Você está na página 1de 25

EAD

Pneumatologia Pastoral

5
1. Objetivos
• Analisar a sacramentalidade da Igreja construída pelo Es-
pírito de Deus.
• Caracterizar a ação do Espírito na constituição dos sacra-
mentos.
• Analisar a atuação do Espírito na vida da Igreja e dos cris-
tãos.
• Construir razões para identificar a presença do Espírito no
universo cósmico.

2. Conteúdos
• Espírito Santo, sacramentalidade da Igreja e sacramentos.
• Espírito na vida da Igreja e dos cristãos.
• Permanente presença do Espírito no universo cósmico.
110 © Pneumatologia

3. Orientações para o estudo da unidade


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Para maior compreensão dessa Unidade sugerimos que
você leia as seguintes obras: ALMEIDA, A. J. Lumen Gen-
tium: a transição necessária. São Paulo: Paulinas, 2005.
(Leia, especialmente, o Capítulo 8.); ROCHETTA, C. Os
sacramentos da fé. São Paulo: Paulinas, 1991. (Especial-
mente a página 166); BOROBIO, Dionísio. A celebração
na Igreja 1: liturgia e sacramentologia fundamental. São
Paulo: Loyola, 1990. (Especialmente o Capítulo 19).
2) A expressão "sementes do Verbo" vem desde a Patrís-
tica. Aqui, seria interessante você retomar essa clássica
expressão à luz do Espírito Santo. Você pode recordar o
conceito de anamnese na disciplina Introdução à Litur-
gia, Unidade 2, item 4.
3) Sugerimos, a leitura do verbete "Espírito Santo" em:
SARTORE, D.; TRIACCA, A. (Org.). Dicionário de Liturgia.
São Paulo: Paulus, 2004.
4) Para melhor compreensão dessa unidade, leia o Capí-
tulo 4, 3 de: RIBEIRO, Helcion. A condição humana e a
solidariedade cristã. Petrópolis: Vozes, 1998.
5) Nessa visão da ecologia e do Espírito Santo, leia o livro
do pneumatólogo de: DENIS, Edward. O sopro da vida:
uma teologia do espírito. São Paulo: Loyola, 2007.
6) São interessantes as leituras de: CHARDIN, Teilhard. O
fenômeno humano. São Paulo: Paulus, 1998. E, do mes-
mo autor: Hino do universo. São Paulo: Notícias, 1997.
7) Para aprofundar ainda mais o tema da "in-habitação do
Espírito", você pode consultar, entre outros, os Capítulos
18 e 19 de: BOFF, Leonardo. A graça libertadora no mun-
do. Petrópolis: Vozes, 1978

4. Introdução À UNIDADE
Nesta unidade, você aprofundará, de modo pastoral, os seus
estudos sobre a Pneumatologia, isto é, fará uma reflexão teológi-

Claretiano - Rede de Educação


© Pneumatologia Pastoral 111

co-pastoral sobre o Espírito divino com base em duas instâncias: a


Igreja e o mundo.
Nosso percurso vai enfatizar atuação dele na vida interna da
Igreja - tendo presente sua a sacramentalidade e o seu especial
papel na sacramentalidade litúrgica da Igreja - e na santificação
dos homens, e, por fim, voltar-se para a questão da presença do
Espírito Santo no mundo.
Você deverá retomar seus conhecimentos de liturgia sacra-
mental para, agora, aprofundá-los em uma perspectiva pneuma-
tológica, afinal, na verdade, toda a subsistência sacramental acon-
tece pela ação e pela presença do Espírito de Deus. É preciso ter
sempre presente que o primeiro e fundamental sacramento é o
próprio Cristo Jesus. Daí, derivam a sacramentalidade da Igreja, os
setes sacramentos e todos os demais sacramentais por ela institu-
ídos.
Viver no Espírito e do Espírito é essencial na vida cristã. Nis-
so, consiste a espiritualidade cristã propriamente dita, pois o Espí-
rito in-habita em nós. Nesse sentido, sua ação é ir santificando-nos
progressivamente até sermos capazes de, um dia, vermos Deus.
Ao mesmo tempo, o Espírito vai atuando na renovação da Igre-
ja. Desse modo, você encontrará, neste estudo esta força bené-
fica na vida eclesial. Certamente, será oportuna ocasião para seu
aprofundamento. Mas lembre-se de que é o mesmo Espírito quem
produz a ordem e a renovação, o caráter institucional e o carisma
renovador na vida eclesial.
Um último tema que abordaremos está ligado ao caráter se-
cular do Espírito divino. Normalmente, ele é percebido, vivido e
estudado em sua atuação religiosa. Há, porém, um caráter leva-
do pouco em conta: sua ação cósmica. Não apenas é interessante
essa abordagem, mas também inovadora. Ao estudar esse tema,
você descobrirá os porquês.
Desejamos que você se empenhe bastante e que possa apro-
fundar seus conhecimentos com as sugestões bibliográficas. Nós
112 © Pneumatologia

sabemos que isso é importante e temos certeza de que você con-


tinua com uma imensa vontade de estudar teologia.
Então, bons estudos!

5. ESPÍRITO, SACRAMENTALIDADE DA IGREJA E SA-


CRAMENTOS
O Espírito que inspirou as Escrituras é o mesmo que vivifi-
ca, tornando-as aceitas pelos crentes. Na liturgia, nos sacramen-
tos e na vida, a Igreja aparece como o grande sacramento que se
prolonga e que se perpetua, sendo sempre a mesma, idêntica a si
mesmo, mas sempre diversa, sempre antiga e sempre nova. O Es-
pírito a faz caminhar e, com ela, a humanidade toda possa chegar
ao Pai.
Se, na Trindade Imamente, o Espírito é animador e santo, na
Trindade Econômica, é ele quem confirma o tão grande amor do
Pai pelo mundo dando-lhe dar seu Filho Amado (cf. Jo 3, 16). É ele
quem conduz Jesus e quem lhe assiste como o amigo. Ele mesmo
oportuniza ao Pai e ao Filho transformarem a Igreja no grande sa-
cramento de salvação.

Visto que Cristo é o grande sacramento do Pai, ele se torna, para


a Igreja, o primeiro sacramento.
Uma vez que a Igreja é o sacramento de Cristo, ela faz seus sa-
cramentos.

Assim, o Espírito conduz a Igreja em uma tensão entre pre-


sente e futuro. Alimenta, na esperança, a vinda escatológica do
Reino em uma atitude crítica que a impele à liberdade, à justiça
e ao amor. Faz isso relativizando a si mesmo, como se já fosse a
posse absoluta da nova ordem. Essa ação do Espírito urge a Igreja
a se reconhecer como "instrumento universal de salvação" (cf. LG
1) e, também, a ela própria, buscar sua renovação constantemente
na fidelidade ao chamado e à mensagem evangélica que a funda.

