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Ação pedagógica

Anotações iniciais:
Ponto de partida: ​c​o​r​e​s
1. Materiais > (im)possibilidades de misturas
2. Relações das cores com outras áreas do saber (semiótica, emoções, sensações, física/ótica,
química/elementos)
3. Instigar os alunos a trazer referências de artes
4. Análise e discussão dessas artes
5. Buscar trazer o universo do grafite, do hip-hop e do rap para as conversas
6. Conversas sobre o contexto social/familiar, sobre a vida e as vivências desses alunos
7. Proposta de um mural colaborativo

Maior amplitude dessa ação pedagógica (abrangência social?)


Arte marginalizada (por quê?)
O que é arte e o que não é?
Conexões e continuidade.

Dualismos trabalhados:
● teoria/prática
● ensino institucionalizado/não-institucionalizado
● casa/escola
● emoção/inteligência
● arte erudita/popular
● atividade/passividade
● coletivo/individual

As Artes e sua história se apresentam como um exemplo exímio para tratar da questão das
Dualidades. Ao tomarmos como ponto de partida para essa análise a filosofia de Platão, isso fica bem
evidente. Platão divide o universo em dois mundos: o imanente e o transcendente. O primeiro é o que
temos diante dos olhos, um mundo de transformações e mudanças intensas, onde nada permanece e
tudo se esvai, no sentido mais típico do pantha-rei heraclitiano, o mundo da feiura e da decadência. O
segundo, por sua vez, é o mundo do autêntico, das idéias puras ou essências, do eterno e imutável que
existe e sempre existirá, no sentido proposto por Parmênides e pela exatidão da matemática que Platão
tanto admirava. O mundo das idéias no qual a verdade, a beleza e o bem são essências superiores,
arquétipos imutáveis que servem de formas, modelos às coisas do mundo do sensível, este marcado
pela mutabilidade, pela imperfeição.
É conveniente recordar que as proposições de arte desse período não se assemelham às
modernas concepções de arte. A forma como eram concebidas as artes na Grécia Antiga se relacionam
a tudo aquilo que esteja dentro de um ​savoir-faire, isto é, a uma atividade puramente técnica que
outorga a diversos campos tais quais o da política, da poesia, da retórica, etc… Dentro dessa cultura,
arte é sobretudo associada à capacidade de realizar algo, habilidade, técnica, usando um conceito por
outro. Tendo isso em vista, Platão considerava a Arte como qualquer coisa nociva ao homem e à
sociedade, isso porque se o mundo imanente é, em certa medida, uma cópia mal feita do mundo
transcendente, e a arte sendo uma imitação (mimese) do mundo imanente é uma cópia da cópia,
enganando aos homens através de seus sentidos e afastando assim a humanidade daquilo que Platão
considera como sendo a realidade.
Além disso, podemos tomar como exemplo Atenas e sua divisão de classes em Eupátridas,
Metecos e Escravos. Nessa hierarquia, somente Eupátridas (nascidos naquela cidade) eram
considerados cidadãos e deveriam exercer poder político. Às demais classes restava o trabalho físico,
manual, de menor importância. ​Dentro desse modelo social, o conhecimento é dividido entre prático e
teórico, onde o conhecimento teórico é mais valorizado, por estar em conexão com a abstração, com
as formas idealizadas, com o que é puramente racional, com o mundo transcendente de Platão; e o
conhecimento prático é visto com maus olhos, considerado inferior, onde não é necessário inteligência
para realizá-lo, senão somente o esforço físico, o domínio do material, sua realização não depende da
entrada em um mundo transcende e supostamente superior, mas apenas a transformação do mundo
imanente, aquele que é dessemelhante ao que Platão considera como real e verdadeiro. As artes, na
época consideradas como artifício, enquadraram-se como atividade prática, e eram designadas as
classes que não participavam do poder político da cidade.
Através das discussões levantadas em sala, sabemos que essa divisão do conhecimento entre
teórico e prático se origina na divisão da sociedade e classes e na defesa dos interesses de quem as
comanda, como é o caso citado acima, onde a filosofia, a dialética, o exercício do saber e o privilégio
do ócio é dedicado exclusivamente às classes aristocráticas, no caso os eupátridas. Já o conhecimento
prático, manual, técnico, a necessidade do trabalho para a própria sobrevivência e para a manutenção
do poder das classes dominantes, essas atividades são destinadas às demais classes, como os metecos
e os escravos.
Foi só muito posteriormente, no Quatroccento, quando o mundo passa a ser visto como
realidade a ser compreendida cientificamente, quando buscava-se o detalhamento e a comprovação
empírica dos fatos, que a arte ganha um status intelectual. Isso porque o desenvolvimento da
perspectiva associa-se com princípios da matemática e da geometria, áreas de conhecimento abstrato,
ideal, racional, por excelência. Entretanto, o ganho que a arte teve desse status não implicou com um
fim das separações entre teoria e prática dentro da arte, e menos ainda do fim dos privilégios de
