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157.04 ano 14, jan. 2015

A arquitetura contemporânea ou a sedução da superfície


ornamentada
Heliana Angotti-Salgueiro

resenha do livro

Ornament
The Politics of
Architecture and
Subjectivity
Antoine Picon
2013

Detalhe do teto de Choice Market Café, no Brooklin, de Evan Douglis, 157.04


2010 sinopses
Foto divulgação [capa do livro de Antoine Picon, Ornament. The como citar
Politics of Architecture and Subjectivity]
idiomas

original: português
Se partirmos do pressuposto que a arquitetura é uma representação do
tempo e da cultura, a erudita demonstração de Antoine Picon no seu compartilhe
penúltimo livro, publicado em 2013 – Ornament. The Politics of
Architecture and Subjectivity – é exemplar, pois ele trata da “volta”
singular do ornamento na arquitetura contemporânea inserindo-a nos
avanços da tecnologia digital e convocando comparações para ressaltar as 157
diferenças com o ornamento tradicional. A reinterpretação ou a 157.01
inventividade ornamental do presente, em obra de arquitetos como Herzog & Correspondência e
de Meuron, Sauerbruch Hutton, Farshid Moussavi (pioneiro em pesquisas turismo
sobre o tema), e de tantos outros citados no livro (e não citados como O Rio de Janeiro por
Rudy Ricciotti, MuCEM), decorre não apenas da importância crescente das Edouard Manet
texturas e padrões de uma geometria complexa que a manipulação de Eliane Lordello
programas de design computadorizado permite hoje, mas de novas opções de
políticas e subjetividades públicas ou individuais que marcam o mundo 157.02
globalizado, dominado pela comunicação. Observações sobre o
livro Cemitério da
O texto denso e claro (168 páginas) de Antoine Picon, fruto da reflexão esperança
madura de um intelectual prolífico, aflora em múltiplas remissões que Benjamin Moser, um
comprovam um conhecimento antológico e familiarizado com momentos da crítico severo de
tradição histórica da arquitetura e das demais artes – texto que se Brasília
associa a mais de uma centena de imagens explicadas em legendas Edson Mahfuz
inteligentes que dialogam em quase todas as páginas, reforçando a 157.03
argumentação sólida sobre tema incomum, que se apóia em referências A juventude e a
bibliográficas especificas e estimulantes. Como hoje os temas de pesquisa invenção do Brasil
evoluem mais rapidamente que os conceitos criados para explicá-los, o As obras formadoras da
pesquisador precisa estar atento e aberto para enfrentá-los, e passar aos ideia de Brasil e do
alunos-arquitetos os instrumentos para compreendê-los. que é ser brasileiro
Luiz Philippe Torelly
Não se pode mais pensar o ornamento nos termos das antologias
tradicionais, sem levar em conta a reflexão sobre suas acepções na 157.05
contemporaneidade.Em 2010, Antoine Picon já havia lançado o livro Culture As experiências de
numérique et architecture: une introduction (que também conta com uma revitalização em seis
versão em inglês), introduzindo a discussão sobre o impacto das técnicas cidades
digitais na arquitetura e na cidade, a emergência e a experimentação de Nova York, Londres,
novas formas, graças ao computador (1). Abro um parêntese para ressaltar Havana, Buenos Aires,
que a contemporaneidade na cidade e na arquitetura fascina este professor Cidade do Cabo e Rio de
há um bom tempo, basta pensar em outro livro seu, La ville territoire des Janeiro em questão
cyborgs, publicado em 1998. Fernando Carneiro
157.06
Para muitos estudiosos Antoine Picon não precisa ser apresentado. Ele
O padeiro e o sopro
veio ao Brasil pela primeira vez em 1996, em jornada de estudos que
divino
organizei na FAU-USP no âmbito da exposição internacional, “Belo
Abilio Guerra
Horizonte, o nascimento de uma capital” (MASP), que resultou na coletânea
Cidades Capitais do século XIX. Racionalidade, cosmopolitismo e
transferência de modelos, organizada por mim e editada pela Edusp (2001).
Na ocasião, refletíamos juntos sobre o século 19, sobre o haussmannismo,
sua difusão, ou as condições de possibilidade de transferência e
transformação de ideários e “modelos” arquiteturais, debruçando-nos nas
leituras dos sansimonianos – tema que fascinou nossa turma na École des
Hautes Études en Sciences Sociales no final dos anos 80 e inicio dos 90,
quando fomos colegas –, e sobre os quais ele escreveria um livro de
referência anos depois: Les saint-simoniens. Raison, imaginaire et utopie
(2002).