Claretiano - Rede de Educação


© Pneumatologia Pastoral 113

O Espírito provoca a Igreja a conservar a Palavra de Jesus sem con-


cessões a uma "museificação". Ele a impele ao futuro sem perder
a fidelidade e impede, ainda, seu imobilismo, sem esquecer sua
origem e sua missão.
Após termos considerado a ação do Espírito como agente da
Trindade Econômica que atua sobre a Igreja, de modo geral, vamos
nos deter um pouco sobre algumas questões teológico-pastorais
da Pneumatologia na vida interna da Igreja. Mas, antes, devemos
fazer uma síntese sistemática para melhor compreensão deste es-
tudo..

O Espírito Santo só se explica na perspectiva da Trindade Santa.
Na imanência da Trindade, Ele é Deus como são o Pai e o Filho.
Tem a mesma natureza; por isso, é consubstancial ao Pai e ao
Filho. Todavia, como cada pessoa da Trindade, ele tem sua pecu-
liaridade, não de oposição, mas de identificação pessoal. Ele pro-
cede (vem, tem origem) do Pai e do Filho. Podemos dizer também:
o Espírito procede do Pai por meio ou através do Filho. Não é filho
como o é a segunda pessoa da Trindade, pois o Pai tem um único
Filho. Não é irmão do Filho por não ter sido gerado pelo Pai. Não é
nem subordinado ao Pai e ao Filho nem lhes é inferior. É expirado
pelo Pai, enquanto o Filho é gerado pelo Pai. Se o Pai é a fonte,
desde uma perspectiva mais monárquica, nem por isso a origem
do Espírito é menos significativa que a do Verbo, pois, com o Pai
e o Filho, ele é eterno. Expirado pelo Pai e pelo Filho, Espírito é
o vínculo de união do Pai com o Filho: por isso, o Espírito não é o
Pai nem o Filho.

Na economia da salvação antigo-testamentária, a Trindade


Santa sempre esteve presente, mesmo não sendo conhecida, visto
que não é completamente revelada. Desde o início de tudo, tanto
o Pai quanto o Filho e o Espírito estão presentes. É certo que, no
Novo Testamento, Jesus revelou, de modo mais claro, o Pai, o Es-
pírito e a si mesmo.
Na Trindade, os cristãos dos primeiros séculos, não apenas
reconheceram a peculiaridade de cada uma das Pessoas divinas,
mas também entenderam-na como um único Deus (mesmo que
em três Pessoas).
114 © Pneumatologia

Em Jesus presente na terra, encontrou-se o Emanuel (Deus


conosco), que prometeu enviar o Espírito após sua volta ao co-
ração do Pai. De modo público, o Espírito foi-nos concedido em
Pentecostes. O Espírito - que pairava sobre as águas já na origem
do mundo, que conduziu Jesus e que, por ele foi-nos dado - agora,
permanece na Igreja como advogado de Jesus, como Senhor e vivi-
ficador nosso. Ele coinstitui, anima, impulsiona, renova e santifica
a Igreja.
Ele a torna una e diversificada, santa e santificante, católica e
apostólica, constituída e em processo de renovação.
A Igreja tem e usa algumas palavras com sentido técnico, isto
é, bem definidas. Assim, a palavra "proceder", como em "O Espí-
rito procede do Pai e do Filho", quer dizer: "vem", "se origina",
"deriva das outras Pessoas, com as quais é consubstancial". Ou,
ainda: "tem a mesma natureza, substância ou divindade". Desse
modo, o Espírito tem a mesma divindade que o Pai e o Filho. Usa-
-se, também, no caso do Espírito Santo, o termo "expirado", como
podemos observar em "O Espírito é expirado pelo Pai e pelo Filho",
significando que ele vem do Pai e do Filho ou através do Filho.
Você poderia perguntar, então, se o Filho também não seria
expirado pelo Pai. Poder-se-ia dizer isso, mas haveria uma anula-
ção da relação Pai-Filho. Todavia e, a rigor, não é errado dizer que
o Filho é gerado pelo Pai através do Espírito.

Igreja, sacramento do Espírito


A Igreja deve ao Espírito sua origem e sua existência, sua for-
ma e sua subsistência. Se repetirmos com Santo Agostinho: "Cristo
institui a Igreja e o Espírito Santo a constitui", podemos formular,
de modo mais particularizado, com Congar, um dos maiores pneu-
matólogos do século 20, o seguinte: "A Igreja é feita pelo Espírito;
ela é coinstituída por ele".
Do mesmo modo que a vida perpassa todos os órgãos, ner-
vos, músculos, artérias etc. de um corpo, assim o Espírito age em

Claretiano - Rede de Educação


© Pneumatologia Pastoral 115

toda a Igreja e em cada um de seus membros. O Espírito é a vida e


o movimento da Igreja sem se reduzir a ela ou, a ela, unir-se hipos-
taticamente – como o Verbo fez com a humanidade. Ele coinstitui
e interpenetra a Igreja tão intimamente com seus dons, ministé-
rios e carismas em uma união de aliança em que, por vezes, de-
saparece e para ressaltar a ação humana dos fiéis e dos hierarcas.
Nem tudo o que a Igreja faz, diz e cria é obra prioritária do Espírito.
Mas, como ela é de Cristo em coautoria com o Espírito, deve-se ver
a sacramentalidade da Igreja no horizonte pneumatológico.
A Igreja – sacramento visível – foi e é constituída pelo sangue
de Cristo e plenificada pelo Espírito. Ela é um evento do Espírito e
o meio do encontro (visível) dos homens com Deus. Pela Igreja, en-
contramos Cristo e o Pai. Sem ela, não serealiza o nós eclesial! (cf.
At 15, 28). Sem o Espírito, a Igreja não existe. Já dizia Santo Irineu:
"Onde está o espírito de Deus, aí está a Igreja e todas as graças"
(Ad Haer. 3 24, 4).
A Igreja é, verdadeiramente, o sacramento de Deus para o
encontro com os homens e dos homens com Deus. É o Espírito
quem perpassa e realiza essa sacramentalidade, tornando-a visível
e eficaz. Em contrapartida, faz isso de modo invisível e escatológi-
co porque prepara tanto a Igreja quanto os seus membros para a
salvação definitiva. A sacramentalidade da Igreja – dom do Espírito
– é dinâmica sem deixar de estar ligada às suas origens; é missio-
nária sem abandonar sua realidade circunstanciada; é ecumênica
sem deixar de ser confessional; contém o Evangelho de Jesus, mas
deve discernir as sementes do Verbo, as quais são espalhadas pelo
próprio Espírito também fora de suas estruturas visíveis.
Como grande sacramento do Espírito, a Igreja, em sua realida-
de, constitui-se entre carisma e instituição. Ela é celeste e, ao mes-
mo tempo, é terrestre É visível e invisível. Analisemos, inicialmente,
a sua dimensão institucional, histórica ou terrena – o que não com-
porta a exclusão da dimensão carismática, pois ela é sempre o corpo
místico de Cristo, lugar de comunhão entre Deus e os homens, ins-
trumento de santificação e de salvação da humanidade.
116 © Pneumatologia