classes existentes. Ao contrário, eles continuam a se perpetuar através de outros dualismos que
existem e se encontram até os dias de hoje, tais como o da divisão da arte entre erudita e popular.
Continua-se tendo uma visão de que o artista cria em uma torre de marfim, sem contato com o
mundo que o resto dos homens têm. Esse isolamento, separando o artista genial e inspirado da
sociedade em que ele vive, também o separa de qualquer influência política que ele possa exercer no
mundo real. Essa posição que se dá ao artista é muito semelhante àquela que problematizamos no
capítulo 4 de ​Por que filosofar? ​de Jean-François Lyotard, acerca do filósofo, que é relegado à uma
posição exterior ao mundo, donde não o incomoda, com suas proposições que muito não são úteis à
uma sociedade racionalista-instrumental. Desta posição, filósofo e artista pouco podem transformar,
uma vez que suas reflexões se encontram alienadas, metafísicas, presas em uma dimensão isolada do
mundo concreto, material. Deve-se buscar uma forma de aplicar a filosofia (e a arte, no caso) à ação,
modificando a realidade, de maneira verdadeira, não-reformadora, mas transformadora.
Tendo foco nesses dualismos, discutidos aqui até então, propomos nossa ação pedagógica
pensada para acontecer em uma escola pública, destinada aos dois últimos anos do ensino
fundamental e primeiro ano de ensino médio, embora não precise ser restrita a esse público nem a essa
faixa etária, tendo sido inicialmente cogitada por questões de maior amplitude de desenvolvimento de
suas experiências. A ação propõe uma combinação dos conteúdos hebdomadários vistos em sala de
aula, com encontros realizados aos sábados a cada duas semanas/ou uma vez por mês, de acordo com
a disponibilidade verificada em experimentos preliminares. Esses encontros deveriam também
envolver a comunidade residente nos entornos do centro de ensino, além dos relativos aos próprios
alunos (parentes e amigos).
O ponto de partida para a ação seria a organização do ensino de estudo da cor. Numa primeira
aula seria proposto para que os alunos trouxessem, cada um, um material (tintas, giz, lápis de cor,
massa de modelar, entre outros) ao qual eles tivessem fácil acesso e com diferentes cores, em especial
azul, magenta, amarelo, preto e branco, e explorar as misturas desses materiais primeiramente entre
eles mesmos, misturando, em um segundo momento, materiais diferentes, construindo dessa forma o
conhecimento de como se dá a síntese subtrativa de cores e de quais materiais podem ou não ser
homogeneamente misturados de acordo com suas características.
A segunda aula daria continuidade aos saberes adquiridos na primeira, e pensando nas
dificuldades que Dewey (1959, p.355) aponta quando diz que surgem “limitações da noção de que a
experiência consiste em uma variedade de domínios ou interêsses segregados uns dos outros, (...) cada
um mantido convenientemente limitado pelos demais”, levantou-se a possibilidade de tentar quebrar
essas barreiras, buscando a interdisciplinaridade do conhecimento. Para isso, seriam convidados
professores de diferentes áreas do saber, e cada um poderia oferecer contribuições que tivessem
conexões com o conteúdo programático. Por exemplo, o professor de física poderia falar sobre a área
de ótica e das duas formas de síntese existentes para a criação de cores, o professor de química
explicaria porque alguns materiais se misturam de forma homogênea e outros de forma heterogênea,
além dos componentes químicos que formam algumas cores, um professor de literatura e/ou semiótica
apresentaria as correntes atribuições de significado que as cores costumam ter, etc.
A esse ponto, o grupo também lembrou-se de outro dualismo que se permeia entre os
ambientes, o do conhecimento intelectual e emocional, e pensou-se em suscitar uma conversa sobre
quais sentimentos as cores provocam, e como elas podem ser aplicadas com determinados fins a partir
disso.
A sequência daria-se com o primeiro encontro sabatino, onde seria solicitado aos alunos
trazerem obras de artes que os agradassem, abrangendo os mais diferentes suportes, e épocas variadas,
a partir das experiências e contatos que tiveram com a arte. A partir dos materiais selecionados
buscaria-se uma análise das obras, dando continuidade ao uso da cor visto até então, mas também
entrando em questões históricas, sociológicas e filosóficas, através da comparação das obras entre si,
levantando questionamentos a respeito do contexto no qual essas obras foram feitas, como elas se
relacionam com a vida social do momento, quais as propostas e conceitos trabalhados pelos
artistas/autores trazidos, e tentando direcionar as reflexões feitas para as separações criadas entre arte
erudita e arte popular.
É importante debater um dos pontos do texto, o de que a educação que aprendemos em escola
importa para que se mantenha um ​tipo de sociedade​, então a ideia que se constrói de arte se baseia em