Tivemos outras oportunidades acadêmicas de dialogar com Antoine Picon em


São Paulo no final dos anos 1990 (Escola Politécnica), em Campinas (em
colóquio internacional na PUC-Campinas) quando tratamos da “circulação de
modelos urbanísticos e as transferências culturais entre Europa e
Américas”, e, em 1999, no Congresso Internacional Paisagem e Arte (CBHA),
cuja coletânea que organizei inclui um texto inédito de sua autoria sobre
a paisagem da cidade contemporânea (2). Nessas ocasiões, Picon já
alertava que estávamos entrando em uma nova era urbana e arquitetural que
suscitaria uma redefinição de conceitos e categorias. Ao deixar a França
para ensinar nos Estados Unidos, ele passaria a propor essas inovações
metodológicas e temáticas em seus cursos na Graduate School of Design de
Harvard.

Mais conhecido no Brasil por um dos seus primeiros livros, Architectes et


Ingénieurs au siècle des Lumières (1988), muitas vezes citado aqui em
teses, ou pelo dicionário monumental que acompanhou sua exposição no
Centre Georges Pompidou, L’art de l’ingénier. Constructeur, entrepreneur,
inventeur (1997), Antoine Picon, engenheiro-arquiteto pela École
Polytecnique (Paris) e doutor em História pela École des Hautes Études en
Sciences Sociales, em 1991, tem nos brindado desde então com uma série de
obras e artigos sobre a história da arquitetura e do urbanismo, as
relações entre mudanças científicas e técnicas e as transformações da
arquitetura e da cidade. Atualmente de volta a Paris (onde é pesquisador
na École des Ponts et Chaussées e diretor da Fondation Le Corbusier), ele
divide seu tempo com permanências em Harvard, onde continua a co-dirigir
o programa de doutorado em arquitetura e urbanismo na famosa escola
americana, além de ocupar o cargo de GWare Travelstead Professor of the
History of Architecture and Technology. Feita esta introdução rápida a um
dos historiadores da arquitetura mais produtivos da atualidade, voltemos
à apresentação de seu livro sobre o ornamento na arquitetura
contemporânea.

O livro contém quatro capítulos, cujos títulos falam por si sós de sua
importância e do interesse do conteúdo discutido desde a Introdução, sob
um título-questão instigante, “Arquitetura como ornamento?” – nela, o
autor apresenta duas questões: a superação da relutância e da
desconfiança do Modernismo em reconhecer o caráter crucial do ornamento
na arquitetura e o indiscutível papel e difusão das ferramentas digitais
na profissão do arquiteto – os softwares possibilitaram o jogo com
texturas, cores e padrões altamente decorativos; reconhece, porém, tanto
a complexidade desta evolução quanto o futuro da disciplina e da
profissão, já que limites e posturas tradicionais vêem sendo
ultrapassados. Por exemplo: a cultura digital trouxe importância à
superfície, ao aspecto envoltório dos volumes, enquanto elementos
estruturais adquirem caráter ornamental – o que é pura estrutura torna-se
ornamento, como no estádio olímpico de Pequim (o chamado “Ninho de
pássaro”, de Herzog & de Meuron, inaugurado em 2008), ou em obras em que
o envelope parece importar mais do que a estrutura. É o caso do já
“velho” Guggenheim de Bilbao (Frank Gehry, 1997), e de uma obra mais
recente, que não entrou no livro em questão pois ainda não estava
concluída, mas que Picon tem mencionado em palestras e entrevistas
recentes: o MuCEM, Museu das Civilizações da Europa e do Mediterrâneo em
Marselha (Rudy Ricciotti, 2013). Este museu é recoberto por uma espécie
de renda de concreto vazado a efeito de paredes-moucharabieh, em que o
pesado material dá a impressão de uma “pele superficial” que confere uma
dimensão autônoma ao revestimento, anula a relação orgânica interior
/exterior e cria visibilidades muito bem sucedidas do entorno da cidade e
de seus monumentos.
Museu das Civilizações da Europa e do Mediterrâneo – MuCEM, Marselha, 2013.
concreto rendilhado que envolve parte do edifício, visto do interior da galeria
que circunda o museu
Foto Heliana Angotti-Salgueiro, 2014