Espírito, alma dos sacramentos


Desde o início, o Espírito fez da Igreja o sacramento univer-
sal de salvação e, ao mesmo tempo, o sacramento terrestre de
Cristo celeste, na expressão de Schillebeeckx.
No interno da vida eclesial, como ação funcional, a Igreja ce-
lebra sete sacramentos, mantém a função hierárquica e vela pela
Palavra sem se esquecer dos pobres (SCHILLEBEECKX, 1968, p. 51).
Ela só se mantém fiel à missão divina pela ação do Espíri-
to Santo, também nessas realidades internas. É o Espírito quem a
coinstitui e quem confere eficácia aos sacramentos de Cristo. Nele,
os sacramentos realizam o que simbolizam e produzem a graça
que significam.
Sob a invocação do Espírito, pão e vinho transformam-se no
Corpo e no Sangue de Jesus. Sob a força do Espírito, a água e os
óleos vão tornar-se fonte do banho batismal e das unções crismal e
sacerdotal, bem como do alívio dos enfermos. A benção matrimo-
nial, a eucaristia, o perdão dos pecados e a ordenação ministerial,
pela imposição das mãos, conferem aos noivos, aos ordenandos,
aos comungantes, aos penitentes e aos doentes dons espirituais
do Espírito para o novo estado de vida.
De modo mais holístico, podemos afirmar que o mistério
pascal de Cristo, celebrado na liturgia, é concretizado nos sacra-
mentos, na proclamação da Palavra e na ação do Pai em Cristo
por obra do Espírito. A liturgia transforma-se, essencialmente, na
manifestação presente do Espírito de Cristo ressuscitado e glorifi-
cado. A memória do mistério salvífico celebrado é muito mais que
um ato subjetivo de recordação humana; é, verdadeiramente, um
anamnese, pois é memória histórico-salvífica pela presença e pela
atuação do Espírito de Deus.
Toda ação litúrgica é uma ação do Espírito por envolver o
mistério de Deus, bem como a vida e as ações dos celebrantes (de
Deus e dos fiéis). Assim, é o Espírito quem potencializa, realiza e

Claretiano - Rede de Educação


© Pneumatologia Pastoral 117

convalida toda e qualquer celebração litúrgica. Pela liturgia, ele,


a alma da Igreja, torna-se, também, sua voz (da Igreja), sendo, ao
mesmo tempo, quem incita – desde dentro, do coração – o fiel a
participar do louvor e da ação litúrgica. Ele une a vida de Deus (e
seu mistério salvifico) e a história humana na ação litúrgico-sacra-
mental para torná-la frutuosa e santificante.
A presença do Espírito, que assume e torna viva a ação li-
túrgica, "provoca" o fiel a superar as alienações (inclusive as re-
ligiosas), os simbolismos mágicos, a rotina e a tibieza espiritual,
transformando a liturgia em um sacrifício de louvor e de oblação
espirituais. O povo sacerdotal, em união com o Espírito Santo, faz
do culto litúrgico uma autêntica celebração de aliança com Deus.
Estabelece-se, desse modo, um culto novo de um povo novo pela
invocação (epíclese) do Espírito. No batismo, como princípio da
novidade da vida em Cristo, Filho do Pai eterno, o Espírito retoma
e renova o batizando. No crisma, ele se torna força (parresia) do
cristão por meio de seus sete dons.

Parresia é um dom do Espírito. Ele indica o destemor, a coragem


e a ousadia.

Na Eucaristia, o crente recebe o Corpo e o Sangue do Senhor


como nova aliança e alimento de vida eterna – é o que assegura o
Espírito. Ele mesmo reconcilia, renova e vivifica a precariedade da
vida do pecador e do enfermo a fim de que eles possam voltar a
viver em Deus, de Deus e com Deus. No matrimônio, ele se torna o
elo profundo que, ao atingir os dois noivos, os leva a fazer da alian-
ça com Deus e entre si algo tão forte que eles passam a ser uma
só carne e, ao mesmo tempo, um sinal ímpar do amor de Deus. Ao
ungir com seu óleo santo, ele se apossa do ordenando para lhe as-
segurar o ministério sagrado, o qual será desempenhado não em
seu próprio nome, mas no nome de Deus.
Sete sacramentos, sete interventos do Espírito: no batismo, ele res-
taura em nós a imagem de Cristo; na crisma, confirma a Igreja no
118 © Pneumatologia

seu amor; na eucaristia, nos conserva na unidade; na penitência,


converte nossos corações; na santa unção, semeia em nós o germe
da futura ressurreição; no sacerdócio, nos torna verdadeiros ado-
radores do Pai; no vínculo do matrimônio, santifica a Igreja, esposa
de Cristo. Através dos sete santos sinais, colocados em seu cami-
nho, o cristão é conduzido pelo Espírito até a última viagem, quan-
do a verdadeira dimensão da vida, fora do espaço e do tempo, se
manifestará em toda a sua plenitude: então não haverá mais sinais.
Só a eterna e beatificante comunhão do Espírito Santo (2cor 13,13)
(LAMBIASI, 1987, p. 266).

