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Uma Segunda Vida
A Toda a Gente de Bem
Victor Mota
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Victor Mota
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Se, por acaso da fortuna ou dos infortúnios nos fosse dado viver uma
segunda vida na terra, se é que isto não está já previsto nas religiões
família, se não nos fosse dado a escolher alguma forma de vida eterna,
mas uma segunda vida, seja para nos redimirmos ou simplesmente por
o corpo e para onde ela irá, para uma segunda vida eterna ou para uma
que em nada tem a ver com o que já vivemos. E porque a memória do que
que não vivemos do que o que vivemos. Alguns diriam, doutras paragens,
revelou na música ao lado de Bach. O autor não quer sugerir que se pode
revelar por meio da escrita, mas assim o entender o leitor, que assim seja.
Meio trabalhoso para o espírito esta forma de pensar por palavras. Seria
como a nossa vida se fosse ela uma segunda oportunidade para nos
realizarmos, supondo que uma vida não chega para realizarmos o que
vida humana nos é dada e só uma devemos viver, de acordo com a crença
em que fui educado. Mas há outras crenças, é certo. É isso que pretendo
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de termos uma outra vida e uma outra juventude. É certo que a maioria
que está em causa é o amor, tarde ou cedo descobrimos que este está bem
escapes doentios, vemo-nos num túnel sem saída mais tarde ou mais cedo.
Por isso aqui advogo que o amor deve ser vivido no meio em que
Platão, mas tento contar a minha experiência da melhor forma que sei,
para que sirva de exemplo a um qualquer jovem leitor que se refugie nas
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cedo nos jovens, à revelia de uma imagética perversa, que não nos deixa
Pois é isto que eu pretendo esclarecer. Que não vale a pena ver filmes ou
pequeno passo que o mais comum dos mortais sensível e ingénuo não
sabe discernir. Por isso pode cair numa espiral de sensualidade doentia
antes de mais de amar, como toda a gente o faz sem contudo a maioria se
nas suas vidas. Mesmo assim, um dia, mais cedo ou mais tarde, todos nos
ser solucionada, se é que o instinto sexual tem ou pode ter regra. Por isso,
a este respeito, tentarei contar o que faria se tivesse uma segunda vida.
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noto que o meu corpo está fraco e a minha alma quebrantada. Atravessei
e com Deus, para viver uma vida normal depois de uma sexualidade mal
vivida. Digo e repito, quem sou eu para aconselhar uma boa sexualidade
sensação de sede que nunca mais se acaba, na mais límpida das águas das
civilização. Pelo olhar ela conquista, pelo olhar esta civilização se perde.
olfacto. Para os que fumam este último sentido está algo desvirtuado,
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natureza que temos em nós próprios. Tarde a vida nos ensina como vivê-
prolongar o tempo da sua obra. Não há que adiar a morte, quando ela
vier, que venha de frente, para que eu possa vê-la, que venha como um
touro, para que possa agarrá-la pelos cornos. Depois dessa luta terei paz,
negada, contudo não atribuo culpas aos meus por isso, apenas a busco
como quem deseja uma mulher sabendo que irá ter filhos dela,
escrita não é deste tempo, eu diria que não é de tempo algum não sendo
todavia eterna. Ela celebra o desejo em todas as épocas, dos livros que li,
das paisagens que não contemplei, pois que estou numa quarto frio como
Júlio Verne escrevendo até altas horas. Dirão outros leitores, que a ciência
quotidiana. Dirão alguns leitores que não estava Jerónimo fadado para a
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se em pensamentos que não são nossos, apenas nos são emprestados. Por
uma razão ou por outra o passado está sempre na nossa mente. Mas
passado amarfanhado, talvez não tivesse estofo para ser feliz ou tivesse
uma forma de felicidade segura, que garantisse ao fim dos anos na terra
dada uma segunda vida teria de ter em conta o ambiente em que viveria a
que tive, as oportunidades para ser feliz, não se repetiriam mas não
noutro planeta. Talvez a forma de ter uma segunda vida seja gerar um
novo ser, transmitir algo que é em parte meu para um novo ser, que
continue alguma obra que tenha começado. Mas talvez acredite que a
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consciência com que vivemos este tempo terreno pode de alguma maneira
ser repetida num cenário distinto, de modo que tenhamos uma lembrança
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O amor pode nascer de novo e a idade mais adulta pode ser vivida com
alguma paz e saúde. O desafio não é nunca ter errado. Cheio de homens
história para conta. Ter uma história para contar é um lugar comum, é
Decerto que não entraria num seminário, pois isso combinado com a
desde cedo trabalhar, fazer planos sim, mas cumpri-los a longo prazo,
mais triste ainda do que um homem que não concretizou os seus ideais.
