. The Next 100 Years – A Forecast For The 21st
Century. New York: The Doubleday Publishing Group, 2009.
Nesse momento histórico, entra em cena Assim, o principal desafio dos Estados
outra previsão de Friedman, de que o Japão Unidos depois da nova Guerra Fria contra a
deverá abandonar sua condição de potência Rússia, viria da coalizão nipo-turca, cujas
pacifista e periférica; e que neste caminho divergências estarão cada vez mais acentuadas
poderá convergir com os interesses de outro por volta de 2040. Os japoneses retomariam
país eurasiático periférico, a Turquia como lider sua histórica influência no Leste Asiático
do mundo muçulmano (único país de grande (incluindo os recursos naturais da Sibéria e do
população islâmica e de peso econômico nordeste chinês) e Pacífico, enquanto os turcos
suficiente cujas divisões internas podem ser conquistariam o mundo islâmico e penetariam
equilibradas). Inicialmente, os japoneses e, na Europa, encontrando a resistência do bloco
principalmente, os turcos poderão ser vistos de países do Leste Europeu sob liderança da
com simpatia pelos Estados Unidos para tentar Polônia.
conter a nova expansão russa, mas no médio
Após a vantagem inicial de um ataque
prazo esta percepção deverá mudar. Outra
surpresa dos japoneses ao sistema de defesa
aposta de Friedman é de que será a Polônia, e norte-americano baseado nas órbitas terrestres
não a Alemanha, quem assumirá o papel de (um novo Pearl Harbor), os Estados Unidos cedo
lider no Leste Europeu, vista com menor equilibrariam o jogo e passariam a ofensiva contra
desconfiança por europeus e norte-americanos, a coalizão nipo-turca. Aqui é evidente a dupla
que desejarão um aliado forte na Europa para crença de Friedman, que compa rtilham do
conter os russos e os turcos. conse nso f or ma do nos EU A: p r im ei ra , a
O mundo em 2050. Para Friedman, a inevitabilidade da reemergêcia militar do Japão
crise econômica de 2008-2009 marca apenas o diante do crescimento chinês e da instabilidade
início de uma crise maior – demográfica, de coreana; segunda, a inviolabilidade do território
energia e de inovação –, que manifestar-se-á com norte-americano mesmo nas novas guerras
intensidade total entre o final da década de 2020 globais, que deixaria o sistema industrial-militar
e início de 2030; e cujas soluções procuradas da nação intacto durante todo este século.
pelos países lançarão o mundo em novas tensões Mas para muitos analistas e a grande
que devem culminar numa nova Guerra Mundial mídia, a China é quem encarna a principal ameaça
por volta de 2050. asiática ao poder estadunidense no século XXI.
O l ei tor at e nt o pe rceb e rá q ue e st á Esta é a opinião, por exemplo, de Samuel
entrando numa segunda parte do livro, que trata Huntington, autor do famoso “paradigma do
de cenários de médio e longo prazo, onde, como choque da s civ il izações”, q ue de fe nd e o
o próprio autor admite, as chances de erros argumento de que a principal aliança desafiante
tornam-se maiores que os acertos. Friedman do poder americano virá da aproximação entre a
alega, em sua defesa, que o senso comum é China e os países islâmicos. Para Friedman, o
incapaz de prever acontecimentos fundamentais problem a continuará situado numa aliança
asiático-islâmica, mas seus protagonistas serão
no sistema internacional mesmo em intervalos
Japão e Turquia, respectivamente. É importante
relativamente curtos de 20 anos. Questiona o
destacar que, na sequência dos eventos que
a ut or q ue poucos a nal ista s p re vi ra m o
resultaram na desintegração da União Soviética,
reerguimento da Alemanha na década de 1940,
Friedman já havia estudado um possível conflito
após ter perdido a Primeira Guerra Mundial; ou o
entre EUA e Japão, sendo co-autor de The Coming
Japão como segunda potência econômica antes
War with Japan, em 1991.