6. ESPÍRITO NA VIDA DA IGREJA E DOS CRISTÃOS


O Espírito opera e produz a unidade orante da Igreja em ou-
tros eventos sagrados, sobretudo na oração e na escuta da Pala-
vra. Como advogado de Cristo, anima o orante a buscar sempre
maior comunhão com Deus. Sob sua força, muitas vezes simboliza-
da nos gestos de impor as mãos, de soprar ou do silêncio, a Igreja
e os fiéis vão tornando-se um só Corpo, ou seja, o corpo de Cristo
santificado, à medida que se deixam modelar pelos dons e pelos
carismas divinos. Se o Espírito é o princípio vivificante da ação li-
túrgica, não menos vivificador e santificador será da vida dos fiéis.
A espiritualidade cristã é outro grande e peculiar campo de
ação do Espírito para mover os homens e as mulheres a uma vida
nova, também chamada de vida no Espírito; Tal vida é percebida
no modo de viver a espiritualidade pessoal e comunitária. O Espí-
rito, que habita o coração do ser humano, vai moldando e mode-
lando o desejo de sempre buscar mais a Deus e de assemelhar-se a
ele. Em respeito à liberdade pessoal, ele inspira a adesão crescen-
te da santidade humana rumo à santidade de Deus. Assim, faz bro-
tar novas oportunidades a fim de que o fiel não seja apenas uma
criatura nova, mas também uma criatura que assuma ser sempre
mais filho de Deus e irmão de Jesus.
Viver no Espírito é algo que implica profunda mística - o que
não significa isolar a pessoa "do mundo". O próprio ambiente coti-
diano é preparado pelo Espírito para que, nele, o crente possa usu-

Claretiano - Rede de Educação


© Pneumatologia Pastoral 119

fruir de graças e mais graças para o seu crescimento interior e para


o crescimento do mundo. Vida no Espírito também remete a um
conhecido tema da Pneumatologia: in-habitação do Espírito, o
qual designa o envio do Espírito divino ou a vinda das três pessoas
divinas até o ser humano para, aí, fazer sua morada a fim de acom-
panhar a história de cada pessoa rumo à sua realização última.

"In-habitação do Espírito" é um termo técnico da Pneumatologia


e da Teologia da graça que indica o resultado do envio do Espí-
rito Santo ou da vinda das pessoas divinas ao ser humano. Para
a Teologia latina, essa expressão indica o papel do Espírito no
processo de santificação. Já os orientais indicam o processo de
divinização.

O cristão, em quem in-habita o Espírito, é chamado a par-


ticipar sempre mais da vida divina. Aliás, por isso, há muitos que
falam da ação do Espírito como "frutos do Espírito". Ele é o mestre
da oração, leva-nos ao arrependimento necessário e renova nosso
espírito. Santo Atanásio já dizia: "Sem o Espírito somos estranhos
a Deus e ficamos longe dele; se, ao contrário, participamos do Es-
pírito, nos unimos à Divindade" (ORATIO CONTRA ARIANOS III, 24).
A vida no Espírito também atinge a Igreja por meio de grupos
e movimentos carismáticos. Tais situações manifestam-se desde o
início da Igreja, iniciada exatamente com o Pentecostes. Muitos
grupos e movimentos marcados por esse modo de viver (vida no
Espírito) surgiram na história da Igreja. Inúmeros deles foram, ini-
cialmente rejeitados ou proibidos pelas autoridades eclesiásticas.
Com o passar do tempo, no entanto, a Igreja reconheceu seu valor
e eles foram aprovados. Exemplo disto é todo o movimento fran-
ciscano, com suas inúmeras subdivisões.
Dos tempos atuais, vamos citar seis grandes exemplos:
1) Concílio Vaticano II: tão desejado pelo Papa João XXIII
para que a Igreja fosse perpassada pelo sopro do Espí-
rito.
120 © Pneumatologia

2) Movimento Pentecostal da Renovação Carismática: que,


em tão pouco tempo, se espalhou por toda a Igreja e
tem animado muitos cristãos a viverem novas formas de
piedade, oração e espiritualidade, até mesmo fora da
orientação das paróquias e dioceses. (Mesmo que pe-
sem as críticas à RCC, não podemos negar sua força. Para
isto basta ver sua vitalidade na Igreja, seja no sentido de
arregimentar pessoas, seja na atuação em meios de co-
municação e porque não, na movimentação econômico-
-financeira?).
3) Comunidades Eclesiais de Base – CEBs: esses grupos
eclesiais de base têm obtido sua força no encontro da fé,
na Palavra e na luta pela justiça libertária. As CEBs, que
estão presentes em todo o continente latino-americano
e, progressivamente, na África e na Europa, são forças
dinamizadoras do Espírito que renovam a face também
da Igreja por seu novo modo de ser e de agir, mesmo
apresentando algumas tensões dentro da própria Igreja.
4) Lugar dos fiéis leigos, particularmente das mulheres, na
vida eclesial: na Igreja, eles vão percebendo-se mem-
bros ativos e de direito, sendo fundados no batismo e
no crisma. Os féis leigos no centro da vida da Igreja são
uma conquista do Espírito – contra todo clericalismo –,
fazendo toda a Igreja ser uma comunidade de irmãs e ir-
mãos, mesmo na diversidade de serviços. A recuperação
do lugar dos leigos na Igreja deve renová-la.
5) Valorização da Palavra: depois de tradições menores e
cheias de proibições sobre o uso da Bíblia Sagrada, é cer-
to que o Espírito impeliu a Igreja a se encontrar com sua
fonte normativa e iluminativa. A indispensável leitura
orante vai popularizando-se na força de seu inspirador.
A Bíblia é a fonte primeira e básica da revelação e da fé
cristãs. E, com base nela, o cristão encontra elementos
orientadores para discernir, hoje, a vontade de Deus,
pois, ao se encontrar, de modo vivo, com a Palavra de
Deus, ele tem a norma divina não como texto, mas como
pré-texto para perceber a atuação e a vontade de Deus
nas múltiplas e concretas circunstâncias da história.

Claretiano - Rede de Educação


© Pneumatologia Pastoral 121

6) Ecumenismo: os seguidores de Jesus se apresentam com


a mesma fé, apesar de diversidade de tradições. No pas-
sado, algumas motivações estranhas ao seguimento do
Senhor serviram para o confronto de diversas comunida-
des cristãs. Hoje em dia, muitos consideram as tradições
religiosas como fontes de redescoberta da grande uni-
dade desejada por Jesus e incentivada pelo seu Espírito
Esses seis exemplos são sinais sensíveis da atuação perma-
nente do Espírito, que vai atendendo à súplica diária dos cren-
tes a ele: Vinde, Espírito Santo... E renovai a face da Terra e da(s)
Igreja(s).