Certamente que me daria mais com os outros, mas nunca mais acreditava
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que todos os homens são bons. Quem assim vive está enganado. Os
emancipação. Decerto que não ouviria tanto as boas vozes que andam
para aí, dizendo que tudo é possível, que tudo pode ser visível, legível,
nos sobe ao cérebro e nos paralisa e entendemos tarde que não vamos
onde qualquer um está disposto a levantar a voz para nos calar em nome
ideais por que valia a pena lutar e vemos a meio da vida que se trata de
pessoa. Devia de ter acreditado em certas coisas que ouvia, contudo. Devia
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erros. Quem sabe se não iremos por esse mundo fora, já vamos com a
as mulheres da terra só querem casar com alguém bem visto, não desejam
boas meninas e ser bem vistas. Esperei longo tempo para pensar desta
maneira. Neste país pequeno, querem ser vistas socialmente com alguém
com boa fama, com bom conceito social, o senhor professor, o senhor
que me refugio nas palavras escritas, que procurei mulheres não pelo que
elas eram realmente para mim, mas em função do que eram para os
coração, decerto que agiria de outro modo. Mas para isso existe a
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Tive tudo na mão e deixar fugir, agora resta-me o consolo de não ter de
maneira. O passado é sobretudo uma grande lição, pelo que esta é uma
obre sobre passado mas também sobre futuro, sobre as lições que
conhecer o mundo e estamos a meio da vida com tempo para fazer tudo,
contudo a saúde nem tudo permite. Jerónimo tinha apetência especial por
familiar não ser favorável, desejava ter um filho, sonhava ainda com um
futuro onde agisse mais e pensasse menos. Contudo esta problemática era
complicada para a sua mente. Vivia ainda num país católico. Ele mudara
franciscano. Tinha ainda muita coisa a fazer na vida, sentia-o, uma delas
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Quem sabe depois a sua morte lhe fizessem a justiça de ler os seus escritos
e compreendessem que não fora tarde demais. Os seus filhos eram os seus
livros. Aquele ano de 2006 tinha sido especialmente longo. Fora o Natal,
aprendia ainda como uma criança adulta, a viver dia após dia, é certo que
arranjasse algum trabalho que lhe desse algum proveito da vida em velho.
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conclusão de que a vida é uma luta constante por justiça e que não vale a
atrás no tempo. De facto, não podemos voltar atrás no tempo senão pela
nossa memória das coisas. Contudo, o que nos marca é uma herança
assim se tornaram. A escrita, bem como a ciência é uma obra de arte que
formas de expressão deixam uma ponta para que alguém lhes pegue, não
vidas certamente o devem merecer, pois do acto de nascer uma vida nasce
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meu pai ou a quem quer que seja. Algum caminho devo prosseguir, tive
que o reconhecimento vem com a idade. Não basta persistir nem bater a
ter visto as coisas somente pela nossa cabeça. E é aqui que entra a ciência.