O conteúdo do livro de Antoine Picon distribui-se em 4 partes todas


amplamente ilustradas com exemplares da arquitetura de todas as épocas e
da contemporânea, para mostrar que o que se entende hoje por ornamento é
bem diferente das acepções dos períodos anteriores. O Capítulo 1
intitula-se “Um retorno problemático”, e se divide em três partes, que
traduzo livremente do original em inglês: a) O revival do ornamento na
arquitetura contemporânea; b) Texturas, modelos e topologia: um ornamento
diferente; c) O subjetivo e o político. O Capítulo 2, “Ornamento de
subjetividade”, desdobra-se em seis partes: a) O rosto da arquitetura; b)
O arquiteto entre regras e invenção; c) Artistas, artesãos e a fabricação
do ornamento; d) De clientes a observadores (passers by); e)
Industrialização e impulso ornamental; f) O fantasma do ornamento. O
Capitulo 3, “Políticas do Ornamento”, também apresenta três partes: a) Do
econômico ao político; b) Comunicação e estilo; c) O poder da decoração
arquitetural. O Capitulo 4, “Reinventando o significado do ornamento”
fecha o livro, destacando: a) Novo tema arquitetural; b) Incertezas
políticas; c) Significados e símbolos.

Sobre a referida “volta” do ornamento, Picon deixa bem claro: esta nada
tem a ver com aquela “volta” que o pós-modernismo deu lugar; não se trata
aqui de uma re-interpretação da tradição clássica, de “renascença”, mas
de mutação inédita: consequência de uma revolução inimaginável há 30 anos
atrás, a da instrumentação digital na prática do projeto que possibilitou
entre outras coisas, a mudança do status do ornamento, tornando-o
inseparável da superfície do edifício – o ornamento é a superfície e não
mais o “suplemento”, ou o “acessório” execrado pelo modernismo (acepções
hoje obsoletas graças às análises dos historiadores que revisaram o
século 19 e a historiografia que o estigmatizava). Se o ornamento
tradicional era localizado em certas partes (outra diferença
fundamental), o ornamento na arquitetura contemporânea apresenta-se
inseparável do envelope do edifício e, portanto, afigura-se
indispensável, pois muitas vezes cobre toda a fachada: “a kind of global
surface condition”, observa Picon ao responder sobre sua argumentação.
Não se trata então de algo acrescentado, de “plumas no chapéu”, como
ironizava Le Corbusier nos anos 1920, entre os modernos, que segundo
Picon, não foram capazes de se comunicarem com o público, exporem a
função de um edifício, ou seus significados institucionais.

O ornamento contemporâneo não é mais sinal de ranking social ou tem a ver


com a compreensão imediata do seu papel simbólico, pois desligado da
esfera de compreensão tradicional. Hoje, o ornamento que “volta” é um
apelo ao prazer, à produção de efeitos que respondem à comunicação
contemporânea, às novas subjetividades do observador, inaceitáveis no
idealismo utópico dos modernistas e seus seguidores que queriam organizar
o mundo à sua maneira. Antoine Picon observa que “o papel da arquitetura
não é mudar o mundo, mas expressá-lo como ele é”.

Outras obras antecedem seu livro, embora em outras direções, conforme


informa Picon: o livro de Farshid Moussavi e Michael Kubo, The Function
of Ornament (3), Barcelona: Actar, 2006, confere importância a materiais
e texturas como dimensões determinantes da arquitetura contemporânea,
como se vê no estádio olímpico de Pequim já citado; a diferença é que
esses autores negam qualquer simbolismo ao ornamento “globalizado”. Neste
particular, Picon argumenta que no aeroporto de Djeddah (OMA, 2007), a
referência à arquitetura árabe tradicional ou a citação de um passado
cultural que lhe é próprio já era, porém, inegável (4). Observação que
mostra a complexidade do emprego do novo ornamento, em que predominam
“sensibilidades tecnológicas estruturantes e estruturadas”, e um
“imaginário numérico de inovações arquiteturais”, a partir dos anos 1990.