Espírito da ordem e da renovação


Este aprofundamento da Pneumatologia aplicada não pode
ser concluído sem uma palavra sobre a tensão dos dons do Espí-
rito, especialmente dos binômios: ministério e carisma, unidade e
diversidade, instituição e criatividade. O Espírito, verdadeiro ele-
mento criador da vida da Igreja, parece atuar de forma aparen-
temente oposta ou contraditória, pois inspira à Igreja e quebra a
tradição, renova e torna velha a ordem estabelecida, cria e elimina
ministérios. Ele próprio é o princípio da ordem e da renovação, o
aval da continuidade e da inovação.
O Espírito, que sopra onde quer (cf. Jo 3, 8), é a liberdade
espontânea, mas, ao mesmo tempo, constitui o fundamento das
normas e dos ministérios instituídos sem estar aprisionado pelo
profeta, pelo ministro ou pela autoridade eclesiástica. É a Igreja
que lhe pertence, mesmo que ele seja o Espírito movente dela. É
o garante da infabilidade da Igreja e, também, de sua renovação.
Ele é o autor do sensus fidelium.

Sensus fidelium é uma expressão técnica que quer dizer "o sen-
tido da fé dos fiéis". É um carisma do Espírito que corresponde ao
conjunto dos membros da Igreja e que consiste na coincidência
interna com o objeto da fé. Em virtude dela, a Igreja, na sua totali-
122 © Pneumatologia

dade – que se manifesta consensualmente –, reconhece o objeto


da fé, confessando-o na prática em um acordo permanente com a
Sagrada Escritura, a tradição e o magistério da Igreja.

Tudo quanto se realiza na Igreja (orações, sacramentos, fun-


ções, poderes etc.) é tributado à existência e à presença do Espí-
rito. No entanto, muitas coisas que são atribuídas a ele não as são
de fato. A própria Igreja deve discernir o que vem dele e o que não
vem - mesmo que a origem de alguns fatos demore anos e, até,
séculos para ser percebida. É natural que a Igreja, como instituição
e instituída pelo Espírito e pelos homens, procure garantir sua or-
ganização e sua ordem, invocando e colocando-se sob o patrocínio
do Espírito. Entretanto, o mesmo Espírito também inspira o surgi-
mento de grandes (ou pequenos) movimentos, os quais rompem
com antigos costumes, normas e organizações exatamente para
renová-la (como ela tanto lhe suplica).
Aqui, precisamos reconhecer, ainda, que há uma humana di-
ficuldade em se fazer uma Pneumatologia Sistemática ou Dogmá-
tica, comparando-a, por exemplo, com a Cristologia, a Eclesiologia
etc., exatamente porque o Espírito não se deixa prender nem pela
teoria nem pelo poder que ele mesmo inspira, assegurando a es-
tabilidade e quebrando a tradição.

História da Igreja––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Neste momento, seria interessante ler a História da Igreja não só pelos olhos
dos hierarcas, mas também pelos olhos dos criativos ou inovadores– mesmo
que, depois, estes tenham sido enquadrados a na instituição para poderem
sobreviver.
Desse modo, também é útil a compreensão da leitura das mulheres sobre a vida
eclesial nestes 2.000 anos, Segundo o apóstolo: "não há mais homem ou mulher,
gentio ou pagão, pois todos são de Cristo". (Rm. 10,12).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A permanente tensão entre o instituído e o carisma não
coloca em xeque o Espírito Santo, mas os homens e as mulheres
que, com a maior boa vontade, não são senão instrumentos de
serviço (às vezes, transformado em poder) na Igreja. A questão in-

Claretiano - Rede de Educação


© Pneumatologia Pastoral 123

traeclesial não é a rebelião dos carismáticos contra as situações


concretas. Antes, é a docilidade dos homens (do poder eclesial e
dos "carismáticos") para com Deus. Algumas tensões, na verdade,
são bem mais mundanas e circunstanciadas em valores, culturas,
políticas, sistemas econômicos e, também, filosóficos. O Espírito
paira, em sua liberdade, acima de todos e faz-se fonte de inspira-
ção a todos de boa vontade, levando em conta a circunstância de
cada um. Ele não é o Espírito de contradição nem de rebeldia, mas
de liberdade e de verdade, de santidade e de santificação. Ele é
Deus com o Pai e o Filho.
A Igreja Católica sempre ensinou que a revelação de Deus se
completou com a morte do último Apóstolo (João) e que tal reve-
lação está fixada no Cânon das Escrituras Sagradas, determinado,
oficial e definitivamente, no Concílio de Trento.
A Bíblia ensina a Igreja e contém a Palavra inspirada por
Deus. Essas duas verdades, contudo, não podem anular a ação do
Espírito, que falou pelos profetas e que sopra onde quer. Todavia, a
Igreja, que se sente inspirada pela Bíblia e pela Tradição, atenta ao
Magistério, vai encontrando, no tempo, nas culturas e na Teologia,
sopros do Espírito que a conduzem sempre à maior compreensão
de si mesma, diante de Deus e de sua Palavra.
É o Espírito quem conduz a Igreja e não o contrário.
A Igreja é conduzida pelo Espírito. A missão da Igreja é ser
fiel a ele, o qual não deixa de ser fiel, em primeiro lugar, ao Pai e
ao Filho. Sua fidelidade à Igreja e à humanidade é sempre uma
fidelidade segunda.
A caracterização do Espírito como aquele que fala por meio dos
profetas (1Pe 1,11-12; Ef. 3,5) – já atestada por Justino, Irineu, Cirilo
de Alexandria entre outros – nos leva à sua peculiaridade, que não
é a mesma do Verbo-Palavra, mas a do sopro que sai da Palavra,
que instrui os apóstolos (Jo 14,20), que dá testemunho de Jesus (Jo
15, 26-27), que leva a Igreja à plenitude da verdade (Jo 16, 14-15)
(LODI, 1990, p. 353).
124 © Pneumatologia

7. PERMANENTE PRESENÇA DO ESPÍRITO NO UNI-


VERSO CÓSMICO
A referência feita pelos profetas à força do Espírito e às suas
características acentua a sua presença constante, tornando-o pre-
sente e passado, memorialidade e antecipação do futuro como
dom de vida e vivificação. Dizia Santo Irineu que o Filho e o Espí-
rito são as duas mãos do Pai na criação (Ad. Haer. 4, 4, 4; 4, 7, 4;
5, 5, 1) O Pai cria por meio do Verbo na força do Espírito. É papel
do Espírito ser esse sopro no sentido tanto profético quanto de
renovação/antecipação, pois a ele se deve a permanência atual e
contínua no mundo.
A plenitude da revelação que Jesus trouxe ao mostrar o Pai e
seu Senhorio aponta, também, à atuação salvífica do Espírito San-
to para que, não se conformando com o presente (ação profética),
este dirija o homem para o futuro (deificação ou humanização ple-
na). Por isso, a ação do Espírito é em prol da redenção do mundo
criado, mesmo se, no momento, ele "geme e chora em dores de
parto, esperando a feliz consumação" (Rm 8, 20-24).
Desde uma concepção de fé cristã, o mundo/cosmo não está
entregue ao caos, mesmo sendo a Terra uma provisória habitação
do ser humano.
Nesse processo de criação contínua e fértil que a ciência
qualifica, oportunamente, como evolução, o Espírito age e renova
todas as coisas não como um relojoeiro, mas como Espírito criati-
vo, cuja mais bela obra continua sendo o ser humano, esse cocria-
dor do mundo que o cerca e participante da natureza divina.
O Espírito, que vem do alto com seus dons, torna fecundo e
grávido o cosmo todo. Tal ação criadora do Espírito de Deus se pro-
longa também como sua ação salvífica (cf. Rm. 8,24), pois, quando
Deus retoma seu sopro de vida, tudo se decompõe em pó (cf. S.
104 29ss.). Se "pelo sopro de Deus, a terra se enche e tudo se reú-
ne" (Sb 1, 7; Is 34, 16), então, nenhum ser humano está fora ou aci-