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perguntava se algum dia amei, eu disse que sim, primeiro uma forma de
de pé, pois se não amasse este mundo, com todas as suas incongruências
que não me suponho a explorar, é o amor a qualquer coisa que ainda não
vivi, uma saudade de algo que ainda não se alcançou, é por isso que
persisto, ainda que sozinho, ainda que tivesse sido mais fácil ter entrado
nas palavras dos outros, pedir conselhos, tudo isso todavia o fiz e continuo
todas as injustiças. Talvez defenda a tese que se deve provar o bem pelo
mal. E seja maquiavélico. Este excesso de Eu não me larga desde que tenho
superar.
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que transmitamos energia positiva aos outros. Mas de que vale a pena
claro que vale a pena, quanto mais não seja pelo reflexo que essa energia
outro modo, ser produtivo, aproveitar a vida tal qual ela se nos oferece. As
coisas do sexo são das mais entusiasmantes que há e não são inconciliáveis
esperas para encontros que toda a gente mais tarde ou mais cedo faz.
algo de bom, que deus contempla e aprova, desde que feito com paixão. Se
puder haver amor, melhor ainda. Mas já passou o tempo em que Jerónimo
parceira certa e levar a sua por diante, por assim dizer. Sexo, religião,
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não podemos exigir nem pedir a uma mulher que faça sexo connosco pelo
satisfação, é a satisfação mútua. Por isso, porque Jerónimo não quer sofrer,
arrisca o amor, mesmo que depois venha uma desilusão. Quem sabe pode
encontrar o amor eterno na terra. Há quem duvide disso, mas ele ainda
que era mais problemático para Jerónimo seria como tornar-se um ser
com este actor lhe ficara na retira e este fora O Jogo. Há toda uma
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enquanto é tempo, as pessoas que passaram pela sua vida e que lhe
tocaram no Ego. No fim deste livro segue uma lista de nomes que servem
de referência à vida do seu autor. Seja como for, o autor não terminara
pensar no que fez e no que poderia ter feito, mas não havia volta a dar,
agora tinha de seguir em frente, mesmo que lhe virassem a cara, mesmo
que o insultasse, pois já não o podiam ferir mais, estava convencido que
podia após 35 anos de vida fazer alguma coisa por si e pelos seus. O
desejo não estava morto, se supusermos que Jerónimo se queria ver livre
e lhe dava dor de cabeça. Que mais ética podiam exigir a quem conteve o
desejo até perto dos 24 anos? Isto é crime, por acaso? Por se conter
pena que a memória não seja feita só de boas coisas, mas mantém o
sua vida e ainda tinha consciência de Si. Isto dos boatos pode arruinar a
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amar. Não quero confundir amor com sexo. Não quero confundir amor
nosso corpo, mas quando se torna uma doença há que reconhecer que há
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entregar a tais práticas quando à sua volta tudo era descoberta, só faltava
descobrir o corpo do Outro e logo talvez a sua alma? Não acreditamos que
inquérito que diz que 20% das mulheres portuguesas fingem orgasmo? É
estas realidades, estamos nós portugueses a passar por isto sem que tal
a conflitos, porém a gestão de conflitos não era o seu forte. Que evita
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outro lado, no nosso próprio terreno, mesmo debaixo dos nossos narizes.
Devia ter sido mais avisado e ter lutado contra os concorrentes. A ideia
prazeres. Talvez tenha sido, talvez tenha sido isso e muito mais. A ideia do
amanhã. Nesta vida tudo é possível, para quê pedir uma segunda vida?
para publicar. Como sempre pagou para ter todas as coisas. Este é o
aspecto económico da coisa. O pior foi a boca que ouvia antes do encontro
com a revisora do texto, “és muito espertinho”, foi como uma lança vinda
do fundo dos tempos que lhe trespassou os rins. Porra, ele ia pagar para
lhe reverem o texto, depois teria de pagar para publicar e ainda assim lhe
espontaneidade. Seja como for, Jerónimo tinha sido culpado logo aos 18
aproximar-se dela. De tanto pensar fez asneira. Será que há mais gente
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assim por aí? Tudo tão fácil e ele tinha logo de escolher o caminho mais
difícil, mais complicado! Seja como for, Jerónimo não pedia que o
dormia bem, com sonhos que projectavam a sua consciência para longe,
para o passado, para o futuro que era incerto. A tempo parecia-lhe eterno.