Se antes o ornamento era exibido com as finalidades individuais de


distinção, prestigio e hierarquia social, do puro deleite ao signo de
status e riqueza, e como elemento de comunicação funcional,
institucional, ou pleno de significados político-pedagógico em monumentos
públicos (ligado à tradicional tríade vitruviana), hoje, o ornamento é
indissociável das relações com a subjetividade, com a “sociedade
ornamental altamente individualizada em que vivemos”, em que a
comunicação pura e simples conta mais do que a mensagem (observação do
autor em entrevista sobre o livro).

Ao longo das páginas deste livrinho denso, Antoine Picon nos dá uma lição
magistral de cultura arquitetural e técnica para se compreender melhor
tanto a complexidade histórica do ornamento, quanto seu significado
paradoxal e onipresença atual. Este ornamento, inscrito nas
sensibilidades perceptivas características da era digital é, sobretudo,
inseparável das novas tecnologias que possibilitaram ao arquiteto jogar
com texturas, padrões e tramas altamente decorativos, em resposta às
aspirações subjetivas do observador do nosso tempo, que busca se
comunicar mesmo sem ter uma mensagem explícita (5).

notas

1
Se antes o ornamento possuía um conteúdo escultural e simbólico, hoje, ligado
diretamente à superfície, o ornamento é mais um envelope com motivos repetidos
infinitamente do que uma decoração localizada, esculpida ou aplicada. Cf.
PICON, Antoine. Culture numérique et architecture: une introduction, Basiléia,
Birkhäuser, 2010, especialmente o capítulo “De la tectonique à l’ornement: vers
une nouvelle matérialité”, quando ele apresenta a “reinvenção do ornamento”,
tema central do livro a que estamos nos referindo nesta resenha.

2
Ver: PICON, Antoine. De la ruine à la rouille, les paysages de l’angoisse. In
SALGUEIRO, Heliana Angotti (org.), Paisagem e arte. A invenção da natureza, a
evolução do olhar. São Paulo, CBHA/CNPq/Fapesp, 2000.

3
Lembro que esse título já foi usado por estudiosos do século 19 como David Van
Zanten e Win de Wit, no catálogo da exposição Louis Sullivan. The Fonction of
Ornament em 1986. Apesar da originalidade de Sullivan ao estender o ornamento
de terracota moldando superfícies inteiras de edifícios, a concepção era ainda
presa ao papel escultural ou simbólico, localizado e tradicional do ornamento,
embora industrializado. Sabe-se que o ornamento foi muitas vezes considerado
“suspeito” ou “criminoso” – o século 19 foi o maior crítico de si mesmo e seu
olhar negativo marcou a historiografia durante quase 100 anos, quando se passou
a estudá-lo sem preconceitos nos anos 1980. Antoine Picon ressalta em seu livro
algumas das diferenças entre esse e outros “impulsos” ornamentais do passado,
em relação ao ornamento produzido na arquitetura contemporânea, fruto da
instrumentação digital.

4
Ver a respeito, Robert Levit, “Contemporary ‘Ornament’: The Return of the
Symbolic Repressed”, in Harvard Design Magazine, n. 28, primavera/verão 2008,
p. 70-85.

5
Para saber mais: ver os seminários de Antoine Picon sobre Digital Technology
and Architecture, gravados no You Tube, e a bibliografia do livro Ornament. The
Politics of Architecture and Subjectivity, exemplar acessível em Wiley Online
Library.

sobre a autora

Heliana Angotti-Salgueiro é historiadora da arquitetura e do urbanismo pela


EHESS de Paris e possui livros e artigos publicados em várias áreas, como a
história da arte, história urbana e história da fotografia moderna. Foi
professora titular da Chaire Brésilienne en Sciences Sociales Sergio Buarque de
Holanda (Maison des Sciences de l’Homme), e atualmente é pesquisadora com bolsa
da CAPES junto ao PPG-AU da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

comentários

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Genival Lima · Plastic arts em Atelier Pe Geraldo Leite Bastos


Esses textos só nos acrescenta e nos faz viajar na Arquitetura
Contemporânea.
Curtir · Responder · 29 de janeiro de 2015 00:14

Regina Tirello · Teacher em University of Campinas


Muito bom!
Curtir · Responder · 14 de fevereiro de 2015 12:03

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