Claretiano - Rede de Educação


© Pneumatologia Pastoral 125

ma da natureza cósmica. Todos somos irmãos e irmãs do universo,


junto com todas as suas criaturas (cf. Gn 2; Sl 8).
Conduzido pelo Espírito, o cosmo irá tornar-se, um dia – é o
que cremos­ –, "um novo céu e uma nova terra" (Ap 21). O deserto
ficará florido e haverá meninos brincando na toca das serpentes,
além de lobos e cordeiros pastando juntos (cf. profecias de Isaías,
especialmente cap. 11, 32). Segundo alguns estudiosos, "adão, o
feito do barro, recebeu o Ruah de Deus para guardar o jardim divi-
no (cf. Gn 2, 4a SS.).
Para guardar o jardim de Deus, ele recebeu seu Espírito a
fim de transformá-lo em jardim do homem de Deus, no qual todas
as coisas participarão da ressurreição final, já antecipada na carne
ressuscitada do Primogênito de toda a criação.
Diante da ameaça à vida dos animais e do próprio ser huma-
no, a infidelidade humana com a natureza, a exploração inconse-
quente do meio ambiente, o desperdício e o consumismo atentam
contra a vida e a atuação não apenas do planeta e do ser humano,
mas também do Espírito.
A Pneumatologia tem a obrigação de denunciar toda ação
egoísta e depredadora do meio ambiente. Se a própria vida e
sobrevivência do planeta estão ameaçadas de maneira parcial e
universal, o Espírito impulsiona a busca de uma paixão pela vida
(Moltmann, 2002) e um cuidado pela terra (BOFF, 1999).
O querer viver e o querer a vida para seus filhos exigem uma
luta contra todas as culturas de morte e de destruição e, ao mes-
mo tempo, um profundo anseio pelo Espírito, o qual renova a face
da terra, afinal, viver no Espírito é, como diz Jóbuscar "a vida na-
quela amplidão sem limites, onde não existe aflição". (36, 16),
Quem não se lembraria, aqui, das palavras de Aliosha Kara-
mazow, no romance de Dostoiévski:
Meus irmãos, amem toda a criação em seu conjunto e nos seus
elementos, cada folha, cada raio, os animais, as plantas. Uma vez
compreendido, vocês o conhecerão cada vez mais todos os dias. E
126 © Pneumatologia

acabarão amando o mundo inteiro com um amor universal (KARA-


MAZOW, 1971, p. 431).

Sem dúvidas, o Espírito é pensado, quase exclusivamente,


pelas Igrejas e, no Ocidente, pelos cristãos, sobretudo luteranos,
pentecostais e católicos. Todavia, esse modo de pensar tipicamen-
te religioso pode padecer do vício – por vezes, não diagnosticado
– do pensamento para dentro de si mesmo: "o Espírito Santo em
função da Igreja" ou "a Igreja e o Espírito".
Não podemos negar essa relação óbvia. Entretanto, como
Jesus, dado por tão grande amor do Pai pela humanidade, não por
menos amor nos foi dado o Espírito. Muito raramente os cristãos
estão preocupados com a livre atuação do Espírito no mundo dos
homens e na história.
Diz-se que o Espírito, uma das mãos do Pai criador, atua com
o Filho, a outra mão, desde o início da criação. Mesmo não conhe-
cendo o final dessa história humana e cósmica, sabemos que a
história salvífica só irá se concluir com a consumação do mundo.

Aqui, estamos fazendo uma referência à Escatologia, uma disci-


plina do curso de Teologia que aborda as questões últimas do ser
humano e do cosmo, a saber: após a morte, individual: o julgamen-
to, o céu e o inferno; na escatologia coletiva: as questões da trans-
formação deste mundo, o papel de Cristo e seu julgamento final.

Entrementes, o ponto máximo da história já se realizou na


encarnação, morte e ressurreição de Jesus, o Cristo. Depois desses
fatos, vividos pelo Verbo encarnado e ressuscitado, a humanidade
caminha, certa de sua realização feliz, entre altos e baixos, erros e
acertos, atos de bondade e de maldade, enfim, entre o pecado e a
graça, a condenação e a salvação e, sobretudo, na discreta, insubs-
tituível, desconhecida e eficaz ação do Espírito.
A longa história do homo sapiens, dando um salto muito
grande na história da Terra e do cosmo, é uma luta renhida entre
derrotas e vitórias desde a vida extremamente primitiva, com pou-

Claretiano - Rede de Educação


© Pneumatologia Pastoral 127

quíssimos recursos de sobrevivência biológica, social etc. A longa


caminhada, que não é uniforme para todos, também é uma his-
tória de conquistas técnico-científicas, as quais vão desde a pedra
lascada, passando pelo domínio do fogo, pela domesticação de
animais e pela invenção da agricultura, até as sofisticadas culturas
da engenharia, da biologia, da nanotecnologia, da informática, da
navegação espacial etc.
Dificilmente, essas descobertas e invenções - que produzi-
ram tão grandes mudanças (como a superação do analfabetismo,
o controle de doenças, a invenção da democracia etc.) - vieram do
acaso. Os homens (no passado, mais que as mulheres) debruça-
ram-se em anos de estudos, análises e experimentações até che-
garem às descobertas pequenas e/ou grandes, úteis e/ou inúteis,
regionais e/ou universais.

Você pode relacionar essas ideias com os dons do Espírito, pre-


sente em 1Cor 12, 4-11, e com a unidade da humanidade, em 1Cor
12, 12-30.