outros carros passarem por ele como a vida, a sua vida nas mãos dos
outros, passando por ele e ele não podia fazer nada. Não podia abrir a
remediar o que não fora certo. Contudo, o futuro estava aí, todos os dias,
como a chuva que cai sem parar, como a neve. Decerto que descrever todo
o estado psicológico desta personagem não lhe garante uma segunda vida,
Jerónimo não tivesse desejo decerto que o ajudariam. Teria de negar todas
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lutar, sabendo que era sensível à situação dos outros, contudo teria de ver
a sua situação. Não estava disposto a ceder mais perante a liberdade dos
que vivia aquele tempo parecia morto, contudo Jerónimo não negava que
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em Vila Franca de Xira seria difícil encontrar lugar sentado. Sabia que lhe
isso alimentava a sua sede de viver: o prazer dos encontros a que estava
entregue desde que saíra da sua aldeia para estudar. Lisboa aparecera-lhe
a seus olhos como uma capital de cultura, onde se abriu para o mundo
foi bem um fechamento, foi uma reclusão, onde conheceu de perto Deus e
comparada com a de outros. Mas a ideia que tinha de Lisboa era de uma
primor e desmesura. Podia muito bem, nas ruas, estar ainda no século XIX
numa cidade perigosa, cheia de máfias, onde o mais pequeno percalço era
questão é como saber lidar com ele. Em Lisboa conhecera alguns amores,
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construir uma carreira, sabendo bem que a sorte dos homens não se faz de
por mistérios da vida, que não são insondáveis aos olhos dos outros, que
Alameda para Arroios e na praça do Chile tomou autocarro para sua casa.
lhe faltava um trabalho onde se realizasse. Não queria ter a ver com o
audiovisual, com a televisão, pois achava que se vivia naquela altura uma
a realidade. Descansou, pois, no sofá que seus tios do Feijó lhe tinham
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Talvez algumas pessoas, como Dona Idália, cujos filhos haviam nascido no
lugar onde hoje tem casa, vivessem ainda no bairro. Talvez a sua filha
os seus problemas e alegrias. Ou, mesmo que não fosse assim, havia de
onde estaria Caroline, a jovem francesa que deixara à porta de casa dois
anos antes? Perdera o seu rasto e tinha remorsos quanto a isso. Mulheres
percorriam o seu corpo e perdiam-se na sua alma até não haver mais
vista. Selina, uma jovem dos seus 41 anos procurava ainda realizar o seu
lhe fazerem um filho, pois que casar com aquela mulher feia não queria.
Ela, no entanto, recusara. Tudo bem, que mas queria ela? Um pai da
certeza que não iria encontrar ninguém que a quisesse, apesar de ter boas
dinheiro aos sobrinhos, pois que aos 41 anos ter um filho não é coisa fácil.
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interessantes por aí, bastava procurar, estar atento, deixar o tempo passar.
Não fizera nada de errado na sua vida, não havia nada de errado com ele,
podia estar descansado. Apenas estava um pouco stressado por não ter
emprego, coisa que acontece com muito boa gente. Mas os seus
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mas guardava-os consigo nos seus pensamentos. Seja como for, todos se
Que fazer aos trinta anos quando tinha já pouca força? Uma nova
para a sua vida de inactividade. Mas não adiantava de nada olhar para o
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passado. Podia desde cedo ter tomado uma posição de força, uma atitude
de força. Bastava estar atento, fazer o seu próprio dinheiro, ganhar a sua
verdadeiro amor ainda, aquele que não se chama amor, pois que a palavra
está demasiado abusada nos dias que correm, não é amor a relação por
no verdadeiro amor. Até quando iria ele resistir? Iria continuar a lutar,
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