um modelo europeu, branco e masculino. Isso trás a sensação para muitos de que "arte não é para
mim", já que é difícil se relacionar a ideia de uma arte transcendente ao mundo real em que aquele
indivíduo vive.
A partir desse ponto seria interessante que os alunos trouxessem também suas experiências
pessoais de vida em relação a produções artísticas realizadas e o recebimento delas, assim como as
motivações que levaram a essas formas de expressão, e no momento atual quais os temas e tópicos
que eles gostariam de trabalhar, sempre buscando integrar as proposições feitas e os pontos de
encontro entre elas, assim como levar em consideração os acontecimentos da vida popular local, as
dificuldades vividas e questionar qual a origem desses problemas. Poderia ser realizada uma análise
do espaço disponível para que a partir dele se começasse a pensar nas possibilidades de intervenção, e
a proposição da feitura de um mural, em associação com os outros elementos da arte de rua. A
experiência de vasculhar, adentrar e ocupar a escola em espaços que não a sala de aula traria para os
alunos uma sensação de pertencimento, a noção de que aquele espaço também a eles pertence, uma
vez que eles seriam os agentes dessa busca para um melhor lugar para se elaborar o mural, tocando na
dualidade atividade ​versus​ passividade do ensino institucional.
Nesse ponto o grupo levou em consideração também a existência do dualismo individual
versus coletivo, e pensou em trabalhar isso na medida em que todos participassem individualmente
mas para a construção de uma obra coletiva, o que quer dizer, em vez de cada um fazer o seu stencil,
lambe-lambe ou desenho para o mural, que esse fosse pensado e elaborado em conjunto, a partir das
idéias de todos, e que todos participassem na produção de um fim comum.
Assim haveria a elaboração de um rascunho conjunto, de um desenho colaborativo, onde
cada um poderia se sentir livre para acrescentar elementos que comporiam o conjunto. Em seguida um
estudo aplicado das cores nesse rascunho, experimentando as melhores combinações, introduzindo a
noção de harmonia e paleta de cor, as maneiras mais eficazes de se fazer misturas de modo a não
desperdiçar e otimizar o uso de cada tipo de material. Nesse estágio os participantes experimentariam
em áreas maiores como tábuas/painéis de madeira, de modo a familiarizar-se com a tinta, o stencil, a
tinta spray, canetões, entre outros materiais. Definido o desenho e as cores, além das técnicas
utilizadas, técnicas de ampliação do desenho para a parede seriam testadas pelos próprios, como a
ampliação em xerox e a colagem na parede para que se tire os contornos, ou uma projeção em ​data
show na parede, atentando aqui para um pensamento de sustentabilidade, procurando incitar os alunos
a pensar na quantidade de papel utilizado e na economia que se pode fazer. Com o desenho decalcado,
transferido ou mesmo desenhado à mão livre, os alunos se organizariam para definir as áreas que
desejam pintar, texturizar, aplicar estampas ou simplesmente contornar e dar acabamentos, tratando
todo o projeto de maneira colaborativa e voltada para as preferências pessoais de cada participante.
Toda a feitura do mural será acompanhada pelos encontros semanais das aulas de artes,
tornando, o ano, processo de construção e realização do projeto. Além disso, em encontros mensais
aos sábados, os participantes desenvolverão eventos de modo a incluir e conquistar àqueles que não
estão diretamente envolvidos no projeto, com oficinas, saraus, rodas de conversa e apresentações,
todas elas girando em torno do universo da arte de rua/popular, classificada assim pela tradição
acadêmica que torna mais evidente o dualismo que há entre “arte erudita” e “arte popular” .
Esta proposta tem como objetivo dar ao aluno o papel de protagonista no processo de
aprendizagem, diferenciando o que José Francisco Pacheco chama de ​ensinagem e ​educação​. Caberá
a ele, se engajar na busca pelo conhecimento e assumir responsabilidades em relação a sua
aprendizagem. A pró-atividade e o entusiasmo do aluno farão toda a diferença no processo de busca
de referências e na execução da pintura do mural. Neste ponto trabalhamos com o dualismo de
atividade/passividade que ​se mostra extremamente importante, pois mesmo em atividades que seriam
do campo da teoria artística (como a discussão sobre obras), o objetivo é fazê-lo construir o
conhecimento, não apenas absorver um conteúdo já dado.
Um dos obstáculos que dificultam o ensino de arte nas escolas é uma cultura que valoriza a
objetividade e os produtos do ensino. Logo, a arte se vê no mesmo lugar difícil das outras
humanidades, sendo que não chega a uma conclusão definitiva e tem caráter naturalmente subjetivo,
problematizador - no sentido que tudo pode ser questionado. Essa série de exercício busca envolver o
aluno para que ele consiga ver na arte um modo de ser e de observar o mundo que o cerca de maneira
inquisitiva.

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