Não vamos aprofundar os exemplos, pois eles, aqui, estão


apenas a serviço da reflexão pneumatológica. Mas você pode estar
se perguntando: limitando-nos apenas aos últimos três séculos do
milênio passado, como não afirmar a radical – mas sempre discre-
ta – atuação do Espírito, o qual conduziu homens e mulheres que,
vencendo as opressões, conquistaram a liberdade, a igualdade e a
fraternidade nas revoluções francesa e americana? E as progres-
sivas conquistas dos Direitos Humanos? Como não reconhecer o
sonho de Martin Luther King na defesa dos negros americanos?
Como não reconhecer, com gratidão, a inspiração de Gandhi, o li-
bertador da Índia, na leitura dos Evangelhos sobre a não-violência-
-ativa? Não é o Espírito Santo o fundamento último da democra-
tização e do reconhecimento da cidadania das pessoas com base
em sua experiência de vida intratrinitária?
128 © Pneumatologia

Os "milagres" das ciências biológicas, as quais, mesmo com


ousadas e perigosas (perigosíssimas?) pesquisas, realizam curas,
transplantes e correções físicas e psíquicas, pesquisando e des-
cobrindo as maravilhas criadas por Deus nas células de diversos
tipos. Além disso, temos superação de pestes, epidemias e pande-
mias por meio de vacinas.
As ciências econômicas, apesar das grandes ganâncias (peca-
dos), porventura não são "domesticadas" com o passar do tempo
pela prudência do Espírito, como percebemos nessa última grande
crise do capital? As ciências da navegação marítima, aérea e es-
pacial demonstram a inventiva capacidade do ser humano – essa
imagem vivente de Deus – quanto à distância que nos separa de
Deus. É o Espírito em ação... Ele também está agindo aí.
Como negar que as descobertas de Galileu, Copérnico, Freud
e Darwin – só para citar alguns – tornaram a humanidade um tanto
melhor, mais sábia e compreensiva? Que valor tem isso ao pen-
sarmos no Espírito Santo? Como afirmamos anteriormente: nem
tudo é obra do Espírito. Porém, não se pode negar nem esquecer
a inspiração do Espírito também nas grandes conquistas humanas.
Afinal, não é ele o condutor dos homens para Deus e sua ação,
acaso, não se realiza na história humana?
Instituições como o Prêmio Nobel da Paz, novos comporta-
mentos dos líderes, campanhas pela paz e pelo desarmamento
mundiais são meras conquistas humanas ou são, também, sopros
do Espírito, que é santo e que fala no meio secular – até contra
os poderes religiosos? No final do século 20, era comum ouvir-
mos que as religiões (das grandes às pequenas e vice-versa) tam-
bém eram a causa e, inclusive, a origem das frequentes guerras da
humanidade por toda parte. É óbvio que tal atitude é um desvio
comportamental dos "homens de Deus(es)", agindo contra o(s)
próprio(s) Deus(es).

Claretiano - Rede de Educação


© Pneumatologia Pastoral 129

Essa reflexão, que você pode aprofundar, não tem uma referência
bibliográfica específica. O autor vale-se de sua experiência pesso-
al com base nas reflexões sobre a Gaudium et Spes, do Vaticano
II.

Na dimensão das culturas, as questões que se levantam são


muitas e variadas. Vejamos apenas – também exemplificativamen-
te – qual a atuação velada do Espírito na emancipação das mulhe-
res, no reconhecimento dos direitos dos portadores de necessi-
dades especiais (físicas e psíquicas) e dos grupos minoritários, no
acesso aos direitos públicos e na superação da escravidão e do tra-
balho escravo. Podemos argumentar que estes e milhares de ou-
tros exemplos são conquistas mais ou menos já absorvidas pelas
maiorias; todavia, não por todas. Além disso, podemos perguntar:
se o Espírito atua no mundo, por que ainda há tanta fome e tanta
privação de necessidades e direitos básicos? Por que tanta miséria
e violência? A lista pode alongar-se.
Diante de todas essas informações, perguntamos: por que o
Espírito não age logo? Para perceber a atuação do Espírito deve-se
levar em conta vários fatores. Vamos elencar, exemplificativamen-
te, alguns, pois você mesmo deve ir percebendo essa presença do
divino em muitas outras situações. Veja:
1) Ao criar o cosmo e, nele, o ser humano, Deus quis que
o homem participasse de sua glória e de seu amor. Ele
amou o ser humano como sua criatura mais próxima e
amou-o a ponto de fazê-lo sua imagem e semelhança.
Poderia o ser humano ser feliz sem ser livre? Poderia ser
talhado para a perfeição sem ter sua liberdade? O único
ser humano real e existente somos nós. Somos imagens
de Deus para sermos semelhantes a ele, mas dotados
de liberdade. Feitos por ele e para ele. Somos livres para
modificarmos nossa história. Somos, também, limitados
para resolvermos toda a nossa história.
2) Alguns dentre nós se opõem ao que é de Deus e do bem
comum. Nossos problemas e nossas dificuldades são de
130 © Pneumatologia

nossa responsabilidade. Nem sempre somos felizes na


resolução deles. Somos limitados (somos humanos; por-
tanto, também falíveis); temos nossas imperfeições (ain-
da não somos suficientemente perfeitos); nossos limites
também aparecem por causa de situações histórico-
-culturais, políticas, econômicas etc. Todos estes fatores
vão acontecendo em um ambiente assimétrico entre a
vontade e a liberdade do homem (e de Deus). O Espí-
rito pode fazer-nos sonhar com projetos grandes e/ou
pequenos, aspirando a eles. Pode instigar-nos ao com-
promisso fraterno. Pode mover-nos às causas humanas
e divinas. Contudo, ele não nos substitui. Ele não pode
fazer o que nos compete. É somente respeitando nossa
liberdade que ele nos leva à perfeição individual e cole-
tiva. É certo que ele deixa inquieto o coração humano
enquanto este não se repousar em Deus.
3) Seria correto perguntar: por que o Espírito não age logo?
Por que tarda tanto? Mais uma vez, é preciso aprofundar
o discurso. Não é evidente e crescente a fome no mun-
do, tão explorada pelos meios de comunicação sociais,
nos comícios eleitorais e nas estatísticas?
4) E o processo de aquecimento global do planeta? A pau-
perização das gentes? A precarização dos serviços públi-
cos – os abusos dos políticos?
5) Então, a pergunta torna-se a seguinte: por que não ou-
vimos mais o Espírito, que quer a superação de todas
formas do egoísmo e dos comportamentos herdados e
adquiridos? A economia salvífica consiste na cura, na li-
bertação e na santificação de todos os homens e mulhe-
res na história, podendo por meio dla Igreja, que não é o
único e o exclusivo caminho do Espírito.
Ninguém pode cooptar o Espírito, uma vez que ele é livre
e sopra onde quer. Ele tem por missão unificar não só o povo de
Deus, mas também todos os povos do universo. Ao se mundializar,
ele unifica o universo, fazendo-o progredir sem substituir o que os
seres humanos devem fazer.