do f inal do século XX , just amente com o
beneplácito dos EUA, que foram seus inimigos na O mundo entre 2080 e 2100. Claro que
Segunda Guerra; e que ninguém previu com os EUA sairão como o grande vencedor da Terceira
exatidão o fim da Guerra Fria e a dissolução da Guerra Mundial e, a partir da década de 2060,
União Soviética nos anos 1990. com anda rã o nova fa se d e p rosp er id ad e
164 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 27, 2010 ALBUQUERQUE, E.S.
econômica mundial com seu projeto de energia A crença na salvação tecnológica também
baseado no espaço (energia solar reenviada acompanha Friedman, garantindo a continuidade
por micro-ondas). Agora, os novos rivais globais d a Era Am e ri ca na p or me io d o com pl ex o
dos EUA seriam a Polônia, vencedora sobre a industrial-militar, agora baseado no espaço. Em
França e Alemanha nos confrontos europeus; momentos como este, o livro de Friedman
e, pasmem, o México. E, novamente, antigos transforma-se em pura ficção científica, ainda que
inimigos se tornariam agora em aliados, caso o autor se esforçe em manter um raciocínio lógico
da Turquia, que passaria a ser vista como país- baseado nos jogos de guerra e no realismo
cha ve pa ra comba t er o cr esci ment o d a político. Aliás, isto já ocorre quando Friedman
influência polonesa. descreve as batalhas sub-orbitais entre japoneses
e norte-americanos na Guerra Mundial de 2050,
Quando se descortina, ao longo da obra, b em com o a s estrat é gi as m il i ta re s que
o desa fio geo pol ítico r epr esen tad o pela fundamentariam a reação dos Estados Unidos,
ascensão do México no final deste século, a no que lembra outra obra de ficção militar de
lógica do pensamento de George Friedman se sucesso na Guerra Fria real, A terceira guerra
desvela plenamente. A premissa fundamental mundial: Agosto de 1985, publicada em 1980 pela
de sua obra é o deslocamento do conceito editora Bibliex, de autoria do general da OTAN
mackinderiano de heartland da Eurásia para a Sir John Hackett, cujas previsões, evidentemente,
América do Norte; sendo que o o próprio autor não se realizaram.
recorda o papel central desta última em relação
aos fluxos econômicos procedentes do Atlântico E o Bra sil ? O Bra si l ap a re ce no
Norte e do Pacífico. Assim, ao contrário do pensamento de Friedman no lugar de sempre,
geógrafo britânico Halford Mackinder – que via país de grande potencial econômico, mas em
o futuro do mundo no país ou aliança capaz de condição geopolítica periférica aos grandes eixos
dominar a Europa Central –, Friedman acredita formadores de decisão. Por esta razão, seria o
que o futuro do mundo no século XXI advirá da México, e não o Brasil, quem poderia projetar
disputa do “coração da América do Norte” entre poder em direção ao heartland norte-americano,
Estados Unidos e México. Em certo sentido, sendo que estaria reservado ao Brasil uma posição
reproduz a paranóia estadunidense contra a de mero coadjuvante no apoio indireto aos
invasão de imigrantes mexicanos, necessária interesses mexicanos na região, em função dos
diante das tendências de envelhecimento e interesses comuns latino-americanos.
redução da natalidade dos norte-americanos: Ainda que diversos pontos desta obra de
essa p opu la çã o mexican a l ocal iza r- se-á Fri ed ma n p ossa m se r consi de rad os p ura
preferencialmente na fronteira com o México, especulação ou ficção científica, outros tantos não
onde se tornará maioria por volta de 2060, e podem ser ignorados por virem de um intelectual
poderá fazer com que o México deseje, entre tão próximo ao poder. Talvez por esta razão, tenha
2080 e 2100, reaver os territórios perdidos para se tornado, tão rapidamente, best seller do
os Estados Unidos no século XIX. prestigiado jornal New York Times.