Claretiano - Rede de Educação


© Pneumatologia Pastoral 131

Assim, essa chamada "ação profana" ou "não eclesial" do Es-


pírito tem, também, dimensões localizadas em âmbitos menores.
Por exemplo: a queda do muro de Berlim e a queda do comunis-
mo, como a de qualquer outra ditadura, por ofenderem profunda-
mente a "alma da nação e de seus habitantes" – todos os cidadãos
das duas pátrias (a Terra em caminho e a celeste em esperança,
crendo ou não) – ofendem o Criador, ferido em seus filhos. O Espí-
rito cria, progressivamente, a coragem e a resistência em cidadãos
locais (ou estrangeiros, como nos levantes populares) para a depo-
sição dos tiranos. A liberdade cívica - um dia, deverá ser completa
também a econômica - é um dom do Espírito que homens e mu-
lheres têm o direito de usufruir; por isso, a leitura teológica pode
identificá-la como um dom do Espírito.
As leituras libertárias (sem que levem às novas opressões),
as justas reivindicações trabalhistas, o empenho pelas legislações
que defendem corretamente a todos, os saneamentos básicos, a
ordem política e social e tudo aquilo que colabora com a digni-
ficação humana são, na verdade, dons que o Espírito distribui e
incentiva onde sopra.

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAs
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Fundamente a atuação do Espírito em relação à sacramentalidade da Igreja.

2) Caracterize a atuação do Espírito na vida dos cristãos.

3) Ao analisar a vida atual da Igreja, descreva alguns sinais da presença do Es-


pírito a partir dos seis exemplos dados no tópico 6 desta unidade, intitulado,
Espírito na Vida na Igreja e dos Cristãos.

4) Elabore um texto analítico próprio que justifique as "ações não eclesiais,


mas profanas" do Espírito na atualidade.

5) Justifique a afirmação seguinte: O Espírito pode atuar fora da Igreja, para


ajudá-la a adaptar-se melhor ao mundo, sem perder sua especificidade.
132 © Pneumatologia

9. CONSIDERAÇÕES
Em síntese, esta unidade abordou a questão do Espírito
como autor da sacramentalidade da Igreja e como seu coinstitui-
dor ao lado de Jesus glorificado, o sacramento original do Pai. É
dessa sacramentalidade que decorrem todos os setes sacramen-
tos e os demais sacramentais da Igreja, pois o Espírito anima-a atu-
ando no coração daqueles que o recebem para vivificá-los como
filhos e filhas de Deus.
Em contrapartida, o Espírito tem uma particular ação na
construção e na caminhada da Igreja na história, levando-a rumo
a Deus apesar de todas as fraquezas eclesiais ou dos homens de
Igreja, como preferia dizer João Paulo II. Visto que o Espírito in-ha-
bita no coração de todo crente, o cristão vai aprendendo a, com
ele, se assemelhar cada vez mais a Deus, até o dia definitivo de po-
der estar face a face com o Senhor na e para a glória da Trindade.
Nossa reflexão final procurou levar em conta uma das atua-
ções peculiares do Espírito na sociedade em geral por meio, espe-
cialmente, do mundo secular. Certamente, esse tema, apesar de
despertar pouco interesse na vida da Igreja, não pode ser igno-
rado, pois o Espírito, que sopra onde quer, preexiste à Igreja e ao
mundo. Ele paira sobre o universo cósmico desde toda a criação e
prende-se somente ao Pai e ao Filho, de quem procede. Ele é res-
ponsável, também, pela santificação do mundo secular e de tudo
aquilo que o rodeia, respondendo, inclusive, ao constante apelo
dos cristãos e da Igreja: "Vinde, Espírito Santo, e renovai a face da
terra".
Certos de que você se empenhou em aprofundar essa re-
flexão pastoral da Pneumatologia, confiamos que você se dê por
feliz em constatar o amor divino que nos concede seu Espírito. Ao
mesmo tempo, mantemos a certeza de que você, doravante, pode
contribuir com o próprio Espírito, percebendo sua constante pre-
sença entre nós.

Claretiano - Rede de Educação


© Pneumatologia Pastoral 133

Não se esqueça de completar suas tarefas. E que o próprio


Espírito o ilumine sempre!

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CANTALAMESSA, R. O canto do Espírito: meditações sobre o Veni Creator. Petrópolis:
Vozes, 1998.
COMBLIN, J. O Espírito Santo e a libertação. Petrópolis: Vozes, 1987.
CONGAR, Y. Ele é o Senhor e dá a vida. São Paulo: Paulinas, 2005.
DOSTOIÉVSKI, F. Os irmãos Karamazov. São Paulo: Abril Cultural, 1971.
EDWARDS, D. Sopro de vida: uma teologia do Espírito Criador. São Paulo: Loyola, 2007.
HILBERATH, B. J. Pneumatologia. In: SCHNEIDER, T. (Org.). Manual de dogmática.
Petrópolis: Vozes, 2000. v. 1.
LAMBIASI, F. Lo Spirito santo: mistero e persona. Per uns sintesi di pneumatologia.
Bologna: Edizioni Dehoniane, 1987.
LODI, E. 11 credo ecumenico pregato nella liturgia bizantina e romana. Padova: Edizioni
Messaggero, 1990.
MOLTMANN, J. A fonte do Espírito: o Espírito Santo e a teologia da vida. São Paulo:
Loyola, 2002.
PAPROCKI, H. A promessa do Pai: a experiência do Espírito Santo na Igreja Ortodoxa. São
Paulo: Ed. Paulinas, 1993.
RIBEIRO, H. A condição humana e a solidariedade cristã. Petrópolis: Vozes, 1998.
SCHILLEBEECKS, E. Cris sacramento do encontro com Deus . Estudo teológico sobre a
salvação mediante os sacramentos. Petrópolis: Vozes: 1968, 2 ed.
TEPEDINO, A. M. (Org.). Amor e discernimento: experiência e razão no horizonte
pneumatológico das Igrejas. São Paulo: Paulinas, 2007.
VIER, Frederico (Coord.). Compêndio do Vaticano II. Constituições, decretos, declarações.
Petrópolis: Vozes, 1967.
YVEZ-LACOSTE, J. (Org.). Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Edições
Loyola, 2004.

Você também pode gostar